Gente simples da Beira-Mar
Gente boa do meu bairro
Fidalga no respeitar...!
Com forte crer escutaste
Teu Deus...! Teu Senhor...!
Por seu espírito animada
Nutres carinho e amor
Ainda alívio para a dor
Por tal mui apreciada...!
Gente pobre em haveres
Mas rica de sentimento
Eleva-se por amor ao próximo
Tem carinho p'ró lamento
Gente digna por sincera
Que mui raro usa o não
Gente que sente prazer
De ao próximo bem fazer
Em momentos de aflição |
Gente que reza com fé
Gente enorme em devoção
O testemunham seus olhos
Quanto lhe vai no coração
Gente alegre quando em festa
Gente que fala a cantar...
Por orgulho...? Por vaidade...?
Por sua simplicidade...?
Que importa... se é
Gente pura bem humana
Com quem se pode contar...!
Por tal muito lhe quero
Por tal a continuarei amar
Esta gente de quem descendo...!
Gente boa do meu bairro
Gente simples da Beira-Mar
Aveiro, 23 de Abril de 1970 |
Manhã alta
Ria acima
Segue garbosa
Pequena bateira
Em remada vigorosa
Cadenciada
Deslizando ligeira
Sobre águas cristalinas
Dos canais da nossa Ria
A caminho das salinas
Chegados!...
O começo de toda uma azáfama
Marnoto mor
Inicia sua actividade
Com uma espreitadela
Por toda a propriedade
Tudo lhe parece em beleza
Algibebes – caldeiros
Talhos – cabeceiros
Partes de baixo e de cima
Nada escapou ao olho
Do prático da salina
Se necessário
Consoante a pressão
Do salgado
Pega o marnoto no galho
E ei-Io a ogalhar
Enquanto contratados
De toda uma mão
Rida na véspera
O sal iriam tirar
Desconhecem-se tréguas
Não se pode descansar
Nova colheita
De uma outra mão
Se iria iniciar
Vai o marnoto quebrando
Outros a razoila manejar
Um ou outro encimando
Deixando o sal a enxugar
Dignos de serem apreciados
Espectaculares movimentos
Cadenciados – precisos
D'homens – torrados – secos
Atléticos – musculosos
Que mais se assemelham
A exercícios físicos
|
Entretanto
Astro Rei a pino
Os meios a salgar
De pronto o marnoto
De olho certeiro
Empunhando pequena pá
Vai abrindo o tabuleiro
Enquanto os restantes
Um tanto de sofreguidão
Devorando magra refeição
Segue pequena sesta
À sombra do palheiro
Num sono reparador...
Marnoto mor
Que não dorme
Finda a sua tarefa
Surge como despertador
Sem grande alarde
Clama – é gentes
Vamos que se faz tarde
Vou tragar uma bucha
E vou já quebrar
Tirem aquele sal
Que teve tempo de secar
Ireis rer toda a mão
O Zé que vá imoirar
Eu alimentarei
Algibebes e caldeiros
Na maré da madrugada
Tomo águas prós viveiros
Assim chegados ao fim
Duma rude labuta
Melhor diria
Heróica do dia a dia
Durante todo o estio
Prestes a acabar
Entretanto para fazer
Montes arrumar, bater,
Com bajunça cobrir
com lama chapear
Dias curtos e frescos
Nada poderão adiantar
Chegadas também as chuvas
Pró fim da safra ditar
Aveiro, 28 de Outubro de 1972 |
Oh! Aveiro
Berço querido...!
Recordar de ti
Dum passado longínquo
dos meus tempos de criança
Algo a meu jeito sinto
Como pesada herança
Ainda que da tenra idade
Um não sei quê d'estranho
Envolto de sentida saudade
Oh! Aveiro querido
Acaso houveras esquecido
Quanto não volta mais...!
D'entregas, foguetório, alegrias,
As boas festas a parceiros
Das consoadas as bacalhoadas
Filhoses, licores e castanhas
D'um sabor que nem nozes
Bem regadas com jeropigas
Exuberantes alegrias
Em apreciados arraiais
Como a festa da Barra
Nossa Senhora da Saúde
Nossa Senhora das Dores
O santo das pentilheiras
Como eram apreciadas
Do milagreiro São Gonçalinho
Suas disputadas cavacas
Da Nossa Senhora das Febres
Suas típicas cavalhadas
Do Entrudo – rusgas – folias
Apreciadas batalhas de flores
Famosos bailes do Carnaval
Com agrado recordo
Quarta-Feira de Cinzas
A secular Feira de Março
O que d'algum modo acontecia
Da existente rivalidade
Entre amantes da Patela
E os da Banda Amizade
Também dos grupos teatrais
Que à cena levaram obras tais
Com o Moleiro Del Alcalá
Cavalaria Rusticana
O Burro do Senhor Alcaide
A Mascote etecetera
Sem esquecer revistas
Como a Caldeirada
Ao Cantar do Galo
O Molho de Escabeche
Ainda Aveiro em foco
Como apreciados eram
Em noites de farra
Concorridos banhos santos
Em vésperas de São João
Nos largos areais da Barra
Relembrar os entusiasmos
Das touradas das regatas
Rijas provas de natação
Em teus canais disputadas
Um mundo d'actividades
A contentos dos cagaréus
Alimentadas ilusões
Que por fim desiludidos
Apenas ficaram sentindo
Profundas saudades
|
Recordar vida saudosa
Do dia a dia familiar
Das gentes da Beira-Mar
Entregas do Santíssimo
Ou do Senhor do Bendito
Com contradanças e folia
Ainda das procissões
Ou das novenas de Maria...
Como não recordar d'emoção
De cada Páscoa
O tradicional folar
Nossa Senhora d'Alumieira
O saudoso Padre Pedro
Nos intervalos da marcha
Continência a Dom Carlos
Sob majestoso pálio
Na cauda da procissão
Acompanhado ao rufo da caixa
Da Banda José Estêvão
Com sua potente voz baixa
Entoando Glórias ao Pai
Com verberosos aleluias
Anunciando a ressurreição
Quem saudades não terá
De toda uma azáfama
No cais dos mercantéis?..
Quem não haja presenciado
Em loucos movimentos
Tuas gentes piscatória
Em dias de bom pescado?...
Hábeis mãos d'empilhadeiras
Plenas de arte e magia
Que sem perda de tempo
Nem pra magra refeição
Com apreciada alegria
No cumprir suas tarefas
Dilatavam dias de Verão
À mortiça luz do archote
Que em graça espectacular
Irradiavam viva vida
Onde hoje
A morte parece reinar
Do tal me sinto penoso
Pois comparando do hoje
Com que do ontem longínquo
Consciente o afirmo
O quanto de diferente
Da conduta ao respeito
Dessa saudosa gente
Que se firmavam enormes
Mesmo quando no sofrer
Que por assim havido ser
No ontem muito os respeitava
No hoje mui veneradamente
Lhes rendo póstuma homenagem
E deles me apraz descender
Aveiro, 20 de Novembro de 1972
|
Aos que em berço doirado
Se encontraram...!
Aos que muito lutaram E venceram!...
Aqueles outros e muitos são
O afirmo com verdade
Que seu produto encontraram
Na desonestidade!...
A todos!...
De todos sem excepção
Será indispensável
Uma melhor atenção
Para com o filhinho
D'um nosso irmão
Que usufrui uma só vida
Uma boca – uma alma
Mas também um coração!...
Por desventura sua
Na caminhada da vida
Segue desamparado!!...
Ainda que humilhado
Respeita a sociedade
Que lhe é adversa...
A quem estende sua mão
Solicitando caridade
|
Sim!... Por sina sua
E verdade tão dura
Segue seu destino
Suportando a sacola
Que lhe serve de cofre
Ao produto da esmola
Assim vai caminhando
Pesaroso um nosso irmão
Porque tem uma alma
E também um coração
Sim!... – Por sina sua
Lá vai suportando
Negra sorte – que dura
Caminhando sem norte
Em busca d'um alívio!...
Que sempre encontrará
Quando abraçar a morte
Aveiro, 26 de Novembro de 1972
|