David Paiva Martins, Aradas. Um olhar sobre a segunda metade do século XX. 1ª ed., Aradas, Junta de Freguesia de Aradas, 2011, págs. 147 a 151.

A TRADIÇÃO MUSICAL EM ARADAS

Abordar a tradição musical de Aradas não me parece tarefa fácil. Apesar de ser extremamente curioso sobre tudo o que diga respeito a esta terra, nunca vi nada escrito sobre esse tema.

Ora, o que não fica escrito acaba inevitavelmente por esquecer com o passar das gerações e desaparece. Justamente para evitar que tal desaparecimento se concretize é que me parece indispensável deixar aqui algo registado, neste livro.

Terá sido há cerca de dez anos que decidi, pela primeira vez, abordar o tema. Defrontando-me com a ausência de referências escritas, recorri à memória dos velhos amadores de música locais que conhecia. Alguns, como a D. Maria Lina Martinho, de Aradas, que está agora à beira dos 100 anos, ou o Sr. João Sarrico dos Santos, de Verdemilho, tinham na altura 90 anos. Dada a sua avançada idade, foi importante ter podido colher as suas informações antes que partissem, porque, na juventude haviam participado nas actividades musicais desse tempo. E como também os seus pais já se tinham dedicado à música, eles puderam, por conhecimento próprio e recordação das conversas familiares, dar-me conta do que por aqui se passou desde o último quartel do Século XIX.

Por esse tempo havia, em todos os Lugares da Freguesia, pessoas que tocavam os mais variados instrumentos. Como ainda não havia rádio, nem TV, nem quaisquer outros divertimentos públicos, as pessoas precisavam de ser elas próprias a criar o seu modo de entretenimento. Tocar um instrumento musical era uma óptima forma de animar os serões familiares. Aqueles que sabiam tocar iam ensinando os mais novos e assim se mantinha a tradição.

Contudo, embora houvesse tocadores, não havia, aparentemente, formas organizadas de fazer música. Cantores e tocadores juntavam-se, ocasionalmente, para solenizar uma missa ou outra / 148 / cerimónia religiosa. Em 1925, quando para cá veio, o padre Daniel Correia Rama o lendário Sr. Vigário(10) tentou organizar um Coral. Mas foi uma iniciativa gorada porque, embora tenham ensaiado, nunca chegaram sequer a actuar.

Aparentemente, as primeiras manifestações organizadas de músicos terão surgido na Freguesia de Aradas aí por volta de 1930. Foram as Tunas, no lugar de Aradas, em que os músicos se reuniam para tocar nas "cegadas" – que eram uma manifestação carnavalesca. A juventude, rapazes e raparigas, em cortejo, percorriam os Lugares a dançar e cantar. Os versos, escritos especificamente para o efeito, glosavam os acontecimentos da terra nesse ano e gozavam os protagonistas o que, por vezes, dava azo a alguns desaguisados.

De qualquer modo, a existência das Tunas era efémera, porque só se reuniam com aquela finalidade específica, não tendo actividade regular ao longo do ano.

Foi também cerca de 1930 que, por iniciativa de José Maria Resende Bastos, se procurou formar uma Tuna na Quinta do Picado. Mas não passou de um nado morto, uma vez que, de facto, a Tuna não chegou a ter existência efectiva. Contudo, como veremos a seguir, esse ano marcou o início duma época particularmente promissora na Freguesia de Aradas.

Efectivamente, foi também em 1930 que se constituiu, em Verdemilho, o Clube Recreativo Verdemilhense, o qual até ser extinto, em 1945, devido ao medo que as intromissões da PIDE (a temível polícia política de Sal azar) despertaram nos seus membros, levou a cabo a mais importante experiência teatral realizada na nossa Freguesia(11).

Durante 15 anos, num pequeno teatro construído no primeiro andar duma casa ao fundo da Rua Capitão Lebre, junto da EN 109, o Clube levou à cena inúmeros espectáculos de todos os géneros teatrais, do drama aos actos de variedades. Organizou então uma orquestra, dirigida pelo violinista Filomeno Barroca (que ninguém conhecia pelo seu verdadeiro nome, mas sim pela alcunha de Arménio Barraca), na qual tocaram o João Sarrico, os irmãos Amílcar e Saul Neves, Manuel Simões, Abílio Barroca, Paulo Marabuto e Pedro Castro, todos de Verdemilho, os irmãos Manuel e José Vieira, de Aveiro, José Pataco, de Santiago, Júlio Claro, da Coutada e alguns outros. Ao que penso, essa orquestra terá sido a primeira manifestação musical organizada e permanente que existiu em Aradas.

Extinto que foi o Clube Recreativo Verdemilhense e, claro, a sua orquestra em 1945, surge na Quinta do Picado, cerca de 1947, o primeiro conjunto musical destinado a abrilhantar bailes.

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Chamava-se Quinta Nova. Durou até cerca de 1950, altura em que se dissolveu e os seus componentes formaram um novo conjunto, a que chamaram Lusitânia, que também não teve vida muito longa.

Porém, nessa mesma altura, ou seja, por volta de 1950, e também na Quinta do Picado, formou-se um outro conjunto de baile, o Floresta. E esse, sim, veio a durar cerca duns 40 anos embora tenha sofrido alterações pontuais pelo caminho e mudado duas vezes de nome, passando de Floresta para Conjunto Duarte da Rocha & Fonseca e, posteriormente, para Os Nórdicos, nome com que veio a acabar por volta de 1990.

Entretanto, em 10 de Dezembro de 1974, nasceu aquela que penso ser, até ao momento, a mais importante instituição musical surgida na nossa Freguesia: a Escola de Música da Quinta do Picado.

Tuna da Festa de S. Tomé (cerca de 1910) - Clicar para ampliar.
Tuna da Festa de S. Tomé (cerca de 1910)
 

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A Escola surgiu por iniciativa de José Ferreira Balseiro, António da Rocha Gomes e Manuel Rodrigues Paiva Júnior. Numa sala emprestada, duma velha casa desabitada, os fundadores começaram a ensinar uns miúdos, aí por meados de Dezembro de 1973. Um ano depois, com oito elementos, fizeram a primeira apresentação pública da Banda na festa da Quinta do Picado.

A Escola ensina a tocar instrumentos de sopro e percussão. São muitas centenas as crianças e jovens que por lá têm passado. Iniciam a carreira musical e formam-se como pessoas -pelo que, no nosso meio social, o significado da Escola vai muito para além do simples ensino da música.

A Escola tem sede própria, no edifício duma antiga Escola Primária, devidamente adaptado para a nova finalidade. A sua Banda atingiu um nível artístico notável - com que honra sobremaneira o nome da nossa terra onde quer que actue.

Em Outubro de 1993, por iniciativa de Manuel Simões Madail, então Presidente da Junta de Freguesia, foi fundado o GREFA Grupo Recreativo, Etnográfico e Folclórico de Aradas, que posteriormente se constituiu em Associação por escritura pública de 26 de Setembro de 1995. Através do Rancho Folclórico e do seu Grupo de Bombos, o GREFA, que é dotado de grande dinamismo, tem levado o nome da nossa Freguesia a inúmeras localidades do País.

Finalmente, em Outubro de 1996, também por iniciativa de Manuel Simões Madail, aproveitando a disponibilidade do professor de música Manuel Martins Sarrico para ser o director artístico, concretizou-se a velha aspiração de formar na Freguesia o Coral de S. Pedro de Aradas, que veio a constituir-se em Associação por escritura pública de 9 de Maio de 1997 e fez a sua apresentação oficial ao povo de Aradas, num pequeno Concerto, em 21 de Junho desse mesmo ano.

A partir daí o Coral começou a trabalhar afincadamente, criou um reportório variado, de grande exigência, com o qual tem dado centenas de concertos, de notável qualidade artística, em inúmeras localidades espalhadas por Portugal inteiro e diversos países da Europa, levantando bem alto o nome da nossa Freguesia e da Cidade de Aveiro, cujo Concelho tem por vezes representado oficialmente no estrangeiro.

Na sequência do trabalho empreendido, em Dezembro de 1999 foi feita, sob a direcção de Liliana Monteiro, a apresentação pública dos Pequenos Cantores do Coral de S. Pedro de Aradas. Secção infantil da Associação, é um coro constituído por crianças dos 6 aos 16 anos. Independentemente do facto de se pretender que seja, naturalmente, a "fonte abastecedora" / 151 / do coro adulto, rapidamente ganhou prestígio próprio e tem honrado o nome da Freguesia nas actuações que tem realizado em diversos pontos do País.

O principal problema do Coral tem sido a falta duma sede própria. As condições de que tem podido dispor tornam muito difícil ensaiar e preparar as peças mais complexas, com um mínimo aceitável do aproveitamento ideal. Há a intenção de instalar a sua sede no edifício das antigas Escolas Primárias Dr. José Lebre (pai), em Verdemilho, quando ele puder ser objecto de obras de adaptação a essa finalidade. Certamente que, nessa altura, como o Coral poderá pôr em execução os projectos de trabalho que agora não lhe são possíveis, a sua qualidade artística, que já é notável, vai de certo melhorar imenso.

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(10) MARTINS, David Paiva, "Aradas Um Olhar Sobre A Primeira Metade Do Século XX ", 2008, J. F. Aradas, páginas 104 a 112.
(11) MARTINS, David Paiva, "Fragmentos de Vida
A Minha Terra", 2005, ACAD, páginas 37 a 39.

 

 
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