A 1.ª fase foi
constituída pelos estudos preliminares, pela dragagem da zona em que o
navio esteve encalhado, limpeza e preparação do casco, com o recurso a
mergulhadores da Marinha, efectuando-se a operação de flutuação com
recurso a cilindros rígidos fabricados para o efeito. Foi a 22 de
Janeiro de 1992 que o casco da fragata "D. FERNANDO" foi posto a flutuar
e removido do local em que se encontrava encalhado e meio afundado (Rio
Tejo/Mar da Palha) para a doca seca na Lisnave, na Margueira,
gentilmente cedida para o efeito, sem quaisquer encargos.
|
A reboque para o Arsenal do
Alfeite em Janeiro de 1992. |
A 2.ª fase,
então iniciada, consistiu, após a flutuação e colocação em doca seca, na
desmontagem das peças em mau estado da estrutura remanescente do navio.
Seguidamente o navio foi levado para o plano inclinado do Arsenal do
Alfeite para se proceder à consolidação da estrutura para o seu
posterior transporte. Esse processo moroso só foi concluído em Setembro
de 1992, sendo então o remanescente do navio, depois de devidamente
inspeccionado, transportado na doca flutuante do Arsenal do Alfeite, a
reboque para o estaleiro "Ria-Marine" em Aveiro, onde se iniciaram os
trabalhos de restauro estrutural segundo os planos originais existentes,
dando-se, pois início à 3.ª fase. (Ver
fotografias)
|
Navio atracado ao cais
do Arsenal antes de seguir para doca seca da Lisnave, em Fevereiro
de 1992. |
Convém
salientar que, no período de Outubro de 1992 a Julho de 1993, os
trabalhos em estaleiro estiveram interrompidos por razões de ordem
administrativa, visto faltarem as autorizações do Ministério das
Finanças e visto do Tribunal de Contas para que o contrato efectivo com
o Estaleiro fosse celebrado e pudessem então prosseguir os trabalhos.
Será também de
divulgar que, na fase de estudo e investigação decorrente desde o início
do projecto, foram consultados mais de 20.000 documentos sobre o navio
existentes no Arquivo Histórico Ultramarino, Arquivo Geral de Marinha e
ainda outros avulsos cedidos por particulares que os disponibilizaram ao
serviço da Comissão. Também foram consultadas centenas de obras e
publicações sobre a construção naval da época e por diversas vezes foram
efectuadas visitas de estudo e pesquisa de elementos a navios
estrangeiros. Poderemos citar, por exemplo, visitas de membros da
Comissão aos Estados Unidos da América (navios "Constitution" e "Constellation"),
Reino Unido ("Victory", Gannet" e "Trincomalee") e Dinamarca ("Julland").
Alguns destes navios, como o "Constitution" são um pouco mais antigos
(cerca de 1790) que a Fragata "D. Fernando", que começou a ser
construída em 1833, mas também como a construção naval estava menos
adiantada que a dos Estados Unidos, assim a nossa "D. Fernando" tinha
praticamente a mesma tecnologia que a "Constitution".
|
|
|
|
|
|
Na doca seca da Lisnave em 10
de Fevereiro de 1992. |
|
Os restos do navio já com
flutuadores colocados, em Dezembro de 1992. |
|
Assim esse
navio e os seus planos têm servido de fonte de inspiração, bem com todas
as outras visitas a navios dessa época já restaurados e os contactos com
especialistas na procura de soluções para alguns problemas e detalhes
técnicos acabaram por se tornar muito importantes.
A 3.ª fase
inicia-se a 3 de Julho de 1993, no estaleiro Ria-Marine, compreendendo o
restauro estrutural do navio segundo a traça original, que termina com o
relançamento à água efectuado em 8 de Abril de 1997. O navio seguiu a
reboque partindo do estaleiro no dia 1 de Maio e chegando ao Tejo com
destino ao Arsenal do Alfeite no dia 3 de Maio.
Esta fase é talvez a
mais importante de todo o processo e por isso dado o seu alto detalhe
técnico entrevistámos o Comandante Martins e Silva, Presidente da
Comissão Executiva. (M.S.)
“REVISTA
DA ARMADA”, n.º 305, Janeiro 1998, pág.
20.
R. A : Que preparativos foram
necessários efectuar nesta fase?
M. S : Nesta fase foi necessário proceder a uma investigação bastante
aprofundada para se poder restaurar e refazer a estrutura em termos de
casco, pois havia elementos que estavam em falta. Da estrutura básica do
navio, temos os elementos que começam por ser aqueles que ainda estavam
no Iodo e, para proceder a essa investigação, o AA montou uma estrutura
tubular metálica para se fazer um levantamento daquilo que conhecíamos
menos bem, que era a parte da estrutura do navio sobre a quilha, e esses
elementos estavam lá. Para além disso, há imensos pormenores e detalhes
técnicos que não vou aqui referir, pois a linguagem técnica é
complicada, e são centenas de detalhes, o que teve de ser investigado
pouco a pouco, e depois à medida que o restauro ia sendo feito,
verificava-se que o estaleiro ia pondo dificuldades por falta de
soluções, ou encalhando em certos detalhes que a Comissão Executiva e o
Arsenal do Alfeite procuravam estudar e dar solução, em função dos
trabalhos de investigação que tínhamos feito. Curiosamente, o Estaleiro
que é um estaleiro simples, às vezes chegava-se lá, e íamos lá várias
vezes, e víamos indivíduos de aspecto muito simples, de lápis atrás da
orelha, debruçados na minúcia dos planos do navio e a partir daí
executavam a traça das peças, etc., ou seja, indivíduos com grandes
conhecimentos práticos na área da construção naval de madeira a fazerem
estes trabalhos.
|
|
|
|
|
|
A fragata na carreira do estaleiro
Ria-Marine, em Aveiro, aguardando o início do restauro estrutural
(14 de Março de 1993). |
|
Cavername do navio em execução no estaleiro Ria-Marine, em Aveiro. |
|
R. A:
Que pessoal especializado esteve
envolvido nestes trabalhos?
M. S: Podia começar por referir o mestre do estaleiro, Alberto Costa, o
grande impulsionador e dinamizador de toda esta equipa, que envolvia em
média cerca de 32 carpinteiros navais, e em período de ponta no máximo
45, incluindo ainda 3 calafates para a calafetagem do costado e
pavimentos. Via-se que eram todos indivíduos com uma enorme experiência
na carpintaria naval de madeiras, mesmo nesta zona e noutras a que se
recorreu como Vila do Conde e Figueira da Foz, conseguindo ultrapassar
dificuldades que, a nós, Comissão Técnica, deixava por vezes
aterrorizados com a perspectiva de não os poder resolver.
Assim, o estaleiro
foi buscar gente a esses locais de forte tradição de construção naval de
madeira, até porque há especialidades de que já só existem operários em
número muito reduzido.
|
R. A:
E como decorria o ritmo dos trabalhos?
M. S: Estes trabalhos avançavam penosamente, como não podia deixar de
ser, e eu recordo, por exemplo, que só o montar das balizas era uma
operação grandiosa, pois cada baliza pesava centenas de quilos, e
portanto fazer peças com aquela dimensão e peso, colocá-las no lugar,
encaixá-las ao milímetro, era uma operação delicada que dava gosto ver
executar.
A Comissão a partir de certa altura, contratou uma empresa
especializada para filmar em vídeo todas as operações realizadas no
restauro do navio e isso é um documento importante, porque ficará
registado para a posteridade todo o processo. |
Como ia dizendo,
foram-se ultrapassando, passo a passo, as diversas dificuldades e, sendo
o estaleiro artesanal e ao ar livre, os trabalhos sofreram bastante com
as condições do tempo, sendo interrompidos em épocas de chuva e
intempéries em que não se podia trabalhar. Uma construção naval de
madeira, em estaleiro a céu aberto, forçosamente seria influenciada
nestas épocas de Inverno rigoroso, com atrasos e prejuízos, como, por
exemplo, as dilatações da madeira, que alteravam as suas dimensões, e
quando se iam montar as peças não encaixavam, e havia que esperar que
retomassem a sua dimensão normal, etc.
|
|
|
|
Aspecto da fragata na carreira do estaleiro Ria-Marine, em Aveiro
(22 de Novembro de 1995). |
|
R. A:
Cite-nos agora algumas peripécias ou
motivos de curiosidade durante os trabalhos em estaleiro.
M. S: Podia contar coisas curiosas, por exemplo, as tábuas do forro
exterior do costado têm 8 metros de comprimento, e 30 centímetros de
largura, indo até à zona de flutuação que se chama cintado, que é a zona
mais forte do costado, em que a espessura chegava a 17 centímetros, ou
seja, para colocar uma tábua destas no lugar com cavilhas à volta de 60
centímetros de comprimento, envolvendo peças com centenas de quilos a
movimentar é realmente uma operação muito delicada.
Sobre o trabalho de
restauro estrutural há ainda um aspecto a salientar; inicialmente,
pensava-se que o remanescente do navio iria para Aveiro a reboque com
flutuadores, mas depois, por decisão do CEMA de então, Almirante Fuzeta
da Ponte, considerou-se que era um risco muito grande esse transporte,
pelo que a hipótese de seguir em doca flutuante foi considerada melhor.
Realmente era um risco grande se tivesse sido assim, dado que a quilha
estava muito fragilizada à popa, pois houve que cortar cerca de 10 a 15
metros de quilha e com a emenda feita passou a ser um ponto fraco. Para
garantir a segurança, foi executada uma segunda sobre-quilha, que é uma
peça em madeira com várias toneladas de peso. Isto era para dizer que
para montar a quilha, sobre-quilha e 2.ª sobre-quilha houve que colocar
cavilhas de cobre de 2 metros de comprimento, ou seja, furar e colocar
cavilhas destas dimensões em peças com este peso, é realmente um
trabalho fora do vulgar. Outra curiosidade é que, enquanto os mastros do
traquete e do grande vão à sobre-quilha, o mastro da gata (de ré) fica
ao nível da coberta, detalhe de construção naval, para o qual os
especialistas ainda não encontraram justificação. Mas, na realidade, em
todos os grandes veleiros conhecidos assim era. O mastro da gata até tem
de construção uma ligeira inclinação para ré, que é visível do exterior.
R. A:
Fale-nos agora das linhas gerais de
actuação nesta última fase no Arsenal do Alfeite.
M. S: Falando agora sobre a 4.ª fase do projecto, que é esta que está
actualmente em curso no Arsenal do Alfeite, queria em primeiro lugar
fazer uma referência muito justa à Marinha, graças às decisões dos
sucessivos Chefes do Estado-Maior da Armada, de nesta fase final do
projecto terem isentado os custos de mão-de-obra do Arsenal do Alfeite.
Por outro lado, sem a capacidade técnica do Arsenal do Alfeite, não
teria sido possível realizar estes trabalhos em tempo e com a qualidade
que lhes é reconhecida. Neste momento está-se a aproveitar toda a
mão-de-obra disponível em áreas da construção em madeira, visto o
Arsenal ainda dispor de antigos especialistas com uma capacidade, diria
mesmo artesanal, que em grandes empresas já não é possível encontrar.
Por outro lado,
também foi possível arranjar um grupo de especialistas da Marinha que
executam toda a parte do aparelho do navio, que é um trabalho
extraordinário. Este conjunto de pessoal especializado do Arsenal e a
equipa da Marinha é que têm tornado possível este quase milagre da
recuperação e restauro do navio no Arsenal.
Neste momento, o
navio tem já colocados os 4 mastros reais, os mastaréus da gávea,
está-se e executar o "beque" à proa, os alforges à popa, as portinholas
das peças de artilharia, também os berços das peças que estão quase
todos prontos, etc.
As peças de
artilharia estão a ser fundidas numa empresa portuguesa contratada e
algumas delas já se encontram no Arsenal. Também a compartimentação
interior está em grande parte pronta. Quanto às embarcações do navio,
duas já estão prontas e três estão a ser ultimadas. Toda a parte do
poleame é executado em França, pois não havia nenhuma empresa portuguesa
para o executar, e tem chegado com alguns atrasos.
O massame está a ser
executado pela tal já referida equipa de Marinha, dirigida pelo Comte
Eira e tendo como principal encarregado o Sargento-Ajudante de Manobra
José Manuel Bernardo, que é um marinheiro extraordinário, com dezenas de
anos de mar, que eu bem conheço desde os cursos de I. T. E. de manobra,
pois fui dos seus primeiros instrutores. Curiosamente, ele
próprio é um ex-aluno da fragata D. Fernando.
|