Atlântico Norte, a Laguna de Alavário e o porto de Aveiro – pp. 17-21


IV – Acerca das origens de Ílhavo

Por falarmos em fenícios e do pressuposto da sua possível passagem pela Laguna, por historicamente se saber, terem atingido as Cassitérides nas Ilhas Britânicas, o que impunha forçosa passagem por aqui, na medida em que, naquele tempo, a rota era rente à praia, não queremos deixar esta oportunidade, sem afirmar a nossa duvida, de este povo ou outro qualquer que por aqui tenha passado, deixasse raízes ou vínculos a formar povoados.

Os semitas cananeus, que nos legaram o alfabeto, eram oriundos da Ásia Menor, povo de acentuado carácter mercantilista e perito no fabrico do bronze, sempre e só se fixou, quanto sabemos, onde houvesse minério de estanho e cobre, bastante para a promoção da sua indústria, e condições geográficas de comunicação, propícias ao fomento dos seus negócios, como aconteceu em Tartasso, na foz do Guadalquivir, Cadiz, Almunecar, Adra e Málaga, entre muitos outros.

Não restam dúvidas que, entre os séculos XX e X a. C., isto é, ao tempo que os fenícios teriam por aqui passado, a caminho do Norte, a costa continental da Laguna, onde hoje se localiza Ílhavo e Aveiro, não oferecia, a quem chegasse do oeste, mais do que deserto inóspito de areias movediças, periodicamente agravado por inundações de maresia, em marés vivas e tempestuosas.

A ideia de que Ílhavo tenha origem fenícia, por povoação antiquíssima de gente ligada exclusivamente às lides do mar, que extravasaram os próprios limites da Laguna, parece-me extremamente excessiva e nada coerente, para quem conheça as tendências e índole dos ílhavos. / 18 /

Enquanto os fenícios foram, acima de tudo, metalúrgicos e inventivos, o que os obrigava, para dar saída à sua produção e comercializá-la, seguir os caminhos mais fáceis, então os costeiros do mar, especialmente no caso do Mediterrâneo, onde se estabeleceram com feitorias, quer na orla sul como a norte, deste mar.

Os ílhavos, contrariamente, foi gente nascida e criada no centro piscatório e salineiro que era a Laguna, extravasada apenas para seguir ao longo da costa norte ou para sul a dobrar o S. Vicente já nos Algarves, a fundar feitorias, sempre e só em actividades pesqueiras.

Curiosamente a gente de Ílhavo, nada tem de semelhante ou parecida aos fenícios, pois ainda hoje é, como sempre foi, autentica negação no comércio e negócio. Para todo o lado que emigra, foi sempre e só pescador, a trabalhar por conta de outrem. Raramente quis ser ou se fez, proprietário dos barcos onde trabalhava.

Embora saibamos que, até na leitura e interpretação de documentos históricos, surgem sempre divergências e diferentes opiniões, neste caso do parentesco dos fenícios com ílhavos, suponho e admito, dever-se aos românticos dos séculos XVIII e XIX e às suas divagações poéticas, criadas pela imaginação de algum apaixonado por mulher desta região, cuja exótica beleza, não tenha encontrado outro termo comparativo, nem semelhança, senão nos remotos cananeus que, muito tempo depois da sua possível passagem por aqui, já então no séc. I a.C, mesmo na própria Ibérica, onde sempre se mantiveram, eram chamados
sírios.

Entretanto em 1922, ter-se-á juntado a isto, como a fortificar a mística dos românticos, qualquer errónea leitura e deficiente interpretação da monografia do projecto de brasão de armas concelhio, da autoria do nosso conterrâneo e insigne etnógrafo e historiógrafo, António da Rocha Madahil, que fora Director das / 19 / Bibliotecas da Universidade de Coimbra e Braga, não obstante na própria monografia, chamar a atenção, «não ser seu propósito, indicar a colonização fenícia, como origem da povoação, onde hoje se localiza Ílhavo».

Convidado pela autarquia ilhavense a estudar esse projecto, com a sugestão da possível adaptação da heráldica, dos seus mandatários ao brasão de Ílhavo, Rocha Madahil não só desenvolveu um profundo e pormenorizado estudo, a contrariar o sugerido, como ao mesmo tempo, a propor do seu imaginário, um brasão que se ajustasse e simbolizasse a tradicional e muito antiga índole marítima, (não a do marzinho mas a do mar largo), dos ilhavos, isto é, uma embarcação dos primórdios da história, que poderá ser fenícia, mas nada garante que o seja.

A produção de sal em Aveiro, uma das mais setentrionais paragens onde ainda hoje é explorado do mar, deve ter tido início nos primórdios do Holoceno, ou talvez antes, há pelo menos 20.000 anos, aparecido espontaneamente nas praias arenosas, recônditas e abrigadas, a norte do estuário do Vouga e seus afluentes, onde as águas eram, com certeza, mais calmosas e mais salínicas.

Se por um lado é, de todo impossível, imaginar o que terá, de um modo geral, acontecido nos últimos 10.000 anos do Heloceno, quando a idade glaciar evoluía acentuadamente para o fim, com o degelo das massas, que antes cobriam ambos os hemisférios, para norte e para sul dos trópicos, de Câncer e Capricórnio, por outro lado julgamos ser também inimaginável, tentar pormenorizar as transformações sofridas na Laguna, arrumando-as e localizando-as no espaço e no tempo, ao longo dos últimos 10.000 anos que durou a descongelação deste último período glacial.

A evolução climática, que fundiu essas enormes massas geladas, fez vida em grandes áreas continentais e crescer, além do nível médio dos Oceanos em mais 137 metros de altura, como também o Golf Stream, que então se confinaria no Atlântico, ao / 20 / redor dos 40º de latitude norte, onde começaria o Oceano Glacial Árctico e por tal aí, na confluência dessas duas águas, quentes e frias obviamente, nas costas ocidentais da Península Ibérica, apareciam a sobreviver e reproduzir-se os gadideos.

Quando terá sido?

Se entretanto admitirmos que, no século XIII d. C., isto é, cerca de um milénio depois de o tempo que anteriormente me referi e lutas chefiadas por Viriato, contra a estadia e avanço dos romanos na Lusitânia, que outros lusos, porém nas praias do oceano, lutavam arduamente também, mas apenas contra ventos e marés a pescar gadus morua e eglefin, para sobreviverem no dia a dia, cuja história nunca fora contada nem jamais alguém a fará. Fora então... quando...? Esses míseros pescadores, para manter este peixe sempre perto de si e o pescar, tiveram de embarcar e ir norte fora, por ai acima até arribar a sul das Ilhas Britânicas, onde o bacalhau então já ali tinha chegado.

Fora então que aqui, como não bastassem as penas sofridas pela dureza do mar e pescas, ainda passaram a sofrer a dureza e inclemência das perseguições e prisões dos povos nativos que por ali viviam.

Até que, cerca de um século depois de ali chegados e iniciados enfim, aparecera um nosso rei, D. Dinis, que à semelhança de um qualquer magnífico Deus, através da sua concertada política, conseguira melhorar o trato de pelo menos os governantes, já que entre os povos a simpatia e amizades, não se fazem por decretos ou convénios, senão antes, além das mercês, por trocas e benesses, entre as partes.

Mas o mundo não pára, nem nunca parou, com o dia de ontem só aparentemente igual ao de hoje em tudo até no clima, mas sempre a mudar quase imperceptível, de modo a nós, seres viventes não nos apercebermos, salvo algum raro idoso cuja memória não acompanhara a decrepitude física, continuando a discernir. / 21 /

Ora, não esses mesmos gadideos, mas seus multitudiarios descendentes, com o natural aquecimento do Planeta, desde o seu último período glaciar, acabado há cerca de 40.000 anos, que desde então tem vindo lenta mas progressivamente aquecer e tudo a alterar na Terra, de tal modo que para os encontrar, eu próprio em 1969, último ano que fui pescador, para os capturar só lá os encontrei, norte acima no Mar de Barentz, entre a Ilha dos Ursos e o arquipélago das Sptzbergs, isto é entre os paralelos 79º 00' e 80º 00' graus norte. E mesmo assim, era tal o seu estado letárgico e fora do fundo, que eu só os consegui capturar e em abundância, utilizando um aparelho e rede, dita pelágica.