Santa Joana
– A BEATIFICAÇÃO HÁ
TREZENTOS ANOS
Mons. João Gonçalves
Gaspar
Foi
no dia 4 de Abril de 1693 que o Papa Inocêncio XII, depois de sancionar
o culto imemorial prestado à Princesa Santa Joana, publicou o breve
"Sacrosancti Apostolatus cura"; por ele, permitiu o Sumo Pontífice que
se celebrasse liturgicamente a sua memória no dia 12 de Maio de cada
ano, não só em Aveiro, mas também em todo o Reino e na Ordem Dominicana.
Perfez-se agora o terceiro centenário.
A devoção à Filha de El-Rei
D. Afonso V remonta aos princípios do século XVI, uns trinta anos após a
sua morte em 1490, segundo alguns depoimentos prestados em 1626, no
primeiro processo, por pessoas de avançada idade. No dia 12 de Maio,
celebrava-se então a sua festa com a liturgia do "Comum dos Santos",
ornamentava-se o coro de baixo onde fora sepultada, cobria-se o sepulcro
de flores, acendiam-se velas e queimava-se incenso; as freiras, após os
ofícios corais, desciam em procissão até ao túmulo – antes campa rasa
ante o qual e sobre uma mesa expunham o retrato de Santa Joana em trajo
de corte; as ditas religiosas, no mesmo dia, em vez de entoarem
responsos pela defunta, cantavam antífonas, salmos e hinos de louvor a
Deus por aquela que consideravam venerável.
Secundando e acompanhando a
comunidade do Mosteiro, à igreja de Jesus acudia uma pequena multidão de
devotos que seguiam as cerimónias, cumpriam promessas em acção de graças
e rogavam novos favores; o culto, prestado sem decreto nem permissão
apostólica, tinha frequentemente a presença de prelados regulares e
seculares. Além disso, a Princesa continuava a ser retratada
iconograficamente, para ser exposta tanto em Aveiro como nos conventos
masculinos e femininos da Ordem dos Pregadores.
Esquecido o primeiro
processo, foi finalmente admitida a causa, em 1687, completando-se,
confirmando-se e esclarecendo-se então as informações anteriores.
Procedeu-se a novos interrogatórios; ouviram-se declarações
interessantes sobre a santidade da Venerável; produziram-se depoimentos
históricos acerca da antiguidade do culto; narraram-se factos julgados
prodigiosos; examinaram-se peças do seu vestuário, quadros
representativos, relíquias e o túmulo; visitaram-se os lugares e salas
onde habitou e onde faleceu; chegou-se à conclusão de que o culto era
efectivamente anterior a 1525. As diversas peças do processo, que se
desenrolou em Aveiro, Coimbra, Évora e Lisboa, foram enviadas para Roma,
com o parecer favorável do bispo-conde de Coimbra.
Depois da beatificação, logo
surgiu o desejo da canonização; contudo, as dificuldades diplomáticas
surgidas entre D. João V e a Santa Sé de 1720 a 1723, desencorajaram os
ânimos. Só em 1746 se pensou seriamente no respectivo
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processo, que viria a iniciar-se três anos depois; decorreram os
depoimentos sobre os escritos a seu respeito e sobre a fama de
santidade, examinaram-se novamente o sepulcro e os restos mortais e
viram-se os objectos que lhe haviam pertencido – o que tudo se finalizou
em 1752. Após a revisão rigorosa do processo, em Roma, o Papa Bento XIV,
em 1756, aprovou o parecer do promotor da fé, em ordem à prossecução do
mesmo; agora era necessário completá-lo com os capítulos das virtudes
para a decisão final.
Mas ficou por aí, em face
das novas dificuldades entre Portugal e a Santa Sé, do rumo da política
nacional durante a administração pombalina e do azedume entre o Marquês
e o bispo-conde de Coimbra, D. Miguel da Anunciação.
Todavia, sobretudo a partir
da criação da Diocese de Aveiro e das vicissitudes temerosas motivadas
pelas invasões francesas nos princípios do século XIX, Santa Joana
começou a ser invocada e venerada como celeste protectora das nossas
terras e das nossas gentes.
Finalmente, em 1965, o Papa
Paulo VI, ultrapassando todos os obstáculos canónicos por não ser
canonizada, declarou-a como padroeira da Cidade e da Diocese.
Para os católicos desta região – e não só – no meio de quem a Princesa
viveu e ficou sepultada, o seu túmulo não é apenas um mero objecto de
museu; consideram-no principalmente como termo de piedosas peregrinações
e rodeiam-no com flores, velas, incenso e preces. As personagens
eminentes do passado serão tanto mais válidas no presente, quanto mais a
sua memória inesquecível e o seu testemunho singular se tornarem
patentes na vida de todos os dias. Por isso, lembramos o tricentenário
da beatificação da Princesa Santa Joana.
J. Gaspar
NOTA: As festividades
religiosas do dia 12 de Maio de 1993 também acentuaram a passagem do 3.º
centenário da beatificação da Padroeira de Aveiro.
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