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Boletim n.º 3 - Ano II - 1984


AGRICULTURA

►  1. O CAMPO

Os principais melhoramentos ou benefícios, que se têm feito no campo, são os dos cômoros e tapagens, ou, como aqui se diz, fazendo chousas(1) e abrindo valas. Haverá meio século houve quem se lembrasse de propor que se arrancassem todos os ditos cômoros, tendo em vista aproveitar a terra que eles ocupavam. Esta proposta não se levou nem deveria levar a efeito; porque, sendo o campo muito exposto ao vento norte, é evidente que os cômoros são o único meio económico de o abrigar: benefício que é reconhecido por todos os que têm observado a diferença para melhor que fazem as novidades próximas e ao abrigo dos mesmos cômoros, estamos convencidos de que, se não fossem os cômoras, o campo estaria hoje em péssimo estado, em consequência das nortadas que têm havido nos últimos vinte anos.

Parece-nos contudo que, para evitar ou atenuar o prejuízo da sombra dos cômoras, não se devem estes deixar crescer além de certa altura.(2)

O benefício das valas é reconhecido por todos. As valas são a nossa antiga e fácil drenagem com que enxugam, alteiam, aquecem e arejam os terrenos húmidos, baixos, frios e impermeáveis ao ar. Não sabemos o grau da fertilidade deste campo nos séculos remotos; mas devemos supor que foi em grau muito subido, atendendo aos foros pesadíssimos / 46 / e rações de 4.ª a 9.ª que lhe foram impostos numa superfície que está sepultada a muitos metros de altura; sendo certo que a superfície actual não suportaria tais encargos.

Devemos advertir que a parte do campo, que há poucos anos era tida por mais produtiva, como era o Campo Velho,(3) e outras até perto da Maria-Farinha, estão hoje muito inferiores; e pelo contrário todo o campo, que fica abaixo desta, melhorou muito com os aterros da estrada marginal do Vouga abaixo de Angeja e com os do caminho de ferro e ponte do Estrepeiro; os quais, demorando e tornando menos impetuosas as correntes das cheias, fazem precipitar os engodos ou adubos que estas arrastam.

Todo o campo é limitado pela margem esquerda do Rio Vouga, que corre em todo o comprimento do campo pela sua parte mais elevada, e tanto que já de há muitos anos tende a romper e a correr 'para o mesmo campo, abrindo as grotas dos Tojos, Pasto, Madeiros e Tojo; por onde teria de facto rompido, se não tivesse, havido o cuidado de lhe pôr diques nestas grotas; mas hoje, estando o leito do rio quase no mesmo nível do campo, é de esperar que este venha a cobrir-se de areias do rio.

Todos sabem que o Vouga tem a sua queda natural para o sítio chamado a Vageira, seguindo pelo Poço do Grifo, Gramoal de Taboeira e daqui para a ponte do Estrepeiro, descrevendo uma linha quase recta e correndo por um leito mais baixo, ao passo que pelo actual descreve uma grande curva que muito prejudica a navegação, por ter de correr muito maior espaço e porque nos meses de verão é já quase impossível pela demora e acumulação de areias que dentro de poucos anos terão obstruído completamente o rio.

No princípio deste século fez-se um grande encanamento com estacas e sebes para obviar estes males, mas não era este o melhor meio, porque as tortuosidades do rio ficaram como dantes; e por isso pouco benefício se tirou desta obra que acabou há muito tempo, parecendo-nos que seria melhor abrir o leito do rio pelo sítio referido, por onde já tem princípio – e não parece ser muito dispendioso.(4)

Sabemos que alguns lavradores têm grandes receios de que pela mudança do leito do rio venham sofrer prejuízo os campos marginais. É certo que esta mudança tem muitas vantagens públicas e particulares; mas não é menos certo que algumas propriedades podem ser prejudicadas, pelo menos temporariamente.

Como dissemos, a navegação lucra inquestionavelmente, e talvez a barra de Aveiro, porque as águas do Vouga hão-de correr e expelir as areias com mais força. A Vila comercialmente lucra muito pela facilidade da importação e exportação, por via da navegação deste rio que lhe fica à porta, no sítio da Balsa, onde já tem excelente local para cais. Todos os agricultores sabem que o rio é o grande condutor dos engodos e cinzas das queimadas das serras, que dele se espalham para os campos, sendo sempre mais beneficiados os marginais; e por isso o campo vizinho do novo leito, bem longe de ser prejudicado, deve melhorar muito. O rio alteia, posto que lentamente, os terrenos marginais, e por isso os terrenos baixos e pantanosos, especialmente a Samoqueira e outros, irão alteando a ponto de se reduzirem a cultura em algum tempo; e talvez a aproximação do rio aos pântanos do Arrujo, Ribeirinho e Canisieira lhes facilite o esgoto e dessecamento, se o dito rio tiver o fundo que se espera. Não se pode porém negar que, a par de tantas vantagens, pode haver prejuízos em algumas fazendas baixas, tornando-as húmidas e frias, pelo menos temporariamente; sendo também de esperar que, alteando os terrenos marginais pelo decurso de anos ou séculos, os ditos pântanos do Arrujo, Ribeirinho e Canisieira fiquem em piores condições por falta de esgoto; mas em todo o caso este facto há-de realizar-se talvez mais cedo do que se pensa. E quem nos afiança de que o Vouga não volta para o seu antigo leito?(5)

Ninguém, decerto, e nem isso é interessante saber-se; no entanto, afigura-se-nos que ele, depois de muitos séculos, sendo alteados os terrenos marginais, voltará do leito proposto para o actual.

Mas íamo-nos deixando levar pelas águas do Vouga; é tempo de entrarmos no ponto que nos propusemos: tratar da agricultura do campo. O campo é aplicado actualmente para a cultura de milho e feijão; e só por excepção se lhe semeia trigo, cevada e centeio em alguns muito poucos sítios mais altos.

Não sabemos ao certo em que ano se introduziu a cultura do milho neste campo; mas só o podia ser depois do ano de 1595, em que ela se introduziu no Reino; sendo certo que no ano de 1731 já se pagavam foros do milho das terras do campo, o que não aconteceria se nelas se não cultivasse. / 47 /

Do foral dado a esta Vila por EI-Rei D. Manuel I em 2 de Junho de 1516 se deduz que neste ano ainda não se cultivava o milho, senão o painço; e não fala em outra qualidade de milho; é porque ainda não se tinha introduzido. Devemos crer que até aos ditos anos de 1516 e 1595 se cultivavam os cereais de trigo, cevada, centeio, aveia e milho-painço no campo, que se devia prestar a esta cultura em consequência da profundidade do Rio Vouga, e por isso o seu terreno era mais enxuto do que hoje é.(6)

O milho e o feijão é semeado na maior parte sem estrume; mas é certo que os terrenos do campo que são adubados indemnizam bem esta despesa.

Não é nossa intenção escrever um tratado de agricultura, que é impróprio deste lugar e excede as nossas forças; mas sim notar os erros que nos parece terem havido nos processos usados e os melhoramentos a fazer; devemos porém dizer antes o processo que se usa.

Estrumada a terra (quando se estruma) ou não estrumada, lavra-se com a charrua, grada-se e semeia-se a lanço o milho e o feijão simultaneamente, e depois torna-se a gradar para cobrir a semente. A terra fica coberta de semente de maneira que é preciso depois arrancar a maior parte. Passados 21 dias, pouco mais ou menos, segue-se a monda ou desbaste e sacha; e é aqui onde se dá o maior inconveniente.

Por mais hábil que seja o mondador, não é possível, com a rapidez que a monda se costuma fazer, deixar o milho igualmente compassado; e o que é ainda mais difícil é combinar os intervalos do milho com os do feijão; enfim, a novidade basta numa certa terra e noutra rara, segundo o capricho do lavrador. Na sacha acontece pior. Se fosse possível que cada propriedade fosse sachada por uma só enxada, ao menos havia uniformidade em cada terra; mas não sendo isto, muitos operários juntamente, uns mais e outros menos hábeis, resultam daqui os inconvenientes que são de todos conhecidos. Todas estas irregularidades dão uma grande soma de prejuízos que é mister evitar. Não podemos aprovar a sementeira simultânea de milho, feijão, e menos a das abóboras, que convém fazer-se cada uma em terreno separado e em regos direitos; mas, quando se queira insistir em semear o milho com o feijão, deve ser em regos também direitos e alternados, a saber, carreiro de milho e carreiro de feijão. Uma seara assim não oferecerá uma vista lindíssima, mas terá as seguintes vantagens: – 1.º a terra ficaria com um número de pés de milho pouco maior que na sementeira a lanço, mas com um número de pés de feijão extraordinariamente maior;(7) resultando desta disposição o melhor e mais igual desenvolvimento da novidade, porque – 2.º o estrume lançado à terra seria todo aproveitado em benefício destas, o que não acontece no sistema actual, porque uma grande parte da superfície estrumada não tem pés de milho nem feijão, e por conseguinte só serve para criar ervas ruins; 3.º o mondador e sachador menos hábeis fariam estes trabalhos com brevidade e perfeição, deixando um número de pés destas novidades aproximadamente idêntico em todos os anos; 4.º dispensar-se-ia a arrenda ou se daria juntamente com a sacha; 5.º os raios do sol dariam igualmente em todos os pés das ditas novidades; 6.º a colheita do feijão se faria muito mais fácil, sem prejuízo do milho.

Pensem nisto os lavradores, deixem a rotina e pelo menos façam ensaios em ponto pequeno. Se não podeis cultivar a agricultura adubando a terra que leva 20 alqueires de semeadura, cultivai só 10 alqueires e arrendai ou deixai a pousio os outros 10, e vereis o lucro que se tira de cultivar pouco e bem.(8)

Passemos dos terrenos dos campos aos circunvizinhos da Vila as lavouras.

 

►  2. AS LAVOURAS

As lavouras ou terrenos em roda da Vila, compreendendo os quintais, são bem cultivados e excelentes para todas as novidades tanto de verão como de inverno; mas são susceptíveis de grandes melhoramentos, sendo os principais, 1.º os adubos, 2.º a rega.

Do primeiro falaremos adiante. A rega triplica seguramente a produção destes terrenos.

Como vimos, a Vila está situada sobre um grande lençol de água, que corre ora na fundura de dois metros, ora de mais metros.

É certo que a Vila tem muitos poços cujas águas são aproveitadas por seus donos, cada um para a sua hortinha ou hortaliças; mas nós quereríamos que se fizesse uso das águas em mais larga escala, regando os milhos destas lavouras. Porque desta maneira triplicaria a produção, este resultado já convidava a fazer-se qualquer sacrifício para o conseguir.(9)

Lembramos dois meios de isto se levar a efeito; 1.º por via da exploração, minas e encanamento de águas, 2.º por meio de grandes poços.

O 1.º é mais difícil (poderia conseguir-se por via de uma grande associação dos proprietários, a quem pudesse aproveitar). A Vila tem sítios, dos quais a água explorada podia correr todas as propriedades; talvez nas Fontainhas e outros sítios do monte chamado a Serra de Eixo se descobrissem águas suficientes por meio de uma grande mina. O 2.º meio é muito mais praticável e consiste em abrir nos lugares convenientes poços de grande profundidade e largura, de maneira a que não só servissem de depósito das águas pluviais mas abrangessem o maior número das nascentes. Estes poços servirão para pequenas associações, que dividirão as águas entre si. Agricultores, convencei-vos de que a associação é a vida de grandes empresas úteis e especialmente da pequena agricultura ou daquela em que a propriedade está muito subdividida, como aqui acontece. Isto que é uma verdade, um axioma para a Ciência, precisa de ser demonstrado à maioria dos nossos agricultores; mas não é isso fácil.

Agricultores, suponde que um de vós tem uma propriedade onde, por via de mina, se podia descobrir uma corrente de água abundante e que regasse não só a dita propriedade mas ainda outras muito vizinhas; mas para isso se efectuar era preciso gastar uma quantia superior às vossas forças; se todos os interessados se associarem para a obra da mina não só o dono do prédio, onde esta é aberta, mas todos os mais triplicarão pelo menos o valor e a produção dos seus prédios a troco de uma pequena cota, e conseguirão todos o que um só não podia conseguir. Isto é evidente. Aplicai a associação a outras muitas coisas e podereis comprar máquinas de grande valor; enfim, sereis iguais aos grandes capitalistas, com os quais não podereis competir de outra maneira. Em relação ao nosso ponto – as regas – só por via de associações se podem conseguir, porque infelizmente as máquinas hidráulicas para pequena cultura são ainda muito imperfeitas, por lhes faltarem as condições de barateza, solidez, facilidade de se locarem.(10)

Depois destes terrenos, seguem-se os chamados «do Monte», de que vamos falar.

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NOTAS:

(1) – A palavra «chousa» vem do verbo latino claudo e quer dizer 'fazenda fechada', «clausa» (Vd. Viterbo, cit.)

(2) – Os cômoros devem ser plantados de novo de anos a anos; lucra-se a lenha velha e ocupa-se menos espaço.

(3) – Esta denominação de «campo velho» parece indicar que aqui foi a parte do campo que primeiro se cultivou, ou que este foi o campo dos primeiros povoadores da Vila, supondo um campo novo cultivado depois daquele; e sendo o campo velho uma parte pequeníssima em relação ao mais campo, e próximo à Vila, daqui podemos concluir que ele foi o campo dos primeiros povoadores, que também deviam ser poucos. De um documento autêntico que temos se vê que este campo, tendo estado areado a ponto de os proprietários não conhecerem os marcos de seus prédios, se lhe fizeram trabalhos para o desarear, que em 1720 era tido por fertilíssimo.

(4) – Desde os Tojos até ao Gramoal de Taboeira passa o leito proposto sempre por testadas de propriedades que são mais fáceis de expropriar do que as propriedades no seu cumprimento.

(5) – É certo que nos terrenos marginais da Vageira aparecem camas de areia em grande extensão; mas essas podiam ser trazidas pela Vageira, como é de crer.

(6) – Este facto explica perfeitamente a razão por que nas terras do campo se impuseram foros pesadíssimos destes cereais muito mais valiosos que o milho actual; e que desgraçada e indevidamente ainda alguns se pagam, apesar de a terra os não produzir! Se não fosse a introdução do nosso milho, estaria hoje o campo a produzir só feijão, abóboras e painço para os canários.

(7) – Segundo a cálculo que fizemos num dado terreno.

(8) – O sistema de semear ao covato nos terrenos arenosos e que se podem estrumar é preferível ao actual. O que dizemos mostra a necessidade de novas maquias e novos processos.

(9) – A rega foi usada com este resultado pelo nosso sempre lembrado mestre de latim Calisto Luís de Abreu no quintal do Outeiro, em que, secando o milho e mais novidades em alguns anos nos meses de Verão, conseguiu, com a rega, ter não só uma produção certa, mas mesmo triplicada.

(10) – As melhores que temos são as bombas e as noras, e os estanca-rios.

 

 

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