|
Como seria o primeiro livro?
Seria impresso ou escrito à mão? Seria de pano ou de qualquer outro
material? E se, por acaso, ainda existe, poderá ser encontrado em qualquer biblioteca?
Conta-se que houve uma vez um homem suficientemente ingénuo para querer
procurar este primeiro livro em todas as bibliotecas do mundo. Passava
dias inteiros a rebuscar em montes de livros carcomidos e amarelecidos
pelo tempo. Já tinha o fato e o calçado cobertos de uma espessa camada de
pó como se acabasse de chegar de uma longa viagem por uma estrada
poeirenta. Por fim, caiu de uma daquelas grandes escadas que se apoiam
nas prateleiras das bibliotecas e morreu. Mas ainda que ele tivesse
vivido mais cem anos, as suas pesquisas não teriam dado quaisquer resultados,
apesar do primeiro livro ter aparecido na terra muitos milhares de anos
antes de ele nascer.
|
O primeiro livro conhecido pela Humanidade em nada se parece com os dos
nossos dias. Em nada se parece, porque tinha pés e mãos e não estava
arrumado numa prateleira. Andava, sabia falar e até cantar; e
deslocava-se de terra em terra. Enfim, era um livro vivo: era um homem!
Nesses tempos remotos, quando os homens não sabiam ler nem escrever,
quando não existiam nem livros, nem papel, nem tinta e muito menos canetas, as
tradições dos antepassados ficavam guardadas nas memórias dos mais
velhos. As leis e as crenças não se conservavam em
prateleiras, mas na memória dos homens. Estes morriam, mas as tradições
continuavam vivas e transmitiam-se de pais para filhos. Ao passarem de
boca em boca, as histórias modificavam-se um tanto. Tal como os pontos
que se acrescentam nos contos, também aqui os retransmissores
acrescentavam umas coisas e esqueciam-se de outras. Tal como as águas
dos rios nas superfícies das pedras, o tempo polia-as e tornava-as mais
lustrosas e atraentes. A lenda de um bom guerreiro tornava-se a história de
um gigante que não temia nem os dardos nem as setas, que corria pelos
bosques como um lobo e que dominava as alturas como uma águia.
Nos recantos ignorados deste mundo há ainda uns velhos que contam estas
histórias de que nunca poderíamos encontrar a origem escrita; chamam a
essas histórias contos de fadas ou lendas.
Há muito tempo, na Grécia, costumava-se cantar a Ilíada e a Odisseia,
que eram as histórias das guerras havidas entre Gregos e Troianos. E
passaram-se séculos antes que alguém escrevesse o que se cantava, porque
foi preciso inventar a escrita e os respectivos suportes. E desde os
primeiros papiros, tabulas de argila ou cobertas de cera, entre
outros, até à invenção do papel, muitas águas tiveram de correr nos
rios.
Um cantor, ou aedo, como lhe chamavam os Gregos, era sempre bem recebido
numa festa.
Imaginemo-lo sentado, encostado a uma coluna larga, com a lira pendurada
por cima dele. O banquete está quase no fim, estão vazias as grandes
travessas de carne e vazios estão também os cestos de pão. Acabaram de
retirar as taças de ouro de duas asas; os convidados estão satisfeitos e
esperam a música.
O aedo pega na lira, tange as cordas e começa a longa história do
audacioso Ulisses e do valoroso Aquiles.
Os cantos dos aedos eram lindos, mas os nossos livros são muito mais
agradáveis. Com alguns euros, podemos comprar uma edição da
Ilíada ou da Odisseia e transportá-la facilmente nas nossas algibeiras,
se tivermos o cuidado de escolher uma edição de bolso. E estes livrinhos não nos pedem
nada, porque não precisam nem de comer, nem de beber, nunca estão doentes
e podem desafiar o desgaste de Cronos, que nos vai consumindo de
minuto a minuto. Tal como os deuses da mitologia greco-latina, os nossos
livros impressos também são imortais, se tivermos um mínimo de cuidado e
os soubermos preservar.
E isto faz-me lembrar uma história: ...
(in:
O Homem e o Livro) – adaptado