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Aspecto inicial e corte do barco moliceiro. |
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O Barco Moliceiro é o
tipo de embarcação destinada à colheita e transporte da vegetação da Ria
de Aveiro, ocupação conhecida pelo termo popular de apanha do moliço,
e serve eventualmente ao transporte de mercadorias ou gado. A área
geográfica da sua actuação abrange toda a superfície da Ria desde Ovar a
Mira, variando as suas dimensões conforme as zonas onde navega.
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De um modo geral
regulam, respectivamente, por 15 metros de comprimento, e medem entre as
cavernas de água, ou seja na sua maior posse, 7,50 m.
De costados muito
baixos, particularidade que muito facilita a colheita e o carregamento,
estes barcos são, também, sensivelmente abertos, medindo de boca 2,50 m.
Têm, de pontal, 1 metro, e 21 cavernas, a maior das quais muito chegada
para o lado da proa. A sua deslocação anda por 5 toneladas.
De fundo plano e de
pequeno calado, em consequência da pouca profundidade de muitos
pontos da Ria e de seus canais, onde a natureza dos fundos, com
frequentes bancos de areia, impede a navegabilidade a barcos de quilha,
concorre, também, essa característica para a facilidade na arrumação do
moliço e nos respectivos trabalhos da descarga.
Nomenclatura do barco
moliceiro
Construído em madeira
de pinheiro — espécie que povoa grande parte da região — leva
ordinariamente 25 dias a construir, por 2 homens, e resiste, em média,
sete anos ao serviço. A cor do costado é, inicialmente, amarelada por
efeito do embreamento a pez louro donde sobressai a cinta
embreada a pez negro; mas logo que sofre a primeira amanhação
para o que geralmente se aproveita a época do defeso, o costado é
totalmente embreado a pez negro, menos oneroso e mais eficiente na sua
vedação e protecção. Exceptuam-se, evidentemente, neste segundo aspecto,
os painéis da proa e da ré que, apesar de reparados, conservam o mesmo
carácter decorativo. /.../
Os meios de propulsão
do barco moliceiro são: a vela, a vara ou a
sirga, que os tripulantes traduzem por meio dos termos popularizados
de "andar à vela, andar à vara e andar à sirga".
No primeiro caso, que
é o meio de propulsão habitual do barco, a vela é de formato trapezoidal
e usualmente de lona, com a superfície média de 24 metros quadrados.
Para o seu manejo tem, em primeiro lugar, a verga, vara de
"pinho" com o comprimento de 4 metros onde, por meio de "cordéis" que se
chamam envergues, se prende a vela içando-a em seguida com o cabo
ostaga até à extremidade do mastro — que é desmontável e da mesma
qualidade, com a altura de 8 metros em regra, — onde fica
transversalmente; outros dois cabos, troça e amura —
prendem-na, respectivamente, na parte superior e inferior daquele.
Nomenclatura do barco
moliceiro
Através dos ilhós
abertos nas costuras do pano, a que chamam rizes, passam pequenos
cabos que têm o mesmo nome, e servem para a redução da superfície da
vela. Para orientar o barco de modo a ganhar barlavento, têm o bolinão,
cabo que vem prender-se no moitão da bica da proa; e para
obter maior ou menor velocidade, serve-se o arrais de outro cabo, que se
chama escota, com o qual, ao largar ou retesar, consegue dar
respectivamente, mais ou menos pano à embarcação que chega a atingir
andamento pouco vulgar em barcos de vela, mesmo à popa, bolinando também
com extrema facilidade.
A escota vem prender-se a um varão
fixado interiormente por estibordo da ré; este varão arma na
respectiva fêmea colocada a bombordo em local correspondente;
fora das ocasiões desta serventia, e com o fim de facilitar a
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passagem aos tripulantes, arma, então, numa outra fêmea
que se vê, também, a estibordo.
Tanto a altura do
mastro como a exagerada elevação da vela têm, como imediato objectivo,
alcançar vento de cima, especialmente quando atravessam os canais da Ria
ou a parte navegável dos Rios Vouga ou Águeda. Nas romarias fluviais,
/.../ as velas aparecem com um aspecto festivo de gracioso efeito e
originalidade, realizado por meio de aplicações multicores e desenhos
recortados, onde predominam cruzes e vasos floridos, entre outros, de
curiosa inspiração. /.../
Eventualmente usam à
proa um outro pano mais pequeno, de tipo e qualidade igual, o
traquete que armam por meio de verga no mastaréu. Este
pequeno mastro também de "pinho" ajusta-se na reentrância da vertente do
castelo, onde se vê um argolão que serve simultaneamente para sua
segurança e para calcar o traquete.
Com frequência
adoptam, porém, a pá da borda, ou toste, que lhes serve de
quilha quando bolinam. É colocada no bordo do barco, por sotavento, meio
mergulhada e segura por cordas que a partir de ambos os orifícios
abertos na sua extremidade superior vão enlaçar-se na parte inferior do
mastro.
Cada embarcação
possui três tostes, qualquer delas de "pinho" e encabeçadas, com
o comprimento de 2,30 m, mas entre si com a largura 0,70 m., 0,80 m. e 1
metro. /.../
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Aplicação da pá da borda, ou toste... |
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Estas tostes
dão, também, serventia de prancha; os tripulantes atravessam-nas no
barco, de bordo a bordo, e andam sobre elas durante a apanha do
moliço, o que lhes facilita a manobra com os ancinhos; com este fim
um dos lados é aparelhado com breu pulverizado de serradura para lhes
evitar o escorregamento.
O segundo sistema de
propulsão conseguem-no os moliceiros por meio de varas de
"pinho", de 4 a 6 metros, que firmam no fundo e empurram a peito,
descalços, em repetidos passeios desde a proa até próximo da ré; para
esse efeito, o castelo da proa e os bordos vêm do estaleiro aparelhados
pela mesma forma das tostes, com breu e serradura.
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Pormenores da deslocação por meio de vara. |
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Por último, a
deslocação por meio da sirga, cabo de sisal ou esparto de 0,025 m
de espessura, verifica-se, especialmente, na passagem dos canais mais
estreitos ou junto das margens da Ria, sempre que navegam contra a maré
ou contra o vento, e tem por fim apressar a sua condução em tais
circunstâncias. Urna das extremidades da sirga é amarrada aos
golfiões e a outra leva-a o respectivo tripulante, que segue a pé
pela margem.
Há ainda outra
modalidade de condução pela sirga usada em plena Ria, longe das
margens: prendem-na numa das extremidades do xarolo, fazem-na
passar, seguidamente, pelo moitão da bica da proa e
amarram-na por fim na outra extremidade do mesmo. Daqui resulta que
ambos os tripulantes podem, ao mesmo tempo, trabalhar com as varas ou
com os ancinhos dispensando-se um deles no leme que, por este modo,
governam de qualquer ponto onde se encontrem. /.../
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O barco moliceiro trabalha sempre de dia, e só excepcionalmente de
noite, quando vai recolher a vegetação nos cabeços descobertos
pela baixa-mar. Nalgumas localidades leva a reboque um pequeno barco de
3 metros de comprimento, /.../ a que chamam matola ou ladra,
manejado à vara, e utilizado para o carregamento do moliço colhido em
locais onde não possa chegar o moliceiro, como por exemplo, nalgumas
praias ou sítios de pouca profundidade./.../
A tripulação de cada
barco compõe-se de dois homens ou de um homem e um rapaz; em qualquer
dos casos, patrão e moço. As suas atribuições
confundem-se, porquanto um como o outro podem exercer simultaneamente as
mesmas funções;
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enquanto um retira os ancinhos e arruma o moliço nas cavernas, o outro
governa o leme e manobra a vela com admirável perícia, na condução do
barco em zigue-zague pelas zonas de maior abundância de vegetação, para
o afastar dos pontos de menor profundidade e evitar a possibilidade de
um encalhe. Mas, se o vento está de feição, trabalham então ambos nos
ancinhos, repetindo-se, quanto ao leme, a utilização da sirga já
citada.
Os dias mais penosos
são os de calmaria; a deslocação só pode realizar-se à vara e, como
logicamente se deduz, a colheita resulta muito menor pela dispersão de
trabalho dos tripulantes a que esta circunstância obriga. /.../
O ponto mais elevado
da proa e da ré do moliceiro termina por uma peça recurvada que,
possivelmente inspirada no bico de certos palmípedes, se designa pelo
nome de bica, termo generalizado em toda a Ria. É articulada por
meio de uma dobradiça que lhe permite reduzir a altura toda a vez que o
barco, conduzido à vara, tenha de passar sob qualquer ponte baixa. /.../
No seu prolongamento
inferior, e já sobre a cobertura do castelo da proa, elevam-se
duas peças de madeira, diametralmente opostas, com as dimensões de 0,22
m. de altura por 0,06 m. de largo e 0,08 m. de espessura, que se
designam pelo nome de golfiões e servem, simultaneamente, para
amarração da sirga, descanso dos ancinhos, das varas, da
fateixa ou do respectivo cabo, quando fundeado o barco.
Nas extremidades do
costado, à proa e à ré, por ambos os bordos, situam-se os painéis
decorativos e respectivas legendas; um pouco mais aquém, do lado da
proa, a inscrição do número de matrícula pintado a branco sobre
um rectângulo preto, inscrição que também é de uso legal trazer na parte
superior da vela.
Por estibordo, junto
à cinta da embarcação e anteriormente ao painel da proa, vê-se
uma peça de madeira, de configuração uniforme em todos os barcos,
conhecida pelo nome de orelha; acima desta e fixada na própria
cinta há uma pequena corrente de 0,30 m. que termina por um gancho
adaptável a uma argola igualmente fixada na mesma à distância de 0,20 m.
aproximadamente. Esta peça, no seu conjunto, tem a dupla serventia de
prender o barco ao moirão e evitar que este danifique o costado
pejo atrito resultante da agitação das águas. Este moirão não é
mais do que uma simples vara, ou estaca de "pinho" com 4 a 6 metros de
comprimento por 8 centímetros de diâmetro, que se fixa ao fundo em
qualquer local onde pretenda deter-se a embarcação.
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Utensílios da baldeação: o lambaz e o escoadoiro. |
As
falcas. |
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No extremo da ré, o
leme, de grandes proporções, é atravessado na parte superior por uma
vara conhecida pelo nome de xarolo; nas extremidades desta vara
de "pinho", com 2 metros de comprimento médio, prende-se a sirga
pela forma anteriormente referida; um pouco abaixo deste local costuma o
construtor desenhar, por ambos os lados, a sua divisa colorida.
No prolongamento da
linha de contorno do leme, encontra-se a meia altura uma reentrância
designada com o curioso nome de chança, recorte de simples
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efeito decorativo generalizado nestas embarcações.
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Serventia da tamanca e da forcada. |
Utensílios domésticos de bordo. |
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No interior do barco,
o castelo da proa, aparentemente desprovido de interesse, tem
significação e tem utilidade. Inteiramente coberto e fechado com porta e
chave, serve de câmara de tripulantes e de paiol de
mantimentos. /.../ Abrem-lhe a porta e ali se deitam sobre esteiras
nas horas de folga ou nas noites de estágio na Ria. A cada um dos lados,
a meia altura, duas prateleiras, a que dão o nome de cheleiras,
pelas quais distribuem os mantimentos, os utensílios domésticos e a
roupa da proa; na cheleira de estibordo, logo à entrada, há uma
pequena gaveta a que chamam portinhola, fechada com chave, para
arrecadação dos documentos de bordo e algum outro objecto de maior
valor.
Nas extremidades
desta câmara, o pique, que é o seu ponto mais estreito, tem a
serventia singular de arrecadar o pão e a vela do barco.
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A cobrir as duas primeiras cavernas há um estrado dividido em duas
partes iguais a que chamam painas, ajustadas no sentido do
comprimento e ao mesmo nível do piso da câmara, como se fosse sua
continuação. Este estrado tem a função de lareira; é ali, junto ao local
da "habitação" e da "copa" que os tripulantes preparam e servem a sua
alimentação quotidiana.
O castelo da ré,
despido completamente de ornamentações, é preenchido por um espaço,
coberto com tampa móvel e fechado à chave, espécie de degrau alteado que
serve de assento ao arrais e se designa pelo nome de entremesa;
serve ao acondicionamento do barril da água e arrecadação das
forcadas e tamancos que adiante se referem.
Por detrás deste
assento, na parte mais estreita e elevada da ré, há um outro
compartimento, também de cobertura móvel, sem chave, onde se deposita o
sal para consumo de bordo.
Num espaço semelhante
ao ocupado na proa pelas painas há, na ré, sob o lugar do arrais,
um estrado a que chamam paneiro, peça inteiriça, excepto a última
tábua a que dão o nome de costaneira volante, desligada com o
propósito de facilitar o seu levantamento.
É bem singular toda a
distribuição interior deste pequeno barco, onde nada esquece, nem mesmo
a apropriada lanterna em folha com vela de estearina, única iluminação
de bordo em qualquer ocupação nocturna.
E, mais tarde, quando
inutilizado para as funções que exerce, ainda lhe aproveitam o
madeiramento para o fogo das lareiras; só lhe poupam apenas, algumas
vezes, para a excêntrica serventia de galinheiro, cortelho ou canil, a
parte monumental: o seu castelo da proa. /.../
A construção dos
barcos moliceiros /.../ é uma indústria tradicional que só existe nesta
região, especialmente nos concelhos da Murtosa e Ílhavo, tão tradicional
que se verifica a hereditariedade na profissão, encontrando-se famílias
de construtores que se sucedem desde longínquas datas. /.../ Por entre
centenas de embarcações do mesmo tipo, as que mais se excedem em pureza
de linhas e beleza de aparato são, fora de dúvida, procedentes dos
estaleiros da Murtosa.
Arte vinculada que
honra a profissão.
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Aspectos de um estaleiro. |
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Os estaleiros, ao
contrário do que seria natural supor, são sempre no interior das
povoações, distanciados da Ria; daqui resulta a condução do barco para a
margem, ornamentado com galhardetes ou bandeirinhas de cores variadas,
que o barqueiro arvora nas duas bicas em pequenas hastes provisórias,
rematadas com ramos de flores silvestres, carreado sobre duas zorras,
que têm o aspecto dos pequenos carros da lavoura, tiradas a três juntas
de bois.
Condução de um barco
moliceiro para a Ria.
Esta a sua primeira
apoteose.
Apetrechados com a
utensilagem apropriada às construções, e a laboriosa imaginação dos seus
mestres, nada falta desde o mais insignificante instrumento até à mais
formal disciplina nestes estaleiros magos, — oficinas-presépios dum
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apostolado profissional que data de séculos e é sempre juvenil.
Para exprimir o
lançamento de qualquer barco à água, emprega-se nesta região o termo
popular de bota-abaixo. Pela forma anteriormente referida, o
barco é conduzido à Ria onde entra até o ponto marginal indicado para o
seu lançamento; desatadas as cordas que ligam as duas zorras entre si, é
retirada primeiramente a zona de vante puxada pelo próprio gado e, em
seguida, a da ré, retirada a pulso pelos homens que a acompanham, pelo
que fica desde logo o barco a flutuar. Dali é então conduzido à vara
para junto do cais, onde recebe a aparelhagem náutica e o equipamento
completo para a apanha do moliço.
O lançamento
efectua-se inalteravelmente aos sábados, regra-geral observada seja qual
for o dia em que se haja completado o seu acabamento. Pois este lindo
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barco, de linhas harmoniosas e sugestiva decoração, que é o encanto da
Ria e o principal modo de vida das populações marginais, nasce duma
pequena vara, "uma varinha mágica" quadrangular, de 0,020 m de face, na
base, até 0,015 m na extremidade, conhecida pelo nome simples de pau
dos pontos, que, no seu metro e meio de comprimento, tem marcadas
por incisão todas as dimensões que orientam o mestre em qualquer
embarcação que constrói; uma curiosa régua rudimentar de cálculo que é,
por assim dizer, ao mesmo tempo, planta, alçado, risco e projecção, e
tem por imediato auxiliar um cordel qualquer e nada mais.
Barcos abicados no
Cais do Bico (Murtosa – Ria de Aveiro).
A fotografia acima
publicada, colhida no Cais do Bico (Murtosa), mostra um
interessante friso de moliceiros abicados; para este fim serve a
fateixa, espécie de âncora de quatro braços, dois dos quais são
enterrados, para segurança, no próprio areal.
No que propriamente
respeita a decorações, trabalho de embelezamento que o caracteriza entre
todas as embarcações do País, a parte monumental do barco é,
evidentemente, a proa. Ali se reúnem as principais figuras que são o
símbolo dos elementos mais em contacto com a ocupação profissional,
decompostos em curiosas expressões geométricas. O movimento das águas,
expresso por uma faixa ondada, intercalada com fragmentos de moliço, tem
preferência que pode dizer-se geral, no friso superior que remata na
bica; seguem-se-lhe as conchas, duas filas verticais, paralelas, de
semi-círculos, alternados na sua disposição.
Estes, os atributos
marítimos evocados, compreensivelmente, na extremidade da proa. Do lado
oposto, os frisos que limitam este mesmo painel no seu prolongamento
pelo costado, cedem lugar aos elementos campestres, as flores,
especialmente as de maior predilecção popular.
Ao centro do painel —
lugar de honra — aparece quase sempre um monarca ou uma figura equestre;
em volta desta algumas plantas floridas a preencher os espaços
disponíveis.
Esta parte central do
painel é sempre sublinhada por uma legenda, ou dístico, relacionada ou
não com o motivo desenhado, e noutras vezes a indicar apenas o nome do
construtor do barco, local e data da sua construção. De uma maneira
geral, pode mesmo dizer-se sem excepção, nenhum desenho se repete quer
por bombordo quer por estibordo; são sempre quatro iluminuras,
diferentes entre si no desenho, no colorido e na própria legenda que as
sublinha. /.../
As cores
habitualmente empregadas na composição destes painéis são as que mais
impressionam a retina: o azul, amarelo, verde, vermelho, preto e branco;
as gamas intermédias só num ou noutro pormenor aparecem. /.../ A
variedade dos painéis, que é infinita, pelo que revela de simbólico, de
espirituoso, de popular, constitui uma preocupação do decorador que os
realiza espontaneamente sem qualquer interferência dos proprietários das
embarcações.
A diferença de
construção em relação à proa, limita, na ré, o espaço para as decorações
que por esse motivo não se prolongam da mesma maneira, apesar de
tratadas com igual cuidado. É precisamente nestes painéis da ré que se
revelam os
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mais sugestivos desenhos e as legendas mais espirituosas, o que parece
querer compensar em expressão o que reduz em espaço. Têm aqui larga
representação as imagens da devoção popular, militares, raparigas e
galãs, as profissões regionais, etc.
Citam-se em seguida,
pela ordem da sua frequência e com a ortografia usual que na maioria dos
casos resulta da própria dicção, alguns exemplos dessas legendas
distribuídas pelas espécies em que se estabelece, divide e resume a
natureza dos desenhos dominantes:
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EXPRESSÃO USUAL |
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EXPRESSÃO CORRECTA |
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Satíricas |
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As mulheres querce
gordas |
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As mulheres querem-se
gordas. |
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E um pexão |
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É uma formosa mulher. |
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Este vai todo teso |
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Este vai todo janota. |
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Est' aqui mais num e
prati |
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Está aqui mas não é
para ti. |
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Num me toques que me
dezafinas |
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Não me toques que me
tentas. |
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Românticas |
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Os dois namurados |
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Os dois namorados. |
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Eu querote amar |
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Eu quero-te amar. |
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Dame um beijo amor |
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Dá-me um beijo, amor. |
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Nao negues o que te
pesso amor |
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Não negues o que te
peço, amor. |
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Profissionais |
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Bamus la para o rio |
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Vamos lá para o rio. |
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Corre que leva lerpas |
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Corre que leva
pressa. |
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O galo da Ria de
Aveiro |
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O galo da Ria de
Aveiro. |
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Profissionais |
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Ora bamos la cum Deos |
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Ora vamos lá com
Deus. |
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Sinhora da saudi |
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Senhora da Saúde. |
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E assim por diante,
interminavelmente, cada painel sua legenda.
O castelo da proa, no
seu pormenor gracioso de ingenuidade, expressivo, original, é uma
rubrica complementar no carácter decorativo deste pequeno barco. Um
friso floral na vertente do castelo; nos golfiões,
respectivamente, um galã e a namorada; na base da bica um vaso com uma
planta florida, e eis tudo, mas o bastante para exteriorizar a
caprichosa imaginação do decorador que na maioria dos casos é o próprio
mestre barqueiro. |