Amor e Vida no Portugal d'Antanho. O Senhor Abade, 1ª ed., Verdemilho, 2020, págs. 23-24


A Pneumónica

Capítulo 8

Foi por essa altura que Quinta do Frade sofreu uma provação terrível. Coincidindo com a fase final da Primeira Grande Guerra, embora provavelmente sem relação directa com ela, surgiu a pneumónica – a que também se chamou gripe espanhola – epidemia gravíssima, que abalou o mundo inteiro e a que Quinta do Frade não ficou imune. Pelo contrário: a razia de mortes, que afectou praticamente todas as famílias, foi tão grande que a Junta de Freguesia se viu obrigada a contratar mais um coveiro para o Cemitério, porque o que existia não era capaz de dar vazão sozinho ao elevado número de enterramentos a que era necessário proceder.

Capítulo 9

Padre António não tinha mãos a medir, desdobrando-se em esforços para consolar as famílias afectadas, cujo número crescia todos os dias. O povo, terrivelmente angustiado sob tamanha calamidade, não sabia que os primeiros casos tinham ocorrido na América, em Março desse ano de 1918. Chegando à Europa em Abril atingiu tropas francesas, britânicas e americanas em França. A sua primeira manifestação em Portugal foi no mês de Maio seguinte.

Apesar de a sua duração ter sido curtíssima, a epidemia assustou mortalmente as pessoas devido à sua grande mobilidade e extrema virulência. Na primeira fase, de Abril a Agosto de 1918, foi ainda relativamente benigna; mas na segunda, de Setembro a Dezembro do mesmo ano, foi gravíssima e provocou uma enorme mortalidade; finalmente, na terceira fase, de Janeiro a Maio de 1919, entrou em declínio e desapareceu.

Ainda hoje a pneumónica é considerada a pandemia mais letal de sempre, presumindo-se que tenha afectado cerca de 50% da população mundial. No Ocidente, terá dizimado de 20 a 40 milhões de pessoas. Desconhecem-se os números do Oriente, onde o total terá sido imensamente maior, mormente entre as numerosíssimas e paupérrimas populações da Índia e da China. Estima-se, por exemplo, que esta doença tenha sido responsável por cerca de 80% das baixas sofridas durante a guerra pela Marinha dos EUA.

Em Portugal supõe-se que tenha causado cerca de 120.000 mortes, sobretudo de pessoas entre os 20 e os 40 anos. Foi ela que matou prematuramente, entre outros, o jovem e notável pintor modernista Amadeo de Souza-Cardoso.
 

 
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