APRESENTADOR
Apesar de
Aveiro se ter disposto, até,
a mudar de nome, só para ver se colhia mais facilmente as boas graças do
Marquês de Pombal, e apesar do grande Marquês ter correspondido, o certo
é que a barra não se abriu. E o nome de Aveiro ficou...
Logo
que a Rainha D. Maria I subiu ao trono, as petições da Câmara e do senado
de Aveiro continuaram a chover...
Finalmente,
já na regência do príncipe D. João, os de Aveiro tiveram mais sorte.
Assim,
no dia 2 de Janeiro de 1802, é expedido aviso régio para o Coronel
Reinaldo Oudinot e para seu genro, o engenheiro Luís Gomes de Carvalho, que
estavam a trabalhar nas obras dos portos de Leixões e Porto.
No
dia 21 desse mês, estes dois engenheiros militares marcharam para Aveiro,
onde chegaram no dia seguinte.
Dando
mostras de um dinamismo fora do comum, no próprio dia da chegada começaram
a trabalhar.
Ainda
antes do projecto ter sido aprovado, conseguem autorização do rei para
iniciarem as obras sob a direcção de Luís Gomes de Carvalho.
A
teimosia da barra tinha encontrado pela frente a teimosia de um homem...
(Noutro
local da acção, homens, mulheres e crianças trabalham no levantamento de
um paredão que atravessa a Ria. Rotos, molhados, cansados, tiram terra,
espetam estacas, arrastam pedras, passam areia, tudo feito ao ritmo de um
cantochão de trabalho, arrancado às suas fainas de todos os dias: o
arrastar das redes, o transporte do sal, o cavar da terra, etc. Entra Luís
Gomes de Carvalho, um jovem de cerca de 30 anos. Inspecciona a sala e dá
ordens).
GOMES
DE CARVALHO
Cuidado
com essa estaca... Está a ser mal espetada. É preciso formar a fachina com
toda a resistência... Atenção a essa pedra... O leito não é esse...
Volte a pedra ao contrário, seu burro... Você não vê que está a
assentar mal a pedra? Vamos a andar!... Vamos a andar!...
Cuidado!...
Cuidado com a barreira... Vai cair... Fujam!... Fujam!...
(Gritos,
os trabalhadores fogem. Ruído de desabamento)
Porra!
Lá voltou a cair a barreira de protecção... Depressa!... Depressa...
Estiquem os panos, atirem pedras, atravessem as pranchas... Torrões... Onde
estão os torrões... Força, torrões! Torrões! Pedras!... Força! Força...
(Todos
trabalham afanosamente.)
UM
Senhor
engenheiro, parece que ficou alguém lá no fundo, debaixo do lodo!
GOMES
DE CARVALHO
Rápido!...
Toca a sineta! Toca a sineta!
(Outro
repica a sineta.)
Ao
socorro!... Ao socorro!...
(Desesperadamente
uns tapam o buraco aberto na barreira; outros escavam. Tiram um homem que
está como morto.)
Tragam
uma padiola... Depressa... Depressa... Para o hospital de campanha...
OUTRO
Está
morto, senhor!...
GOMES
DE CARVALHO
Tu
sabes lá se está morto! Tu és médico? Depressa, depressa para o hospital
do campo...
(Põem-no
sobre uma padiola. Alguns param o trabalho e descobrem-se e benzem-se.
Levam-no.)
E
vocês que é que estão aí a fazer pasmados? Ao trabalho, ao trabalho!
Toca a andar! Força rapazes!... Chega ali ao canto debaixo. Põe junco!
Mais junco!... Força... Atravessa a prancha...
UM
Está
quase... Está quase!...
GOMES
DE CARVALHO
Força!...
Força!... Está quase... Está quase!...
OUTRO
Tapou!...
Tapou!...
TODOS
Tapou!...
Viva! Tapou!...
(Atiram
os chapéus e os instrumentos de trabalho ao ar, de contentamento.)
GOMES
DE CARVALHO
Obrigado,
rapazes! Obrigado! Têm uma hora para descanso...
(Vão-se
sentando, aos grupos, sacudindo, limpando, falando entre eles. Gomes de
Carvalho sai. Depois de ele sair UM vai de grupo em grupo.)
UM
Esta
merda nunca mais acaba!
OUTRO
Porquê?
UM
Porque
a barra foi mal localizada. Isto é a gente a fazer e o rio e o mar a
desfazerem, como aconteceu hoje... E ontem. E há-de acontecer todos os dias... É só gastar dinheiro... E
enganar o povo!
OUTRO
Não!
Já se fez muito!... Ou o paredão da Gafanha ao Forte Novo e do Forte Novo
até aqui não valem nada?
UM
E
qual o resultado? O francês e o genro garantiram que em dois, três anos, a
barra estava aberta. Os dois anos já lá vão há que tempos... Qualquer
dia vão os três e...
OUTRO
Quais
três? Os teus?!...
UM
Eu
nunca os tive...
OUTRO
Isso
é verdade. Nem na língua!...
UM
Ri-te!
Ri-te! O pior é que isto está cada vez pior!...
OUTRO
Também
não é tanto assim...
UM
Não
é tanto assim?! No bairro onde moras a água já baixou? E os campos e as
marinhas? Cada vez está tudo mais inundado... Sabes que mais?... O tal
francês a mai-lo genro são mas é dois grandes vigaristas!... O resto é
conversa...
(Escuro)
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