Abordar a tradição musical de Aradas não me
parece tarefa fácil. Apesar de ser extremamente curioso sobre tudo o que
diga respeito a esta terra, nunca vi nada escrito sobre esse tema.
Ora, o que não fica escrito acaba
inevitavelmente por esquecer com o passar das gerações e desaparece.
Justamente para evitar que tal desaparecimento se concretize é que me
parece indispensável deixar aqui algo registado, neste livro.
Terá sido há cerca de dez anos que decidi, pela
primeira vez, abordar o tema. Defrontando-me com a ausência de
referências escritas, recorri à memória dos velhos amadores de música
locais que conhecia. Alguns, como a D. Maria Lina Martinho, de Aradas,
que está agora à beira dos 100 anos, ou o Sr. João Sarrico dos Santos,
de Verdemilho, tinham na altura 90 anos. Dada a sua avançada idade, foi
importante ter podido colher as suas informações antes que partissem,
porque, na juventude haviam participado nas actividades musicais desse
tempo. E como também os seus pais já se tinham dedicado à música, eles
puderam, por conhecimento próprio e recordação das conversas familiares,
dar-me conta do que por aqui se passou desde o último quartel do Século
XIX.
Por esse tempo havia, em todos os Lugares da
Freguesia, pessoas que tocavam os mais variados instrumentos. Como ainda
não havia rádio, nem TV, nem quaisquer outros divertimentos públicos, as
pessoas precisavam de ser elas próprias a criar o seu modo de
entretenimento. Tocar um instrumento musical era uma óptima forma de
animar os serões familiares. Aqueles que sabiam tocar iam ensinando os
mais novos
– e assim se mantinha a tradição.
Contudo, embora houvesse tocadores, não havia,
aparentemente, formas organizadas de fazer música. Cantores e tocadores
juntavam-se, ocasionalmente, para solenizar uma missa ou outra / 148 /
cerimónia religiosa. Em 1925, quando para cá veio, o padre Daniel
Correia Rama
– o lendário Sr. Vigário(10) tentou organizar um Coral. Mas
foi uma iniciativa gorada porque, embora tenham ensaiado, nunca chegaram
sequer a actuar.
Aparentemente, as primeiras manifestações
organizadas de músicos terão surgido na Freguesia de Aradas aí por volta
de 1930. Foram as Tunas, no lugar de Aradas, em que os músicos se
reuniam para tocar nas "cegadas" – que eram uma manifestação
carnavalesca. A juventude, rapazes e raparigas, em cortejo, percorriam
os Lugares a dançar e cantar. Os versos, escritos especificamente para o
efeito, glosavam os acontecimentos da terra nesse ano e gozavam os
protagonistas
– o que, por vezes, dava azo a alguns
desaguisados.
De qualquer modo, a existência das Tunas era
efémera, porque só se reuniam com aquela finalidade específica, não
tendo actividade regular ao longo do ano.
Foi também cerca de 1930 que, por iniciativa de
José Maria Resende Bastos, se procurou formar uma Tuna na Quinta do
Picado. Mas não passou de um nado morto, uma vez que, de facto, a Tuna
não chegou a ter existência efectiva. Contudo, como veremos a seguir,
esse ano marcou o início duma época particularmente promissora na
Freguesia de Aradas.
Efectivamente, foi também em 1930 que se
constituiu, em Verdemilho, o Clube Recreativo Verdemilhense, o qual até
ser extinto, em 1945, devido ao medo que as intromissões da PIDE (a
temível polícia política de Sal azar) despertaram nos seus membros,
levou a cabo a mais importante experiência teatral realizada na nossa
Freguesia(11).
Durante 15 anos, num pequeno teatro construído
no primeiro andar duma casa ao fundo da Rua Capitão Lebre, junto da EN
109, o Clube levou à cena inúmeros espectáculos de todos os géneros
teatrais, do drama aos actos de variedades. Organizou então uma
orquestra, dirigida pelo violinista Filomeno Barroca (que ninguém
conhecia pelo seu verdadeiro nome, mas sim pela alcunha de Arménio
Barraca), na qual tocaram o João Sarrico, os irmãos Amílcar e Saul
Neves, Manuel Simões, Abílio Barroca, Paulo Marabuto e Pedro Castro,
todos de Verdemilho, os irmãos Manuel e José Vieira, de Aveiro, José
Pataco, de Santiago, Júlio Claro, da Coutada e alguns outros. Ao que
penso, essa orquestra terá sido a primeira manifestação musical
organizada e permanente que existiu em Aradas.
Extinto que foi o Clube Recreativo
Verdemilhense
– e, claro, a sua orquestra
– em 1945, surge na Quinta do Picado, cerca de
1947, o primeiro conjunto musical destinado a abrilhantar bailes.
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Chamava-se Quinta Nova. Durou até cerca de 1950, altura em que se
dissolveu e os seus componentes formaram um novo conjunto, a que
chamaram Lusitânia, que também não teve vida muito longa.
Porém, nessa mesma altura, ou seja, por volta
de 1950, e também na Quinta do Picado, formou-se um outro conjunto de
baile, o Floresta. E esse, sim, veio a durar cerca duns 40 anos
– embora tenha sofrido alterações pontuais pelo
caminho e mudado duas vezes de nome, passando de Floresta para Conjunto
Duarte da Rocha & Fonseca e, posteriormente, para Os Nórdicos, nome com
que veio a acabar por volta de 1990.
Entretanto, em 10 de Dezembro de 1974, nasceu
aquela que penso ser, até ao momento, a mais importante instituição
musical surgida na nossa Freguesia: a Escola de Música da Quinta do
Picado.
Tuna da Festa de S. Tomé (cerca de
1910)
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A Escola surgiu por iniciativa de José Ferreira Balseiro, António da
Rocha Gomes e Manuel Rodrigues Paiva Júnior. Numa sala emprestada, duma
velha casa desabitada, os fundadores começaram a ensinar uns miúdos, aí
por meados de Dezembro de 1973. Um ano depois, com oito elementos,
fizeram a primeira apresentação pública da Banda na festa da Quinta do
Picado.
A Escola ensina a tocar instrumentos de sopro e
percussão. São muitas centenas as crianças e jovens que por lá têm
passado. Iniciam a carreira musical e formam-se como pessoas -pelo que,
no nosso meio social, o significado da Escola vai muito para além do
simples ensino da música.
A Escola tem sede própria, no edifício duma
antiga Escola Primária, devidamente adaptado para a nova finalidade. A
sua Banda atingiu um nível artístico notável - com que honra
sobremaneira o nome da nossa terra onde quer que actue.
Em Outubro de 1993, por iniciativa de Manuel
Simões Madail, então Presidente da Junta de Freguesia, foi fundado o
GREFA
– Grupo Recreativo, Etnográfico e Folclórico de
Aradas, que posteriormente se constituiu em Associação por escritura
pública de 26 de Setembro de 1995. Através do Rancho Folclórico e do seu
Grupo de Bombos, o GREFA, que é dotado de grande dinamismo, tem levado o
nome da nossa Freguesia a inúmeras localidades do País.
Finalmente, em Outubro de 1996, também por
iniciativa de Manuel Simões Madail, aproveitando a disponibilidade do
professor de música Manuel Martins Sarrico para ser o director
artístico, concretizou-se a velha aspiração de formar na Freguesia o
Coral de S. Pedro de Aradas, que veio a constituir-se em Associação por
escritura pública de 9 de Maio de 1997 e fez a sua apresentação oficial
ao povo de Aradas, num pequeno Concerto, em 21 de Junho desse mesmo ano.
A partir daí o Coral começou a trabalhar
afincadamente, criou um reportório variado, de grande exigência, com o
qual tem dado centenas de concertos, de notável qualidade artística, em
inúmeras localidades espalhadas por Portugal inteiro e diversos países
da Europa, levantando bem alto o nome da nossa Freguesia e da Cidade de
Aveiro, cujo Concelho tem por vezes representado oficialmente no
estrangeiro.
Na sequência do trabalho empreendido, em
Dezembro de 1999 foi feita, sob a direcção de Liliana Monteiro, a
apresentação pública dos Pequenos Cantores do Coral de S. Pedro de
Aradas. Secção infantil da Associação, é um coro constituído por
crianças dos 6 aos 16 anos. Independentemente do facto de se pretender
que seja, naturalmente, a "fonte abastecedora" / 151 / do coro adulto,
rapidamente ganhou prestígio próprio e tem honrado o nome da Freguesia
nas actuações que tem realizado em diversos pontos do País.
O principal problema do Coral tem sido a falta
duma sede própria. As condições de que tem podido dispor tornam muito
difícil ensaiar e preparar as peças mais complexas, com um mínimo
aceitável do aproveitamento ideal. Há a intenção de instalar a sua sede
no edifício das antigas Escolas Primárias Dr. José Lebre (pai), em
Verdemilho, quando ele puder ser objecto de obras de adaptação a essa
finalidade. Certamente que, nessa altura, como o Coral poderá pôr em
execução os projectos de trabalho que agora não lhe são possíveis, a sua
qualidade artística, que já é notável, vai de certo melhorar imenso.
______________________
(10) MARTINS, David Paiva, "Aradas
– Um Olhar Sobre A Primeira Metade Do Século XX
", 2008, J. F. Aradas, páginas 104 a 112.
(11) MARTINS, David Paiva, "Fragmentos de Vida
– A Minha Terra", 2005, ACAD, páginas 37 a 39. |