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(Entra em cena D. Francisca, a Fivela.)
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ANJO - |
Olhai que tendes freguês.
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DIABO - |
Que guapa, desta vez!
Vinde, andai, que pressa temos
de acabar o entremez.
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FIVELA - |
Oremos, irmãos, oremos!
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DIABO - |
Parece que estou a conhecer-te, dona. Tu não
és a Francisca...
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FIVELA - |
Dona Francisca!
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DIABO - |
Dona é lá em baixo. E por enquanto. Aqui manda
a igualdade. Então a madama queria privilégios... Não sabias que a
perestroika já chegou cá acima? Não sabias, Francisca? Não sabias, Francisca
Isabel de Valadares...
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FIVELA - |
Com dois eles.
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DIABO - |
Francisca Isabel Valadares com dois eles,
Estearina.
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FIVELA - |
Com H depois do T.
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DIABO - |
Francisca Isabel Valadares com dois eles
Estearina com h depois do t, de Lencastre e Alcabideche.
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FIVELA - |
Alcabideche com K.
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DIABO - |
Pois, Alcabideche como deve ser. Somos ambos
nobres, sabes? Eu também ainda uso o K quando escrevo cagalhão.
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FIVELA - |
Malcriado. Antes do 25 de Abril nunca se ouviam
destas coisas.
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DIABO - |
Para simplificar, vou tratar-te por Fivela.
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FIVELA - |
Fivela é a tua tia.
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DIABO - |
É a tua sigla, rica, estamos no siglo das
siglas. Se te chamasses FEOGA, ou PEDIP, ou PIDAC, era bem pior.
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FIVELA - |
Abrenúncio!
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DIABO - |
Já vês. Então tu que queres, Fivelinha da
minha alma?
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FIVELA - |
Quero saber qual é a barca do céu.
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DIABO - |
Só essa vos convém?
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FIVELA - |
Só essa. Toda a vida fiz por isso.
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DIABO - |
Tu que fizeste?
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FIVELA - |
Rezei.
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DIABO - |
Mas depois de rezar difamaste as tuas amigas.
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FIVELA - |
Comunguei.
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DIABO - |
Mas batias nos teus servos.
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FIVELA - |
Isso foi antes do 25 de Abril. Ai que saudades!
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DIABO - |
Mas agora voltaste quase à mesma. Puseste na
rua e na miséria a criadinha que te apareceu grávida.
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FIVELA - |
Nunca admiti poucas-vergonhas.
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DIABO - |
Inveja. Inveja era o que tu tinhas. Inveja do
amor, do prazer, da juventude, disso que tu nunca tiveste.
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FIVELA - |
(Dirigindo-se ao Anjo)
Ah, como sou
infeliz!
Ouves o que este me diz
e ficas nessa moleza?
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ANJO - |
Sou anjo. Não sou juiz.
Defende-te, se tens defesa.
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DIABO - |
Anda cá, Fivela, anda cá. A telenovela ainda
não chegou ao fim. Que mais fazias tu?
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FIVELA - |
Eu ia à missa...
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DIABO - |
Pois... E pagavas mal aos teus servidores e
deixava-los morrer à míngua e sem remédios e denunciaste aqueles
trabalhadores que...
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FIVELA - |
Isso foi antes do 25 de Abril e quem fez
isso foi o meu marido que Deus tem.
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DIABO - |
Deus? Tenho-o eu, rapariga, e vais vê-lo não
tarda nada.
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FIVELA - |
Eu sempre acatei a palavra do Senhor.
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DIABO - |
Dos senhores, queres tu dizer. Afastaste quem
não pensava como tu. Foste intolerante. Pisaste os mais fracos. Fizeste
ostentação da tua riqueza, tiraste vingança, juraste falso, fechaste os olhos
a quem precisou de ti. É assim, a palavra do teu Senhor?
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FIVELA - |
De tudo isso o meu confessor me perdoou.
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DIABO - |
Mas eu, não. Nem eu, nem aquele, nem o patrão
dele que não desfazendo até é uma boa pessoa. Tu mastigavas a palavra, não a
seguias. Tiveste a palavra sempre na boca, a palavra nunca te desceu ao
coração, ia logo direita às tripas.
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FIVELA - |
Mas eu rezei, dava esmolas...
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ANJO - |
Perde essa ideia de vista.
Tu caíste do cavalo.
Perde a esperança no jurista.
Ganha o céu quem o conquista
perde o céu quem quer comprá-lo.
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DIABO - |
Ouviste bem? Estás feita. Anda comigo, Fivela.
Eu, como sou gentil com as damas, ainda te ofereço o meu braço para te
apoiares, até ao barco. S’il vous plaît, madame.
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FIVELA - |
Enganaram-me. Disseram
que ir à missa era bastante.
Todas as flores morreram
no veneno que lhes deram.
Oração não é purgante.
Rezarmos, bater no peito,
não chega, como se faz.
De repente vem um jeito
em que o único respeito
é o braço de Satanás.
(Afastam-se em direcção ao barco. O Diabo volta-se para trás, pisca o olho
ao anjo. Depois fala para dentro do barco.)
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DIABO - |
Eh moço, não sejas bruto!
Estende a mão cuidadosa
e colhe este doce fruto.
Fivela tem estatuto
de madama piedosa...
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