Na sequência do texto
sobre a abetarda, constante do Almanaque do ano transacto, tecemos nesta
edição algumas considerações sobre uma outra ave emblemática da planície
alentejana — o Sisão — tendo sempre como pano de fundo a defesa das
espécies ameaçadas e respectivos habitats.
Trata-se de uma ave de
médio porte, com cerca de 40 cm de comprimento e 90 cm de envergadura,
pesando entre 700 e 900 gramas, de plumagem acastanhada com manchas
brancas no peito e na zona inferior do corpo, pescoço alongado. De
comportamento discreto e passadas vacilantes, confunde-se facilmente com
o meio e não permite a aproximação com facilidade, levantando voo sem
tomar balanço, afastando-se bastante.
Em pleno voo produz um
som sibilante, bem audível quando em bando, que é provocado pela
passagem do ar pela borda de uma pena modificada das suas asas.
Vive em meios agrícolas
abertos, tais como searas de sequeiro, pastagens, pousios, restolhos,
campos de leguminosas, comendo sobretudo vegetais (uma grande variedade
de grãos, folhas, frutos, talos verdes), mas também insectos, caracóis,
vermes, etc. Numa fase inicial, as crias são alimentadas com insectos,
em especial gafanhotos, dieta essa que progressivamente vão
substituindo.
Sendo embora uma espécie
essencialmente residente, caracteriza-se por efectuar movimentos
dispersivos após a época reprodutora, podendo nalgumas situações ser
migradora, como, por exemplo, no Inverno. O Sisão ocorre / 45 /
sobretudo no sul da Europa (em especial na Península Ibérica, que detém
mais de metade da população mundial, estimada em cerca de 200 mil
indivíduos) e, a leste, na Rússia e Casaquistão, com pequenos núcleos no
norte de África e Ásia Menor. Em Portugal os seus efectivos deverão
variar, em média, entre os 10 e os 20 mil, concentrando-se sobretudo no
Alentejo.
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Macho de sisão em plumagem
nupcial. Foto de Carlos Carrapato. |
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Juvenil de sisão. Foto de Gabriel
Sierra & Juan M. Simón. |
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Na Primavera decorre o
período nupcial, sendo que, por volta do mês de Abril, os machos mudam
as suas penas da cabeça e do pescoço, passando a apresentar uma espécie
de gola a preto e branco (o que facilmente os identifica e distingue das
fêmeas, as quais mantêm a mesma plumagem ao longo do ano). Exibem-se em
arenas, afastando os rivais e emitindo espaçadamente os seus "tra", que
se chegam a ouvir ao longe, assim atraindo as fêmeas. Após o
acasalamento, estas procuram no solo um local para nidificar, fazendo
então uma cova relativamente funda, de tal modo que, quando estão a
chocar, as suas costas não sobressaem do terreno em volta. A incubação
dura 21 dias, permanecendo o macho nas proximidades, enquanto a fêmea
choca os seus 3 ou 4 ovos. Caso se aproxime algum intruso, esta
afasta-se quase sempre a tempo e só a alguma distância levanta voo.
As crias nascem com
penas e estão, desde logo, aptas a acompanhar os pais. O seu crescimento
ocorre ao longo de quase dois meses, sendo a respectiva longevidade
superior a 5 anos.
É considerada uma ave em
risco, sendo classificada em Portugal e na Europa como vulnerável. Desde
há mais de cem anos que sofre um considerável declínio populacional,
tendo desaparecido em muitos países, em particular da Europa Central e
de Leste. As principais ameaças têm a ver com a generalizada e contínua
alteração dos seus habitats — intensificação agrícola (conduzindo ao
aumento das áreas de regadio e de culturas permanentes, como a vinha e o
olival), florestação, perturbação das áreas de reprodução — sendo ainda
relevante a mortalidade provocada por causas não naturais, como as
colisões contra linhas eléctricas e a caça ilegal.
Face a estes
constrangimentos e, consequentemente, ao precário estatuto de
conservação desta e de muitas outras aves estepárias, tem vindo a
emergir uma progressiva tomada de consciência, que importa alargar, no
sentido da necessidade da sua preservação. E é assim que, a nível da
União Europeia, por exemplo, se têm materializado diversos programas de
apoio à luta contra a perda de biodiversidade, à melhoria do ambiente e
da paisagem rural, etc., e foram difundidas directivas tendentes à
Conservação da Natureza (Directiva Aves e Directiva Habitats).
Também em Portugal
cresce a sensibilização a este tipo de problemas. / 46 / Dentro do
enquadramento atrás referido, um dos projectos de relevo implementado
nos últimos anos (2003-2006) e visando concretamente a defesa do sisão
no Alentejo — o Projecto Life Sisão — resultou de uma parceria entre a
Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, o Instituto da Conservação
da Natureza e a Associação de Agricultores do Concelho de Mourão.
Este projecto assenta
num Plano de Acção (preparado em conjunto com os agricultores,
autarquias locais, administração central e contando com a colaboração
de instituições europeias), nele se definindo os núcleos de sisão que
importa preservar, a utilização do solo, as grandes linhas quanto ao
ordenamento do território, o modelo de gestão agrícola a implementar.
Neste contexto
destacaremos o seguinte:
● Foi lançado um projecto-piloto agrícola em benefício do sisão (e de
outras aves), através do estabelecimento de protocolos com agricultores
da Zona de Protecção Especial de Mourão/Moura/Barrancos, assim se
obtendo a sua adesão a determinadas medidas (como o cultivo de
leguminosas — cuja utilização pelas aves foi monitorizada — e a
protecção de pousios);
● Foram inventariadas as populações de sisão no Alentejo, em períodos
distintos do ano, tendo em vista a identificação das áreas que deverão
ser objecto de uma gestão agrícola específica;
● Foi ainda desenvolvida uma campanha de sensibilização pública, para
apresentação e promoção do projecto Life Sisão.
A informação e o
conhecimento adquiridos através das diferentes acções levadas a efeito
com este projecto são de extrema importância para o trabalho futuro,
permitindo perspectivar novas medidas e novas áreas de protecção,
dando-se continuidade ao Plano de Acção para a conservação do Sisão,
enquadrado num outro plano mais alargado visando a defesa das aves
estepárias no nosso País.
O entusiasmo e
empenhamento nesta causa por parte de agricultores, proprietários
agrícolas e entidades intervenientes, são fundamentais para o sucesso
da mesma. Alguns resultados positivos já conseguidos levam a crer que
tal sucesso não seja apenas uma miragem. E é esse o nosso voto. |