Foram muitas as acções e muitas as léguas que palmilhámos juntos
(boa parte das vezes com amigos), para as levar à prática ou,
simplesmente, nelas participar. Foram actividades que, sempre,
objectivaram a defesa de princípios e convicções, almejando um
melhor futuro e uma maior fortaleza para o Alentejo, suas gentes e
cultura. Foram congressos sobre o Alentejo, congresso do cante,
colóquios e debates em defesa da grande barragem de Alqueva, e
outros tantos sobre a importância da comunicação social regional,
conferências sobre a reforma agrária, sessões de esclarecimento
quanto às vantagens de votar sim no referendo sobre a
regionalização, exposições de artes plásticas, festas do ausente,
encontros de corais alentejanos, e tantas outras situações mais que
tais.
Tínhamos, regra geral, obrigações/missões diferentes nessas
deslocações, mas sempre em comum com a mesma paixão pela
indivisível “Pátria Alentejana”; e essa era razão mais do
que suficiente.
CALDEIRÃO
DE RAÇAS
Árabes,
celtas
Romanos,
quempsis
Afro e
ciganos
Meu
Alentejo
Caldeirão
de raças
Pátria,
nação
Universal
Meu
Alentejo total
O
jornalista e escritor Manuel Geraldo, alentejano de Salvada,
freguesia do concelho e distrito de Beja, era um homem socialmente
interveniente, sem nunca estar em cima do muro, apaixonado como eu
pela causa e pela casa de todos os alentejanos, meu amigo de
décadas, companheiro de tertúlias sem conta e sem sítio certo,
embora boa parte das vezes fossem na Casa do Alentejo (nesta
instituição este espírito parece ter-se perdido nos últimos anos),
com gente criativa, de áreas variadas (sempre anti-culto da
mediocridade), onde tudo se discutia, se aperfeiçoavam ideias, se
criavam projectos e se preparavam andanças no/sobre o Alentejo.
Oriundo de uma família (agricultores), pode dizer-se, bastante
remediada, constituída por Inocêncio Geraldo e ......... Morais,
nasceu em 1943, vindo a falecer em Dezembro de 2006, em Lisboa.
Estudou no liceu de Beja, no colégio Nuno Álvares, e frequentou um
ou dois anos a faculdade.
Como militar, na metrópole, fez o percurso normal dos milicianos,
indo, também como tal, aqui já com o posto de Alferes, à guerra
colonial, integrado num esquadrão de Dragões, que teve a sua acção
operacional no leste de Angola.
Profissionalmente, teve uma passagem efémera pela banca (Caixa Geral
de Depósitos), passando de imediato para o jornalismo: “Diário
de Lisboa”, “Tal & Qual”, “Bola Magazine”, “Gazeta de
Lisboa”, “Diário do Alentejo”, “Revista Alentejana”, “Revista
Pessoas” e “Almanaque Alentejano”. Colaborou ainda na publicação
espanhola Revista “Cambio 16” e em mais um ou outro órgão de
comunicação social regional. Como escritor, deixou obra que vale a
pena e que aqui fazemos questão de recordar/recomendar, sem qualquer
ordem especial: Emigrados e Ofendidos,
Sangue de Guerra, A Segunda Morte do General Delgado,
O Camarate de Lúcifer, Alentejo Marginal, Um Juiz
no Alto do Parque, Por Viriato, Meu Alentejo Total
e, por fim, SOS Será Que Estou a Ficar Racista? (segundo me
disse pouco antes de falecer, estaria para breve a edição de um
livro com as entrevistas por ele dirigidas, publicadas no “Diário do
Alentejo”).
Manuel Geraldo tinha uma escrita escorreita, directa e desprovida de
rodriguinhos, por vezes até truculenta, que, juntamente com o seu
sentido objectivo de observação e análise das questões, lhe permitia
elaborar textos que, embora muitas vezes sintéticos, contavam
apetecivelmente qualquer história.
Foi sempre acusado de ser um homem com posições controversas e, às
vezes, até estranhas, tanto no dia-a-dia do cidadão, como
profissionalmente. Por concomitância, teve quem, seriamente,
gostasse dele, e também quem o odiasse, e, com fartura, quem se
aproveitasse hábil e parasitariamente disso.
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Obrigado por teres sido meu amigo, pela ajuda no combate às
angústias, pelas conversas sem fim que tivemos, pelas experiências
que trocámos, pela companhia que nos fizemos e, já agora, pelos
muitos e benditos copos de vinho que bebemos juntos, em paisagens
diversas, sem nunca perderes a capacidade de sonhar.
Andes por onde andares, se é que depois de mortos andamos por algum
lado, tomo a liberdade de aqui deixar, para os esquecidos, mais um
pequeno lembrete teu, publicado pela primeira vez em 1982/1983:
“Ó
planície vermelha amada / Eu sou filho d’alvorada /tenho a força do
meu chão /Sou cidadão alentejano”.
Luís Jordão – Julho de
2007 |