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Boletim n.º 8 - Ano IV - 1986


IRMANDADE DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO

DA FREGUESIA DA GLÓRIA

 

– A propósito de uma comemoração jubilar

 

As Irmandades do Santíssimo Sacramento vulgarizaram-se entre os católicos, nos finais da Idade Média; graças a elas, floresceu e ainda se mantém a assiduidade e o esplendor do culto eucarístico, particularmente na solenidade do Corpo de Deus. Nos séculos XVI e XVII, a sua importância destacava-se sobremaneira perante as outras confrarias; a própria autoridade eclesiástica conferiu-lhes privilégios especiais, inclusive o de precedência sobre as outras.

A Irmandade do Santíssimo Sacramento da igreja de São Miguel era, pois, a de maior importância e significado em Aveiro; mesmo após a divisão paroquial de 1572, quando se instituíram as Irmandades do Santíssimo Sacramento em cada uma das outras três freguesias, a se São Miguel tinha precedência honorífica e litúrgica sobre elas, certamente por ser não apenas a mais antiga mas também a da vetusta igreja matriz; e tanto era reconhecida como tal que, por vezes, nos aparece denominada com a designação sumamente dignificante de «arquiconfraria do Santíssimo Sacramento».

Aveiro não é rico em documentos antigos, dado o clima húmido da região e a fragilidade do material - pergaminho ou papel - juntamente com o pouco interesse em arquivá-los e guardá-los convenientemente; para mais, todos sabemos como o riquíssimo espólio de conventos e de igrejas foi depredado em certas épocas da nossa história pátria. Podemos, portanto, suspeitar que os primeiros documentos desta veneranda Irmandade tenham desaparecido no rodar dos séculos e na sucessão das mordomias, estas mais vocacionadas para uma missão cultual e gregária do que para registo e salvaguarda de simples papéis. Há quatrocentos e cinquenta anos já ela existiria em toda a sua pujança e respeitabilidade, procurando defender dos ataques da heresia protestante a doutrina católica e tradicional sobre a Sagrada Eucaristia e dando esplendor público ao seu culto litúrgico, em missas e procissões.

José Reinaldo Rangel de Quadros Oudinot, nos finais do século XIX, leu o mais antigo documento que encontrou, referente a esta Irmandade, que se guardava entre os papéis da actual Confraria do Santíssimo Sacramento da freguesia da Glória. Tratava-se de uma declaração notarial de 5 de Dezembro de 1541. Neste dia, nas pousadas de Heitor Ribeiro, juiz ordinário, na presença de Pedro André, mordomo, foi apresentado o testamento de João Fernandes Prata, piloto, e de sua mulher Catarina Tavares Prata. Nesse testamento deixava cada um deles a esta confraria metade de doze meios de uma salina, sita no Remoinho da Cale, com a obrigação de doze missas anuais por cada um dos testadores. Isto vem-nos demonstrar que a Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia de São Miguel, de Aveiro, já existiria juridicamente erecta, gozando de personalidade e no pleno uso legítimo de todos os deveres e direitos.

No território da actual freguesia de Nossa Senhora da Glória, também existiu outra Irmandade do Santíssimo Sacramento, erecta na igreja paroquial do Espírito Santo. Este antigo templo erguia-se no sítio onde hoje é o largo de Luís de Camões ou das Cinco-Bicas; entrando em ruína e praticamente abandonado a partir de 1835, acabou por ser demolido em 1858.

A mencionada Irmandade já existia em 1610, como consta de uma escritura de aforamento, dessa data, que Rangel de Quadros conheceu e referiu.

Dada a nova divisão da cidade de Aveiro, em 1835, foi mister reorganizar e adaptar a vida religiosa e administrativa das comunidades e associações católicas. No que respeita às irmandades, umas foram extintas ou foram decaindo / 54 / até desaparecerem do panorama citadino; outras sofreram uma reformulação para se conformarem com a nova situação. Assim aconteceu às duas Irmandades do Santíssimo Sacramento, uma da freguesia de São Miguel e outra da freguesia do Espírito Santo, mas ambas agora sediadas na igreja de Nossa Senhora da Glória; os irmãos, agrupando-se, deram naturalmente origem a uma única Irmandade do Santíssimo Sacramento. Eis por que a Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia de Nossa Senhora da Glória pode ser e é considerada como legítima e única herdeira da história, da tradição e do património de duas confrarias aveirenses - a veneranda Irmandade do Santíssimo Sacramento de São Miguel e a pelo menos seiscentista Irmandade do Santíssimo Sacramento do Espírito Santo.

J. G.


 

 

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