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Boletim n.º 20-21 - Ano XI - 1993

Zé Portugal – José A. Costa Portugal

DA GENTE DO MEU BAIRRO

Gente simples da Beira-Mar

 

Gente boa do meu bairro

Fidalga no respeitar...!

 

Com forte crer escutaste

Teu Deus...! Teu Senhor...!

Por seu espírito animada

Nutres carinho e amor

Ainda alívio para a dor

Por tal mui apreciada...!

 

Gente pobre em haveres

Mas rica de sentimento

Eleva-se por amor ao próximo

Tem carinho p'ró lamento

 

Gente digna por sincera

Que mui raro usa o não

Gente que sente prazer

De ao próximo bem fazer

Em momentos de aflição

 

 

 

Gente que reza com fé

Gente enorme em devoção

O testemunham seus olhos

Quanto lhe vai no coração

 

Gente alegre quando em festa

 

Gente que fala a cantar...

Por orgulho...? Por vaidade...?

Por sua simplicidade...?

 

Que importa... se é

Gente pura bem humana

Com quem se pode contar...!

 

Por tal muito lhe quero

Por tal a continuarei amar

Esta gente de quem descendo...!

Gente boa do meu bairro

Gente simples da Beira-Mar
 

Aveiro, 23 de Abril de 1970

DO MEU MUNDO

Manhã alta

Ria acima

Segue garbosa

Pequena bateira

Em remada vigorosa

Cadenciada

 

Deslizando ligeira

Sobre águas cristalinas

Dos canais da nossa Ria

A caminho das salinas

 

Chegados!...

O começo de toda uma azáfama

 

Marnoto mor

Inicia sua actividade

Com uma espreitadela

Por toda a propriedade

 

Tudo lhe parece em beleza

 

Algibebes – caldeiros

Talhos – cabeceiros

Partes de baixo e de cima

Nada escapou ao olho

Do prático da salina

 

Se necessário

Consoante a pressão

Do salgado

Pega o marnoto no galho

E ei-Io a ogalhar

Enquanto contratados

 

De toda uma mão

Rida na véspera

O sal iriam tirar

 

Desconhecem-se tréguas

Não se pode descansar

 

Nova colheita

De uma outra mão

Se iria iniciar

 

Vai o marnoto quebrando

Outros a razoila manejar

Um ou outro encimando

Deixando o sal a enxugar

 

Dignos de serem apreciados

Espectaculares movimentos

Cadenciados – precisos

D'homens – torrados – secos

Atléticos – musculosos

 

Que mais se assemelham

A exercícios físicos

 

 

 

 

 

 

Entretanto

Astro Rei a pino

Os meios a salgar

 

De pronto o marnoto

De olho certeiro

Empunhando pequena pá

Vai abrindo o tabuleiro

 

Enquanto os restantes

Um tanto de sofreguidão

Devorando magra refeição

 

Segue pequena sesta

À sombra do palheiro

Num sono reparador...

 

Marnoto mor

Que não dorme

Finda a sua tarefa

Surge como despertador

 

Sem grande alarde

Clama – é gentes

Vamos que se faz tarde

 

Vou tragar uma bucha

E vou já quebrar

 

Tirem aquele sal

Que teve tempo de secar

Ireis rer toda a mão

O Zé que vá imoirar

Eu alimentarei

Algibebes e caldeiros

 

Na maré da madrugada

Tomo águas prós viveiros

 

Assim chegados ao fim

Duma rude labuta

Melhor diria

Heróica do dia a dia

Durante todo o estio

Prestes a acabar

 

Entretanto para fazer

Montes arrumar, bater,

Com bajunça cobrir

com lama chapear

 

Dias curtos e frescos

Nada poderão adiantar

Chegadas também as chuvas

Pró fim da safra ditar
 

Aveiro, 28 de Outubro de 1972

RECORDANDO - VIVENDO

Oh! Aveiro

Berço querido...!

 

Recordar de ti

Dum passado longínquo

dos meus tempos de criança

Algo a meu jeito sinto

Como pesada herança

Ainda que da tenra idade

 

Um não sei quê d'estranho

Envolto de sentida saudade

 

Oh! Aveiro querido

Acaso houveras esquecido

Quanto não volta mais...!

 

D'entregas, foguetório, alegrias,

As boas festas a parceiros

Das consoadas as bacalhoadas

Filhoses, licores e castanhas

D'um sabor que nem nozes

Bem regadas com jeropigas

 

Exuberantes alegrias

Em apreciados arraiais

Como a festa da Barra

Nossa Senhora da Saúde

Nossa Senhora das Dores

O santo das pentilheiras

Como eram apreciadas

Do milagreiro São Gonçalinho

Suas disputadas cavacas

Da Nossa Senhora das Febres

Suas típicas cavalhadas

Do Entrudo – rusgas – folias

 

Apreciadas batalhas de flores

Famosos bailes do Carnaval

Com agrado recordo

Quarta-Feira de Cinzas

A secular Feira de Março

O que d'algum modo acontecia

Da existente rivalidade

Entre amantes da Patela

E os da Banda Amizade

Também dos grupos teatrais

Que à cena levaram obras tais

Com o Moleiro Del Alcalá

Cavalaria Rusticana

O Burro do Senhor Alcaide

A Mascote etecetera

Sem esquecer revistas

Como a Caldeirada

Ao Cantar do Galo

O Molho de Escabeche

Ainda Aveiro em foco

Como apreciados eram

Em noites de farra

Concorridos banhos santos

Em vésperas de São João

Nos largos areais da Barra

Relembrar os entusiasmos

 

Das touradas das regatas

Rijas provas de natação

Em teus canais disputadas

 

Um mundo d'actividades

A contentos dos cagaréus

Alimentadas ilusões

Que por fim desiludidos

Apenas ficaram sentindo

Profundas saudades


 

 

Recordar vida saudosa

Do dia a dia familiar

Das gentes da Beira-Mar

Entregas do Santíssimo

Ou do Senhor do Bendito

Com contradanças e folia

Ainda das procissões

Ou das novenas de Maria...

Como não recordar d'emoção

De cada Páscoa

O tradicional folar

Nossa Senhora d'Alumieira

O saudoso Padre Pedro

Nos intervalos da marcha

Continência a Dom Carlos

Sob majestoso pálio

Na cauda da procissão

Acompanhado ao rufo da caixa

Da Banda José Estêvão

Com sua potente voz baixa

Entoando Glórias ao Pai

Com verberosos aleluias

Anunciando a ressurreição

 

 

Quem saudades não terá

De toda uma azáfama

No cais dos mercantéis?..

Quem não haja presenciado

Em loucos movimentos

Tuas gentes piscatória

Em dias de bom pescado?...

 

 

Hábeis mãos d'empilhadeiras

Plenas de arte e magia

Que sem perda de tempo

Nem pra magra refeição

Com apreciada alegria

No cumprir suas tarefas

Dilatavam dias de Verão

À mortiça luz do archote

Que em graça espectacular

Irradiavam viva vida

Onde hoje

A morte parece reinar

 

 

Do tal me sinto penoso

Pois comparando do hoje

Com que do ontem longínquo

Consciente o afirmo

O quanto de diferente

Da conduta ao respeito

Dessa saudosa gente

Que se firmavam enormes

Mesmo quando no sofrer

Que por assim havido ser

No ontem muito os respeitava

 

 

No hoje mui veneradamente

Lhes rendo póstuma homenagem

E deles me apraz descender

 

Aveiro, 20 de Novembro de 1972

 

AOS BEM INSTALADOS NA VIDA PELOS ENTEADOS DA SORTE

Aos que em berço doirado

Se encontraram...!

Aos que muito lutaram E venceram!...

Aqueles outros e muitos são

O afirmo com verdade

Que seu produto encontraram

Na desonestidade!...

 

A todos!...

De todos sem excepção

Será indispensável

Uma melhor atenção

Para com o filhinho

D'um nosso irmão

Que usufrui uma só vida

Uma boca – uma alma

 

Mas também um coração!...

Por desventura sua

Na caminhada da vida

Segue desamparado!!...

 

Ainda que humilhado

Respeita a sociedade

Que lhe é adversa...

A quem estende sua mão

Solicitando caridade

 

 

 

 

Sim!... Por sina sua

E verdade tão dura

Segue seu destino

Suportando a sacola

Que lhe serve de cofre

Ao produto da esmola

 

Assim vai caminhando

Pesaroso um nosso irmão

Porque tem uma alma

E também um coração

 

Sim!... – Por sina sua

Lá vai suportando

Negra sorte – que dura

Caminhando sem norte

Em busca d'um alívio!...

 

Que sempre encontrará

Quando abraçar a morte
 

Aveiro, 26 de Novembro de 1972

 
     
 

«Aveiro não se compreenderia sem a tricana, que é para a cidade o que a rosa é para um delicioso jardim – um elemento de beleza e de adorno indispensável.

Donairosa e gentil, leve como uma gazela, poucas mulheres do mundo a poderão igualar na graça e na originalidade.»

Sebastião de Magalhães Lima

 
     

 

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