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Primeiro era só
muita gente, anónima, circulando na belíssima Praça da Republica
em todas as direcções, e, por concomitância, a agitação. Depois,
lentamente, começou a observação mais atenta. O meu
subconsciente estava recebendo estímulos de algo não condicente
com a racional beleza habitual. Sem perturbações interiores de
qualquer tipo, continuei usufruindo da pouca paz nocturna
habitual nesta terra, nesta altura do ano. Mas continuava
sentindo que algo de pouco usual estava presente, e, certamente,
não era nenhum milagre da Senhora da Agonia. |
No dia seguinte,
durante a manhã, sentado numa esplanada da Avenida dos Combatentes
(conspurcada com as monstruosas bancadas metálicas), a mesma
sensação e o mesmo leviano desapego sobre o assunto.
E isto repetiu-se
por vários vezes, durante aqueles escassos dias de permanência em
Viana do Castelo, até que, sem nada fazer por isso, detectei a
anomalia, a mancha na beleza: era a estranha vestimenta usada por
gente a mais, de idades diversas, de ambos os sexos e de todas as
volumetrias.
Sobressaíam do
conjunto dos atavios, fundamentalmente, duas peças: a) as berrantes
camisolas (aculturados, nós agora quase só lhe chamamos T-Shirts)
cobertas dos mais abstrusos desenhos e dizeres, alguns, uma
esmagadora maioria, sem qualquer nexo, simplesmente alguém
“estranho” os pôs lá e outros seus iguais os acharam “ o máximo”; b)
as peças de formatos, cores e desenhos algo esquisitos, que os
vestiam da cintura para baixo.
Sinceramente, foram
aquelas coisas que lhes cobriam as partes baixas, que não eram bem
calças e muito menos calções, não chegavam a baixo mas também não
ficavam em cima, andando mais-ou-menos pela barriga das pernas.
Largas ou estreitas, com riscas verticais e/ou horizontais, com
bolas e outros desenhos de modo vago parecidos com objectos
geométricos, de todas as cores e tecidos, com borlinhas do lado
exterior das pernas, mas também sem borlas..., que mais chamaram a
minha atenção.
E depois estas
peças de roupa (peço perdão pelo atrevimento de assim as chamar), de
per si esquisitas, assentam de forma diversa, como é lógico, de
acordo com a configuração do corpo de cada um que as usa. É
evidente, que nos jovens de corpo vigoroso (bem ou mal feito) a quem
tudo se vai tolerando, ainda-vá-que-não-vá, muito embora mantenham o
seu ar apalhaçado. É claro que as coisas se tornam mais flagrantes,
quando o utente, cinquentão/sexagenário(a) ou coisa que o valha, tem
umas perninhas do tipo agulha, fibrosas e cabeludas, uns ombros
descaídos, de braços pendurados mais parecendo peças de marioneta.
Ou então, e igualmente muitíssimo mau, quando tudo é redondo, ás
vezes pelhrancudo, e de ar balofo, cabeludo ou depilado, fazendo-nos
perceber onde a Michelin se inspirou, para além de nos próprios
pneus, para criar o seu tão famoso símbolo/emblema.
E é aqui,
subitamente, nesta altura do displicente raciocínio, que todas as
peças/ideias/pensamentos à solta no meu cérebro se juntam...: Isto é
uma homenagem ao Grande Ánhuca! E vi, súbita e nitidamente, a sua
fabulosa, desforme e colorida imagem, onde tudo era demais ou de
menos, estudado ao pormenor, visando um só e nobre objectivo, que a
todos, hoje e sempre, devia ser imposto: Fazer rir as crianças.
Bem-haja, por isso,
o Grande Ánhuca. Mas, esteja lá onde estiver (se é que está em algum
lado onde possa ver ouvir e tomar atitudes), que me perdoe, pois não
me vou juntar a esta manifestação de “títeres”, uma vez que a minha
pobre capacidade de obediência e tolerância ao ridículo, não chega a
tanto.
Embora contente (se
é por isso que tanta gente resolveu andar neste apalhaçado aparato),
não percebo porquê agora? Porquê aqui? Se calhar é em todos os
sítios, eu é que, distraído com coisas tão banais/comezinhas como
sobreviver nesta apocalíptica selva, ainda não tinha reparado...
Quem diria?! Nunca
o Ánhuca pensou!...
Meados de
Agosto/2007
Luís Jordão
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