Uma presença constante em
Cacia
POR
PADRE JOÃO GONÇALVES GASPAR *
Cacia é povoação antiquíssima e terá obtido
grande importância no passado; os romanos aí teriam construído um
castro, cuja existência se procura demonstrar por achados arqueológicos,
supondo mesmo alguns historiógrafos que a velha e discutida Talábriga
aqui assentara arraiais. Mais tarde, quando da reconquista cristã, o
Conde D. Henrique e sua mulher D. Teresa, em documento de 25 de Agosto
de 1106, doaram ao Mosteiro de Lorvão «metade da nosa vila de Cacia». O
padroado da freguesia era da abadessa do referido Convento, a qual, por
isso, apresentava os respectivos párocos à confirmação episcopal;
todavia, a instituição de uma Comenda da Ordem de Cristo nas rendas
desta igreja, no século XVI, deu origem a uma substancial diminuição nos
réditos do Mosteiro. Sabemos, por exemplo, que em Março de 1590, o
comendador António de Melo da Silva, como senhor de todas as terras e
propriedades dessa Comenda, reivindicava as duas partes dos dízimos, e
de muitos já se declarava em posse, por si e seus rendeiros e
antepassados, de mais de dez, vinte, trinta, quarenta, cinquenta e cem
anos a esta parte.
A igreja paroquial é dedicada ao Mártir S.
Julião ou Gião. Natural de Antioquia de Síria, Julião casou com Santa
Basilissa; tornando-se notado pela hospitalidade que dava aos cristãos
durante a perseguição do imperador Diocleciano, foi preso, condenado à
morte e degolado pela fé em 308. A fama da sua ciência invulgar, do seu
desprendimento dos bens materiais em favor dos pobres e da sua firmeza
no martírio estendeu-se rapidamente a toda a Cristandade; é venerado na
liturgia em 9 de Janeiro.
Aquele templo, reconstruído nos meados do
século passado, como se lê na frontaria, e beneficiado há alguns anos,
pouco conserva do anterior. O edifício antigo poderia remontar ao século
XVII, a avaliar pela porta da sacristia, pelo arco-cruzeiro, pelos dois
arcos do corpo, por um dos pequenos benedictérios e por um Cristo
crucificado, de madeira; dos finais do mesmo século é o retábulo
principal e os dois colaterais, que conservam a douragem primitiva. No
seu recheio há esculturas medievais de calcário, como a Virgem e o
Menino, dos meados do século XV; da mesma época são as imagens líticas
dos Mártires S. Sebastião e Santa Catarina.
Em 1775, os dízimos paroquiais de Cacia, que
apenas contava 458 foges, rendiam anualmente 900 000 réis; mas o pároco
não recebia tais dízimos, porque duas partes pertenciam à dita Comenda
da Ordem de Cristo e a terceira parte ao Real Mosteiro de Lorvão.
Contudo, o Comendo não só tinha a obrigação de reedificar a capela-mor e
a sacristia, bem como o dever de as ornar e paramentar – dando por ano,
para esse efeito, a importância de 10 000 réis; além disso, dava ao
pároco a quantia de 260 000 réis e ao cura coadjutor amovível, que vivia
a expensas do pároco, a soma de 100 000 réis.
Em 1776, além do pároco-vigário, Padre José
dos Santos Pires, e do cura,
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/ Padre Manuel Duarte,
residiam na freguesia os Padres Manuel Simões e Manuel Antunes e os
Minoristas Manuel Rodrigues, Fernando Dias, Eusébio Rodrigues Teixeira e
Manuel Rodrigues da Costa. Estes últimos, que já eram clérigos de Ordens
Menores, preparavam-se para o Sacerdócio.
Mas... Não é o tema histórico que sobretudo
aqui me preocupa; interessa-me mais fazer agora uma alusão, mesmo só de
relance, à actividade da Igreja Católica em Cacia.
Os cristãos procuram exercer, na sociedade,
uma tríplice missão: profética, litúrgica e caritativa. Falhando em
qualquer destes sectores, eles não estariam a cumprir o seu dever na
Igreja.
Em Cacia, a Igreja concretiza a sua missão
profética de ensinar, desenvolvendo a catequese às criança. E aos jovens
e aos adultos. No edifício do Centro Paroquial de Assistência, erguido
há anos junto da capela do Espírito Santo, fazem-se reuniões de reflexão
e de programação das várias associações e movimentos católicos,
promove-se a educação da fé das crianças e dos adultos e efectuam-se
passatempos para instruir ou divertir. Dentro dos limites de Cacia,
encontra-se uma importante fábrica: o centro de produção fabril da
Portucel – Empresa de Celulose e Papel de Portugal. Também nos seus
trabalhadores pensa seriamente a Igreja, na ânsia de lhes transmitir a
mensagem libertadora de Cristo. Oxalá não faltassem cristãos
esclarecidos e dedicados, a desejarem concretizar o Evangelho,
procurando abrir caminhos válidos de justiça na caridade. Por isso
mesmo, a Portucel – tanto a administração como as organizações dos
operários – tem as portas abertas para as reuniões atinentes às suas
actividades específicas, às questões laborais, à promoção pessoal e
colectiva ou às relações humanas entre todos.
A missão litúrgica no culto sagrado,
pratica-a a Igreja em comunidade sobretudo nas assembleias dominicais,
vividas e participadas por centenas de pessoas. O recenseamento da
prática dominical, realizado em Fevereiro de 1977, obteve em Cacia os
seguintes resultados: – Nas seis celebrações da Eucaristia estiveram
presentes 1 200 pessoas (468 homens e 732 mulheres), assim distribuídas
por idades: dos 7 aos 14 anos – 384; dos 15 aos 214 anos – 221; dos 25
aos 39 anos – 134; dos 40 aos 54 anos – 293; dos 55 aos 69 anos – 116;
de mais de 70 anos – 52. Segundo a sua profissão, estiveram presentes
nesse dia 6 de Fevereiro 229 operários, 218 camponeses, 14 pessoas com
curso médio ou superior e 350 de outras profissões.
Na paróquia de Cacia também existe um
organismo de católicos que procura concretizar a caridade, no seu
autêntico sentido; é a Conferência Mista de S. Vicente de Paulo,
constituída por dezasseis elementos, homens e senhoras. Visitam-se
famílias necessitadas a quem se levam géneros alimentícios, dádivas em
dinheiro, roupas, etc.; mas, mais do que as coisas materiais – que até
se ambicionaria não fosse preciso distribuir, porque desnecessárias numa
sociedade bem ordenada onde não houvesse destes pobres – os vicentinos
pretendem levar Cristo e a sua paz, o seu amor e a sua esperança. Eles
desejam ser testemunhas do sobrenatural num mundo que é pobre, porque
vive demasiadamente preocupado com o imediato...
Todavia, os católicos de Cacia vivem no seu
ambiente; e, para distribuir, têm de receber. Há pessoas que
espontaneamente confiam aos vicentinos os seus donativos, há
importâncias recolhidas em várias colectas, há cerca de sessenta
subscritores que se cotizaram com quantias certas. Além de tudo isto, a
rondar pelos 2 5000$00 anuais, há ainda a sopa distribuída duas vezes
por dia a várias famílias necessitadas pela Conferência Vicentina, que
gratuitamente a recebe da Portucel.
Esta nota já se alonga; mas deve ainda
referir-se a existência de duas casas do «Património dos Pobres»,
construídas no tempo em que era pároco o Padre Virgílio Susana Dias; são
vivendas que, embora modestas, proporcionam habitação a duas famílias
economicamente débeis. E também é justo lembrar o Centro de Assistência
aos Necessitados, que ocupa um pequeno edifício de duas salas, onde
funciona um externato paroquial, frequentado por três dezenas de
crianças das quatro classes primárias e oficialmente reconhecido pelo
alvará n.º 2013. A paróquia responsabiliza-se pelo pagamento dos
honorários à respectiva professora, contribuindo também os pais dos
alunos com quotas mensais. Por seu turno, o Centro Paroquial de
Assistência – atrás referido – irá brevemente abrir as suas salas,
durante o dia, para o funcionamento de um jardim infantil; o Instituto
de Família e Assistência Social (I.F.A.S.) apoia esta iniciativa, há
muito desejada pela população local.
Depois destas linhas, em que ficou descrita
alguma coisa do que a Igreja Católica – pároco e cristãos – fazem em
Cacia, o leitor com certeza quereria que se fizesse muito mais; mas isso
também está na sua mão, porque, se algumas das tarefas sócio-caritativas
pertencem especificamente aos crentes numa linha de «redenção cristã»,
não serão igualmente alheias aos homens e às mulheres de boa vontade,
que queiram colaborar na construção de uma sociedade mais justa e mais
humana. A comunidade religiosa e a sociedade civil, de que podem ser
símbolos a torre da igreja e as chaminés da Portucel, movendo-se embora
em esferas diferentes, não são rivais; devem cooperar entre si, pois são
formadas pelas mesmas pessoas e às mesmas pessoas dizem respeito. As
torres e as chaminés, cortando o espaço, apontam o céu; quase nos querem
dizer que o homem será tanto mais feliz quanto mais concretizar a paz, o
bem, a justiça, o amor, cuja personificação total e perfeita, numa
perspectiva de fé, é o próprio Deus.
João Gonçalves Gaspar
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* Investigador e Historiador
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