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(Entra em cena nova personagem — Patuá.)
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PATUÁ - |
Dão licença? Uma emergência
atrasou-me nesta instância.
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ANJO - |
Aí tens outra pendência.
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PATUÁ - |
Pode entrar minha excelência?
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DIABO - |
Pois sim, dada a circunstância...
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PATUÁ - |
Bem, dada a complexidade...
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DIABO - |
Vamos lá pôr os pontos nos ii. Preparas-te
para uma versalhada, não é?
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PATUÁ - |
Claro. Se D. Sebastião teve direito a
Camões...
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DIABO - |
Sebastião comeu tudo, tudo, tudo... A gente
vai-se entender, mas em prosa. Tu não és o doutor Patuá?
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PATUÁ - |
Ah, conheces-me?
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DIABO - |
Toda a gente te conhece. Apareces todos os dias
no Telejornal.
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PATUÁ - |
A propósito. Onde está a câmara de
televisão? O quê?! Ainda não veio?! Amanhã vão apanhar uma rabecada. Sempre
quero ver se eles também não aparecem quando eu chegar ao céu. Vai ser uma
recepção de truz. Tenho aqui a minuta do discurso para quando Deus me vier
receber. (Tira o papel do bolso.)
«Meu bom Senhor! Na crise das
ideologias que o mundo atravessa, com as profundas rupturas nos conceitos e nas
vivências...»
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DIABO - |
Perde a esperança, tu que governaste! O reino
para onde vais é outro e muito diferente. Temos umas contas a ajustar.
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PATUÁ - |
Comigo? Ora essa! Sempre pautei a minha
actuação pela observância da mais rigorosa fidelidade aos interesses da
Nação.
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DIABO - |
Vamos por partes. Prometeste baixar o
desemprego. E afinal...
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PATUÁ - |
Que é que querias. Querias que eu dissesse que
ele ia aumentar?
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DIABO - |
Prometeste baixar a inflação...
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PATUÁ - |
Prometi.
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DIABO - |
Prometeste combater a corrupção...
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PATUÁ - |
Prometi.
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DIABO - |
Prometeste melhorar o ensino...
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PATUÁ - |
Prometi.
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DIABO - |
Prometeste que não prometias mais...
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PATUÁ - |
Prometi.
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DIABO - |
E não cumpriste.
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PATUÁ - |
Tu não sabes que em política tudo consiste em
prometer? Acreditar nas promessas faz parte da natureza humana.
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DIABO - |
E onde está o plano director?
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PATUÁ - |
Quem?
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DIABO - |
E a defesa do património?
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PATUÁ - |
Onde?
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DIABO - |
E os poluidores castigados?
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PATUÁ - |
O quê?
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DIABO - |
E o combate à burocracia?
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PATUÁ - |
Quando?
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DIABO - |
E a regulamentação do trânsito?
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PATUÁ - |
Qual?
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DIABO - |
E os favores aos amigalhaços?
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PATUÁ - |
Porquê?
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DIABO - |
Não me fugirás, isso te garanto eu! Virás
comigo e terás o que mereces.
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PATUÁ - |
Espera um pouco. As opções estratégicas são
muito claras. Estamos numa encruzilhada e se queremos aceitar o desafio de 1992,
há que correr o risco de uma profunda alteração nos comportamentos. A
contumácia industrial provoca uma obliteração nas ideologias estruturais da
Europa ocidental e cristã, pelo que, em defesa da conjuntura...
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DIABO - |
Não te canses, meu velho. Sei o discurso de
cor. Ignoras que era eu, às vezes, que to deixava todo escrito na memória?
Anda. Não vale de nada oferecer resistência. O inferno está à nossa espera.
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PATUÁ - |
Está bem, se não há outra alternativa... Só
te peço uma coisa, diabinho da minha alma, espera que venha o Telejornal...
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DIABO - |
Ah, se é por isso, não te preocupes. Ele
também já lá está.
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PATUÁ - |
Aonde?
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DIABO - |
No inferno, onde é que havia de ser. Anda...
(Afastam-se lentamente em direcção ao barco. A luz
vai-se apagando lentamente. Escurece. Quando a luz volta, Gil Vicente está no
palco ladeado pelo Anjo e pelo Diabo.)
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