Por falarmos em fenícios e do pressuposto da sua possível passagem pela
Laguna, por historicamente se saber, terem atingido as Cassitérides nas
Ilhas Britânicas, o que impunha forçosa passagem por aqui, na medida em
que, naquele tempo, a rota era rente à praia, não queremos deixar esta
oportunidade, sem afirmar a nossa duvida, de este povo ou outro qualquer
que por aqui tenha passado, deixasse raízes ou vínculos a formar
povoados.
Os semitas cananeus, que nos legaram o alfabeto, eram oriundos da Ásia
Menor, povo de acentuado carácter mercantilista e perito no fabrico do
bronze, sempre e só se fixou, quanto sabemos, onde houvesse minério de
estanho e cobre, bastante para a promoção da sua indústria, e condições
geográficas de comunicação, propícias ao fomento dos seus negócios, como
aconteceu em Tartasso, na foz do Guadalquivir, Cadiz, Almunecar, Adra e
Málaga, entre muitos outros.
Não restam dúvidas que, entre os séculos XX e X a. C., isto é, ao tempo
que os fenícios teriam por aqui passado, a caminho do Norte, a costa
continental da Laguna, onde hoje se localiza Ílhavo e Aveiro, não
oferecia, a quem chegasse do oeste, mais do que deserto inóspito de
areias movediças, periodicamente agravado por inundações de maresia, em
marés vivas e tempestuosas.
A ideia de que Ílhavo tenha origem fenícia, por povoação antiquíssima de
gente ligada exclusivamente às lides do mar, que extravasaram os
próprios limites da Laguna, parece-me extremamente excessiva e nada
coerente, para quem conheça as tendências e índole dos ílhavos.
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Enquanto os fenícios foram, acima de tudo, metalúrgicos e inventivos, o
que os obrigava, para dar saída à sua produção e comercializá-la, seguir
os caminhos mais fáceis, então os costeiros do mar, especialmente no
caso do Mediterrâneo, onde se estabeleceram com feitorias, quer na orla
sul como a norte, deste mar.
Os ílhavos, contrariamente, foi gente nascida e criada no centro
piscatório e salineiro que era a Laguna, extravasada apenas para seguir
ao longo da costa norte ou para sul a dobrar o S. Vicente já nos
Algarves, a fundar feitorias, sempre e só em actividades pesqueiras.
Curiosamente a gente de Ílhavo, nada tem de semelhante ou parecida aos
fenícios, pois ainda hoje é, como sempre foi, autentica negação no
comércio e negócio. Para todo o lado que emigra, foi sempre e só
pescador, a trabalhar por conta de outrem. Raramente quis ser ou se fez,
proprietário dos barcos onde trabalhava.
Embora saibamos que, até na leitura e interpretação de documentos
históricos, surgem sempre divergências e diferentes opiniões, neste caso
do parentesco dos fenícios com ílhavos, suponho e admito, dever-se aos
românticos dos séculos XVIII e XIX e às suas divagações poéticas,
criadas pela imaginação de algum apaixonado por mulher desta região,
cuja exótica beleza, não tenha encontrado outro termo comparativo, nem
semelhança, senão nos remotos cananeus que, muito tempo depois da sua
possível passagem por aqui, já então no séc. I a.C, mesmo na própria
Ibérica, onde sempre se mantiveram, eram chamados
sírios.
Entretanto em 1922, ter-se-á juntado a isto, como a fortificar a mística
dos românticos, qualquer errónea leitura e deficiente interpretação da
monografia do projecto de brasão de armas concelhio, da autoria do nosso
conterrâneo e insigne etnógrafo e historiógrafo, António da Rocha
Madahil, que fora Director das
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Bibliotecas da Universidade de Coimbra e Braga, não obstante na própria
monografia, chamar a atenção, «não ser seu propósito, indicar a
colonização fenícia, como origem da povoação, onde hoje se localiza
Ílhavo».
Convidado pela autarquia ilhavense a estudar esse projecto, com a
sugestão da possível adaptação da heráldica, dos seus mandatários ao
brasão de Ílhavo, Rocha Madahil não só desenvolveu um profundo e
pormenorizado estudo, a contrariar o sugerido, como ao mesmo tempo, a
propor do seu imaginário, um brasão que se ajustasse e simbolizasse a
tradicional e muito antiga índole marítima, (não a do marzinho mas a do
mar largo), dos ilhavos, isto é, uma embarcação dos primórdios da
história, que poderá ser fenícia, mas nada garante que o seja.
A produção de sal em Aveiro, uma das mais setentrionais paragens onde
ainda hoje é explorado do mar, deve ter tido início nos primórdios do
Holoceno, ou talvez antes, há pelo menos 20.000 anos, aparecido
espontaneamente nas praias arenosas, recônditas e abrigadas, a norte do
estuário do Vouga e seus afluentes, onde as águas eram, com certeza,
mais calmosas e mais salínicas.
Se por um lado é, de todo impossível, imaginar o que terá, de um modo
geral, acontecido nos últimos 10.000 anos do Heloceno, quando a idade
glaciar evoluía acentuadamente para o fim, com o degelo das massas, que
antes cobriam ambos os hemisférios, para norte e para sul dos trópicos,
de Câncer e Capricórnio, por outro lado julgamos ser também
inimaginável, tentar pormenorizar as transformações sofridas na Laguna,
arrumando-as e localizando-as no espaço e no tempo, ao longo dos últimos
10.000 anos que durou a descongelação deste último período glacial.
A evolução climática, que fundiu essas enormes massas geladas, fez vida
em grandes áreas continentais e crescer, além do nível médio dos Oceanos
em mais 137 metros de altura, como também o Golf Stream, que então se
confinaria no Atlântico, ao
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redor dos 40º de latitude norte, onde começaria o Oceano Glacial Árctico
e por tal aí, na confluência dessas duas águas, quentes e frias
obviamente, nas costas ocidentais da Península Ibérica, apareciam a
sobreviver e reproduzir-se os gadideos.
Quando terá sido?
Se entretanto admitirmos que, no século XIII d. C., isto é, cerca de um
milénio depois de o tempo que anteriormente me referi e lutas chefiadas
por Viriato, contra a estadia e avanço dos romanos na Lusitânia, que
outros lusos, porém nas praias do oceano, lutavam arduamente também, mas
apenas contra ventos e marés a pescar gadus morua e eglefin,
para sobreviverem no dia a dia, cuja história nunca fora contada nem
jamais alguém a fará. Fora então... quando...? Esses míseros pescadores,
para manter este peixe sempre perto de si e o pescar, tiveram de
embarcar e ir norte fora, por ai acima até arribar a sul das Ilhas
Britânicas, onde o bacalhau então já ali tinha chegado.
Fora então que aqui, como não bastassem as penas sofridas pela dureza do
mar e pescas, ainda passaram a sofrer a dureza e inclemência das
perseguições e prisões dos povos nativos que por ali viviam.
Até que, cerca de um século depois de ali chegados e iniciados enfim,
aparecera um nosso rei, D. Dinis, que à semelhança de um qualquer
magnífico Deus, através da sua concertada política, conseguira melhorar
o trato de pelo menos os governantes, já que entre os povos a simpatia e
amizades, não se fazem por decretos ou convénios, senão antes, além das
mercês, por trocas e benesses, entre as partes.
Mas o mundo não pára, nem nunca parou, com o dia de ontem só
aparentemente igual ao de hoje em tudo até no clima, mas sempre a mudar
quase imperceptível, de modo a nós, seres viventes não nos apercebermos,
salvo algum raro idoso cuja memória não acompanhara a decrepitude
física, continuando a discernir.
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Ora, não esses mesmos gadideos, mas seus multitudiarios descendentes,
com o natural aquecimento do Planeta, desde o seu último período
glaciar, acabado há cerca de 40.000 anos, que desde então tem vindo
lenta mas progressivamente aquecer e tudo a alterar na Terra, de tal
modo que para os encontrar, eu próprio em 1969, último ano que fui
pescador, para os capturar só lá os encontrei, norte acima no Mar de
Barentz, entre a Ilha dos Ursos e o arquipélago das Sptzbergs, isto é
entre os paralelos 79º 00' e 80º 00' graus norte. E mesmo assim, era tal
o seu estado letárgico e fora do fundo, que eu só os consegui capturar e
em abundância, utilizando um aparelho e rede, dita pelágica.
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