Alturas do Natal.
Véspera de Entrega.
Céu escuro, pintalgado de luzes.
Frio do Inverno, chegado há dias.
São oito horas precisas. Na porta,
soam as pancadas esperadas.
Alvoroço. – Ele aí vem!
Engaboado, o parceiro sobe a escada.
A mesa posta. Ceia da praxe.
Bacalhau, batatas e grelos.
Rabanadas e bilharacos.
Aletria e arroz doce a fartar.
Licor de alguidar.
Um dia de sol. Claro como a cal.
É o espelho da Ria.
Os sinos é um tal badalar.
Largo da Apresentação.
Músicos a postos. Os ramos vão sair.
São doze. – Os apóstolos do Bendito. Canastras de cor.
As opas de seda escarlate,
e as luvas brancas que empunham^
as espigas gradas e floridas.
O cortejo inunda a rua.
Os acordes musicais rasgam
portas e janelas.
A ronda da Entrega.
Barrocas. Senhora da Alegria.
Carmo. São Gonçalinho. À porta
de casa, com junquilho, rosmaninho
e pétalas.
Senhora das Febres. São Bartolomeu.
São Gonçalo.
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O ritual sucede-se.
Os ramos entram no templo.
Junto ao altar-mor,
sobre almofadas de cetim,
pintadas a preceito,
a relíquia sagrada passa de mão.
Beijos e abraços.
Lágrimas de saudade e de alegria.
O ramo triunfante demanda o novo lar,
onde o melhor trono e a jarra mais bela aguardam a mensagem do
Senhor. Acende-se a lamparina de azeite.
Oito dias alumiado, e durante o ano, quando troveja.
Repasto interminável.
Uma bateira de iguarias.
Cozido. Chanfana. Cabrito.
E leitão.
Aletria, arroz doce, leite creme,
doçaria até fartar.
Vinho, espumante,
e licor de alguidar.
A noite é um bombo de festa.
A música volta a inundar as ruas.
Toca a cada porta que o ramo transpôs.
Parceiros, amigos e conhecidos,
de gabão, com cinta vermelha e
barrete verde, lançam dúzias
de foguetes, atiçados pelo rapazio.
Entram. Comem e bebem.
Centenas de pares dançam na rua.
Por vezes, um foguete bate no beiral,
e arreia, rabeando por entre as pernas,
que saltam, mas não param de dançar.
E até às horas mais mortas,
há fogo em todas as portas,
come-se,
e bebe-se licor de alguidar.
Amadeu de
Sousa
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