Ao
viajarem de país para país e de povo para povo, as letras iam fazendo ao
mesmo tempo outra viagem, Passavam da pedre para o papiro, do papiro
para as placas de cera, da cera para o pergaminho e do pergaminho para o
papel.
Do
mesmo modo que uma árvore que cresce num terreno arenoso se desenvolve
de modo diferente do que se crescesse num terreno pantanoso ou argiloso,
assim as letras, ao passarem de uma matéria para outra, mudaram de
aspecto. Na pedra, eram rígidas e direitas; no papiro, arredondavam-se;
na cera, inclinavam-se como se fossem virgulas; na argila, tomavam a
forma de cunhos, de estrelinhas e de ângulos, Mas mesmo quando as
traçavam no pergaminho ou no papel, variavam constantemente de forma,
caprichosamente.
À
primeira vista, estas linhas parecem escritas com alfabetos diferentes…
embora sejam as três em latim, mas escritas em Materiais diferentes e
com instrumentos diferentes.
O
papel e o lápis, aos quais estamos tão habituados, são invenções
recentes. Há uns quinhentos anos, a pasta de um estudante não continha,
nem lápis nem pena de metal. Escrevia com um pauzinho pontiagudo numa
tabuinha coberta de cera, que pousava nos joelhos.
Não
se pode dizer que fosse muito cómodo escrever assim, mas se procurarmos
mais longe ainda, nos tempos em que a escrita começa e ainda mal se
distingue dos desenhos pré-históricos, verificamos que, nessa época,
tornava-se extraordinariamente difícil escrever: Não havia material
especial; cada um devia procurar sozinho com quê e em que escrever.
Faziam-se livros de apontamentos com tudo quanto aparecia à mão:
omoplatas de carneiro, pedras, folhas de palmeira, cacos, peles de
animais bravios e bocados de cascas de árvore; tudo servia. Qualquer
material prestava para traçar desenhos primitivos com um bocado de osso
ou de pedra bicuda.
Durante muito tempo, estes meios primitivos perduraram. Diz-se que Maomé
escreveu o Corão em omoplatas de carneiro. Os Gregos, nas suas reuniões
públicas, votavam em bocados de cerâmica ou em conchas (ostrak), em vez
de escreverem os nomes em folhas de papel, como agora se faz.
Mas,
mesmo depois da invenção do papiro, a miséria obrigava muitos escritores
a escrever em fragmentos da sua loiça. Conta-se a história de um certo
sábio grego que quebrava os pratos e os vasos para escrever um livro.
Sucedeu também que os soldados e funcionários romanos que faziam serviço
no Egipto, como tivessem falta de papiro, escreviam as suas facturas em
cacos.
As
folhas de palmeira e a casca de árvore eram muito mais cómodas, porque
nelas se podia escrever com agulhas, até à época em que apareceu o
papiro.
Na
Índia escreviam-se livros inteiros em folhas de palmeira. Aparavam-se as
bordas, cotavam-se e coziam-se com um fio. Para se obter um livro rico,
as margens eram
iluminadas e douradas, mas o livro parecia-se mais com um reposteiro do
que com um livro.
Estes
livros de osso, de argila ou de folhas de palmeira só se encontram agora
nos museus. Mas ainda nos servimos de um velho método: a escrita na
pedra.
Um
livro de pedra é o que dura mais tempo.
Histórias completas, gravadas nas paredes dos túmulos e dos templos
egípcios de há quatro mil anos, chegaram até nós. E nós também gravamos
na pedra aquilo que queremos conservar por muito tempo.
Se
escrevemos tão pouco na pedra é porque, primeiro, é difícil esculpir
letras na pedra dura, e, depois, porque semelhante livro, pesando muitas
centenas de quilos, só poderia ser levantado por um guindaste. Ninguém
seria capaz de trazer esse livro para casa para o ler, nem poderia
mandar uma carta de pedra pelo correio.
Durante muito tempo os homens procuraram uma matéria mais leve e tão
duradoura como a pedra.
Experimentaram o bronze, e ainda se encontram chapas de bronze com
inscrições que serviram para a decoração de palácios e templos.
Às
vezes estas chapas ocupavam a superfície inteira de uma parede, e quando
se escrevia nos dois lados suspendiam-nas no tecto por correntes.
Repare o leitor para a porta de bronze da igreja que está reproduzida na
gravura. Parece-se com um livro; ali se lê o acordo concluído entre o
conde Estêvão e os habitantes da cidade de Blois. Os cidadãos aceitam
construir uma muralha em volta do castelo do conde e recebem em traça o
direito de cobrar a taxa sobre o vinho.
Há
bom tempo que o vinho foi bebido, que quem o bebeu dorme na sua campa, e
que os muros do castelo ruíram; porém, o acordo realizado ainda está
gravado nos batentes da porta,
Mas
os livros de pedra ou de bronze eram pesados e difíceis de transportas.
O pior é que se tornava extremamente difícil gravar ou esculpir nestas
matérias. Que diria um
escritor da actualidade se tivesse de pôr um avental de couro, de se
armar com um martelo e um escopro e transformar-se em canteiro?
Para
escrever uma página teria de trabalhar todo o dia com o martelo a
entalhar as letras.
Não
há dúvida de que os meios de que dispomos para escrever são melhores.
Verdade seja que o papel não dura muito. Ah! Se existisse uma matéria
tão duradoura como a pedra, tão cómoda para escrever como o papel!...
Pois
existe!
Os
Babilónicos e os Assírios que habitaram o vale do Tigre e do Eufrates,
empregaram-na há muito tempo.
Em
KujundhiK, nas ruínas da antiga Ninive, um inglês, Leiardnachel (Lee
Ward Nashe), descobriu a biblioteca completa do rei Assurbanípal. Era
uma estranha biblioteca sem uma única folha de papel, porque os livros
eram de argila. Faziam-se placas de argila bastante grandes e espessas e
o escriba escrevia com uma hastezinha triangular. Enterrava a haste na
argila e retirava-a tão repentinamente, que conseguia traçar uma letra
que começava grosso e acabava fininho.
Os
Babilónicos e os Assírios escreviam assim muito depressa e enchiam
placas inteiras com estas letrinhas triangulares.
Para
fazer durar a argila, o escriba dava-a depois ao oleiro. Nos nossos
dias, os oleiros não têm qualquer relação com o fabrico dos livros; mas,
no tempo dos antigos Assírios, coziam não só os vasos mas também os
livros. Estes livros, secos ao sol e cozidos no forno, tornavam-se de
tanta duração como a pedra.
Semelhantes livros não ardem num incêndio, não se estragam com a
humidade e não são ruídos por ratos e ratazanas. É verdade que se podem
partir, mas podem-se apanhar os bocados e juntá-los. Durante muito
tempo, os sábios tiveram de trabalhar com bocados de argila descobertos
em Ninive, antes que os pudessem pôr em ordem.
Havia
três mil placas na biblioteca de Ninive. Cada livro era constituído por
numerosas placas, tal como os nossos livros têm numerosas páginas. Era
naturalmente impossível cozer as placas de argila umas às outras como
fazemos com as páginas de um livro; por isso, tinham de pôr um número e
o nome do livro em cada placa.
Um
livro sobre a criação do mundo principiava com estas palavras: «Na
origem, o que estava por cima das nossas cabeças não se chamava o céu.»
Em
cada placa deste livro, aparecia esta frase, seguida pelos números 1, 2,
3, e assim sucessivamente até ao fim do livro. E, além disso, o
ex-líbris da biblioteca, como se pode calcular, encontrava-se em todos
os livros.
«O
palácio de Assurbanípal, rei dos guerreiros, rei dos povos, rei do país
da Assíria, a quem o deus Nebo e a deusa Hasmita dotaram com olhar agudo
e com ouvido apurado, a fim de poder encontrar as obras dos escritores
do seu reino, submetido aos reis aos reis seus antepassados. Em honra de
Nebo, deus da razão, reuni estas placas e mandei fazer cópias para que
lhes marquem o meu nome e as depositem no meu palácio.»
Encontra-se toda a espécie de livro nesta biblioteca. Há-os sobre as
guerras que se travaram entre os Sírios e Lídios, Fenícios e Arménios,
sobre os feitos heróicos do gigante Gilgamech e do seu amigo Sabani, um
homem que tinha os chifres recurvados e as patas e a cauda de um touro.
Há
também a história da deusa Istar que desceu ao inferno à procura do
marido. E a história de um rio que transformou a terra inteira num vasto
oceano sem limites.
Em
certas noites, quando o rei da Assíria não podia dormir, mandava o
escravo à biblioteca buscar livros. Ordenava-lhe que os lesse em voz
alta, e o rei esquecia os seus tormentos enquanto ouvia aquelas
histórias.
Os
Assírios não empregavam a argila só para escrever mas também para
imprimir. Faziam selos de pedras preciosas, em forma de cilindro, com
desenhos em relevo.
Para
fechar um tratado, fazia-se rolar o selo numa placa de argila, e
obtinha-se uma impressão nítida do desenho.
É
interessante notar que é o método empregado actualmente para
imprimir padrões de tecido. Uma máquina impressora, uma rotativa,
opera segundo o mesmo princípio: os caracteres estão colocados sobre
a circunferência do cilindro.
Muitos contratos, contas e facturas chegam até nós assinados como um
selo. Perto do selo encontra-se muitas vezes uma assinatura, uma
espécie de impressão feita com a unha de um dedo. É provável que
assinassem assim as pessoas que não sabiam escrever. |
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(in:
O Homem e o Livro)