(Praça
pública. Repique de sinos. Gaitas. Apitos. Recos-recos. Gritos. Vozearia.
Pandemónio. Ao centro, uma espécie de jaula ambulante ou carreta de
transporte de presos. Chega Gomes de Carvalho, atado a um grilhão, roto e
descomposto, acompanhado pela força militar que o foi prender, comandada
por Almeida Coimbra. A multidão ululante quer agredi-lo. Insulta-o.
Chama-o de “pedreiro livre”, “herege”, “jacobino”. Insistem:
“ladrão”, etc. Gritam: “Fora! Fora!". Os guardas têm de fazer
algum esforço para evitarem que ele seja linchado. Finalmente é metido
dentro da carreta. Atiram-lhe ovos, tomates, etc. Apupam-no. Mandam-lhe
socos por entre as grades. Gomes de Carvalho olha para tudo com um ar
aparvalhado de quem não consegue compreender o que se passa. Gera-se à
volta uma dança infernal. Gomes de Carvalho procura defender-se de vez em
quando, mas não consegue... Nem sabe!... Pouco a pouco, o som vai
desaparecendo e há apenas um movimento grotesco de esgares, gritos mudos,
agressões silenciosas... Pesadelo! Enquanto a cena vai escurecendo um
pregoeiro lê.)
PREGOEIRO
Aos
vinte e um dias de Junho do ano de 1823, nesta cidade de Aveiro, a vereação
municipal, em reunião extraordinária, presidida pelo excelentíssimo D.
Rodrigo de Sousa Teixeira da Silva Alcoforado, ilustre Barão de Vila
Pouca, com a assistência do Clero, da Nobreza e do Povo, deliberou, por
unanimidade, expulsar desta cidade o engenheiro Luís Gomes de Carvalho,
por indesejável, jacobino, liberal e incompetente!
(De
novo, irrompem o ruído, os gritos, os sinos, os apitos, as gaitas, os
recos-recos e as agressões.)
ALMEIDA
COIMBRA
(Sobrepondo-se)
Juro
fidelidade a S. Alteza Real, o príncipe D. Miguel!