A SEGUNDA VIDA DA ÚLTIMA

NAU DAS ÍNDIAS

Em finais de Dezembro [1996] termina a reconstrução do casco da fragata D. Fernando II e Glória. A obra de restauro decorre há mais de três anos perto da Gafanha da Nazaré, em plena Ria de Aveiro. A peça flutuante do último navio a fazer a "carreira da Índia" encontra-se agora em fase de pintura. O veleiro será depois rebocado para o Arsenal do Alfeite, antes de se mostrar na EXPO'98.

Há três anos atrás, quando os restos da D. Fernando chegaram aos estaleiros Ria-Marine, perto de Aveiro, poucos poderiam acreditar que daqueles velhos toros calcinados pudesse vir a renascer a imponente fragata lusitana que fez as derradeiras viagens à Índia.

Depois de nove mil metros cúbicos de madeira e de várias toneladas de cavilhas em cobre e aço zincado, a embarcação começa a readquirir a dignidade de outros tempos. Sob as ordens de mestre Alberto Costa, mais de quatro dezenas de artistas da carpintaria naval acabaram por levantar os originais 12 metros de casco e por cortar com "volta e escantilhão" os 62 metros de fora-a-fora e os 12,8 metros de boca do navio.

«Foi uma empreitada dura, e difícil de levar», refere Alberto Costa enquanto faz alguns reparos a um carpinteiro que assenta soalho em pinho-bravo na coberta da fragata. «O maior obstáculo que tivemos», prossegue, «foi a falta de pessoal especializado.» Na verdade, as artes relacionadas com a construção naval em madeira estão em vias de extinção e «os bons artistas», diz, «ou faleceram ou estão reformados».

A D. Fernando, originalmente, foi construída em teca indiana. Há falta da denominada «madeira eterna». Por isso, Alberto Costa optou pela cambala africana e por várias madeiras nacionais (pinho-bravo e manso, azinho, sobro e castanho). Os materiais são empregues nos quatro pisos do navio — convés. Bateria, coberta e porão — de acordo com a "dignidade e função" de cada espaço.

A fragata começou agora a ser pintada, numa altura em que a rendilhada montagem das peças de madeira está a chegar ao fim. As cores escolhidas são as originais: preto com uma faixa branca ao nível da bateria, no exterior; branco e amarelo nas divisões interiores.

O transporte do casco para o Arsenal do Alfeite deverá consumar-se na Primavera de 1997. Até lá ainda é necessário fazer uma ensecadeira para instalar a "rampa" de lançamento e dragar um canal desde os estaleiros até à Barra de Aveiro.

No Alfeite serão instalados os três mastros que suportarão cerca de dois mil metros quadrados de vela e as 52 peças de artilharia, muitas delas originais, que "defendem" a fragata D. Fernando II e Glória. Trata-se de uma empreitada em contra-relógio, já que o veleiro será peça importante da Exposição Mundial de Lisboa, em 1998.

Paulo Barriga


 

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