Os aparelhos
para a apanha do moliço constam, em primeiro lugar, dos ancinhos de
arrasto [1], que se compõem de um cabo, geralmente de "pinho", com o
comprimento de 4 a 6 metros, e um pente de "carvalho" com o comprimento
de 1,50 m por 0,08 m. de altura ao centro e 0,05 m. nas extremidades,
provido de 64 dentes de 0,10 m. a 0,12 m. afastados nas pontas 0,02 m.
entre si. Duas alças de ferro, com dentes mais curtos, reforçam-no no
seu ponto central. Estes ancinhos são fixados obliquamente em ambos os
bordos do barco nas amuras e nas alhetas, em número não
inferior a dois nem superior a quatro.
Para aguçar os
dentes dos ancinhos toda a vez que se torne necessário, usam os
moliceiros a podoa, que faz parte da utensilagem de bordo.
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Seguem-se-lhe
os ancinhos de apanhar [2], ou seja, os manejos da lavoura; têm cerca
de um terço das dimensões dos primeiros e são providos de um cabo de 2
metros e de um pente com 12 a 14 dentes. Os moliceiros servem-se deles a
bordo para a colheita das plantas do fundo, quando parado o barco,
trabalho a que chamam mariscar; e usam-no também para apanhar o
moliço arrolado — aquele que escapa dos ancinhos de arrasto e
fica a boiar, ou se desprende do fundo com a própria agitação das
águas e vai dar às praias impelido pelo vento. |
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Nessas praias,
que são propriedades particulares, e, também, nos viveiros das marinhas
de sal, este ancinho serve para juntar o moliço em pequenos montes, a
que dão o nome de laboiros, que empurram depois, com as costas do
mesmo, para o local onde o barco os recolhe.
Eventualmente,
quando acontece partir pelo meio o pente dos ancinhos de
/ 24 / arrasto,
aproveitam essas duas metades para lhes aplicar um cabo de cerca de 2
metros; formam assim um outro ancinho a que chamam rapão,
geralmente empregado para apanhar a pé o moliço nos cabeços que a
baixa-mar deixa a descoberto.
Propriamente
para a descarga, servem-se dos engaços
[3 e 4], ancinhos de ferro da
lavoura, com um cabo de "pinho" de 1,20 m de comprimento usual e munido
de 3 ou 5 dentes; no transporte para as malhadas, usam a
padiola [5], espécie de escada da mesma madeira que se compõe de dois
caibros, varas paralelas, sensivelmente fusiformes, com o
comprimento aproximado de 2 metros e ligados entre si por oito travessas
de 0,50 m. a 0,60 m., também fusiformes, colocadas a espaços iguais de
0,15 m. em média. É conduzida por dois homens e quase sempre acompanha a
embarcação dependurada na proa, por bombordo. /.../
Nos trabalhos
da colheita do moliço, os principais instrumentos são, evidentemente, os
ancinhos de arrastar, que se fixam por meio de duas peças de madeira
conhecidas pelos nomes de forcada e de tamanca, adaptáveis
aos bordos da embarcação, nas encalas; a primeira, de "carvalho",
coloca-se na posição vertical servindo de apoio ao cabo do ancinho; a
segunda, de "pinho", é ajustada, horizontalmente, no próprio bordo, onde
exerce a serventia de contracunha — digamos assim — conjugando-se as
funções de ambas em sustentar a posição oblíqua dos ancinhos. A
forcada tem a altura de 0,55 m., e a tamanca o comprimento de
0,40 m.
Barco moliceiro na apanha do
moliço.
No decurso da
colheita acontece que a embarcação, a partir de certo peso de carga,
mergulha o bordo, que chega a atingir 0,40 m. de submersão ao completar
o carregamento; para prevenir esta circunstância, aumenta-se-lhe o
calado com quatro falcas e dois falquins, espécie de
pranchas também adaptáveis nas encalas à razão de duas falcas e
um falquim a cada bordo, peças que se ligam entre si por
justaposição desde a vertente do castelo da proa até ao ponto
correspondente à antepenúltima caverna da ré, destinadas a evitar a
inundação do barco.
Justapostas,
estas peças acusam uma altura de 0,40 m. a partir da primeira falca,
altura que decresce até 0,25 m. na extremidade do falquim. O
comprimento da falca da ré é de 4,30 m, a da proa 3,05 m e o do
falquim, 1,15 m.
Para os
trabalhos de baldeação, usam a bordo o lambaz, o escoadoiro
e o rapucho. O lambaz, para a lavagem do barco, compõe-se
de um cabo de "pinho" com o comprimento médio de 1,50 m, que apresenta
numa das extremidades, sobrepostos e pregados, vários pedaços de trapo
de formato circular com o diâmetro de 0,30 m.; o escoadoiro
destinado, como se deduz, ao escoamento da água que se deposita nas
cavernas, assemelha-se a uma pá, também de "pinho", com as dimensões
usuais de 0,40 m. de largura por 0,45 m. de extensão e 0,08 m. de altura
de lados, munida de um cabo da mesma madeira com 0,60 m. de comprimento
que forma manípulo na extremidade.
O rapucho
consiste numa lâmina de ferro com a largura de 0,015 m., poligonal, à
maneira de dois ângulos rectos com um lado comum, com o comprimento
total de 0,30 + 0,10 m. e munida de um cabo de + 0,15 m.
Com este
utensílio procede-se à limpeza das bueiras, orifícios que
atravessam horizontalmente as cavernas do barco com o fim de dar
passagem a água; cada
/ 26 / caverna tem 3 bueiras, uma ao centro
e uma a cada extremidade, mas acontece durante a colheita que alguns
/.../ fragmentos de moliço ali se depositam e as obstruem donde resulta,
então, a serventia do rapucho na operação da sua limpeza. /.../
O moliço.
A utensilagem
doméstica de bordo resume-se ao indispensável: um fogareiro de feno, um
caldeiro de ferro ou folha, várias tigelas e palanganas de barro
vermelho, vidrado, /.../ algumas colheres de folha, garfos de ferro, o
respectivo barril de barro para água ou, mais vulgarmente, em madeira
com pega de ferro, e o trivial podão para rachar a lenha que
utilizam no fogareiro. Completam este naipe doméstico as habituais
esteiras, e a roupa da proa constituída pelas mantas de agasalho,
cobertas de trapo, etc. /.../
A colheita do
moliço é praticada desde Ovar a Mira, nos logradouros públicos de
Esmoriz, Ovar, Torreira, Bunheiro, Pardelhas, Pardilhó, S. Jacinto,
Aveiro, Ílhavo e Areão, e, também, nas praias particulares e nos
viveiros das marinhas de sal, mediante autorização contratada.
Nos sítios de
maior profundidade, a colheita realiza-se em barcos pela forma seguinte:
primeiramente os moliceiros tomam barlavento; a certa distância, e com
andamento reduzido, colocam então os ancinhos de arrastar nos bordos do
barco; durante o percurso os "encinhos" — como lhe chamam —são retirados
alternadamente sempre que os sintam carregados para depositar nas
cavernas a respectiva "encinhada" ou seja a porção de moliço
colhido, e tornam a colocá-los nos seus lugares.
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A
encinhada. |
Arrumação do moliço, por encinhada. |
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Atingido o
limite do local determinado para a colheita, suspendem-na, voltam a
tomar barlavento e colocam de novo os ancinhos.
Esta operação
repete-se tantas vezes quantas sejam necessárias para completar o
carregamento do barco a que dão o nome de maré de moliço.
Pelo contrário,
nos pontos onde a profundidade é menor, a colheita pratica-se com a
matola ou, então, a pé, como nas praias e nos viveiros. Neste último
caso a água chega a atingir frequentes vezes a altura do peito. /.../ As
propriedades marginais (praias) são delimitadas por meio de ramos de
pinheiro a que chamam pintalhas. /.../
Pelo que me foi
dito e observei, as pintalhas utilizam-se, apenas, como meio de
"sinalização" nos pontos de escassa profundidade da Ria e não como
sistema de "delimitação "; para este último efeito adoptam propriamente
a estacaria.
A colheita nos
viveiros tem condições especiais que se observam escrupulosamente. Na
generalidade a entrada nesses depósitos de água das marinhas de sal é
interdita ao moliceiro sem a presença do Marnoto (trabalhador das
salinas). A este último compete, previamente, escoar o viveiro e afastar
o peixe que nele exista para outro ponto mais fundo ou afastado onde não
é permitida a colheita. Escoado o viveiro, os moliceiros encostam à vala
contígua o respectivo barco, colhem o moliço, juntam-no em laboiros,
como anteriormente se referiu, empurram-no com o ancinho para junto da
vala e passam-no depois para o barco por meio da pá da borda que
lhe serve de prancha sobre a qual desliza.
Sempre que o
moliço se destine a aplicação em verde, após a apanha, o que acontece nos
terrenos marginais ou próximos deles, os carros de bois vão junto dos
barcos, na Ria, para o receber e conduzir imediatamente; outras vezes
descarregam-no
/ 28 / em filas sucessivas de pequenos montes, nas
motas, que são cais de reduzida extensão.
Se, pelo
contrário, é aplicado em seco, como sucede nos terrenos arenosos do Sul,
locais por vezes muito afastados do sítio onde foi colhido, é então
descarregado e estendido em terrenos ligeiramente inclinados a que dão o
nome de malhadas para lhe ser extraída a percentagem de água,
entre 60/82 %, o que representa uma sobrecarga inútil.
Juntam-no
depois de seco em montes arredondados que vulgarmente se elevam a uma
altura aproximada a dois metros, e dali segue para o seu destino.
Cada um dos
concelhos marginais tem os seus mercados de moliço onde os Agricultores
se dirigem para o adquirir; um dos mais importantes realiza-se na
Quintã, perto do Boco, ao Sul de Ílhavo, registando-se em Setembro a
época de maior movimento nesses mercados, ocasião em que se contam por
centenas os montes de moliço, em verde e em seco, e, enquanto uns são
adquiridos e levados ao seu destino, outros barcos chegam com novas
colheitas, diariamente, continuamente, a abastecer a avidez dos
compradores habituais.
A cada maré
ou barcada de moliço seco correspondem, de um modo corrente,
cinco de verde, e a espécie de plantas de que ele se compõe, e a maior
ou menor percentagem dos lodos aderentes, são os factores de que esta
quebra depende. /.../
Em média, a
colheita anual correspondente a cada barco anda à volta de 150 barcadas
e a produção do moliço, com base numa estatística recente, pode
calcular-se ao redor de 300.000 toneladas por ano com o valor de 3.600
contos (de 1940).
As principais
espécies botânicas que entram na sua composição /.../ são, em resumo, as
seguintes, na sua designação específica e correspondente nome vulgar:
|
Designação específica |
Designação vulgar |
|
Zostera nana, Roth |
Cirgo, Musgo, Seba, Sirgo |
|
Potamogeton
pectinatus, L. var.
tenuifolis,
Mert. et Koch |
Rabos |
|
Ruppia
spiralis, Dumort |
Erva, Erva de arganel, Sirgo |
|
Ruppia
rostellata, Koch Zostera marina, L. |
Fita |
|
Chara flexilis,
Ag. e
Chara aspera,
Wild. |
Pinheira, Gorga |
|
Myriophyllum
spicatum, L. |
Pojos, Rabos |
|
Potamogeton
crispus, L. |
Carqueja |
|
Vallisneria
spiralis, L. |
Fita |
|
Najas major,
AlI. |
Carrapeto |
|
Anacharis
canadensis |
Estrume novo |
|
Ruppia
marítima, L. |
|
|
Enteromorpha |
Folha, Folhada,
Limo |
|
UIva |
|
|
Sifonácea |
Mormassa, Papeira, Mormo, Trapa |
|
Enteromorpha
intestinalis, Lk. |
|
|
UIva lactuca,
L. |
|
|
Codium
tomentosum, Ag. |
|
|
Polysiphonia
havanensis, Ment. |
|
/.../ |