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ODE DESESPERADA

 

Nuno Rebocho

 

 

nas antigas hostes não havia clareiras:

a metralha varava. porém, outros peitos

tapavam as brechas – na coluna certeira

a voz cantava: “ó homens que dormis,

vinde ao clamor das lutas viris!”. sim, lembrai

que assim foi. mas, olhai! onde estão os homens?

de que carne e de que sonhos agora feitos?

e onde os peitos? apenas clareiras vejo

e a metralha manda… e onde é que resistem

os homens, onde? inda será que existem

onde a mentira planta cardos e o desejo

castra vontades? acordai. eh! acordai

dos silêncios mais vis e outra vez marchai

no passo do futuro. vinde: avançai

por onde a planície espera o fruto maduro

regado pela resistência. que só os mortos

justificam sua falta de comparência

mas desistência nunca. acordai as águas

e acordai os ventos cantai também os hinos.

nem as mágoas ousam esmagar liberdades

mesmo que as hipocrisias nos firam e matem,

mesmo que as sereias nos entorpeçam os votos.

despertai agora os sinos pra que rebatem

nas nossas vilas as terríveis tempestades.

sobretudo sonhai – oh, sonhai e fazei,

que nunca é crime combater a ímpia lei.

 

ou então: desesperando a causa,

ide aos covais e dizei aos mortos

que sequer houve lutas finais.

chamai-os nas tumbas – voltarão!

não há vivos? lutem os fantasmas;

não há presente? não faltarão

nem as vozes, os braços, as armas.

o futuro não aceita pausa.

 

a náusea, sim: é ela que deve esperar.

os que já tombaram mandam-nos avançar.

 

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