ANTIGAS RENDAS E TRIBUTOS,
FOROS E DÍZIMOS
► ANTIGAS RENDAS E TRIBUTOS DA TERRA
Se as rendas de foros, quotas ou rações e outros tributos
que numa terra se pagaram ou pagam fossem o barómetro da sua riqueza
passada e presente, teríamos de fazer uma ideia muito avantajada da
riqueza da Freguesia de Eixo. Vamos enumerá-los resumidamente,
começando pelo alto e mais antigo Senhorio desta Terra – a Sereníssima
Casa de Bragança, e em seguida pelos mais, a saber, a grande Casa dos
Duques de Cadaval, Conventos do Lorvão de Santo Tirso,
de Arouca, Morgados de Vouzela, etc.(1)
► A SERENÍSSIMA CASA DE BRAGANÇA
A Sereníssima Casa de Bragança, e antes os Condes de
Barcelos, são sem dúvida os principais e mais antigos Senhorios de Eixo.
A Sereníssima Casa de Bragança percebeu nesta Vila, por
seus almoxarifes e rendeiros, foros e rações de 4.º até 9.º dinheiro e
outras alcavalas, até ao ano de 1832, em que abandonou estas rendas e os
povos deixaram de pagar, fundados no decreto de 13 de Agosto de 1832.
No ano de 1851, moveu a Sereníssima Casa de Bragança, por
seu procurador Francisco Joaquim de Castro Pereira Corte-Real, da
Oliveirinha, três demandas contra nós e o nosso tio o Bacharel Venâncio
Dias de Carvalho Figueiredo, desta Vila, pedindo foros e rações e a
reivindicação de um prédio denominado a Vessada do Paço, contíguo aos
celeiros da mesma Sereníssima Casa. Já então vieram alguns influentes
das Terras ou Vilas deste Almoxarifado oferecer-se para nos auxiliar na
defesa destas demandas, que interessava a todos.
Porém o dito Bacharel, rejeitando estes oferecimentos e
propostas de composição ou talvez completo perdão oferecido pelo
procurador da Sereníssima Casa, apresentou tal defesa e sustentou estas
coisas de maneira que o dito procurador as abandonou por alguns anos.
Não será vileza dizer que o Bacharel Venâncio Dias de
Carvalho Figueiredo era um advogado distinto e homem liberal de uma
rigidez e firmeza de carácter político e independência tal que, com
prejuízo seu, teve a generosidade de tratar à sua custa estas coisas que
eram verdadeiramente populares.
Militou sempre no partido liberal conservador; mas a sua
opinião era libérrima a favor dos foreiros e liberdade da terra.
Privámos com ele não só como nosso tio mas como íntimo amigo; e por isso
podemos asseverar que, se hoje fosse vivo, teria modificado as suas
ideias políticas para mais liberais. Em relação a estas questões podemos
dizer que ele só teve tempo para lançar os alicerces de um edifício que
outro advogado não menos distinto havia de concluir com sumptuosidade.
Em 4 de Junho de 1862 morreu o dito Bacharel Venâncio
Dias de Carvalho Figueiredo; e pela sua
/ 53 /
morte conceberam os procuradores da Sereníssima Casa esperanças de
continuar com as ditas demandas, que efectivamente renovaram no ano de
1864. Foi neste ano, a 4 de Dezembro, que nós com os nossos amigos e
colegas os Bacharéis José Correia de Miranda, de Travassô, Joaquim dã
Silva Pinho, de Jafafe (então casado nesta Vila), e Francisco Guilherme
dos Reis promovemos uma reunião pacífica dos povos desta Vila,
Oliveirinha, Requeixo, Fermentelos, Alquerubim, Ois e Espinhel, no sítio
da Ponte da Rata, por ser lugar central e cómodo a todos. Sendo reunidas
mais de 300 pessoas, assistidas do Secretário-Geral servindo de
Governador Civil deste Distrito, Administrador deste Concelho de Aveiro
e seus empregados, Administrador de Albergaria e seus Regedores, o dito
Bacharel Joaquim da Silva Pinho expôs em breves mas enérgicas palavras,
aos povos, o fim desta reunião que tinha em vista combinar os meios de
defesa comum destas causas.
Em seguida, nomeou-se presidente desta reunião o Bacharel
José Correia de Miranda e, sendo as suas propostas aprovadas
unanimemente, em resultado se nomeou uma comissão central com o mesmo
presidente, e comissões filiais e auxiliadoras desta nas ditas Vilas e
Lugares – uma de cada Freguesia – para tratarem da defesa comum das
ditas e outras mais coisas, que porventura sobreviessem.
Podemos dizer que os advogados principais nestas Causas
por parte dos povos têm sido os ditos Bacharéis Venâncio Dias de
Carvalho Figueiredo e José Correia de Miranda e, para dar a cada um o
que é seu, é mister que se diga que aquele deixou as Causas articuladas
com vários incidentes e questões prévias, mas não chegou à inquirição de
testemunhas: fez por conseguinte, como dissemos, um alicerce seguro para
um bom edifício; mas não nos deixou materiais para ele, porque não
deixou nem um só documento (à excepção do foral) nem um apontamento
sobre provas dos factos históricos, que alegou nas contrariedades e que
não devia ignorar. Estava por conseguinte destinado ao dito Bacharel
José Correia de Miranda o principal da obra; mas tudo ele venceu
triunfalmente, porque não só conseguiu documentos para provar os factos
alegados por aquele advogado; mas outros mais, escrevendo uma
Dissertação em favor dos foreiros, que foi dada à luz no ano de
1866, na Tipografia Comercial do Porto e que tanta luz
deu a esta importante questão!(2)
Muito devem estes povos aos ditos advogados. Aí correm
estas Causas há vinte anos sem que a Sereníssima Casa tenha recebido
coisa alguma dos foreiros, que, se tivessem de pagar as antigas rendas,
teriam de abandonar a cultura das suas terras. Remetemos para a referida
Dissertação os leitores que quiserem saber o estado desta questão e
terminamos esta parte dizendo que as rendas da Sereníssima Casa neste
Almoxarifado andavam por onze contos e quinhentos mil réis em cada ano.
► FOROS DOS MOSTEIROS DE:
AROUCA, LORVÃO, SANTO TIRSO, GRIJÓ, SANTA CRUZ DE
COIMBRA, MORGADOS DE VOUZELA, S. MARTINHO, VAGOS E OUTROS
Todos os foros e outros antigos tributos foram na sua
origem impostos em terras da Coroa, cujos povoadores, grandes senhores
de feudos, condes donatários da Coroa, fizeram disso esmolas aos ditos
Mosteiros pelo remédio das suas almas; e depois os Mosteiros, em virtude
da lei que os obrigou a aliená-los, os aforaram a vários senhores, como
ao barão de Beduído, condes de Bertiandos, condes da Feira e talvez
outros. É certo que todos os direitos ou rendas de Eixo pertenceram à
grande Casa dos Sousas do Marnel que foram condes e talvez povoadores e
grandes senhores de feudos, tanto no tempo da Monarquia Leonesa como
depois da fundação da nossa.
Prova-se isto de uma escritura de doação de certas
herdades, feita aos Monges de Pedroso no ano de 1079 (de Cristo) por D.
Flâmula, 3.ª neta de El-Rei D. Ramiro lI, de Leão, e casada que foi com
D. Egas Gomes de Sousa. A doadora, fazendo menção dos bens doados, que
foram muitos, diz: – «excepta medietate tota d'Eixo e Ois eo quod sunt
cum pertinentiis suis de mea congermana D. Tarasia Fernandes filia de
Dono Fernando Gonçalves de Marnele uxore Domini Menendi Egeae». Consta
isto da «Monarchia Lusitana», Parto 3.ª, Livro II, pg. 23, e da «Benedictina
Lusitana» de Fr. Leão de S. Tomás, Tomo 2.º Parte 1.ª, Tract. 1.º, Capo
8.º, pgs. 51-52, e da cit. «Monarchia», Cap. 18, pgs. 319-320, onde se
diz que isto mesmo se prova pelas Inquirições de D. Afonso lI, que estão
na Torre do Tombo, no Livro intitulado «Dos Próprios de Coimbra».
Diz também a cit. «Monarchia» que naquele tempo eram
muito conhecidos os fidalgos do Marnel, e que Eixo e Ois e outras Terras
vizinhas ao Marnel pertenciam ao Conde D. Mendo, filho de D. Gonçalo de
Sousa, por parte de sua mãe D. Teresa Fernandes.
/
54 /
Devemos notar que estes personagens eram membros da Família Real, pois
por cinco vezes esta família entrou na Família Real, Leonesa, já
Portuguesa, e outras – como diz a cit. «Benedictina», e se pode ver das
Nobiliarquias.
À vista, pois, da citada escritura, é sem dúvida que em
1079 todas as rendas, direitos ou tributos de Eixo eram da Condessa D.
Flâmula e de sua prima D. Teresa Fernandes, ambas da Casa de Sousa.
Devemos notar as palavras da escritura «medietate tota»
que excluem outros quaisquer senhorios da Terra de Eixo, pois dizendo
que cada uma das ditas condessas tinha em Eixo a metade toda, querem
dizer que nenhuma outra pessoa aqui tinha coisa alguma senão elas.
Como se deslocaram depois parte dos ditos direitos e
rendas desta Terra para vários Mosteiros como os referidos?
Examinemos a história.
Vejamos um dos documentos mais antigos, qual é o Livro
Velho das Linhagens, e aí encontraremos um grande número de rendas,
direitos e tributos que antigamente foram propriedade, em Eixo, da
referida Família Sousa, e que esta desmembrara (talvez por diferentes
vezes, tempos e pessoas) as ditas rendas do Reguengo de Eixo para as dar
aos ditos Mosteiros.
Não nos propusemos tratar de modo especial e das pessoas
de quem os ditos Mosteiros houveram as referidas rendas, porque seria
longo e impróprio deste lugar. Vamos, pois, terminar esta parte dizendo
que esta Vila já em 1079 tinha uma riqueza e renda tais que convidou as
duas altas Personagens D. Flâmula e D. Teresa a reparti-las entre si
sendo certo que ainda nos últimos tempos semelhantes
rendas importavam em dinheiro o melhor de 250:000 réis.(3)
Parece incrível que de uma Terra desta ordem saísse tão grande soma,
além das mais pertencente à Sereníssima Casa de Bragança e à de Cadaval.
► DÍZIMOS – COMENDA DE SANTO ISIDORO
Muitos dos leitores desejarão saber a origem das
comendas, às quais vamos.
Foi tal o abuso que os nossos Reis fizeram das doações,
(4) isto é, doaram com
mão tão larga que, vendo esgotado o património real e não tendo já com
que premiar os serviços dos seus vassalos conforme o seu desejo, se
viram na necessidade de formar
/ 55 /
comendas, pedindo ao Papa e alcançando dispensa para poderem pagar
serviços aos soldados que se distinguiram contra os infiéis, com os
dízimos (rendas) de algumas igrejas, com o hábito de Cristo, Santiago de
Avis, etc. (Vd. «Flores de Hespanha» , pelo Dr. António de Sousa Macedo,
Edição de 1631 , Cap. 15, Excel. 3.ª, pg. 213 v.).
As comendas eram por isso as rendas das igrejas doadas
aos militares distintos pelos serviços que fizeram nas guerras contra os
mouros.
A Comenda de Santo Isidoro de Eixo pertencia ultimamente
à Casa dos Ex.mos Duques de Cadaval, até que foi extinta,
deixando de se pagar esta renda no ano de 1832.
Os Ex.mos Duques tinham os seus dois celeiros,
um para receber os cereais, outro para receber o vinho, ambos na Rua do
Adro de Cima, quase defronte um do outro.
O 1.º ainda existe, mas em poder de Manuel Dias de
Carvalho do Adro, desta Vila, ao qual foi vendido há poucos anos por
ordem dos Duques. Fica à esquerda de quem vai para a Picota. O 2.º
ficava à direita e defronte da casa que foi de João Dias de Carvalho.
O 1.º é um bom edifício com pé direito regular. O 2.º era
baixo e estreito. Este 2.º já há muitos anos pertencia a Sebastião Luís
Ferreira, e no ano de 1867 foi demolido por ser expropriado pelas Obras
Públicas da estrada Aveiro a Águeda, a fim de alargar a rua que ali era
estreita e tortuosa. Ficou por isso a estrada ocupando metade do mesmo
celeiro em comprimento, e a outra metade tem hoje casas firmadas na
parede do norte do mesmo celeiro.
Os cereais que se pagavam eram trigo, milho, feijão,
centeio, cevada e aveia.
A Comenda compreendia Eixo e as mais terras da antiga
Freguesia (hoje pertencentes à da Oliveirinha) e talvez outras.
Sabemos de uma escritura pública de sublocação da renda,
feita no Porto em 14 de Outubro de 1800 (em nosso poder), que o rendeiro
se obrigou a pagar em cada ano pelos dízimos das ditas terras a quantia
de 2:825:000 rs., que se elevaram a 3:200:000 rs.
Não pudemos averiguar qual a parte que tocava a Eixo; é
porém certo que devia ser uma boa cifra. Os rendeiros dividiam a renda
em «Ramos», compreendendo cada ramo uma ou mais
povoações. Os dízimos renderam no ano de 1612 – 260:000 rs.
(5) No ano de 1802
renderam sete mil cruzados ou
2:800:000 rs.(6) No ano
de 1819 renderam 4:600:000 rs.!...(7)
Era tal o rigor com que se cobravam
estas rendas que os rendeiros faziam excomungar as pessoas que deixavam
de pagar.(8)
Vê-se, pois, que nos duzentos e sete anos que decorreram
desde 1612 a 1819 aumentaram 4:340:000 rs. as rendas da Comenda!
A que devemos atribuir um tão extraordinário aumento
destas rendas? Ao aumento da agricultura? A diferença do valor da moeda?
Talvez ambas as coisas.
Apesar de tão extraordinária renda, a Comenda pagava
muito pequenas côngruas ao Pároco e Coadjutores. «O Altar com dois cotos
se alumia» dizia o nosso Bocage.
________________________________________________
NOTAS:
(1)
– Devemos advertir que estes eram os principais: mas, além destes também
aqui percebiam rendas os Mosteiros de Grijó, Santa Cruz de Coimbra,
Morgado de S. Martinho de Salreu e talvez outros.
(2)
– O nosso Amigo e Senhor Dr. José Correia de Miranda não só tem advogado
de graça estas Causas há seis anos, mas até ele próprio escreveu pelo
mesmo preço a citada Dissertação e destinando o produto da mesma venda a
favor da defesa das Causas!...
(3)
– Incluímos nesta quantia o que percebiam os Senhorios enunciados no
princípio deste capítulo - Morgado de Vouzela e outros.
(4)
– Quem ler as Crónicas dos Snrs. Reis D. Fernando 1º e D. João 1º (Monarchia
Lusit., T. 8) ficará maravilhado à vista de tantas doações que fizeram!
Poucas rendas de terra ficariam sem ser doadas! O Património Real e
Fazenda Pública, que eram uma e mesma coisa, ou se achavam confundidos,
compunham-se principalmente das rendas, foros, quotas e outras
alcavalas, que as terras pagavam.
A Terra Portuguesa ficou livre de Mouros mas escrava dos
Cristãos. A Nobreza de Portugal fez brilhantes serviços, que a Pátria
lhe pagou, e está pagando com usura há muitos séculos. A classe
agricultora – a mais desprotegida e digna de protecção é quem ainda hoje
carrega com este ónus, porque as benéficas disposições das Leis de 5 de
Junho de 1822, 13 de Agosto de 1832 e 22 de Junho de 1846 quase que têm
sido letra morta. É bem para estranhar que em tempos obscuros os nossos
Reis conhecessem e quisessem remediar o mal que fizeram, e no Século das
Luzes se não remedeie esse mal!
(5)
– Concorda com o que diz Pedro Craestecch (?), Difin. e Est. da Ordem de
Cristo.
(6)
– Vd. Livro de Visit. cit, Visitação 54.
(7)
– Vd. o cit Livro de Visit, Visitação 59.
(8)
– Vd. o Livro de Excomunhões desta Igreja de Santo Isidoro, ano de 1858,
especialmente pg. 26.
|