Alguns aspectos sociais
na vida do Centro
POR
MARIA EUGÉNIA REBOLA *
A fim de satisfazer o pedido de colaboração
na feitura desta revista, sumariei, mentalmente, a retrospectiva de 16
anos de actividade, junto das classes trabalhadoras e interroguei-me
sobre o depoimento porventura mais adequado quanto à problemática
sócio-profissional dos que, com o seu contributo tantas vezes esforçado,
ajudaram ao levantamento e progresso desta Empresa.
Quais as motivações, dificuldades, frustrações, facetas do
modus vivendi
importaria, pois, relevar?
Folheando ao acaso relatórios de tempos idos, nos quais procurei chamar
a atenção das hierarquias para os problemas mais prementes dos
trabalhadores, relembrando uma ou outra situação concreta geradora desta
ou daquela passagem, uma ideia me surgiu - que melhor depoimento que
alguns desses excertos, com a vantagem da oportunidade na conjuntura de
então?
Nesta ordem de ideias e embora não esgotando os temas, até por
condicionalismos de espaço, a seguir apresento diversos extractos de
exposições elaboradas, sucessivamente, ao longo dos anos, respigados
entre os que se revelaram, porventura, com maior acuidade.
1962 – Se bem que no meio fabril haja uma grande diversidade de problemas
e preocupações das mais variadas procedências, podemos dizer que os
problemas de ordem económica são dos que mais afectam, preocupam e
desorganizam a vida particular dos trabalhadores. Os que, felizmente,
vivem à margem destas dificuldades, só contactando intimamente com esses
casos poderão avaliar devidamente as consequências de tais situações – a alimentação deficiente, a pobreza do vestuário, a preocupação das dívidas a pagar, a insegurança do amanhã,
etc., etc.
Há aqueles que protestam, se revoltam com a sua pouca sorte, sentindo
hostilidade contra os que vivem em melhores situações; há também os que
se deixam afundar na miséria, sem reagir, num progressivo declínio
económico ou moral...
1963 – Temos constatado, em visitas e contactos com os trabalhadores e
seus agregados, que a doença continua a ser o principal factor nocivo
que desestabiliza a vivência das famílias. Conhecemos casos de doença
declarada em que não se compram remédios por não haver dinheiro para os
pagar e em que a alimentação é inadequada ao estado de saúde por falta
de disponibilidades para uma dieta mais cuidada.
Algumas vezes, são os camaradas de trabalho que pronta e generosamente
se cotizam e juntam algum dinheiro que vão oferecer ao colega carecido.
Porém, esses donativos, são sempre ou quase sempre insuficientes.
Certas Empresas decidiram resolver estes
problemas concedendo ao seu pessoal, quando afastados do serviço por
doença comprovada, um subsídio diário complementar do subsídio de
doença. Medida esta de grande alcance social..
1964 – Por determinação da nossa Administração foi criado um Fundo de
Auxílios Extraordinários do qual poderão beneficiar aqueles
trabalhadores que se encontrem em precariedade económica. As importâncias
já atribuídas contribuíram para a solução de alguns problemas
económicos, de natureza acidental. Mas resultaram insuficientes na
reorganização profunda de determinados estados de carência...
1965 – Quando os salários são a única fonte de rendimento e os
trabalhadores têm um agregado familiar numeroso, os proventos salariais
não chegam para todas as despesas, Recordamos, a propósito, uma família
com 7 filhos, tendo o mais velho apenas 11 anos. Confrange entrar
naquela casa, principalmente no Inverno, e ver as crianças descalças,
mal agasalhadas, sujas...
1966 – Pode surpreender o facto de determinados agregados familiares
conseguirem subsistir, chegando, por vezes, a economizar algum pecúlio,
quando outros há, com menos encargos económicos,
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que estão constantemente a endividarem-se. É que os primeiros levam uma
vida infra-humana e chega a parecer um milagre a maneira como aguentam o
labor profissional, tão irracionalmente se alimentam. Salvo raras
excepções o referido pecúlio destina-se à futura aquisição dum terreno
para construção, sonho que reina em quase todos os lares...
1967 – É chocante observar a situação económica de viúvas de
ex-trabalhadores que não estando preparadas para qualquer modo de vida
não sabem de que maneira poderão assegurar a manutenção dos filhos.
Impõe-se a efectivação de uma pensão de sobrevivência como um primeiro
passo para a resolução económica destes casos de viuvez...
1969 – Recordamos aqueles trabalhadores que prestaram serviço em
ambientes propícios a doenças
profissionais, alguns ao sabor das condições atmosféricas e cuja saúde
actualmente se ressente desses condicionalismos. Estes trabalhadores
muito embora no presente não possam dispensar à Empresa uma actividade
tão eficaz como outrora, não devem ser esquecidos ou marginalizados, já
que foi ao seu serviço que alteraram a saúde.
1970 – O comportamento dos trabalhadores dentro das Empresas pode ser
condicionado por diversos problemas extra-profissionais e, entre estes,
os problemas familiares são dos que mais perturbam e afectam o
equilíbrio psicológico necessário ao desempenho normal das actividades
laborais.
Nas situações de doença, em que a capitação familiar deveria ser mais
elevada, as pessoas encontram o seu orçamento familiar desequilibrado,
quer
pela diminuição do salário quer pelo aumento de despesas. Por vezes, e
consequentemente, perdem direito à gratificação com a qual procuravam
estabelecer o equilíbrio económico e suavizar, outrossim, na quadra
festiva do Natal, o regime de poupança a que estavam habituados todo o
ano...
1972 –
Alguns trabalhadores, a maior parte das vezes completamente
identificados com o ambiente que os rodeia, mercê de anos seguidos de
permanência no mesmo local e que, por imperativos profissionais são
transferidos, estão sujeitos a perturbações psicológicas de diversa
ordem, traduzidas muitas vezes em sentimentos de revolta, até porque,
normalmente, em nada são motivados para a aceitação de tais mudanças,
já que ignoram, de uma maneira geral, a razão e os objectivos das
determinações inovadoras.
1973 – Os grupos de trabalhadores, cada vez mais conscientes das
realidades sociais em que estão integrados, desejam e lutam por
oportunidades de
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discutir os factores condicionantes da vida fabril, numa actuação
participativa em certas fases de gestão.
E esta realidade parece tornar-se irreversível.
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Como se depreende da leitura destes pequenos extractos, representativos
do passado, os problemas económicos foram, no decorrer dos anos, dos
mais sentidos e alertados pelo nosso serviço. Desta afirmação não se
deverá inferir que tais problemas eram exclusivos do pessoal desta
Empresa, já que se inseriam nas condições de vida de grande parte da
população trabalhadora do País. Para minorar essas dificuldades e
compensar os baixos salários, alguns dirigentes empresariais criaram,
nas respectivas Empresas, diversas obras sociais que, melhor ou pior,
visavam a satisfação de determinadas carências, por demais evidenciadas.
Dentro desse espírito é de justiça referir o que, em Cacia, foi feito ao
longo dos anos e que, embora não correspondendo, na totalidade, aos
anseios dos trabalhadores, constituiu, contudo, um marco positivo na
história deste Centro.
Assim, em 1956, realizou-se a primeira das sucessivas Festas de Natal
dedicadas, especialmente, aos filhos dos trabalhadores do Centro e de
cujo programa sempre constou a atribuição de lembranças às crianças. As
verbas destinadas para a organização das Festas aumentaram,
gradualmente, no decorrer dos anos (com excepção de 1975 e 1976, por não
se terem realizado), atingindo, em 1977, o valor de 800 000$00.
Naquele mesmo ano, a Cantina começou a ser administrada directamente
pelo Centro, muito embora
já tivesse funcionado, por conta da F. N. A. T., nos dois anos
anteriores. Desde o início do seu funcionamento, esta obra social tem
servido, aos trabalhadores, um número crescente de refeições, a preços
módicos.
Em 1959 foi elaborado o 1.0 Regulamento do Serviço de Empréstimos,
actividade que desde o referido ano até finais de 1977 mutuou 2932
empréstimos, sem juros, reembolsáveis em prestações suaves, no montante
de 5081 574$00.
Também em 1959, foram aprovados, pela F. N. A. T., os estatutos do C. A.
T. da ex-C. P. C., sendo a Casa do Pessoal inaugurada dois anos mais
tarde (1961). Uma das primeiras iniciativas do C. A. T., subsidiada
integralmente pela entidade patronal, foi a organização de uma Colónia
Balnear Infantil, para os filhos dos trabalhadores. Por não se possuir
instalações próprias, não obstante, em devida altura, tivesse sido
adquirido um terreno na Barra para essa finalidade, as crianças
inscritas em todas as épocas balneares frequentaram algumas das colónias
do País, nomeadamente a da Gala - Figueira da Foz. As inscrições, que
inicialmente foram comparticipadas pelos pais das crianças, passaram a
ser grátis a partir de 1965. A média das crianças beneficiadas foi de
141 por ano.
Como já tivemos ocasião de referir, no ano de 1964 foi criado o Fundo de
Auxílios Extraordinários, atribuídos sob a forma de subsídios não
reembolsáveis. Deste Fundo, que em 1974 cessou a sua actuação, vieram a
beneficiar 152 pessoas, com a totalidade de 285811 $20.
No ano de 1968 foi estabelecida a concessão de um subsídio de transporte
aos trabalhadores com filhos a frequentar estabelecimentos de ensino
preparatório, secundário e médio, situados em localidades distantes da
sua residência e para os quais tenham de deslocar-se, diariamente, em
comboio ou
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camionagem. o montante deste subsídio corresponde ao custo do
transporte, em comboio, entre Cacia e Aveiro.
Em 1970 começou a ser paga, integralmente, a retribuição a todos os
trabalhadores portadores de incapacidade parcial permanente, sob
condição de o sinistrado ter respeitado integralmente as regras de
segurança adequadas.
No mês de Outubro de 1973 foi contratado um professor do ensino primário
para o serviço da Formação. Através deste serviço, 13 trabalhadores
puderam completar o exame da 4.ª classe e 15 trabalhadores concluíram o
2.º ano do Ciclo Preparatório. Todos os exames foram feitos em
estabelecimentos de ensino oficial.
A partir de 1974, a evolução político-social subsequente à revolução,
possibilitou a satisfação de algumas já «velhas» aspirações dos
trabalhadores. Assim, nesse mesmo ano, foi aprovado o 1.° Regulamento
de bolsas de estudo para filhos de ex-trabaIhadores falecidos. Em conformidade, até ao ano lectivo de 1977/78,
foram concedidas 101 bolsas, no montante de 292 839$00.
Neste ano foi estabelecida a concessão de um
seguro de acidentes pessoais, no valor de 400000$00.
No ano de 1976, iniciou-se a atribuição de um
subsídio de casamento, no montante de 500$00.
Em 1977, pela primeira vez, as viúvas de ex-trabalhadores foram
contempladas, pelo Natal, com subsídios que totalizaram a importância de
203000$. Deste benefício ficaram excluídas as que receberam o seguro de
acidentes pessoais e as que não tinham encargos familiares.
Neste mesmo ano, começou a ser paga aos trabalhadores, em situação de
doença, a verba necessária à reposição do respectivo vencimento, no seu
valor integral.
M. E. R.
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* Assistente Social do Centro – CACIA
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