AGRICULTURA
► 1. O CAMPO
Os principais melhoramentos ou benefícios,
que se têm feito no campo, são os dos cômoros e tapagens, ou, como
aqui se diz, fazendo chousas(1)
e abrindo valas. Haverá meio século houve quem se lembrasse de propor
que se arrancassem todos os ditos cômoros, tendo em vista aproveitar a
terra que eles ocupavam. Esta proposta não se levou nem deveria levar a
efeito; porque, sendo o campo muito exposto ao vento norte, é evidente
que os cômoros são o único meio económico de o abrigar: benefício que é
reconhecido por todos os que têm observado a diferença para melhor que
fazem as novidades próximas e ao abrigo dos mesmos cômoros, estamos
convencidos de que, se não fossem os cômoras, o campo estaria hoje em
péssimo estado, em consequência das nortadas que têm havido nos últimos
vinte anos.
Parece-nos contudo que, para evitar ou atenuar o prejuízo
da sombra dos cômoras, não se devem estes deixar crescer além de certa
altura.(2)
O benefício das valas é reconhecido por todos. As valas
são a nossa antiga e fácil drenagem com que enxugam, alteiam, aquecem e
arejam os terrenos húmidos, baixos, frios e impermeáveis ao ar. Não
sabemos o grau da fertilidade deste campo nos séculos remotos; mas
devemos supor que foi em grau muito subido, atendendo aos foros
pesadíssimos
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e rações de 4.ª a 9.ª que lhe foram impostos numa superfície que está
sepultada a muitos metros de altura; sendo certo que a superfície actual
não suportaria tais encargos.
Devemos advertir que a parte do campo, que há poucos anos
era tida por mais produtiva, como era o Campo Velho,(3)
e outras até perto da Maria-Farinha, estão hoje muito inferiores; e pelo
contrário todo o campo, que fica abaixo desta, melhorou muito com os
aterros da estrada marginal do Vouga abaixo de Angeja e com os do
caminho de ferro e ponte do Estrepeiro; os quais, demorando e tornando
menos impetuosas as correntes das cheias, fazem precipitar os engodos ou
adubos que estas arrastam.
Todo o campo é limitado pela margem esquerda do Rio
Vouga, que corre em todo o comprimento do campo pela sua parte mais
elevada, e tanto que já de há muitos anos tende a romper e a correr
'para o mesmo campo, abrindo as grotas dos Tojos, Pasto, Madeiros e
Tojo; por onde teria de facto rompido, se não tivesse, havido o cuidado
de lhe pôr diques nestas grotas; mas hoje, estando o leito do rio quase
no mesmo nível do campo, é de esperar que este venha a cobrir-se de
areias do rio.
Todos sabem que o Vouga tem a sua queda natural para o
sítio chamado a Vageira, seguindo pelo Poço do Grifo, Gramoal de
Taboeira e daqui para a ponte do Estrepeiro, descrevendo uma linha quase
recta e correndo por um leito mais baixo, ao passo que pelo actual
descreve uma grande curva que muito prejudica a navegação, por ter de
correr muito maior espaço e porque nos meses de verão é já quase
impossível pela demora e acumulação de areias que dentro de poucos anos
terão obstruído completamente o rio.
No princípio deste século fez-se um grande encanamento
com estacas e sebes para obviar estes males, mas não era este o melhor
meio, porque as tortuosidades do rio ficaram como dantes; e por isso
pouco benefício se tirou desta obra que acabou há muito tempo,
parecendo-nos que seria melhor abrir o leito do rio
pelo sítio referido, por onde já tem princípio – e não parece ser muito
dispendioso.(4)
Sabemos que alguns lavradores têm grandes receios de que
pela mudança do leito do rio venham sofrer prejuízo os campos marginais.
É certo que esta mudança tem muitas vantagens públicas e particulares;
mas não é menos certo que algumas propriedades podem ser prejudicadas,
pelo menos temporariamente.
Como dissemos, a navegação lucra inquestionavelmente, e
talvez a barra de Aveiro, porque as águas do Vouga hão-de correr e
expelir as areias com mais força. A Vila comercialmente lucra muito pela
facilidade da importação e exportação, por via da navegação deste rio
que lhe fica à porta, no sítio da Balsa, onde já tem excelente local
para cais. Todos os agricultores sabem que o rio é o grande condutor dos
engodos e cinzas das queimadas das serras, que dele se espalham para os
campos, sendo sempre mais beneficiados os marginais; e por isso o campo
vizinho do novo leito, bem longe de ser prejudicado, deve melhorar
muito. O rio alteia, posto que lentamente, os terrenos marginais, e por
isso os terrenos baixos e pantanosos, especialmente a Samoqueira e
outros, irão alteando a ponto de se reduzirem a cultura em algum tempo;
e talvez a aproximação do rio aos pântanos do Arrujo, Ribeirinho e
Canisieira lhes facilite o esgoto e dessecamento, se o dito rio tiver o
fundo que se espera. Não se pode porém negar que, a par de tantas
vantagens, pode haver prejuízos em algumas fazendas baixas, tornando-as
húmidas e frias, pelo menos temporariamente; sendo também de esperar
que, alteando os terrenos marginais pelo decurso de anos ou séculos, os
ditos pântanos do Arrujo, Ribeirinho e Canisieira fiquem em piores
condições por falta de esgoto; mas em todo o caso este facto há-de
realizar-se talvez mais cedo do que se pensa. E quem
nos afiança de que o Vouga não volta para o seu antigo leito?(5)
Ninguém, decerto, e nem isso é interessante saber-se; no
entanto, afigura-se-nos que ele, depois de muitos séculos, sendo
alteados os terrenos marginais, voltará do leito proposto para o actual.
Mas íamo-nos deixando levar pelas águas do Vouga; é tempo
de entrarmos no ponto que nos propusemos: tratar da agricultura do
campo. O campo é aplicado actualmente para a cultura de milho e feijão;
e só por excepção se lhe semeia trigo, cevada e centeio em alguns muito
poucos sítios mais altos.
Não sabemos ao certo em que ano se introduziu a cultura
do milho neste campo; mas só o podia ser depois do ano de 1595, em que
ela se introduziu no Reino; sendo certo que no ano de 1731 já se pagavam
foros do milho das terras do campo, o que não aconteceria se nelas se
não cultivasse.
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Do foral dado a esta Vila por EI-Rei D. Manuel I em 2 de
Junho de 1516 se deduz que neste ano ainda não se cultivava o milho,
senão o painço; e não fala em outra qualidade de milho; é porque ainda
não se tinha introduzido. Devemos crer que até aos ditos anos de 1516 e
1595 se cultivavam os cereais de trigo, cevada, centeio, aveia e
milho-painço no campo, que se devia prestar a esta cultura em
consequência da profundidade do Rio Vouga, e por isso o
seu terreno era mais enxuto do que hoje é.(6)
O milho e o feijão é semeado na maior parte sem estrume;
mas é certo que os terrenos do campo que são adubados indemnizam bem
esta despesa.
Não é nossa intenção escrever um tratado de agricultura,
que é impróprio deste lugar e excede as nossas forças; mas sim notar os
erros que nos parece terem havido nos processos usados e os
melhoramentos a fazer; devemos porém dizer antes o processo que se usa.
Estrumada a terra (quando se estruma) ou não estrumada,
lavra-se com a charrua, grada-se e semeia-se a lanço o milho e o feijão
simultaneamente, e depois torna-se a gradar para cobrir a semente. A
terra fica coberta de semente de maneira que é preciso depois arrancar a
maior parte. Passados 21 dias, pouco mais ou menos, segue-se a monda ou
desbaste e sacha; e é aqui onde se dá o maior inconveniente.
Por mais hábil que seja o mondador, não é possível, com a
rapidez que a monda se costuma fazer, deixar o milho igualmente
compassado; e o que é ainda mais difícil é combinar os intervalos do
milho com os do feijão; enfim, a novidade basta numa certa terra e
noutra rara, segundo o capricho do lavrador. Na sacha acontece pior. Se
fosse possível que cada propriedade fosse sachada por uma só enxada, ao
menos havia uniformidade em cada terra; mas não sendo isto, muitos
operários juntamente, uns mais e outros menos hábeis, resultam daqui os
inconvenientes que são de todos conhecidos. Todas estas irregularidades
dão uma grande soma de prejuízos que é mister evitar. Não podemos
aprovar a sementeira simultânea de milho, feijão, e menos a das
abóboras, que convém fazer-se cada uma em terreno separado e em regos
direitos; mas, quando se queira insistir em semear o milho com o feijão,
deve ser em regos também direitos e alternados, a saber, carreiro de
milho e carreiro de feijão. Uma seara assim não oferecerá uma vista
lindíssima, mas terá as seguintes vantagens: – 1.º a terra ficaria com
um número de pés de milho pouco maior que na sementeira
a lanço, mas com um número de pés de feijão extraordinariamente maior;(7)
resultando desta disposição o melhor e mais igual desenvolvimento da
novidade, porque – 2.º o estrume lançado à terra seria todo aproveitado
em benefício destas, o que não acontece no sistema actual, porque uma
grande parte da superfície estrumada não tem pés de milho nem feijão, e
por conseguinte só serve para criar ervas ruins; 3.º o mondador e
sachador menos hábeis fariam estes trabalhos com brevidade e perfeição,
deixando um número de pés destas novidades aproximadamente idêntico em
todos os anos; 4.º dispensar-se-ia a arrenda ou se daria juntamente com
a sacha; 5.º os raios do sol dariam igualmente em todos os pés das ditas
novidades; 6.º a colheita do feijão se faria muito mais fácil, sem
prejuízo do milho.
Pensem nisto os lavradores, deixem a rotina e pelo menos
façam ensaios em ponto pequeno. Se não podeis cultivar a agricultura
adubando a terra que leva 20 alqueires de semeadura,
cultivai só 10 alqueires e arrendai ou deixai a pousio os outros 10, e
vereis o lucro que se tira de cultivar pouco e bem.(8)
Passemos dos terrenos dos campos aos circunvizinhos da
Vila
–
as lavouras.
► 2. AS LAVOURAS
As lavouras ou terrenos em roda da Vila, compreendendo os
quintais, são bem cultivados e excelentes para todas as novidades tanto
de verão como de inverno; mas são susceptíveis de grandes melhoramentos,
sendo os principais, 1.º os adubos, 2.º a rega.
Do primeiro falaremos adiante. A rega triplica
seguramente a produção destes terrenos.
Como vimos, a Vila está situada sobre um grande lençol de
água, que corre ora na fundura de dois metros, ora de mais metros.
É certo que a Vila tem muitos poços cujas águas são
aproveitadas por seus donos, cada um para a sua hortinha ou hortaliças;
mas nós quereríamos que se fizesse uso das águas em mais larga escala,
regando os milhos destas lavouras. Porque desta maneira triplicaria a
produção, este resultado já convidava a fazer-se
qualquer sacrifício para o conseguir.(9)
Lembramos dois meios de isto se levar a efeito; 1.º por
via da exploração, minas e encanamento de águas, 2.º por meio de grandes
poços.
O 1.º é mais difícil (poderia conseguir-se por via de uma
grande associação dos proprietários, a quem pudesse aproveitar). A Vila
tem sítios, dos quais a água explorada podia correr todas as
propriedades; talvez nas Fontainhas e outros sítios do monte chamado a
Serra de Eixo se descobrissem águas suficientes por meio de uma grande
mina. O 2.º meio é muito mais praticável e consiste em abrir nos lugares
convenientes poços de grande profundidade e largura, de maneira a que
não só servissem de depósito das águas pluviais mas abrangessem o maior
número das nascentes. Estes poços servirão para pequenas associações,
que dividirão as águas entre si. Agricultores, convencei-vos de que a
associação é a vida de grandes empresas úteis e especialmente da pequena
agricultura ou daquela em que a propriedade está muito subdividida, como
aqui acontece. Isto que é uma verdade, um axioma para a Ciência, precisa
de ser demonstrado à maioria dos nossos agricultores; mas não é isso
fácil.
Agricultores, suponde que um de vós tem uma propriedade
onde, por via de mina, se podia descobrir uma corrente de água abundante
e que regasse não só a dita propriedade mas ainda outras muito vizinhas;
mas para isso se efectuar era preciso gastar uma quantia superior às
vossas forças; se todos os interessados se associarem para a obra da
mina não só o dono do prédio, onde esta é aberta, mas todos os mais
triplicarão pelo menos o valor e a produção dos seus prédios a troco de
uma pequena cota, e conseguirão todos o que um só não podia conseguir.
Isto é evidente. Aplicai a associação a outras muitas coisas e podereis
comprar máquinas de grande valor; enfim, sereis iguais aos grandes
capitalistas, com os quais não podereis competir de outra maneira. Em
relação ao nosso ponto – as regas – só por via de associações se podem
conseguir, porque infelizmente as máquinas hidráulicas para pequena
cultura são ainda muito imperfeitas, por lhes faltarem
as condições de barateza, solidez, facilidade de se locarem.(10)
Depois destes terrenos, seguem-se os chamados «do Monte»,
de que vamos falar.
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NOTAS:
(1)
– A palavra «chousa» vem do verbo latino claudo e quer dizer
'fazenda fechada', «clausa» (Vd. Viterbo, cit.)
(2)
– Os cômoros devem ser plantados de novo de anos a anos; lucra-se a
lenha velha e ocupa-se menos espaço.
(3)
– Esta denominação de «campo velho» parece indicar que aqui foi a parte
do campo que primeiro se cultivou, ou que este foi o campo dos primeiros
povoadores da Vila, supondo um campo novo cultivado depois daquele; e
sendo o campo velho uma parte pequeníssima em relação ao mais campo, e
próximo à Vila, daqui podemos concluir que ele foi o campo dos primeiros
povoadores, que também deviam ser poucos. De um documento autêntico que
temos se vê que este campo, tendo estado areado a ponto de os
proprietários não conhecerem os marcos de seus prédios, se lhe fizeram
trabalhos para o desarear, que em 1720 era tido por fertilíssimo.
(4)
– Desde os Tojos até ao Gramoal de Taboeira passa o leito proposto
sempre por testadas de propriedades que são mais fáceis de expropriar do
que as propriedades no seu cumprimento.
(5)
– É certo que nos terrenos marginais da Vageira aparecem camas de areia
em grande extensão; mas essas podiam ser trazidas pela Vageira, como é
de crer.
(6)
– Este facto explica perfeitamente a razão por que nas terras do
campo se impuseram foros pesadíssimos destes cereais muito mais valiosos
que o milho actual; e que desgraçada e indevidamente ainda alguns se
pagam, apesar de a terra os não produzir! Se não fosse a introdução do
nosso milho, estaria hoje o campo a produzir só feijão, abóboras e
painço para os canários.
(7)
– Segundo a cálculo que fizemos num dado terreno.
(8)
– O sistema de semear ao covato nos terrenos arenosos e que se podem
estrumar é preferível ao actual. O que dizemos mostra a necessidade de
novas maquias e novos processos.
(9) – A
rega foi usada com este resultado pelo nosso sempre lembrado mestre de
latim Calisto Luís de Abreu no quintal do Outeiro, em que, secando o
milho e mais novidades em alguns anos nos meses de Verão, conseguiu, com
a rega, ter não só uma produção certa, mas mesmo triplicada.
(10) –
As melhores que temos são as bombas e as noras, e os estanca-rios.
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