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A apanha do moliço
Domingos José de Castro (pp. 23 a 28)

 

Foto Cinex

Os aparelhos para a apanha do moliço constam, em primeiro lugar, dos ancinhos de arrasto [1], que se compõem de um cabo, geralmente de "pinho", com o comprimento de 4 a 6 metros, e um pente de "carvalho" com o comprimento de 1,50 m por 0,08 m. de altura ao centro e 0,05 m. nas extremidades, provido de 64 dentes de 0,10 m. a 0,12 m. afastados nas pontas 0,02 m. entre si. Duas alças de ferro, com dentes mais curtos, reforçam-no no seu ponto central. Estes ancinhos são fixados obliquamente em ambos os bordos do barco nas amuras e nas alhetas, em número não inferior a dois nem superior a quatro.

[1] - Ancinho de arrasto. Desenho de D. José de Castro. / p. 26 /

Para aguçar os dentes dos ancinhos toda a vez que se torne necessário, usam os moliceiros a podoa, que faz parte da utensilagem de bordo.

[2] - Ancinho de apanhar. Desenho de D. José de Castro. / p. 26 /

Seguem-se-lhe os ancinhos de apanhar [2], ou seja, os manejos da lavoura; têm cerca de um terço das dimensões dos primeiros e são providos de um cabo de 2 metros e de um pente com 12 a 14 dentes. Os moliceiros servem-se deles a bordo para a colheita das plantas do fundo, quando parado o barco, trabalho a que chamam mariscar; e usam-no também para apanhar o moliço arrolado — aquele que escapa dos ancinhos de arrasto e fica a boiar, ou se desprende do fundo com a própria agitação das águas e vai dar às praias impelido pelo vento.

   

Nessas praias, que são propriedades particulares, e, também, nos viveiros das marinhas de sal, este ancinho serve para juntar o moliço em pequenos montes, a que dão o nome de laboiros, que empurram depois, com as costas do mesmo, para o local onde o barco os recolhe.

Eventualmente, quando acontece partir pelo meio o pente dos ancinhos de / 24 / arrasto, aproveitam essas duas metades para lhes aplicar um cabo de cerca de 2 metros; formam assim um outro ancinho a que chamam rapão, geralmente empregado para apanhar a pé o moliço nos cabeços que a baixa-mar deixa a descoberto.

[3 e 4] - Engaços. Desenho de D. José de Castro. / p. 26 /

Propriamente para a descarga, servem-se dos engaços [3 e 4], ancinhos de ferro da lavoura, com um cabo de "pinho" de 1,20 m de comprimento usual e munido de 3 ou 5 dentes; no transporte para as malhadas, usam a padiola [5], espécie de escada da mesma madeira que se compõe de dois caibros, varas paralelas, sensivelmente fusiformes, com o comprimento aproximado de 2 metros e ligados entre si por oito travessas de 0,50 m. a 0,60 m., também fusiformes, colocadas a espaços iguais de 0,15 m. em média. É conduzida por dois homens e quase sempre acompanha a embarcação dependurada na proa, por bombordo. /.../

[5] - Padiola. Desenho de D. José de Castro. / p. 26 /

 

Nos trabalhos da colheita do moliço, os principais instrumentos são, evidentemente, os ancinhos de arrastar, que se fixam por meio de duas peças de madeira conhecidas pelos nomes de forcada e de tamanca, adaptáveis aos bordos da embarcação, nas encalas; a primeira, de "carvalho", coloca-se na posição vertical servindo de apoio ao cabo do ancinho; a segunda, de "pinho", é ajustada, horizontalmente, no próprio bordo, onde exerce a serventia de contracunha — digamos assim — conjugando-se as funções de ambas em sustentar a posição oblíqua dos ancinhos. A forcada tem a altura de 0,55 m., e a tamanca o comprimento de 0,40 m.

Barco moliceiro na apanha do moliço. Fotografia de D. José de Castro.  / p. 27 /
Barco moliceiro na apanha do moliço.

No decurso da colheita acontece que a embarcação, a partir de certo peso de carga, mergulha o bordo, que chega a atingir 0,40 m. de submersão ao completar o carregamento; para prevenir esta circunstância, aumenta-se-lhe o calado com quatro falcas e dois falquins, espécie de pranchas também adaptáveis nas encalas à razão de duas falcas e um falquim a cada bordo, peças que se ligam entre si por justaposição desde a vertente do castelo da proa até ao ponto correspondente à antepenúltima caverna da ré, destinadas a evitar a inundação do barco.

Justapostas, estas peças acusam uma altura de 0,40 m. a partir da primeira falca, altura que decresce até 0,25 m. na extremidade do falquim. O comprimento da falca da ré é de 4,30 m, a da proa 3,05 m e o do falquim, 1,15 m.

Para os trabalhos de baldeação, usam a bordo o lambaz, o escoadoiro e o rapucho. O lambaz, para a lavagem do barco, compõe-se de um cabo de "pinho" com o comprimento médio de 1,50 m, que apresenta numa das extremidades, sobrepostos e pregados, vários pedaços de trapo de formato circular com o diâmetro de 0,30 m.; o escoadoiro destinado, como se deduz, ao escoamento da água que se deposita nas cavernas, assemelha-se a uma pá, também de "pinho", com as dimensões usuais de 0,40 m. de largura por 0,45 m. de extensão e 0,08 m. de altura de lados, munida de um cabo da mesma madeira com 0,60 m. de comprimento que forma manípulo na extremidade.

O rapucho consiste numa lâmina de ferro com a largura de 0,015 m., poligonal, à maneira de dois ângulos rectos com um lado comum, com o comprimento total de 0,30 + 0,10 m. e munida de um cabo de + 0,15 m.

Com este utensílio procede-se à limpeza das bueiras, orifícios que atravessam horizontalmente as cavernas do barco com o fim de dar passagem a água; cada / 26 / caverna tem 3 bueiras, uma ao centro e uma a cada extremidade, mas acontece durante a colheita que alguns /.../ fragmentos de moliço ali se depositam e as obstruem donde resulta, então, a serventia do rapucho na operação da sua limpeza. /.../

O moliço. Fotografia de D. José de Castro.  / p. 27 /
O moliço.

A utensilagem doméstica de bordo resume-se ao indispensável: um fogareiro de feno, um caldeiro de ferro ou folha, várias tigelas e palanganas de barro vermelho, vidrado, /.../ algumas colheres de folha, garfos de ferro, o respectivo barril de barro para água ou, mais vulgarmente, em madeira com pega de ferro, e o trivial podão para rachar a lenha que utilizam no fogareiro. Completam este naipe doméstico as habituais esteiras, e a roupa da proa constituída pelas mantas de agasalho, cobertas de trapo, etc. /.../

A colheita do moliço é praticada desde Ovar a Mira, nos logradouros públicos de Esmoriz, Ovar, Torreira, Bunheiro, Pardelhas, Pardilhó, S. Jacinto, Aveiro, Ílhavo e Areão, e, também, nas praias particulares e nos viveiros das marinhas de sal, mediante autorização contratada.

Nos sítios de maior profundidade, a colheita realiza-se em barcos pela forma seguinte: primeiramente os moliceiros tomam barlavento; a certa distância, e com andamento reduzido, colocam então os ancinhos de arrastar nos bordos do barco; durante o percurso os "encinhos" — como lhe chamam —são retirados alternadamente sempre que os sintam carregados para depositar nas cavernas a respectiva "encinhada" ou seja a porção de moliço colhido, e tornam a colocá-los nos seus lugares.

  Fotografia de D. José de Castro.  / p. 27 / Fotografia de D. José de Castro.  / p. 27 /  
  A encinhada. Arrumação do moliço, por encinhada.  

Atingido o limite do local determinado para a colheita, suspendem-na, voltam a tomar barlavento e colocam de novo os ancinhos.

Esta operação repete-se tantas vezes quantas sejam necessárias para completar o carregamento do barco a que dão o nome de maré de moliço.

Pelo contrário, nos pontos onde a profundidade é menor, a colheita pratica-se com a matola ou, então, a pé, como nas praias e nos viveiros. Neste último caso a água chega a atingir frequentes vezes a altura do peito. /.../ As propriedades marginais (praias) são delimitadas por meio de ramos de pinheiro a que chamam pintalhas. /.../

Pelo que me foi dito e observei, as pintalhas utilizam-se, apenas, como meio de "sinalização" nos pontos de escassa profundidade da Ria e não como sistema de "delimitação "; para este último efeito adoptam propriamente a estacaria.

A colheita nos viveiros tem condições especiais que se observam escrupulosamente. Na generalidade a entrada nesses depósitos de água das marinhas de sal é interdita ao moliceiro sem a presença do Marnoto (trabalhador das salinas). A este último compete, previamente, escoar o viveiro e afastar o peixe que nele exista para outro ponto mais fundo ou afastado onde não é permitida a colheita. Escoado o viveiro, os moliceiros encostam à vala contígua o respectivo barco, colhem o moliço, juntam-no em laboiros, como anteriormente se referiu, empurram-no com o ancinho para junto da vala e passam-no depois para o barco por meio da pá da borda que lhe serve de prancha sobre a qual desliza.

Sempre que o moliço se destine a aplicação em verde, após a apanha, o que acontece nos terrenos marginais ou próximos deles, os carros de bois vão junto dos barcos, na Ria, para o receber e conduzir imediatamente; outras vezes descarregam-no / 28 / em filas sucessivas de pequenos montes, nas motas, que são cais de reduzida extensão.

Se, pelo contrário, é aplicado em seco, como sucede nos terrenos arenosos do Sul, locais por vezes muito afastados do sítio onde foi colhido, é então descarregado e estendido em terrenos ligeiramente inclinados a que dão o nome de malhadas para lhe ser extraída a percentagem de água, entre 60/82 %, o que representa uma sobrecarga inútil.

Juntam-no depois de seco em montes arredondados que vulgarmente se elevam a uma altura aproximada a dois metros, e dali segue para o seu destino.

Cada um dos concelhos marginais tem os seus mercados de moliço onde os Agricultores se dirigem para o adquirir; um dos mais importantes realiza-se na Quintã, perto do Boco, ao Sul de Ílhavo, registando-se em Setembro a época de maior movimento nesses mercados, ocasião em que se contam por centenas os montes de moliço, em verde e em seco, e, enquanto uns são adquiridos e levados ao seu destino, outros barcos chegam com novas colheitas, diariamente, continuamente, a abastecer a avidez dos compradores habituais.

A cada maré ou barcada de moliço seco correspondem, de um modo corrente, cinco de verde, e a espécie de plantas de que ele se compõe, e a maior ou menor percentagem dos lodos aderentes, são os factores de que esta quebra depende. /.../

Em média, a colheita anual correspondente a cada barco anda à volta de 150 barcadas e a produção do moliço, com base numa estatística recente, pode calcular-se ao redor de 300.000 toneladas por ano com o valor de 3.600 contos (de 1940).

As principais espécies botânicas que entram na sua composição /.../ são, em resumo, as seguintes, na sua designação específica e correspondente nome vulgar:

  Designação específica Designação vulgar
  Zostera nana, Roth Cirgo, Musgo, Seba, Sirgo
  Potamogeton pectinatus, L. var.
        tenuifolis, Mert. et Koch
Rabos
  Ruppia spiralis, Dumort Erva, Erva de arganel, Sirgo
  Ruppia rostellata, Koch Zostera marina, L. Fita
  Chara flexilis, Ag. e
           Chara aspera, Wild.

Pinheira, Gorga
  Myriophyllum spicatum, L. Pojos, Rabos
  Potamogeton crispus, L. Carqueja
  Vallisneria spiralis, L. Fita
  Najas major, AlI.  Carrapeto
  Anacharis canadensis Estrume novo
  Ruppia marítima, L.  
  Enteromorpha Folha, Folhada, Limo
  UIva  
  Sifonácea Mormassa, Papeira, Mormo, Trapa
  Enteromorpha intestinalis, Lk.  
  UIva lactuca, L.  
  Codium tomentosum, Ag.  
  Polysiphonia havanensis, Ment.  

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