O
tribunal da Inquisição portuguesa, instituição que vigorou entre 1536 e
1821, contava com uma máquina administrativa considerável que punha em
marcha todas as diligências processuais necessárias ao seu
funcionamento. Estes quadros de indivíduos têm sido alvo de recentes
estudos por parte da comunidade académica.
Este
trabalho incide sobre um desses postos inquisitoriais – o de meirinho –
e na patrimonialização a que este cargo esteve sujeito entre 1596 e
1703, centrando-se no tribunal da cidade de Évora (havia também os de
Coimbra, de Lisboa e de Goa). Era comum na sociedade de Antigo Regime
determinados ofícios serem legados como bens patrimoniais, e tanto
acontecia na Coroa e instituições afins, como nos tribunais da
Inquisição.
As
funções principais do meirinho situavam-se no pelouro da segurança e da
execução da justiça, com implicações no protocolo e no aparato
cerimonial dos tribunais e respectivos agentes inquisitoriais. Era sua
obrigação acompanhar os inquisidores em todas as ocasiões que se
mostrassem em público e nas deslocações entre as suas casas e o tribunal
da Inquisição. Na cidade, quando portador da vara, não podia acompanhar
qualquer outra pessoa.
Do ponto
de vista da segurança, devia cuidar para que nenhum indivíduo externo
entrasse armado nas casas da Inquisição.
A partir
de 1640, passou a assistir na sala da Inquisição, assim como no auto
público da fé e demais ocorrências em modo de tribunal. No auto da fé
assistiria no altar das abjurações e ordenaria – pelo rol que lhe fora
previamente distribuído – que os presos estivessem nos locais devidos
para ouvirem as suas sentenças. Trataria de os colocar na postura
adequada e era sua obrigação tirar-lhes os hábitos, quando a sentença a
isso ordenasse, e caso se tratasse dos relaxados, entregá-los à justiça
secular. Sempre que lhe fosse ordenado pelos inquisidores, deveria
acompanhar os advogados que assistiam os presos, cuidando para que o
diálogo se circunscrevesse apenas à sua defesa. Na sala do Santo Ofício
zelaria pela compostura e pelas cortesias a cumprir para com os
ministros, quando estes entrassem e saíssem da sala, o que, de certo
modo, lhe conferia, também, funções de mestre-cerimónias.
Para
poder prender alguém, o meirinho tinha de ser possuidor de um mandado
assinado pelos inquisidores, e deveria fazer as prisões com recato,
tratando com toda a honestidade os presos com honestidade e decência as
mulheres. Ao prender os indivíduos, deveria cuidar para que trouxessem
consigo cama, roupa, dinheiro – até 20.000 réis, ou o que pudessem – e
alimentos. Não consentiria que se falasse com os presos nem se lhes
dessem avisos, e teria particular atenção para que fossem levados para a
Inquisição apartados, sobretudo os que fossem parentes.
Cerca de
1561 na vila de Botão, no bispado de Coimbra, nasceu António Pereira que
era mestre-sala do inquisidor-geral de D. António de Matos de Noronha,
na cidade de Lisboa. Um dia depois de este tomar posse naquele cargo,
indigitou António Pereira no posto de meirinho da Inquisição de Évora,
corria o ano de 1596. A partir deste ano, António Pereira passou a
residir na cidade alentejana onde se tornou irmão da Misericórdia. Em
1619 residia na Rua de Alconchel. Faleceu no mesmo local, tendo sido
sepultado junto ao altar de São José na igreja da Misericórdia.
Sendo
defunto António Pereira o cargo de meirinho ficaria para o seu filho
primogénito, António Pereira do Souto, que o ocupou a partir de 1621.
Este último casou cinco anos depois e ficou a residir em casa da sua
mãe-viúva e das suas irmãs, o que originou diversos atritos familiares,
levando à sua saída para morar em casa própria na Rua das Fontes, em
Évora, em 1627. Tinha um escravo chamado Francisco que era um dos
melhores trabalhadores de vinha daquela urbe.
O
segundo meirinho deste enredo, não tendo descendência familiar
masculina, nomeou a sua filha como proprietária do ofício de meirinho.
Esta não o podendo exercer, por ser mulher, ficaria com um dote mais
avultado. Acordado o casamento foi escolhido para noivo João Rodrigues
Tenreiro, membro da nobreza local da vila de Mourão, e a cerimónia
matrimonial foi celebrada a 26 de Outubro de 1658. Faleceu no final do
ano de 1664 também não deixando descendência masculina. Quando morreu
tinha duas filhas menores – Catarina e Josefa. A primeira morreu ainda
em criança e para a segunda acordou-se casamento com José Rodrigues
Galego Tenreiro.
José
Tenreiro era natural de Évora e filho de um familiar do Santo Ofício,
outro dos postos da hierarquia inquisitorial, o que denota a procura de
patamares sociais semelhantes para estes matrimónios. Casaram em 1677 e
tiveram dois filhos: Laurência e Jorge. Falecido o pai, Jorge, ainda que
não fosse primogénito era homem, foi escolhido para suceder ao seu pai
no cargo de meirinho.
Jorge
Tenreiro Souto Maior nunca chegou a casar e em 1699 ocupou o posto de
meirinho. No entanto, em 1703 cometeu o homicídio de Brás de Mira e foi
condenado à pena capital e banido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Perante este acontecimento, esta família que desde 1596 detinha a
propriedade deste posto, perdeu este bem patrimonial, levando a que o
inquisidor-geral a atribuísse a outros indivíduos.
Évora cidade-sede de tribunal inquisitorial aglutinava, deste modo,
pessoas de várias partes do Reino que para ali transferiam as suas
residências, para desenvolveram cargos nesta instituição de prestígio na
sociedade do Antigo Regime. |