Acesso à hierarquia superior.

Boletim n.º 15-16 - Ano VIII - 1990

JOÃO JACINTO DE MAGALHÃES

Um ligeiro apontamento sobre um notável cientista aveirense
 

João Gaspar
 

Neste ano de 1990, a 7 de Fevereiro, ocorreu o segundo centenário da morte, em Islington (Inglaterra), de João Jacinto de Magalhães, um dos mais afamados cientistas do século XVIII, de renome internacional. Filho de Clemente de Magalhães Leitão e de D. Joana Lourenço Soares, nasceu em Aveiro, a 4 de Novembro de 1722, e foi baptizado na igreja matriz de S. Miguel, a 22 do mesmo mês. Ao que consta, era sobrinho-trineto do circum-navegador Fernão de Magalhães.

Mandado para o Mosteiro de Santa Cruz, de Coimbra, da Congregação dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, quando apenas tinha onze anos de idade, aí professou em 21 de Junho de 1743, com o nome de D. João de Nossa Senhora do Desterro.

Cedo se viria a revelar como homem dotado de invulgares dons intelectuais e culturais, com manifesta propensão para as ciências físicas. Quando o astrónomo francês Gabriel de Bory, revestido com o hábito dos frades de Santo Agostinho, veio a Aveiro para observar o eclipse total do sol em 26 de Outubro de 1753, visitou-o em Coimbra, no regresso a Lisboa... tal era a sua fama. Foi ele que o levou a ver as curiosidades do Mosteiro de Santa Cruz e da Biblioteca da Universidade; vêm dessa altura as relações de amizade entre os dois, que perduraram pela vida adiante.

Registo do nascimento e do baptismo de João Jacinto de Magalhães (Arquivo Distrital de Aveiro – Aveiro, Freguesia de S. Miguel; livro n.º 9, Baptismos, fI. 91)

Passados alguns anos, consciente do modo imaturo como ele e outros faziam os votos religiosos, obteve do Papa o breve de secularização; saiu do Mosteiro e vestiu a batina vulgar, até que viria a desfazer-se totalmente das vestes clericais. Julgava assim concretizar a sua libertação interior.

Em 1755, João Jacinto Magalhães encontrava-se em Lisboa e pôde testemunhar o violento terramoto de 1 de Novembro, que arrasou a cidade. São da sua autoria duas descrições da catástrofe uma publicada no "Journal de Scarrans" (1759) e outra no "Journal d'Étranger" (1760). No primeiro escrito chega a elogiar o trabalho de reconstrução, da iniciativa do Marquês de Pombal, com quem colaborara até ao momento de deixar o país, devido ao despotismo do mencionado governante. Por volta de 1757, encontrava-se em Paris, aí convivendo com indivíduos notáveis, que eram das suas relações, em especial com o grande amigo e distinto médico português Dr. António Nunes Ribeiro Sanches.

Anos mais tarde, cerca de 1754, fixou-se definitivamente em Londres, onde viviam construtores de instrumentos científicos, de reputação mundial, como Dollond e Jesse Ramsden. Uma vez nessa cidade, João Jacinto de Magalhães, dedicando-se sempre à física e à mecânica, construiu, aperfeiçoou e inventou vários instrumentos de precisão. / 48 /

Ficou célebre o relógio que inventou, o qual, por meio de campainhas de diferentes timbres, indicava as horas, as meias horas, os quartos de hora, os minutos, os dias de semana, do mês, da lua, etc.; tal aparelho foi extremamente útil ao duque Luís d'Aremberg que, cegando por completo aos 24 anos, lho sugeriu, nunca suspeitando que isso fosse possível. Também é de registar a inclusão de um pêndulo numa máquina de Atwood – um instrumento que era usado nos gabinetes de física para demonstrar a lei da gravidade de Newton.

 

«Este nome pátrio (João Jacinto de Magalhães) cobre uma verdadeira celebridade notabilizada e autenticada no mais alto meio científico do seu tempo.»

Ricardo Jorge
("A Medicina Contemporânea", VoI. XIII, 1910, pg. 3)
 

 

Escreveu variadíssimas obras em francês sobre ciências experimentais; uma delas foi traduzida em inglês e outra em alemão. Colaborou assiduamente, entre 1778 e 1783, no "Journal de Physique", editado pelo físico francês Padre Jean-François Pilatre de Rosier.

A sua crescente notoriedade abriu-lhe as portas da Real Sociedade de Londres, que o admitiu em 1774; foi outrossim membro das Academias das Ciências de Paris, de Madrid e de S. Petersburgo. Desta forma, teve a oportunidade não apenas de ainda mais se tornar conhecido, de ser consultado e de receber encomendas de trabalhos científicos e mecânicos – inclusivamente dos governos de Portugal e de Espanha – mas também de contactar e manter correspondência com grandes vultos da ciência, como Euler, Herschel, Lavoisier, Volt e Watt. Ele próprio seria de ligação entre Londres e S. Petersburgo, na transmissão ou intercâmbio de conhecimentos científicos, nos últimos anos da sua vida.

Pode afirmar-se, sem qualquer dúvida, que este insigne aveirense foi um dos que, no século XVIII, mais honraram o nome de Portugal. Por isso, o Departamento de Física da Universidade de Coimbra promoveu a realização de um congresso com uma série de conferências e debates, em que participaram destacados historiadores da ciência europeia, tanto nacionais como estrangeiros, de forma a evidenciar o papel de João Jacinto Magalhães na difusão das ideias científicas nos finais de Setecentos. Os trabalhos, que comemoraram o bicentenário da sua morte, decorreram de 7 a 10 de Novembro do corrente ano, primeiro da Universidade de Coimbra e, a finalizar, na Universidade de Aveiro.

 

«João Jacinto de Magalhães, já tão útil aos sábios pelas canseiras que se impõe para favorecer a sua correspondência e as suas observações, se torna ainda mais útil por ideias engenhosas que lhes fornece para o progresso da física.»

In: "Journal des Savants, 1780
(Cit. por A. Sousa Pinto – A Vida e a Obra de João Jacinto de Magalhães, Porto, 1931, pg. 16)

 

Fazemos votos por que a Câmara Municipal de Aveiro, no constante propósito de lembrar os aveirenses que engrandeceram a sua terra, encontre forma capaz de celebrar o nome prestigiado de João Jacinto de Magalhães. Decerto que não será difícil, colocando-o pelo menos na toponímia citadina.

João Gaspar

__________________________

 

 

«Por menos que valha o meu trabalho, resta-me sempre a satisfação de ter servido o público, de boa vontade e o melhor que pude, particularmente o público das duas nações espanhola e portuguesa, a que sou dedicado do coração. Unicamente ao meu zelo devo coragem para vencer as dificuldades que naturalmente se encontram numa situação como a minha, residindo num país estranho, sem fortuna, com recursos que não vão além do estritamente necessário, exprimindo-me numa língua que não é a minha, sem saúde e já velho. Às almas sensíveis que lerem estas linhas não deixará de ser grato o meu sacrifício; só a elas me dirijo, e só o seu juízo me importa.»

João Jacinto de Magalhães
Publicado na “Revista da Universidade de Coimbra”, vol. XI, págs. 180-181

 



 

Página anterior

Índice Geral

Página seguinte

pp. 47-48