SARABANDO |
Sou o João Sarabando.
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ANJO - |
Todos nós o conhecemos
Todos nós bem lhe queremos.
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DIABO - |
Eu já te andava mancando...
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ANJO - |
Não há porcos, não há demos
que lhe possam mal fazer.
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DIABO - |
Isso é o que iremos ver.
(Falando para o João Sarabando)
o que tens pra nos dizer?
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SARABANDO
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Que é que eu posso responder?
Não me perguntaste nada...
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DIABO -
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Ai tu queres conversa... Podias confessar já
tudo e ficávamos despachados...
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SARABANDO
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Boa ideia. Eu até gosto de me deitar cedo.
Portanto, confesso.
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DIABO -
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Ora isso é que é falar.
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ANJO -
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(Falando para o João Sarabando)
Cuidado com este guizo
que falseia toda a lei.
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SARABANDO
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Anjo, poupa o teu aviso.
Falei, quando foi preciso.
Se foi preciso, calei.
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DIABO -
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Confessa, João, confessa. Tu disseste que ias
confessar.
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SARABANDO
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Confesso que amei a minha terra.
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DIABO -
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Isso é uma agravante.
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SARABANDO
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Confesso que só pensei nela toda a vida.
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DIABO -
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Tás pior, rapaz. Quanto mais falas, mais te
enterras.
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SARABANDO
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Confesso que nunca fui capaz de respirar
outros ares senão estes.
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DIABO -
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Estás a pedir cacetada nesse lombo.
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SARABANDO
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Confesso que só tenho voz e memória para
estas ruas... estas águas... estas casas... esta gente... este teatro em que
estamos...
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DIABO -
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Por isso é que tens esta claque toda, esta
malta...
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SARABANDO
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A malta que eu amo. Porque o teatro é
cultura, é arte, espelha a vida do passado, do presente e do porvir que
amanhece...
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DIABO -
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Que não viesse a piadinha política... Mas ao
castigo é que tu não foges.
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SARABANDO
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Porquê?
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DIABO -
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Porque foste um grandecíssimo tolo, um
ingénuo, um idealista, uma erva rasteira...
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SARABANDO
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Sim, erva rasteira, para ficar mais perto do
meu chão...
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DIABO -
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Ouve lá. É verdade que te convidaram para
altos cargos e que os recusaste?
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SARABANDO
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Assim foi.
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DIABO -
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E que podias ganhar muito dinheiro e
recusaste...
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SARABANDO
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Recusei.
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DIABO -
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Que te ofereceram lugar e trabalho longe daqui e
disseste que não...
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SARABANDO
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Isso mesmo.
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DIABO -
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Foste um parvalhão.
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SARABANDO
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Mereço castigo?
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DIABO -
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Claro. Para o inferno vão os maus e os parvos.
(Trocista)
A GLÓRIA DE SER AVEIRENSE! E como é que Aveiro te tem pago?
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SARABANDO
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Aveiro não me deve nada. O amor também se
paga?
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DIABO -
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Tu ainda és desse tempo, João?! Fidalgo sem
comedoria... Por isso é que hás-de vir comigo para o meu reino. Além do mais,
cá em baixo estragas-me o negócio. Virás, sim, nem o anjo te vale.
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SARABANDO
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Não preciso que ninguém me valha: (Declamando)
Bicho sujo te esconjuro
para a água te afogar.
Vai para longe, porco sujo,
pra onde a água te levar...
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DIABO -
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Pronto, não digas mais... Não fales mais, que
me pões nervoso.
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SARABANDO
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Ainda conheço mais...
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DIABO -
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Eu sei, eu sei, também já li esse
cancioneiro... Mas agora, por favor, cala-te. (Voltando-se para o Anjo)
Ò lingrinhas, fica com este, a ver se te estreias.
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ANJO -
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(Levando Sarabando pela mão)
Deste mais luz à candeia,
és a memória, João.
Deus diz que é cedo para a ceia.
Vá, senta-te na plateia
vê o resto da função.
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DIABO -
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Está na hora da partida!
Ah, ventinho que aí vem!
(Voltando-se para a plateia)
Cama, dinheiro, comida
Gozem todos bem a vida
venham comigo também.
Se é decente ou indecente
isso que importa, ieramá!
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ANJO -
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Ieramá? É coisa má?
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DIABO -
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Não sei, mas se Gil Vicente
o diz, é porque certo está.
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