Um pequeno estaleiro de Aveiro está a
«dar vida» à última fragata da carreira das Índias, abandonada durante
décadas, quase destruída, no lodo do mar da Palha.
Mestre Alberto Costa, que está à frente
do estaleiro, manifestou «a felicidade» de reconstruir uma «tão grande
embarcação», com os pergaminhos da caravela D. Fernando Il e Glória.
Explicou que o navio, destruído por um
incêndio nos anos 60, ficará com condições de navegabilidade, depois de
levar 1200 toneladas de madeiras nobres, nomeadamente carvalho, azinho e
cambala africana, acrescentadas aos cerca de 20 por cento de
travejamento original de madeira de teca.
«Será reconstruída com uma mistura de
madeira, já que há grande dificuldade em arranjar tão grande quantidade
de madeira de teca», sublinhou. O valor do trabalho executado, só no seu
estaleiro, segundo disse o mestre, é superior a 300 mil contos.
Mestre Costa fez «questão de referir»
que o trabalho «nunca faltou» para os cerca de 60 operários do
estaleiro, frisando que «encomendas de Portugal e estrangeiro surgem
constantemente».
Especificou que estão em acabamentos
dois iates, orçados em 70 mil contos cada, com 19 metros e cerca de 30
toneladas, fabricados em madeira de cambala vinda do Zaire. Estes dois
iates foram encomendados por emigrantes portugueses na África do Sul e
estarão concluídos no final do ano.
A sua obra de estimação é agora a
caravela D. Fernando Il e Glória, um dos navios mais antigos do mundo e
a última fragata à vela da Marinha Portuguesa, que foi lançada à água em
Damão, em 1843, nos mares do Estado Português da Índia.
O nome do veleiro foi escolhido pelo
conde das Antas, governador da Índia, que ordenou que o seu patrono
fosse D. Fernando, marido de D. Maria II e que o navio ficaria sob os
auspícios de Nossa Senhora da Glória. A fragata foi construída pelo
mestre português Gil José da Conceição e pelo mestre mouro Yeodó Semogi.
No casco foi aplicada a madeira de teca,
proveniente de Nagar-Aveli, uma madeira de tal modo resistente que mesmo
após um incêndio que destruiu em grande parte o veleiro e de ter ficado
30 anos submersa no mar da Palha, ainda se mostra, em parte,
aproveitável.
Durante os 3 anos em que navegou, a D.
Fernando fez diversas viagens, primeiro na rota da Índia e depois para
Angola e Moçambique, a transportar unidades militares, colonos e
degredados para as colónias portuguesas.
Destaca-se a presença da fragata na
revolta indígena no Ambriz, em Angola, no ano de 1865. No início deste
século, a D. Fernando acolheu a Brigada e a Escola de Artilharia Naval e
foi o navio-chefe das Forças Navais do Tejo. A última missão que
desempenhou foi servir de sede à Obra Social da Fragata D. Fernando,
onde rapazes de famílias economicamente débeis recebiam instrução de
marinharia.
Em 1963, um incêndio destruiu grande
parte do navio, que ficou a apodrecer, durante 30 anos, no estuário do
Tejo. Foi decidida já na década de 1990 a sua recuperação, contando para
isso com o apoio do Presidente da República, do primeiro-ministro e do
ministro da Defesa Nacional, entre outros.
A recuperação total da fragata D.
Fernando II e Glória foi orçada em 830 mil contos, verba garantida
através de um protocolo subscrito entre a Marinha e a Comissão Nacional
dos Descobrimentos.
Após a recuperação no estaleiro de
Aveiro, a fragata vem para Lisboa para ser decorada com peças e
mobiliário da época, transformando-se uma peça «viva» do Museu da
Marinha, que pretende ter a fragata completamente recuperada em 1998,
atracada junto ao cais da Expo’98 para comemorar os 500 anos da
descoberta do caminho marítimo para a Índia.
In:
“Diário de Notícias”, 29 de Abril de 1994, p. 45. |