Francisco Joaquim Bingre
- «O Cisne do Vouga»
Soneto
Lícia, risca teu nome n'áurea História
Dos Impérios a que ufana pertenceste,
Nela o primeiro lugar já tiveste,
Hoje a lembrança tua é irrisória!
A vinte e quatro de Agosto, da Memória
No Templo, a frente avante ergueste;
Curva-te hoje, porém, que já perdeste
Do ano vinte a adquirida Glória!
Do Báratro, onde as fúrias têm morada,
Surgiu de Junho infausto o quarto dia
Da Era vinte e três sempre odiada...
Ó insano poder da Hipocrisia,
Que afouta imperas na raça deslustrada!
Quem fará terminar tua ousadia?!
NOTAS – 24 de Agosto de 1820 – Data da primeira
revolução liberal, que, eclodindo no Porto, logo alastrou pelo País.
4 de Junho de 1823 – Aclamação de D, João VI como rei absoluto, após o
pronunciamento militar, que teve à frente o Infante D, Miguel, 'qual
ficou conhecido por "Vilafrancada».
Ao
Nome Português
Nome excelso, que imenso espaço abranges
Do pólo ocidental ao disco ardente;
Tocha acesa na luz do rico oriente,
Senhor das palmas, que produz o Ganges;
Tu, que fizeste os púnicos Alfanges
Largar com susto o Malabar ingente,
E cem vezes em África patente
Espantar as horríficas Falanges;
Tu, que vives no céu, no mar, na terra,
Impresso nos padrões da heroicidade,
A tenaz opressão de nós desterra.
Este canto, que sagro à Liberdade,
Excelso Nome Português encerra
Contigo no salão da Eternidade.
Assinatura do "Cisne do Vouga”
Soneto
Treze anos, Senhor, se têm passado
Em triste estado, em mísera orfandade,
Vítimas do desprezo e da saudade
No mais cruel e lastimoso estado.
Por valor nobre aos Portugueses dado
Tomando por escudo a lealdade,
Arrancaram dos braços da maldade
Para nós o depósito sagrado.
Vinde, ó Reis, vinde ouvir seus votos puros,
Todos os corações cultos vos rendem,
E ditosos fareis dias futuros.
Recobrar seus direitos só pretendem
Se da vossa justiça estão seguros
Em pedir o que é seu não vos ofendem.
NOTA – Por causa das invasões francesas, a Família
Real tinha-se retirado para o Brasil, deixando Lisboa em 29 de Novembro
de 1807; regressaria ao Reino em Abril de 1821.
Elogio recitado em Aveiro na abertura do Teatro da
Pascoela
– Elogio –
Se é morta Esparta, se não vive Atenas,
Almas heróicas inda Jove cria,
Inda das limpas regiões serenas
Baixa a virtude, a iluminar o dia.
Inda do coro de imortais comenos
Melpómene gentil a nós envia
O Génio nacional, o semi-divo
Que ao Vouga faz calçar coturno Argivo.
Se a insípida Borleta, alçando a frente,
Da fofa estupidez apadrinhada,
Leva sempre após si, em grossa enchente
Imensos vivas da Nação castrada:
Se o monótono som tem só pendente
O ouvido espectador, na acção contada,
Hoje, Aveiro vai pôr na cena lusa
A dar choque às paixões trágica Musa.
Inês, a linda Inês, que um Fado escuro
Fez vítima infeliz de seus amores;
Que tendo um fim mesquinho, um grão futuro
Teve nas liras de imortais cantores,
Dessa amante fiel o peito puro
Que apunhalado foi por vis traidores:
É o trágico assunto, que hoje em cena
Põe Júnior imortal com douta pena.
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Os dois fins da tragédia, os dois preceitos,
Terror e compaixão desempenhados
Vereis por hábil mão, vereis sujeitos
Dois fidos corações, tão bem ligados,
Pela fé conjugal, de amor aleitos,
Que, sendo pela negra inveja olhados,
Fez a destra arvorar da vil intriga,
Que, dum golpe, de Pedro Inês desliga.
Neste quadro imortal, nesta pintura
Desenhados vereis, com vivas cores,
Os eléctricos choques da ternura
E o vivo gás de conjugais amores.
Vereis raiva e furor, ódio e brandura,
O remorso, o dever, ânsias, temores,
Contrapostas paixões da Natureza
Debuxadas com arte e com viveza.
Entre sustos Inês, sempre amorosa,
Pedro amante fiel, sempre fogoso;
Do inflexível Afonso, alma timbrosa
De Sancho aio ancião, caracter honroso:
A política falsa e cavilosa
Dos cruéis conselheiros; o mavioso
Génio brando de Elvira, e os mais agentes
Os vossos corações terão pendentes.
Ilustres cidadãos, caros patrícios,
Rectos, sábios, prudentes magistrados,
Que Aveiro enobreceis, prestai propícios
As vossas atenções aos doces brados
Do génio nacional, qu'aponta os vícios,
As tremendas paixões, feitos honrados;
Qu'em regulares dramas majestosos
Abre a escola moral de heróis famosos.
Se temos pátria lei, que determina
Alto esplendor aos teatrais inventos
Onde a pura moral civil se ensina,
Grandes feitos, heróicos sentimentos:
Se em cena regular pura doutrina
Anivela as paixões e os pensamentos,
E os costumes gerais, qual já viu Grécia:
Em vão vozeia a estúpida inércia.
Excitar as paixões de heróicos feitos
É nosso intento só: eis a Tragédia.
Rir c'os vícios dos públicos desfeitos
Instruindo igualmente: eis a Comédia.
Estes foram os fins e os sãos proveitos
De Sófocles gentil, na Idade Média,
De Eurípedes, Menandro, Planto, Afrâmio,
De Terêncio imortal, cómico Arcânio.
Se Aveiro comercial já viu seus filhos
Por incógnitos mares, nunca arados,
Ir além do Equador, deixar seus trilhos
E seus nomes eternos, decantados;
Se o grande Afonso assinalou seus brilhos,
Nauta, descobridor de áfricos lados,
Que, rompendo por hórridas procelas,
A grande Águia de Aveiro ornou de estrelas.
Se já viu noutro tempo assaz vaidoso
O Vouga, em sua foz, mil naus arpando,
Dando a Aveiro gentil um nome honroso,
De seu pego saindo e nele entrando;
Se o comércio salino o fez famoso
E entre os rios de Lísia o foi alçando,
Restaurada por vós sua antiga glória,
Hoje, outra vez será na lusa história.
Por vós, ilustres cidadãos, guarida
As Artes hão-de ter, a vós se abrigam.
O génio nacional por vós tem vida.
Vossos patrícios dons as almas ligam.
Tem força, tem vigor virtude unida,
Em vão os Aristarcos vis a intrigam;
Ela, sempre sem susto, os ares fende;
Ela brilha nos céus, na terra esplende.
Actores magistrais, por uso feitos;
Por natureza e arte abalizados
Nós, senhores, não somos: nos preceitos
E regras teatrais nenhuns versados.
Vós deveis desculpar nossos defeitos,
Cientes de que nós associados
Por amor nacional, por dar-vos gosto;
Este prazer moral temos disposto.
Por vanglória não é, não por int'resse
Este nosso teatral ajuntamento;
Qualquer de nós somente o qu'apetece
É dar-vos um moral divertimento.
A concórdia desta arte se enobrece:
Divertir instruindo é nosso intento.
Felizes nós, se, desterrando os vícios,
Virmos à glória alçar nossos patrícios.
E vós, Ninfas gentis, alvas Napeias,
Filhas do pátrio Vouga graciosas,
Fugi d'amor às bárbaras cadeias
Qu'uma cega paixão cobre de rosas.
Pois gira um nobre sangue em vossas veias,
Sede amantes fiéis, segui briosas
As austeras antigas lusitanas,
Virtuosas rivais das espartanas.
Epigrama
No zimbório da sé velha
Andei uma tarde aos ninhos,
E achei lá dois ovinhos
Todos cheios de gadelha.
Vénus em forma de velha
Em vejo vir, e então
Fez neles tal chocação
E deu neles tais corcovos
Que fez sair dos tais ovos
A maior cornulação.
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