UM POETA DE AVEIRO
IGNORADO
Francisco Joaquim Bingre
- «O Cisne do Vouga»
► 1. – INTRODUÇÃO
Foi sempre o elemento líquido um dos temas da inspiração
poética universal. Os rios oferecem um atractivo muito forte aos amantes
do bucolismo, quer literário quer pictórico; a tranquilidade das suas
águas, as margens de arvoredo idílico, o ambiente de paz e nostalgia
levam a imaginação humana para o campo do sonho e da fantasia. Não
admira que os apaixonados escolham esses recantos, e muito menos que os
Poetas, os eternos enamorados, os cantem em seus versos.
O Vouga não foi excepção, embora não tenha tido um cantor
com a fama de Bernardes, a voz do Lima. Fama que significa, apenas,
projecção social e literária fora da sua época, e não valor artístico e
humano – como é o caso do nosso árcade de «Francélio Vouguense», sócio
fundador da «Nova Arcádia», companheiro e amigo de Bocage, de que foi
partidário nas lutas deste com José Agostinho de Macedo.
Aliás, são do «Elmano Sadino» as seguintes palavras sobre
o poeta Bingre:
«Ferve no audaz Francélio, e rompe os astros sacro
delírio, destemida insânia»
(1)
Outro poeta de nomeada, seu coevo, dirige-se-lhe numa
epístola, nos seguintes termos:
«De ti (Bingre) cujo cantar admirei sempre
Por seu estilo original e a força
tão viva de expressão à graça unida:
/.../.../
Mas tu, nobre Cantor, que ao pátrio Vouga
Dás ufania, dás brasão, dás honra...»
(2)
O próprio Camilo Castelo-Branco foi um dos seus
admiradores fiéis, chegando a recitar versos do poeta numa festa
realizada no Teatro de S. João do Porto, em 11 de Dezembro de 1852,
sarau cultural que redundou num êxito enorme, segundo o
depoimento dum contemporâneo do Poeta.(3)
São deste grande escritor romântico, dedicados a Francisco Joaquim
Bingre, estes versos onde perpassam a emoção e o respeito pelo Artista e
pelo Homem:
«Dá-nos as páginas d'ouro
Que não te pertencem só:
A tua alma está nelas
Que o teu cadáver é pó!
Imprime, Bingre, os teus versos
Onde transluzam dispersos
Os teus dias que lá vão:
Lega à pátria, onde sofreste,
Quantas lágrimas verteste
Vitimado à ingratidão.»
E finaliza:
«Irei, Poeta, irei ao teu sepulcro
uma rosa desfolhar...»
(4)
Pobre poeta Bingre, tão pobre e infeliz na vida quanto
na morte! Por aquilo que já se escreveu sobre
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a sua vida e obra, não creio que se tenham desfolhado muitas rosas sobre
a sua campa rasa em Mira! Amante da Liberdade, foi vítima das
vicissitudes políticas que o país atravessava então. Passou fome; viu
morrer os seus sem lhes ter dado a vida que para eles sonhara; ficou
ignorado entre um período clássico, que findava, e um outro, romântico,
em que não cabia; a sua sepultura permaneceu desconhecida e abandonada;
a sua obra, dispersa e em parte inédita.
Neste país, ao longo da sua História, os poetas morrem
pobres e ignorados; são por vezes reabilitados, mas normalmente são-lhes
recusadas «as rosas» do reconhecimento e da gratidão. Francisco Joaquim
Bingre, o árcade «Francélio Vouguense», o «Cisne do Vouga», é exemplo
desta minha afirmação.
► 2. – POEMAS INÉDITOS NA BIBLIOTECA MUNICIPAL?
Não irei fazer uma biografia do Poeta, preferindo remeter
o meu possível leitor para vários trabalhos saídos a lume no «Arquivo do
Distrito de Aveiro» e assinados por pessoas mais abalizadas do que eu
para o fazer – tais como José Pereira Tavares e Rocha Madail. Aliás, é
deste último o artigo em que me baseei para estas considerações e para o
qual remeto a vossa curiosidade, já que pelo seu conteúdo e pela
exaustão do tratamento do mesmo merece essa leitura.
Também não irei fazer qualquer crítica literária, para o
que não estou «credenciada», embora lastimando esse facto pelo muito que
haveria a estudar e a dar a conhecer sobre uma obra tão vasta como é a
de Bingre – mais de mil sonetos e muitos outros poemas (cómicos,
dramáticos, canções, elegias, odes, epístolas, epigramas, madrigais,
etc., etc.), segundo o seu biógrafo e amigo Calisto
Luís de Abreu, professor de Latim no Liceu de Aveiro(5).
Espero que alguém abalizado para tal empreendimento se resolva a
fazê-lo, reparando deste modo uma falta secular de ingratidão e
desleixo.
O que me trouxe a estas páginas foi apenas o interesse em
revelar ao público aveirense a existência, na Biblioteca Municipal, de
alguns poemas do Poeta Bingre, todos eles manuscritos – possivelmente
pelo Poeta –, e todos inéditos (excepto a «Proclamação do Douro aos
Portuenses», de 1820, e que consta do índice da sua
obra já editada) (6).
São três sonetos, dois sem título, e um «Ao nome Português» – escrito no
verso da primeira folha da «Proclamação»; um epigrama e um «Elogio
recitado na abertura do Teatro da Pascoela em Aveiro. Estou plenamente
convencida tratar-se de «inéditos», pois apesar dos esforços feitos
lendo tudo o que já se publicou sobre o Poeta e a sua Obra – «Arquivo do
Distrito de Aveiro» e «Violetas», de Melo Freitas –, estas poesias não
constam nem do índice da sua obra nem dos artigos biográficos referidos.
A sua proveniência é também desconhecida, fazendo parte do espólio da
Biblioteca Municipal há muitos anos, talvez desde a sua fundação.
Guardados todos estes anos numa caixa, talvez esperassem pelo
aparecimento dum “Boletim Cultural da Câmara de Aveiro” para surgirem à
luz do dia e criarem ao público leitor um interesse sadio pela vida e
obra deste Grande Poeta da «Nova Arcádia», talvez o maior de todos os
tempos do Distrito de Aveiro. Resta-nos aguardar uma resposta dos
críticos literários, que se deseja de reabilitação e reconhecimento. O
«Cisne do Vouga merece-o, sem dúvida.
Honorinda Maria Cerveira da Costa
____________________________
(1)
– Arquivo do Distrito de Aveiro - Volume XXIX -1963
(2)
– Ibidem.
(3)
– Ibidem.
(4)
– Ibidem.
(5)
– Ibidem.
(6)
– Ibidem.
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