APRESENTADOR
A
alegria do povo de Aveiro era justificada.
Nas
primeiras 24 horas, a água baixou, na cidade, três palmos; e outro tanto
nas vinte e quatro horas seguintes.
Três
dias depois, a cidade estava limpa de água e de lodos, graças, também, a
uma boa chuvada que Deus mandou para lavar as ruas.
A
barra ficou com a largura, e a profundidade, que hoje tem.
Cerca
de um ano após ter sido aberta, uma esquadra inglesa, composta
de 48 navios, entrou na barra em menos de uma hora, a fim
de transportar alimentos para os exércitos que faziam frente à segunda
invasão Francesa.
O
governo, que permanecia no Brasil, mas as obras de limpeza da ria, da
abertura de novos canais, da mudança do curso final do Vouga, (O Rio Novo
do Príncipe) continuavam.., apesar da guerra com os Franceses e do próprio
Luís Gomes de Carvalho nela ter participado como Quartel Mestre General e
Comandante dos Engenheiros do Exército Português. A cidade e todas as
redondezas, pouco a pouco, retomavam a vida fabril de antigamente... a
caminho do Futuro!
(Movimento
nas ruas. Compra e venda. Varinas, pregões. Nas marinhas grande azáfama, o
mesmo no campo. Barcos entrando, barcos saindo. Marinheiros e pescadores.
Ordens. Berros. Sobre tudo uma cantiga.)
ALGUÉM
(cantando)
Ó
Aveiro, ó Aveiro
Terra da minha alegria,
Embarcaste num veleiro,
Tornaste na maresia...
(Todos
trabalham e cantam. Um marinheiro pega numa mulher que se oferece. Beija-a
furiosamente. Saem abraçados. De repente entra uma sardinheira, meia
descomposta, com a canastra mal segura, a fugir de uma Lavradeira que a persegue
de forquilha em punho.)
LAVRADEIRA
Sua
puta! Seu estupor. Toda em pelote metida na cama com o meu homem.
SARDINHEIRA
(Sustendo
a corrida e apanhando uma pedra com que ameaça a Lavradeira.)
Ah,
sua caloteira! Eu racho-lhe os cornos...
LAVRADEIRA
Foste
tu que mos pusestes, sua vaca! Não tens vergonha, pandorca, de andares a
dar a “coisa” a um homem casado, enquanto o teu anda lá pelo bacalhau,
sabe-se Deus como!
SARDINHEIRA
Ah,
sua Iíngua negra! Você há-de provar-mo no meirinho!
LAVRADEIRA
Provo!
Provo!
SARDINHEIRA
(gritando
e chamando.)
Ó
povo! Ó povo!... Venham ver esta caloteira que me deve o peixe de há aquase
meio ano e agora não mo quer pagar!...
LAVRADEIRA
Já
te pagaste em “carne”!
SARDINHEIRA
Uma
vez era a porca que estava p’ra parir; outra vez eram os bácaros que não
estavam criados... Outra vez era a raposa que tinha comido as galinhas...
Sua ladra!...
LAVRADEIRA
Ladra
és tu que me trazes o peixe moído!
SARDINHEIRA
Ladra
é você que me paga com ovos podres!
LAVRADEIRA
Eu
pago-te já, queres ver...
(Avança
para ela com a forquilha no ar. A Sardinheira segura-lhe a forquilha. Lutam
pela posse da forquilha. Caiem no chão, rebolam, descompõem-se.)
UMA
Acudam!
Acudam!
(Corre
o Homem da Lavradeira e consegue separá-las.)
HOMEM
Tem
vergonha, mulher. Tem vergonha... (para a sardinheira) E você, seu
raio, ponha-se daqui para fora. Desapareça!
MULHER
(lutando
com o homem)
Ó homem, larga-me... Larga-me que eu até tos arranco. Seu porco!
HOMEM
(Segurando-a)
Cala-te,
mulher! ... Cala-te! Tem vergonha!...
SARDINHEIRA
Eu
só saio daqui depois de me pagarem o que me devem.
HOMEM
Quanto
é que se lhe deve, mulher?
SARDINHEIRA
São
quatro pintos, um cruzado e trezentos reis!
LAVRADEIRA
Ah,
seu coldre! Eu não devo nada disso!
SARDINHEIRA
Num
deve? Ai isso é que deve. Está aqui tudo aponte no rol. (mostra um
livro) Está aqui tudo, tim tim por tim tim...
Quer
que lho mostre?
LAVRADEIRA
Limpa-lhe
o cu!
SARDINHEIRA
E
depois limpo-lho à cara...
LAVRADEIRA
(num
novo rompante)
Ah
traste, que eu esfrego-te! (Para o homem) Deixa-me cabrão! Deixa-me
que eu desfaço-a...
(O
Homem segura-a como pode. Ela esbraceja.)
SARDINHEIRA
Está
aqui tudo tim tim por tim tim... Isto fala como gente...
(Troar
de canhões, ao longe!.. .Tiros mais perto. A zaragata das mulheres acalma
com a surpresa dos rebentamentos. Todos ficam ansiosos e olham para o local
de onde vêm os rebentamentos.)
UM
Será
outra vez a guerra?
POPULAR
(entrando)
Houve
uma revolução em Aveiro!
Anda tudo aos tiros! Fujam! Fujam!...
(A
Sardinheira pega na canastra e foge.)
SARDINHEIRA
Não
perdes pela demora, caloteira!
LAVRADEIRA
(Mostrando
uma rodilha)
Olha!
Olha!... Quando o teu homem chegar, hei-de lhe dar a rodilha que deixaste em
cima da minha maceira, quando foste fornicar com o meu homem!
SARDINHEIRA
Rodilhas
há muitas, seu coirão!
(Faz-lhe
um manguito. Dá uma palmada no rabo e sai. Entra um pelotão de
granadeiros. Tomam posição de fogo. Toda a gente foge espavorida.)
COMANDANTE
Fogo!
(Disparam
sobre a assistência. Escuro.)
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