INSTRUMENTAÇÃO

e regulação nas instalações fabris

da Portucel em Cacia

POR F. GONÇALVES LAVRADOR *

 

Quando, em 1965, comecei a exercer a minha profissão nas instalações fabris do complexo de Cacia (e digo «complexo» por se tratar, em boa verdade, dum conjunto de fábricas diferentes, embora interligadas e integradas num sistema comum de gestão e exploração), já encontrei, no campo da instrumentação e da regulação automática, um número razoável de equipamentos e de aparelhos, com predomínio evidente das regulações pneumáticas que, no nosso ofício, costumamos designar por «clássicas», e com um único grande sistema do tipo electrónico instalado na Máquina de Papel.

Nos sistemas clássicos limitados, que eram normalmente do tipo de monolacete (controlando apenas uma variável de processo e sem cadeias de lacetes), incluíam-se primitivos aparelhos de medição de consistência, colunas de mercúrio, manómetros tipo bourdon e de helicóide, células de pressão diferencial, diafragmas, foles, termopares, sistemas termais de pressão e de expansão, orifícios de medição de caudal, balanças, borbulhadores, controladores auto-actuantes ou actuantes por relé ou por piloto e baseados no mecanismo bico-palheta, válvulas de controle pneumáticas de vários tipos, etc. Tudo aparelhagem de tipo analógico. Pouco equipamento electrónico existia então no campo dos circuitos limitados de controle.

Quanto a sistemas globais, já nos referimos à máquina de papel como sendo o único digno de nota, pois pouco ou nada existia, nessa altura, nas máquinas de tiragem de pasta (com accionamentos muito primitivos) e na própria fábrica de Embalagens de Papel (com uma máquina de canelar cujo sistema de regulação de velocidade era também bastante ultrapassado).

Uma máquina de tiragem de pasta ou uma máquina de papel, nomeadamente de tipo Fourdrinier (como a de Cacia), apresenta-se sempre como um equipamento de grandes dimensões que se desenvolve longitudinalmente num longo percurso, com transporte do produto, constituído por uma «folha» contínua, duma extremidade (a extremidade húmida onde se forma a referida folha) até à outra extremidade, onde se acumula numa bobine o produto acabado. Este tipo de processo, cujas particularidades não podemos desenvolver aqui, impõe delicadas exigências de regulação e de controle. Há duas possibilidades de accionamento eléctrico duma máquina de tal tipo, a saber: a) com um só motor (que pode ser de velocidade ajustável ou de velocidade constante mas acoplado a um variador de velocidade de qualquer tipo mecânico), ou seja, um accionamento eléctrico global; b) com um certo número de motores, cada um a accionar a sua parte ou secção da máquina, ou seja, um accionamento seccional. O primeiro tipo está há muito obsoleto, considerando-se inaplicável nos grandes equipamentos de tiragem das fábricas modernas. Adopta-se, portanto, o accionamento seccional que, contudo, impõe a necessidade dum mecanismo de controle cujo propósito principal consiste em harmonizar a rodagem de todas as secções do equipamento. O primeiro método atrás referido apenas permite o ajustamento da velocidade de toda a máquina dentro duma só faixa de velocidades (do motor ou do variador de velocidade), exigindo que o ajustamento da velocidade das secções devido a condicionamentos locais dependa ainda de complicados e hoje pouco aceitáveis (ou mesmo inaceitáveis) processos mecânicos de variação. O segundo método não só torna possível uma variação uniforme da velocidade em toda a máquina, mas também possibilita que essa variação seja finamente graduada, muito sensível e muito eficaz na sua acção, diferenciando-se nas várias secções quando os condicionamentos de carga e de alimentação se alterarem de modo também diferenciado nessas mesmas secções. Mas há mais: esta acção correctiva é executada como que instantaneamente, pelo menos quando comparada com os processos correctivos de tipo mecânico, e com muito menos probabilidade de avarias ou de instabilidades funcionais. Deve acrescentar-se, por fim, que se adoptam como motores eléctricos de accionamento os motores de corrente contínua, devido à facilidade que oferecem para se conseguir um controle suave e contínuo da velocidade.

Isto basta para se compreender por que razão o accionamento da máquina de papel de Cacia é do tipo seccional, utilizando, portanto, motores de corrente contínua individuais em cada secção e controle electrónico que começou a ser estudado e aplicado parcialmente pela General Electric a partir de 1937 e que se comercializou como tipo de regulação exclusiva de toda a máquina a partir de 1941.

Os grandes melhoramentos introduzidos no material electrónico durante a Segunda Guerra Mundial, sobretudo o desenvolvimento de novas válvulas de vácuo, levou à adopção pela G. E., a partir de 1945 e em todos os accionamentos seccionais de máquinas de papel, do regulador electrónico de velocidade com amplidínamo. Este sistema podia servir (mediante pequenas modificações de ligações internas) como regulador de velocidade, regulador de tensão, regulador de corrente ou limitador de corrente de arranque dum motor. É este precisamente o sistema instalado na máquina de papel de Cacia e ainda hoje a trabalhar com pleno rendimento.

A velocidade do motor da secção que se considere é medida através da tensão dum gerador piloto de corrente / 34 / contínua e de íman permanente (taquímetro). Esta tensão é comparada com uma tensão eléctrica de referência controlada com rigor e pré-escolhida de acordo com a velocidade desejada. A tensão diferencial resultante, se existir, é amplificada, primeiro electronicamente por um amplificador «clássico» de válvulas, e depois por um amplificador rotativo chamado amplidínamo que controla o campo do gerador que, por sua vez, fornece potência eléctrica ao motor da secção considerada. Quando o gerador fornece potência a diversos motores seccionais, usa-se a saída do amplidínamo para controlar a excitação (ou campo) dos motores. Desta maneira corrige-se rapidamente qualquer desvio da velocidade relativamente a um valor pré-escolhido e comum a todas as secções.

Não vamos, evidentemente, entrar em pormenores sobre o sistema de controle que acabamos de referir. A descrição aqui feita serve apenas para salientar dois elementos fundamentais: a utilização de grandes grupos motores-geradores para a conversão da corrente alternada para contínua e a aplicação de pré-amplificadores de válvulas electrónicas e de amplificadores rotativos (amplidínamos). Daqui se conclui que a parte de potência (além da força motriz, evidentemente) se baseia em conversores rotativos e que a parte de controle é electrónica, ou melhor talvez, semi-electrónica, dada a utilização duma máquina rotativa e com escovas, o amplidínamo, e de muitas unidades de comutação de tipo electromecânico (relés e comutadores).

Na época em que se encomendou este sistema, no início dos anos cinquenta, estava sem sombra de dúvida actualizado. Mas, nos anos seguintes, o desenvolvimento da electrónica de controle e mesmo de potência foi (e continua a ser, aliás) tão vertiginoso que, dentro dum período de tempo muito curto (e isso já acontecia em 1965), ele estava tecnicamente ultrapassado, o que não significa de modo nenhum que não se trate de aparelhagem de alta eficiência que satisfaz inteiramente os seus utilizadores, e ainda continua a satisfazer nos dias de hoje, apesar da idade e do seu inevitável envelhecimento, não apenas devido à robustez das unidades instaladas, mas também devido aos cuidados constantes do pessoal especializado responsável pela respectiva conservação.

A partir de 1965, as constantes ampliações da Central Geradora, da Fábrica de Pasta, do Branqueamento e da Fábrica de Embalagens de Papel introduziram novos equipamentos de medição e de controle pneumáticos e electrónicos – equipamentos que continuam a aumentar persistentemente em quantidade e em complexidade técnica.

No campo dos pequenos sistemas de controle limitado manteve-se a preferência pela técnica do controle pneumático com transmissão analógica das informações, mas, mesmo assim, introduziram-se também numerosos aparelhos electrónicos (alguns de técnica bastante avançada) quando a variável medida ou o próprio processo de medição conduzem naturalmente a esse tipo de equipamento e também no caso de aparelhos laboratoriais (padrões ou ensaiadores da Secção de Instrumentação e novos aparelhos de medida do laboratório). Introduziram-se novos sensores de consistência em linha de muito maior eficácia de medida e resolvendo, até certo ponto, um velho problema de regulação específico da indústria de pasta e papel (referimo-nos ao sensor do tipo «lâmina de cimitarra»), medidores magnéticos de caudal, medidores de condutividade, medidores de pequenos potenciais electroquímicos com aplicação em aparelhos de análise e controle químico contínuo (casos do pH e do potencial redox), aparelhagem ultra-sónica de alarme e de medição de espessuras, aparelhagem radioactiva de alarme de nível, sensores de proximidade, aparelhos de raios X para exame de soldaduras, etc. Surgiram os aparelhos miniatura com circuitos pneumáticos impressos e colocação rápida por encavilhamento, quer das ligações eléctricas, quer das pneumáticas, os quais se destinam a resolver o problema do espaço nos painéis. Com efeito, à medida que o número de aparelhos necessários aumenta (e esse número aumentou muitíssimo nos últimos anos) os painéis de controle que albergassem controladores e registadores clássicos tornavam-se impraticáveis dado o seu enorme tamanho. O problema foi resolvido com os novos modelos do tipo miniatura nos quais se introduziram os últimos aperfeiçoamentos da técnica pneumática analógica e que, além de oferecerem inegáveis facilidades de montagem, de manipulação e de conservação (encavilhamento, gráfico de rolo, construção modular, etc.), ocupam um espaço muito menor no painel (embora aumente, mas isso pouca importância tem, o espaço em profundidade). / 35 /

Todos estes sistemas continuam, contudo, analógicos. Sabemos que, no campo da fluídica, nomeadamente da pneumática, a tecnologia moderna criou também circuitos digitais, de certo modo funcionalmente semelhantes aos electrónicos ou de tipos homólogos a estes, mas nunca os adoptámos na fábrica de Cacia devido aos seus inconvenientes quando comparados aos circuitos idênticos de tipo electrónico. Cuidamos que, neste campo, a técnica do futuro aponta para os grandes sistemas globais e integrados, totalmente automáticos e comandados por computadores programáveis individuais ou centrais. E aí a tecnologia da electrónica tem completo e inatacável predomínio, embora nas zonas periféricas possa aparecer ainda controle fluídico do tipo analógico, umas vezes por certas vantagens técnicas excepcionais e pontuais, outras devido ao aproveitamento de material existente (neste último caso com os problemas resultantes da adaptação de equipamentos antigos às novas condições de controle avançado adoptadas). Não se encontra, porém, o nosso país em condições sócio-económicas (e até culturais, diga-se de passagem...) que, para já, justifiquem a adopção de tais sistemas ou qualquer opção tecnológica de vanguarda e, por isso, limitamo-nos aos aperfeiçoamentos pontuais, às consequências da evolução da técnica do processo sobre o número e os tipos de Iacetes de controle usados, e ao aumento quantitativo derivado de novos equipamentos de processo instalados, sempre dentro dos conceitos dos modelos de controle «clássicos».

Contudo, já não se passa bem a mesma coisa quando se trata de grandes equipamentos tradicionalmente de comando global (como a máquina de papel atrás referida) ou em que as condições de operação impõem um certo grau de automatismo do tipo comutação (a qual pode ser electromecânica, electrónica ou mista). Nestes casos, a tecnologia electrónica oferece-nos consideráveis aperfeiçoamentos imediatamente aplicáveis e que não devemos (e, até certo ponto, nem podemos) desprezar. É efectivamente o que acontece nas instalações fabris de Cacia com as duas novas máquinas de tiragem de pasta seca, com os novos lavadores e difusores de pasta, com uma nova máquina de canelar que veio, entretanto, substituir a antiga, com várias máquinas novas, bastante automatizadas, que se instalaram na Fábrica de Embalagens de Papel, etc.

Evidentemente que não dispomos aqui de espaço que nos permita referir todos estes casos com um mínimo de considerações e de dados técnicos. Contudo, vamos tratar muito rapidamente de um deles e dos mais importantes: o que se refere, dum modo geral, à electrónica de potência.

Como já tivemos ocasião de dizer, no accionamento de grandes máquinas multi-seccionais com regulação rigorosa da velocidade, convém adoptar o motor de corrente contínua, o que impõe a conversão de corrente alternada para corrente contínua. E, se possível, essa conversão deverá ser controlada. Na Máquina de Papel, por exemplo, isso era conseguido através de grupos de geradores e motores e estava aí, precisamente, uma das grandes fontes de aborrecimentos, de avarias e de despesas quer de primeiro estabelecimento, quer de conservação e substituição. É esse um dos grandes males de que padecem os equipamentos clássicos do tipo considerado. Ora bem: esse problema foi resolvido pela «electrónica de potência», ou melhor, pela aplicação da técnica dos semicondutores ao campo da manipulação de grandes potências eléctricas. Assim, a electrónica invadiu, directamente e com enormes vantagens, a esfera daquilo a que, nas nossas faculdades de engenharia, há alguns anos, se chamava «técnica das correntes fortes».

A electrónica de potência compreende a ligação, desligação, controle e transformação da energia eléctrica quando se utilize para isso válvulas conversoras, bem como os correspondentes dispositivos de comando, controle e regulação. No conceito de válvulas conversoras cabem não apenas as válvulas de vácuo e as válvulas de descarga, mas também as válvulas de semicondutores, isto é, rectificadores oximetálicos, de selénio e de silício, transistores e tiristores.

Distingue-se normalmente a parte de potência e a parte de comando e regulação. Contudo, tanto numa como na outra empregam-se actualmente componentes básicos de material semicondutor monocristalino, portanto com exclusão dos semicondutores policristalinos (rectificadores oximetálicos e rectificadores de selénio). Por isso, na parte de potência / 36 / surgem-nos díodos semicondutores, tiristores (sob as suas formas de diacs, triacs e RCS ou rectificadores controlados de silício) e transístores de potência; na parte de comando e de regulação, díodos, transístores e os moderníssimos circuitos integrados. Com uma aplicação de componentes de tipo igual e normalizado consegue-se uma construção compacta, a maior parte das vezes modular, de grupos construtivos, com predomínio, sempre que possível, de circuitos impressos e encavilháveis, até nas próprias instalações de electrónica de potência, com benéficas consequências no que respeita à fiabilidade do equipamento.

A electrónica de potência desenvolveu-se, portanto, a partir da técnica de conversão com válvulas. Semelhante prática remonta aos anos trinta, pois já nessa altura havia em serviço um grande número de instalações conversoras com válvulas de vapor de mercúrio, tanto sob a forma de rectificadores não controlados como controlados, com potências que iam até à beira dos megawatts. Inicialmente tinham surgido os conversores mais simples, isto é, rectificadores não controlados desenvolvidos no princípio do século, para carga de baterias com redes de corrente monofásica ou trifásica, a partir dos primeiros rectificadores de vapor de mercúrio construídos, em 1902, por P. Cooper-Hewit. Com o desenvolvimento tecnológico, surgiram outros campos de aplicação como, por exemplo, a alimentação de consumidores de corrente contínua de potência média através de subestações rectificadoras e redes urbanas de corrente contínua, além do serviço ferroviário com o mesmo tipo decorrente e da electrólise.

As válvulas de vapor de mercúrio dominam intensidades de 1000 A para tensões da ordem de alguns kV.

Em 1930, entraram em serviço os primeiros rectificadores de semicondutores, aplicáveis, contudo, a uma faixa de Potências baixa. Primeiro apareceram os rectificadores oximetálicos e, pouco depois, os de selénio, cuja base é material semicondutor tetracristalino. Estes últimos têm-se aperfeiçoado, mantendo ainda actualmente muitos campos de aplicação como pequenos rectificadores (por exemplo, rectificadores de alta tensão em aparelhos de televisão).

Nos anos cinquenta, conseguiram-se desenvolver os primeiros transístores (mas não de potência) e díodos semicondutores de material monocristalino, primeiro como díodos de germânio e, alguns anos depois, como díodos de silício, nos quais se podem alcançar já tensões elevadas. O primeiro transístor foi criado no campo das telecomunicações pelos laboratórios Bell, nos Estados Unidos, e, pouco depois, pelo Centro de Investigação Científica dos C T. T. franceses, em 1948.

Em 1958, a General Electric, nos Estados Unidos, desenvolvia os primeiros tiristores sob a forma de redificadores controláveis de silício. Estes novos tipos de semicondutores de potência controláveis desempenhariam, na técnica da energia eléctrica, durante os anos sessenta, um papel comparável ao dos transístores nas telecomunicações, um decénio antes.

No começo dos anos sessenta, os trabalhos de investigação conduziram a um aperfeiçoamento constante dos componentes semicondutores e da correspondente técnica de circuitos, o que originou um desenvolvimento rápido e uma ampliação espectacular dos conversores clássicos. Ao lado dos circuitos com válvulas de vapor de mercúrio, tecnicamente perfeitas, conseguiram-se atingir novos tipos de circuitos e novas aplicações. Estes factos foram favorecidos por dois factores: pela melhoria das características eléctricas dos semicondutores de potência, que apresentam consideráveis vantagens relativamente às válvulas de vapor de mercúrio, sobretudo no que diz respeito à baixa tensão de disparo e ausência de reacendimento, e muito especialmente ainda no que se refere ao comportamento dinâmico durante a ligação e desligação, bem como pelos progressos registados no campo dos componentes utilizáveis na parte descontrole e regulação, o que permite, além do mais, a realização de funções complexas de controle e regulação. A fase presente caracteriza-se pela cada vez maior introdução de circuitos integrados na parte de controle e regulação.

Pode dizer-se, sem qualquer dúvida, que a meio da década de sessenta o conceito de técnica de conversão eléctrica se ampliou definitivamente para a electrónica de potência. Não admira, portanto, que os novos e mais actualizados equipamentos instalados no complexo fabril de Cacia se baseiem na aplicação da tecnologia dos semicondutores, nomeadamente nos tiristores, transístores e circuitos integrados em suas variadas versões. Se a isto acrescentarmos o rápido desenvolvimento e aplicação à escala industrial de circuitos lógicos e de computação, ficaremos com uma pequena ideia da importância cada vez maior que a electrónica está a assumir entre nós.

Cacia, 5 de Maio de 1978

F. GONÇALVES LAVRADOR

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* Eng.º Electrotécnico, Chefe dos Serviços de Conservação de Instrumentos do Centro CACIA

 

 

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