(Em
cena, o Rei. Um pobre tonto que brinca com a coroa. Corre atrás das cortesãs
e levanta-lhes as saias. Faz onanismo pelos cantos. Risos lúbricos. Entra
um camareiro e anuncia)
CAMAREIRO
O
licenciado Cristovão de Pinho Queimado, procurador dos povos de Aveiro!
(O
rei atrapalha-se; dá uma corrida e senta-se no trono. Procura assumir uma
atitude “majestática”. Fica ridículo. As cortesãs fogem.)
REI
Pode
falar o “Pinho Queimado”, quer dizer: “o pinheiro ardido”...
Em
Aveiro há muitos pinheiros queimados, ó Pinho? E cheiram mal?
PINHO
QUEIMADO
Em
Aveiro, Senhor, há morte e desolação!
REI
Pf!...
Também não exageres...
(repetindo)
“Morte
e desolação!...” Até parece que Aveiro está a desaparecer!...
PINHO
QUEIMADO
E
está, Senhor... Aveiro, que foi o segundo porto, depois de Lisboa... Aveiro
que chegou a receber por ano mais de trezentas embarcações...
REI
(incrédulo)
Trezentas
embarcações! Como é que sabes disso, ó Pinho?
PINHO
QUEIMADO
É
o que consta dos livros dos padres dominicanos da nossa vila de Aveiro...
REI
Dos
livros de quem?!
PINHO
QUEIMADO
(Emendando)
Dos “santos” padres dominicanos...
REI
Ah!
“Santos” padres dominicanos... Assim é que é bonito... O respeitinho
é muito lindo!... Olha lá, ó Pinho, esse “queimado” não será alguma
chamuscadela feita por alguma das fogueiras que os “Santos” padres
dominicanos andam a acender por estes reinos de Portugal... e dos Algarves?...
PINHO
QUEIMADO
Senhor,
eu sou um “cristão velho”...
REI
Ah!
Sim? Pois olha que pelo nome nem pareces... Mas continua lá a tua lenga
lenga...
PINHO
QUEIMADO
Das
300 naus de antigamente, Senhor, hoje só entram ou saem meia dúzia, se
tanto. A barra está fechada, durante quase todo o ano. Os que à barra se
afoitam muitos perigos correm. Aquilo não é uma barra, Senhor, aquilo é
um campo de batalha com a morte!...
REI
(meio
cantando)
Heróis da barra!...
CAMAREIRO
Senhor,
dá-me a impressão que estais a cantar... antes do tempo!
REI
Eu
canto quando quero... Eu mijo quando quero... Eu cago quando quero... Para
um rei é sempre tempo...
(para
Pinho Queimado)
Continua...
ó “Chamuscado”.
PINHO
QUEIMADO
Temos
pedido, Senhor,... Temos implorado à coroa que nos ajude, mas até hoje
nada, ou pouco mais que nada!
REI
Mas
não há dinheiro, homem. Foi a guerra... foi... são as despesas... não há
dinheiro para tudo... Olha lá: porque é que vocês não fazem uma
“finta” e não arranjam o dinheiro necessário?... Faziam-nos cá uma
“finta”...
(Entram
três enfermeiros. Rapidamente, vestem uma “camisa de forças” ao Rei. O
Rei apanhado de surpresa estrebucha. Berra).
O
Rei sou eu! O rei sou eu! Canto quando quero... mijo quando quero...
(Quando
ia para dizer o resto, o enfermeiro-chefe tapa-lhe a boca e não o deixa
falar mais. O Rei é levado para fora).
CAMAREIRO
Bem
me queria cá parecer que V. Majestade estava a cantar... fora de tempo!...
(O
Chefe dos Enfermeiros - D. PEDRO II - reentra agora acompanhado de uma Dama
- a Rainha - que traz pela mão. Vêm dançando um minueto. Senta-se no
trono. Põe a Dama ao colo e fazem amor, como se estivessem sozinhos. PINHO
QUEIMADO assiste a tudo com ar aparvalhado. Quando se apercebe que a
“coisa” está a ir longe demais, tosse para se fazer notar).
D.
PEDRO II
(Parando)
Quem é que está aí?
PINHO
QUEIMADO
Sou
eu, Majestade, Custódio de Pinho Queimado, em nome do “povo de Aveiro
D.
PEDRO II
Que
homem, Cristo! Estavas aí há muito?
PINHO
QUEIMADO
Só
desde o tempo do Sr. Rei Afonso VI... Quer dizer: Cheguei agora mesmo...
D.
PEDRO II
E
que é que tu queres?
PINHO
QUEIMADO
Falar
a V. Majestade sobre problemas de Aveiro e da sua barra... Enfim, pedir
providências...
D.
PEDRO II
Ah,
já sei... já sei... Fala, fala...
(Volta
à marmelada com a rainha)
PINHO
QUEIMADO
Como
ia dizendo, Senhor, a gente já procurou resolver a questão à nossa custa.
É verdade! Os de Aveiro e de Esgueira chamaram dois estrangeiros da
Holanda, que, dizem, tem terras mais baixas que o mar e são muito
entendidos nessa arte de engenharia das águas, ou hidráulica, como lhe
chamam...
D.
PEDRO II
(sem
deixar a marmelada)
E o que fizeram os Holandeses?
PINHO
QUEIMADO
Nada,
senhor, nada!
D.
PEDRO II
(Suspende)
Nada?!
PINHO
QUEIMADO
Quer
dizer: vieram, estiveram em Aveiro catorze meses, observaram tudo, as
correntes, as marés, as correntes, as areias, observaram tudo...
D.
PEDRO II
(recomeçam)
Ah! São muitos observadores esses Holandeses!... E depois?...
PINHO
QUEIMADO
Concluíram
que a causa do não escoamento das águas estava no facto de a barra,
existente ao pé da Vagueira de Mira, estar muito longe e mal localizada. São
nove milhas de canal virado a sudoeste.
D.
PEDRO II
É!
Realmente é preciso “limpar o canal”... E “abrir” a barra!
PINHO
QUEIMADO
Ainda
bem que V. Majestade é da nossa opinião...
D.
PEDRO II
(aumenta
a “marmelada”)
Ah! Eu sempre gostei de “canais limpos” e “barras abertas”...
PINHO
QUEIMADO
Podemos
contar com V. Majestade?
D.
PEDRO II
Inteiramente...
Inteiramente... Mas... e onde é que se abre agora a “barra”?
PINHO
QUEIMADO
Os
holandeses disseram que o melhor local era no sítio de S. Jacinto,
mas que eram precisos muitos milhares de cruzados e muitos
milhares de braços e, mesmo assim, não garantiam o
resultado.
D.
PEDRO II
Nesse
caso nada feito!
PINHO
QUEIMADO
Nada
feito porquê, Majestade?
D.
PEDRO II
Porque
S. Jacinto é muito longe... E eu queria, eu queria uma “barra” aberta
aqui muito perto para eu “entrar” todo... E depois são precisos muitos
milhares de cruzados... muitos milhares de braços... e as boas
“barras”, amigo, são as que se abrem... por amor... O resto...
(Volta
à marmelada)
PINHO
QUEIMADO
Se
V. Majestade nos não acudir, daqui a meio século, Aveiro não terá ninguém...
D.
PEDRO II
Oh!
Oh!
Oh! Exageros!... exageros!...
(PINHO
QUEIMADO continua num discurso mudo que já ninguém ouve. A “reinação”
continua também. Escuro)
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