A SANTA CASA DA
MISERICÓRDIA DE AVEIRO
O Novo Programa
Assistencial
Com o advento da Idade Moderna, iniciou-se um novo
período na história da assistência, marcado por um assinalável esforço
organizativo vulgarmente entendido como centralizador. Em lugar de
centralização é preferível falar em padronização, já que não competiu à
Coroa a direcção das novas instituições assistenciais, mas sim a
definição dos modos de organização e funcionamento.
A fundação das Misericórdias e o estabelecimento dos
Hospitais Gerais constituíram os dois vectores da remodelação
assistencial, promovida no séc. XV. Não significa isto que a assistência
fosse inexistente até então, mas tão só que, por um lado devido ao
declínio moral das ordens religiosas, por outro devido a uma contradição
entre o pulular das fundações medievas e a escassez de recursos, se
tornava necessário reequacionar todo o programa assistencial. A partir
da aceitação do Papa Sisto IV do programa reformador de D. João li,
iniciou-se neste reinado o movimento de fundação de Casas da
Misericórdia e de Hospitais Gerais. É assim que, em 1485, a Rainha D.
Leonor fundou o Hospital das Caldas, pedra fundamental na sequente
implementação daquele programa. Em 1491, surgiu, em Lisboa, o Hospital
de Todos os Santos, e, em 1498, também na capital, passou a existir a
Confraria da Misericórdia. O movimento de fundação de Misericórdias
alastrou por todo o país alcançando a vila de Aveiro provavelmente no
começo de quinhentos. D. Manuel manteve, pois, esta política, de criação
de uma rede assistencial nacional. Em 1514, foi emanado o "Regimento das
Capelas e Hospitais", e 1519 foi a data da concessão régia de estatutos
próprios à Misericórdia aveirense.
Cada confraria devia possuir Igreja, Hospital e a "Casa
do Despacho". Na composição da confraria mantinha-se um equilíbrio entre
nobres e oficiais. Quem a governava era uma "Mesa" administrativa
constituída por doze confrades, pertencendo a direcção a um Provedor, da
classe da nobreza, eleito anualmente.
A Confraria da Misericórdia aveirense começou por
funcionar na Capela de St.º Ildefonso, que estava talvez adossada à
igreja de S. Miguel, seguramente no adro da mesma; a albergaria de S.
Brás, criada ainda segundo o modelo assistencial medievo, servia
certamente de Hospital.
Francisco Ferreira Neves, que pesquisou o Arquivo da
Misericórdia, considera difícil reconstruir os primeiros decénios de
vida da Confraria aveirense, já que, no respectivo acervo, não existem
livros e documentos anteriores ao ano de 1584, com excepção de uma
provisão do Cardeal D. Henrique de 1565 e documentos sobre legados
depois de 1573; "A falta de livros e documentos já se verificou em 1813,
quando se fez o inventário geral do dito arquivo. Em virtude disto, só
se toma conhecimento dos provedores da Misericórdia de Aveiro a partir
do ano de 1584. O provedor conhecido mais antigo é Gonçalo Esteves
(1584-1585), juiz de fora da vila de Aveiro que aqui se salientou muito
nos acontecimentos de 1580, por morte do Cardeal-Rei D. Henrique."
(11)
AS NOVAS INSTALAÇÕES
As primeiras informações seguras começam, pois, no ocaso
do séc. XVI e princípios do séc. XVII. Ora, é justamente neste período
que os confrades aveirenses decidiram arrancar com a construção de novas
instalações. Já nos referimos atrás à mercê de quatro mil cruzados que
Filipe II fez à Misericórdia de Aveiro, para se fazer nova casa; Pedro
de Tavares, o 162 provedor contado a partir de 1584, recebeu o donativo
no dia oito de Agosto de 99. Os preparativos para a construção
iniciaram-se imediatamente.
Do Livro do drº: e gastos da nova casa da Misericórdia do
anno de 1599
(…) constam uma série de pagamentos realizados ainda durante o mês de
Agosto. A referência a Mestre Gregório Lourenço repete-se por diversas
parcelas, em termos semelhantes: "Pag(ueis a gregorio lourenso
mestre
q(ue) veio chamado mil quatrocentas e corenta t(amb(em) cõ a
cavalgadura,(12) "feria de doze dagosto"... "o mestre Gregorio
Lourenso quatro dias cõ o caminho cavalgadura e barquo mil duzentos e
cinquoenta".
(13)
Gregório Lourenço era mestre de pedraria na cidade do
Porto tendo vindo repetidamente a Aveiro ainda em 1599. Por que razão?
Duas respostas são viáveis:
– procurava o construtor determinar com exactidão as
condições e implicações da empreitada (lembremos, por exemplo, que, por
efeito das marés lagunares, os terrenos em algumas zonas de Aveiro são
movediços), bem como proceder às indispensáveis demolições;
– procurava adaptar e precisar debucho anteriormente
feito, provavelmente por outro arquitecto.
A "obrigação" com ele estabelecida pela Mesa da Santa
Casa permite-nos resposta afirmativa à primeira, mas não à segunda,
sobretudo no que concerne à autoria da traça da igreja. Aí se escreve
nomeadamente:
«pera consertarem com elle sobre a ver se mestre das
obras da casa nova da M(isericord)ia desta villa que ora se comesa nella";
adiante – e é neste ponto que a questão fica por esclarecer –
/ 16 /
acertaram com ele "do q(ue se lhe (h)avia de dar p(ara) as(s)im ser
mestre das ditas obras e as fazer pella traza q(ue) tem feita».
Tem-se manifestado a tendência para interpretar esta
passagem como a confirmação de que o autor dos planos da igreja da
Misericórdia é outro arquitecto. Mas, sabendo nós que Gregório Lourenço
esteve na vila de Aveiro desde Agosto de 99, não nos repugnaria
considerá-lo autor da traça da mesma. Teria sido esta desenhada sobre
debucho anteriormente feito? É provável que sim. O problema transfere-se
então para a atribuição da autoria de tal debucho.
Marques Gomes, nos finais do séc. XIX, adiantou o nome de
Filipe Terzi, em termos "perturbadores", já que nunca se encontrou
confirmação arquivística de lhe pertencer a autoria dos planos da
Misericórdia aveirense. Parece-nos, no entanto, importante reflectir
sobre algumas das afirmações daquele estudioso:
"Havia porém anos já que a ideia da nova casa era o
pensamento constante das mesas suas administradoras. O seu provedor
Henrique Esteves da Veiga ao mesmo tempo que, em 1585, diligenciava
obter do rei um subsídio para a obra, alcançava do grande arquitecto do
tempo, o italiano ao serviço de Portugal, Felipe Tércio, o debuxo da
igreja que se pensava construir e pelo qual pagou a este sete dias de
trabalho à razão de 1$00 reis cada um. O subsídio desejado, quatro mil
cruzados dos sobejos do cabeção das sizas da vila de Aveiro e seu termo,
pagas anualmente, foi concedido por Filipe II em 1598. Em Agosto de
1599, recebeu-se o primeiro dinheiro e logo em Outubro seguinte a Mesa
mandou aqui chamar o mestre Francisco Fernandes, de Coimbra, para dar
parecer sobre a escolha do terreno e levantar as plantas para construção
do edifício que Tércio anos antes delineara. Da direcção dos trabalhos,
que só vieram a principiar em 2 de Julho de 1600, ficou encarregado o
mestre Gregório Lourenço, do Porto executando as indicações que Felipe
Tércio e Francisco Fernandes deixaram".
(14)
A minúcia de dados indica, na verdade, uma recolha
documental que infelizmente Marques Gomes não apresentou. Por isto
mesmo, se tem posto em causa a associação de Filipe Terzi à igreja da
Misericórdia aveirense. Extraímos este texto de artigo assinado por
Alberto Souto, onde este, embora admitindo a referida associação,
inaugura, por assim dizer, a suspeita de inverdade; escreve este
estudioso:
«Não me repugna acreditar que a igreja e sua formosa
fronteira sejam de Terzi. O Sr. Dr. João Barreira em carta que há anos
me escreveu sobre o problema, admite também a possibilidade dessa
autoria, mas faz alguns reparos, pois detalhes há, que são um tanto
estranhos à maneira do arquitecto italiano.»
(15)
O Padre Nogueira Gonçalves, no vol. VI do
Inventário Artístico de Portugal, que já citámos no capítulo
precedente, não desenvolve a hipótese de Terzi ter estado envolvido nos
planos da Misericórdia aveirense, deixando para Francisco Fernandes a
autoria daqueles e para Gregório Lourenço a sua execução.
Francisco Ferreira Neves, que à Misericórdia de Aveiro
dedicou diversos e esclarecedores estudos, veio, mais recentemente, em
defesa da tese de Marques Gomes. No artigo "A Igreja da Misericórdia de
Aveiro – o arquitecto e engenheiro militar Filipe Terzi ao serviço de
Portugal (1577-1597)", publicado no Arquivo do Distrito de Aveiro,
Ferreira Neves começa por fazer uma esclarecida resenha do que se tem
escrito sobre a questão da autoria da traça da igreja; afirma,
nomeadamente:
«O facto de não ser actualmente conhecido o documento que
mostre expressamente ter sido Filipe Terzi o autor do projecto da igreja
da Misericórdia de Aveiro não prova que tal documento não exista ou
não
tenha existido e que não tenha sido examinado por Marques Gomes.»
(16)
Ferreira Neves faz, pois, fé nas afirmações de Marques
Gomes, até porque este "apresenta um conjunto de pormenores que
obrigam
a crer na sua afirmação relativamente a Terzi".(17) Assim,
escreve Ferreira Neves:
"Podemos admitir sem dificuldade que Filipe Terzi tenha
aceitado o encargo de fazer o projecto da igreja da Misericórdia de
Aveiro em 1585 a pedido do provedor Henrique Esteves da Veiga. Com
efeito, este era um fidalgo de grande categoria, e de grande influência
pessoal e política. Ele tinha sido eleito procurador por Aveiro às
Cortes de Almeirim de 1580, onde advogou as pretensões
de Filipe II de
Espanha à coroa de Portugal".
(18) Assim, pode-se admitir, sem
dificuldades, que o provedor Henriques Esteves da Veiga cultivava o tipo
de contactos que lhe permitiriam obter os serviços de Terzi.
A culminar esta hipótese – ou melhor, a iniciá-la, já
que, numa sequência temporal, é ela a primeira – surge a referência de
Pinho Queimado na sua Memória da Vila de Aveiro; escreveu
ele, em 1687:
«Em todo o reino não ha igreja da Mizericordia, que
iguale a desta villa pela sua magestade, e belleza, foi riscada por um
architecto florentino.»
É certo que Terzi não era florentino, mas sim italiano de
Bolonha. No entanto, a confusão aceita-se, sobretudo se tivermos em
consideração a popularidade da imagem de Florença renascentista. Por
outro lado, não devemos escamotear a proximidade cronológica de Pinho
Queimado relativamente à construção da Santa Casa de Aveiro, o que
acentua o grau de
/ 17 /
verosimilhança da atribuição da autoria dos planos ao mestre italiano.
Em suma, parece-nos legítimo considerar como facto
histórico a consulta que os confrades da Misericórdia aveirense fizeram
ao Mestre de todas as obras régias, o italiano Filipe Terzi, através do
seu provedor Henrique Esteves da Veiga. Não nos parece, no entanto, que
deste contacto tenham resultado os planos da Santa Casa aveirense. A
quem cabe então a respectiva autoria? Neste ponto, inclinamo-nos a favor
da tese de Nogueira Gonçalves, que aponta Francisco Fernandes como o
autor da igreja, excluindo o portal, embora este também de escola
coimbrã.
Porquê esta inclinação?
Sobretudo pela semelhança morfológica que a aveirense tem
com as igrejas colegiais da Rua da Sofia, nomeadamente com a igreja do
Carmo, desenhada por Francisco Fernandes, semelhança que adiante
trataremos com maior detalhe. No entanto, na pesquisa (ainda incompleta)
que realizámos no arquivo da Misericórdia de Aveiro, não encontrámos
referência ao nome deste arquitecto, o que não é de admirar, tendo em
conta o extravio dos documentos mais antigos.
Por outro lado, considerando a presença em Aveiro do
mestre de pedraria Gregório Lourenço, bem antes do início da obra – isto
efectivamente registado no Livro de Obras de 1599 – enunciamos a
hipótese de o construtor portista ter desempenhado papel mais importante
do que o de mero executor de planos alheios, talvez redesenhando debuxo
ou debuxos de oiro, ou outros arquitectos.
Portanto, começaram as obras de edificação das novas
instalações – Igreja e Casa do Despacho – no ano de 1600, quando Pedro
de Tavares era o provedor da Misericórdia de Aveiro. No citado Livro
de Obras, constam diversos pagamentos feitos a mestre Gregório
Lourenço, bem como a Brás Simões, "pedreiro", a Manuel de Ansam, a
Fernão Lopes, a Pantaleão Pereira, a Jorge Afonso e a um "francês". É
curioso que, pelo menos dois destes nomes se tenham vindo a notabilizar
especialmente em obras de engenharia; foram eles: Pantaleão Pereira,
que
arremataria a reconstrução da ponte de Matosinhos sobre o rio Leça
(1619), (19) e Jorge Afonso,
a quem seria atribuída a construção
de duas pontes próximas de Aveiro (1616),
(20) e outras obras
hidrográficas no rio Vouga (1627),
(21) bem como a construção (e
talvez concepção) da igreja de Esgueira (arrematante em 1607). Jorge
Afonso teria também estado na superintendência das obras da Misericórdia
de Aveiro no período compreendido entre 1607 e 1612, substituindo
Francisco João que, em 1603, ocupara a posição do mestre Gregório
Lourenço.
As obras da Misericórdia de Aveiro parecem ter servido de
oficina onde se formou uma geração de construtores locais, pragmáticos e
competentes para resolver problemas de engenharia.
Se o conceito de "arquitectura chã" a reconhece
subsidiária de técnicas de engenharia, nomeadamente de arquitectura
militar, o que temos, no caso presente, é a sugestão de uma relação em
sentido inverso; isto é, a experiência do fazer esta arquitectura,
dominada pelos valores de ordem, simplicidade e pragmatismo – traços
patentes no conjunto edificado da nova Casa – é também "escola" de
engenharia.
Ferreira Neves escreve que «a Casa do despacho e o corpo
da igreja sem o portal ficaram concluídas em 1608; este portal foi
terminado em 1622, como se verifica pelo letreiro "Mia 1622", em bronze,
existente na parte superior da porta principal.»
(22)
No arquivo local, encontrámos um documento avulso, onde é
referida a conclusão do corpo da Casa nova:
"Disem o Provedor & irmãos da Casa da Santa M(isericord)ia
da Villa de Avº q(ue) (...) tem acabado a Casa nova da d(ita) s(anta)
M(isericórd)ia & feito nella seu Altar com a prefeição q(ue) se requere.
Pera se poderem selebrar nella os offiçios divinos (...?) determinão
fazer esta coresma pello que Pedem a V.S. lhe de licença p(ara) que se
possa dizer misa no (...?) Altar"; "Damos licença p(ara) se poder dizer
missa no Altar como pede, & lhes quitamos o marquo de prata, que devião
a nossa chancellaria. Em Coimbra, 9 de Março de (609 ?)".
(23) Era, então, Pedro de Tavares quem assumia, pela terceira vez, funções de
provedor.
Em 1622, foi sob a Provedoria de André Afonso Migalhas
que se concluiu o magnífico portal, que Nogueira Gonçalves considera
"exemplar coimbrão da última renascença, já de influência clássica, pela
adopção das fórmulas dos arcos triunfais da antiguidade".
(24)
A nova capela-mor começaria a ser construída já
ultrapassado o meado do século, segundo risco de Manuel de Azenha,
natural de Ançã; em 1653, ficava concluída.
Este intervalo de tempo, de mais de um quarto de século,
que separou a finalização do pórtico, do começo da capela-mor, deveu-se,
talvez, a dificuldades financeiras, reflexo de uma recessão nas
condições económicas de Aveiro.
Para avaliarmos esta recessão torna-se necessário saber
que, durante o primeiro quartel de seiscentos, entraram na barra de
Aveiro cerca de trezentos navios ingleses, franceses e holandeses; de
1624 a 1683 o movimento da barra decresceu bastante, provavelmente
devido a alterações nas condições de navegabilidade.
(25)
Magalotti, o relactor da viagem do Duque Cosme de Médicis por terras de
Portugal, em 1668, referiu-se assim à vila de Aveiro: "E questa terra
assai grande, ma a proporzione pochissimo abitata,
/ 18 /
essenso a fatica 200 fuochi in 500 case che vi si contano".
(26)
Temos pois que, em meados do séc. XVII, à Misericórdia de
Aveiro faltariam instalações hospitalares condignas, à altura da
qualidade dos outros edifícios. E escasseavam sobretudo os meios para as
conseguir. Provavelmente, era ainda a albergaria de S. Brás que fazia as
vezes de hospital.
O testamento da senhora aveirense D. Isabel da Luz de
Figueiredo veio prover a Santa Casa dos meios necessários para a
construção do referido hospital. Assim, por volta de 1085, os mesários
mandaram-no edificar junto da igreja. Acerca da sua localização exacta,
não encontrámos referências seguras. É possível que, no início o
hospital estivesse instalado nas traseiras da igreja, com porta para a
Rua da Corredoura. Depois, em momento incerto, as necessidades de
ampliação obrigaram a aumentá-lo e/ou transferi-lo para prédio na Rua
Direita, sobranceiro à Praça da República, hoje ao serviço da Câmara
Municipal de Aveiro.
Com o correr dos anos, diversas foram as obras de
beneficiação dos edifícios, porventura nem sempre orientadas na melhor
direcção. Referimo-nos concretamente ao revestimento azulejar da
fachada, promovido durante o séc. XIX. Também a entrada para a igreja
tem sido alterada com o correr dos tempos, em qualquer dos casos segundo
soluções que nos parecem aceitáveis. Nota positiva tem a recente
recuperação da Casa do Despacho, nomeadamente a parte do madeiramento do
tecto.
A Santa Casa da Misericórdia de Aveiro apresenta um
conjunto edificado, em que os valores estéticos andam associados a
exigências de racionalidade e funcionalidade.
ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO
Uma das principais questões que se punha na construção de
um conjunto com a natureza e as finalidades da Santa Casa dizia respeito
ao modelo de articulação dos diferentes espaços.
Havia que encontrar um plano de relações espaciais entre
as três vertentes da assistência, a saber:
– a componente religiosa, que tinha na igreja a sede
própria;
– a componente higiénica, que era realizada no hospital;
– e os serviços de governação de todo este sistema, cuja
cabeça era a Casa do Despacho.
É, por enquanto, difícil determinarmos com objectividade
as preocupações manifestadas na distribuição estrutural destes três
sectores, uma vez que nos faltam dados mais seguros acerca da
implantação da parte hospitalar.
Ressalta no conjunto o posicionamento do pátio interior,
a céu aberto, com acesso para a rua através de passagem sob a Casa do
Despacho, com ligação à igreja por uma das duas portas laterais, fechado
a noroeste por uma galeria de dois andares, e permitindo acesso à
sacristia, ao coro alto e às dependências das traseiras. Trata-se de um
espaço de ligação, de circulação, que não exclui um certo recolhimento.
Podemos, pois, afirmar que o pátio da Santa Casa da
Misericórdia desencadeia, num movimento centrífugo, uma lógica
ordenadora do espaço, oferecendo-se simultaneamente, num movimento
centrípeto, como ponto de confluência das diversas dependências
assistenciais.
Relativamente ao hospital, sabemos, como já foi sito,
que, por volta de 1685, ele foi instalado nas traseiras da igreja, isto
é, na vizinhança da capela-mor, com porta para a Rua da Corredoura; não
possuímos, porém, elementos sobre a sua exacta localização. São,
portanto, conjecturais as hipóteses que adiantamos sobre esta matéria.
/
19 /
Vejamos:
A ter-se verificado a sua instalação nas traseiras da
sacristia e da capela-mor, como vem indicado no desenho =A=, continuaria
a destacar-se a relação com o pátio anteriormente descrito.
Por outro lado, a ter-se verificado a sua instalação
primitiva no edifício a sudeste (desenho =B=), haveria a sugestão de um
segundo pátio (efectivamente existente no local) simétrico ao primeiro
segundo uma diagonal; neste caso, a igreja passaria a funcionar como
eixo ordenador, permitindo acesso à zona do hospital pela porta do lado
da Epístola, e à zona dos serviços de administração pela porta do lado
do Evangelho. Numa segunda fase, o hospital teria sido ampliado em
direcção à Rua Direita, pela construção ou adaptação de prédio, hoje
ainda existente e, como se disse, ao serviço da Câmara Municipal.
____________________________________
NOTAS
(11)
– "Os Provedores da Misericórdia de Aveiro" in “Arquivo do
Distrito de Aveiro”, n.º 167, 1976.
(12)
– LIVRO 365 do CAT., f. 37r.
(13) – Idem, f. 55r.
(14)
– Transl. por Alberto Souto; "Fichas e nótulas. Aveiro arqueológico,
artístico e monumental (...)" in "Arquivo do Distrito de Aveiro"; voI.
VI, 1940, p. 143.
(15)
– Idem, p. 144.
(16)
– “Arquivo do Distrito de Aveiro”; voI. XXXIII, 1967, p. 15.
(17) – Ibidem.
(18)
– Idem; p. 23.
(19)
– No Dicionário histórico e documental dos architectos (...),
Sousa Viterbo translada o documento de arrematação.
(20)
– Sousa Viterbo; Dicionário (...).
(21)
– lbidem. Também Nogueira Gonçalves se refere às obras de engenharia, e
não só, que Jorge Afonso veio a executar.
(22)
– Art. Cit., p. 23.
(23)
– PASTA 264 do CAT.
(24)
– Op. Cit., p. 105.
(25)
– S. Rocha e Cunha; O porto de Aveiro; Lisboa, 1924.
(26)
– "Viagem do gran duque da Toscana a Portugal in Portugal e Itália, vol.
3-4; p. 92.
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