Rattov, o Super Rato

Pouco passava das 15h30 e Quim Bejecas, proprietário do “BAR NOSTRUM”, pequeno mas bem afreguesado “snack” da baixa citadina, bebia a bica pós almoço, quando entrou um cliente desconhecido, com uma pequena caixa, o qual, após se ter sentado ao balcão, deu as boas tardes e pediu:

– Dois fininhos, um pires de amendoins e uma fatia de queijo.

Quim Bejecas trouxe um fino, um pires de amendoins e outro com uma fatia de queijo.

– Então o outro fino? – Perguntou o cliente.

– Desculpe, mas não estou a ver mais ninguém... e se trouxer já outro fino, a não ser que o senhor beba esse de “penalti”, e não me parece ter cara disso, o segundo vai perder qualidade e eu gosto que os meus clientes sejam bem servidos e saiam satisfeitos, com vontade de voltar.

– Aí é que você está enganado, porque o segundo cliente já aqui está.

– Aqui? Onde? Não o vejo. Só se for o Homem Invisível.

– Não é nenhum Homem Invisível. Está dentro desta caixa. Quer vê-lo? Aqui está.

– Mas isso é um rato! E não me vai, agora, dizer que o seu rato bebe cerveja.

– Não só bebe, mas é, também, um apreciador.

– O cliente está a brincar comigo. Então quer convencer-me que esse bicharoco é capaz de emborcar um fino... Ele nem espaço tem para armazenar tanto líquido! E mesmo admitindo que o rato bebesse toda a cerveja, demoraria uma data de horas.

– Está enganado; nem meia hora. É evidente que tem que a desbeber ou seja, fazer dois ou três chichis.

– O cliente desculpe, não o conheço, não o quero desconsiderar, mas não me acredito nessa sua história do rato bebedor de bejecas.

– Ora bem. Sendo assim, não há nada como fazer uma demonstração. Mas, considerando que você duvida de mim, terá custos para uma das partes. Assim, se o Rattov não beber o fino em menos de 30 minutos, eu pago a despesa em dobro; se a beber, não pago nada.

– Aceito a aposta.

O cliente tirou o rato da caixa, pediu uma garrafa de plástico de litro e meio de água, vazia, cortou-a ao meio, de alto a baixo, utilizando o seu canivete suíço multifunções, despejou a cerveja para uma das metades, ficando a outra a servir de urinol. Passados vinte e poucos minutos, a transferência de líquidos estava efectuada e o Quim Bejecas a desfazer-se em desculpas, por ter duvidado da palavra do novel cliente que continuou a desbobinar as habilidades do Rattov.

– Mas isto não é nada. Eu comprei este rato, que me custou uma fortuna, a um mágico ucraniano de Chernobyl, não por ele beber cerveja, mas porque tem uma força incrível.

– O que é que considera que se possa chamar uma força incrível, num bicharoco tão pequeno? O ser capaz de alombar com meia torrada, uma torrada? Meio queijo?

– Isso não são pesos para avaliar a capacidade física do meu rato. Para ele, são alimentos.

– Então com que carga é que ele aguenta? 1, 2, 3 quilos?

– À vontadinha.

Neste momento, entrou, para a merenda da praxe, o proprietário da vizinha loja de electrodomésticos, conhecido por Carlos Trifásico, que, ao ver o rato em cima do balcão, exclamou:

– Ó Quim! Então, agora, deixas andar ratos em cima do balcão?! Se a ASAE sabe, estás feito ao bife.

Depois de lhe terem explicado o que se estava a passar, continuou-se a conversa sobre as capacidades físicas do roedor.

– Se eu lhe puser às costas esta bandeja cheia de louça, o bicho aguenta? – Perguntou o Bejecas.

– Sem problemas. – Respondeu o cliente.

– Aguenta! Fica mas é esmagado. – Comentou o Trifásico.

– Meu caro senhor. Quanto é que quer apostar na possibilidade de o meu rato ser ou não capaz de transportar esta bandeja cheia de canecas, daqui até ao fim do balcão.

– 100 euros.

– Não quero que perca tanto. Proponho só 50.

– Não tenha pena de mim. Olhe, subo para 200. Aguenta?

– Assim seja.

A bandeja foi carregada, posta em cima do Rattov e o Trifásico foi â loja buscar 200 euros.

– Não há dúvida nenhuma que este rato é um fenómeno! – exclamou o Quim Bejecas. – Pode saber-se com quanto é que ele aguenta, qual é o seu limite.

– Quanto é que é que ele aguenta, não lhe sei dizer, mas não poderá ser uma carga muito grande, porque isso depende da sua estrutura óssea que, como é óbvio, não muito resistente. Agora, o que vos posso garantir é que este animal já fez mover, por incrível que vos pareça, 100 quilos.

– 100 quilos! Aposto que é impossível! – Gritou o Trifásico.

– Eu também aposto o dinheiro que tiver na caixa. – Disse, por sua vez, o Bejecas.

– Ora bem, vamos lá, então, fazer uma apostazinha final. Nós não temos aqui um peso de 100 quilos, mas qualquer de vocês pesa mais de 80 quilos. Como é evidente, o bicho não vos vai pegar ao colo, porque não tem membros para isso, nem nunca tal eu afirmei. O que eu disse foi que poderia fazer mover até 100 quilos. Assim, se estiverem de acordo, põem-se os dois, em pé, em cima de duas cadeiras, para que não sejam tentados a usar os pés para se oporem aos esforços do rato, que vos vai empurrar, um de cada vez, dois palmos. Apostas mínimas: 500 euros.

O Bejecas e o Trifásico concordaram, subiram para as cadeiras, colocadas uma junto da outra, o Rattov começou a aproximar-se deles e, neste momento, assomaram à porta os 110 Kg do Carlão Meio Gancho, poste-baixo brasileiro do Clube de Basquete local, que, do alto dos seus 2,06 m, fez uma análise do que estava a ver, chegando rapidamente a uma conclusão que o levou a exclamar, enquanto ia entrando:

– Oi caras! Seu Bejecas! Amigo Trifásico! Não têm vergonha! Dois marmanjos com medo de um mísero ratinho! Podem descer que o Carlão resolve já o problema de vocês.

A sua débil estrutura óssea não permitiu a Rattov, esborrachado debaixo da botifarra 52 biqueira larga do basquetebolista, ouvir o grito de alarme do seu dono.

11.03.2022

In: "Diário de Aveiro" de 5-04-2022

 

15-09-2016