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Avifauna
O SISÃO (Tetrax Tetrax)

 

Carlos A. Ferraz da Conceição

Na sequência do texto sobre a abetarda, constante do Almanaque do ano transacto, tecemos nesta edição algumas considerações sobre uma outra ave emblemática da planície alentejana — o Sisão — tendo sempre como pano de fundo a defesa das espécies ameaçadas e respectivos habitats.

Trata-se de uma ave de médio porte, com cerca de 40 cm de comprimento e 90 cm de envergadura, pesando entre 700 e 900 gramas, de plumagem acastanhada com manchas brancas no peito e na zona inferior do corpo, pescoço alongado. De comportamento discreto e passadas vacilantes, confunde-se facilmente com o meio e não permite a aproximação com facilidade, levantando voo sem tomar balanço, afastando-se bastante.

Em pleno voo produz um som sibilante, bem audível quando em bando, que é provocado pela passagem do ar pela borda de uma pena modificada das suas asas.

Vive em meios agrícolas abertos, tais como searas de sequeiro, pastagens, pousios, restolhos, campos de leguminosas, comendo sobretudo vegetais (uma grande variedade de grãos, folhas, frutos, talos verdes), mas também insectos, caracóis, vermes, etc. Numa fase inicial, as crias são alimentadas com insectos, em especial gafanhotos, dieta essa que progressivamente vão substituindo.

Sendo embora uma espécie essencial­mente residente, caracteriza-se por efectuar movimentos dispersivos após a época reprodutora, podendo nalgumas situações ser migradora, como, por exemplo, no Inverno. O Sisão ocorre / 45 / sobretudo no sul da Europa (em especial na Península Ibérica, que detém mais de metade da população mundial, estimada em cerca de 200 mil indivíduos) e, a leste, na Rússia e Casaquistão, com pequenos núcleos no norte de África e Ásia Menor. Em Portugal os seus efectivos deverão variar, em média, entre os 10 e os 20 mil, concentrando-se sobretudo no Alentejo.

       
 

Macho de sisão em plumagem nupcial. Foto de Carlos Carrapato.

     

Juvenil de sisão. Foto de Gabriel Sierra & Juan M. Simón.

 

Na Primavera decorre o período nupcial, sendo que, por volta do mês de Abril, os machos mudam as suas penas da cabeça e do pescoço, passando a apresentar uma espécie de gola a preto e branco (o que facilmente os identifica e distingue das fêmeas, as quais mantêm a mesma plumagem ao longo do ano). Exibem-se em arenas, afastando os rivais e emitindo espaçadamente os seus "tra", que se chegam a ouvir ao longe, assim atraindo as fêmeas. Após o acasalamento, estas procuram no solo um local para nidificar, fazendo então uma cova relativamente funda, de tal modo que, quando estão a chocar, as suas costas não sobressaem do terreno em volta. A incubação dura 21 dias, permanecendo o macho nas proximidades, enquanto a fêmea choca os seus 3 ou 4 ovos. Caso se aproxime algum intruso, esta afasta-se quase sempre a tempo e só a alguma distância levanta voo.

As crias nascem com penas e estão, desde logo, aptas a acompanhar os pais. O seu crescimento ocorre ao longo de quase dois meses, sendo a respectiva longevidade superior a 5 anos.

É considerada uma ave em risco, sendo classificada em Portugal e na Europa como vulnerável. Desde há mais de cem anos que sofre um considerável declínio populacional, tendo desaparecido em muitos países, em particular da Europa Central e de Leste. As principais ameaças têm a ver com a generalizada e contínua alteração dos seus habitats — intensificação agrícola (conduzindo ao aumento das áreas de regadio e de culturas permanentes, como a vinha e o olival), florestação, perturbação das áreas de reprodução — sendo ainda relevante a mortalidade provocada por causas não naturais, como as colisões contra linhas eléctricas e a caça ilegal.

Face a estes constrangimentos e, con­sequentemente, ao precário estatuto de conservação desta e de muitas outras aves estepárias, tem vindo a emergir uma progressiva tomada de consciência, que importa alargar, no sentido da necessidade da sua preservação. E é assim que, a nível da União Europeia, por exemplo, se têm materializado diversos programas de apoio à luta contra a perda de biodiversidade, à melhoria do ambiente e da paisagem rural, etc., e foram difundidas directivas tendentes à Conservação da Natureza (Directiva Aves e Directiva Habitats).

Também em Portugal cresce a sensibilização a este tipo de problemas. / 46 / Dentro do enquadramento atrás referido, um dos projectos de relevo implementa­do nos últimos anos (2003-2006) e visando concretamente a defesa do sisão no Alentejo — o Projecto Life Sisão — resultou de uma parceria entre a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, o Instituto da Conservação da Natureza e a Associação de Agricultores do Concelho de Mourão.

Este projecto assenta num Plano de Acção (preparado em conjunto com os agricultores, autarquias locais, adminis­tração central e contando com a colaboração de instituições europeias), nele se definindo os núcleos de sisão que importa preservar, a utilização do solo, as grandes linhas quanto ao ordenamento do território, o modelo de gestão agrícola a implementar.

Neste contexto destacaremos o seguinte:

● Foi lançado um projecto-piloto agrícola em benefício do sisão (e de outras aves), através do estabelecimento de protocolos com agricultores da Zona de Protecção Especial de Mourão/Moura/Barrancos, assim se obtendo a sua adesão a determinadas medidas (como o cultivo de leguminosas — cuja utilização pelas aves foi monitorizada — e a protecção de pousios);

● Foram inventariadas as populações de sisão no Alentejo, em períodos distintos do ano, tendo em vista a identificação das áreas que deverão ser objecto de uma gestão agrícola específica;

● Foi ainda desenvolvida uma cam­panha de sensibilização pública, para apresentação e promoção do projecto Life Sisão.

A informação e o conhecimento adquiridos através das diferentes acções levadas a efeito com este projecto são de extrema importância para o trabalho futuro, permitindo perspectivar novas medidas e novas áreas de protecção, dando-se continuidade ao Plano de Acção para a conservação do Sisão, enquadrado num outro plano mais alargado visando a defesa das aves estepárias no nosso País.

O entusiasmo e empenhamento nesta causa por parte de agricultores, propri­etários agrícolas e entidades interve­nientes, são fundamentais para o sucesso da mesma. Alguns resultados positivos já conseguidos levam a crer que tal sucesso não seja apenas uma miragem. E é esse o nosso voto.

 

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