EDIFÍCIOS PÚBLICOS
► 1. A IGREJA VELHA
Deve ser grande a curiosidade dos leitores patrícios de
saberem a história desta igreja; porque o desejo de sabermos os factos
antigos cresce na razão directa da sua maior antiguidade.
Da existência desta igreja no sítio onde hoje é a capela
de Nossa Senhora da Graça parece que nenhuma dúvida pode haver não só
porque é tradição constante, mas também porque temos um documento
autêntico onde isto se mostra, qual é o traslado de Vedoria feito em 27
de Junho de 1727, que está junto a uma escritura de renovação de um
prazo de 28 de Janeiro de 1727, feita em Lisboa a Manuel Fernandes e
outros de Eixo da Comenda de Cristo de Santo Isidoro desta Vila,
pertencente ao Ex.mo Duque de Cadaval, onde se diz «uma terra
nas Cruzes, que parte do nascente com o caminho da Igreja Velha, que é
agora a Capela de Nossa Senhora da Graça».
Constando-nos que no adro desta capela havia restos de
edificações antigas, tratámos de examinar e, nas escavações que fizemos,
em 27 de Março de 1868 descobrimos o seguinte:
Em frente da capela, da porta principal para o lado do
norte, aparece um alicerce que mostra muita antiguidade porque os seus
materiais (pedra vermelha, algum xisto e pedra rincã) estão em tal
estado de dissolução que se desfazem facilmente, devendo-se notar que o
terreno do adro e capela é um saibro enxuto em sítio elevado, onde só à
força de muitos séculos se poderiam corromper os ditos materiais; tendo
já acontecido encontrarem-se ali bem conservados os corpos humanos que
se têm enterrado tanto na capela como no adro com direcção ao sul-norte.
Estes alicerces têm apenas a profundidade de 44
centímetros e 66 de largura. O alicerce que corre paralelo à frente da
capela tem 4,51 metros cada um, havendo indícios de outro alicerce junto
à capela paralelo àquele de maneira que estes quatro alicerces formam um
quadrilongo.
Mas que edifício seria este? Seria a capela-mor da antiga
igreja, que teria a porta principal para o lado poente? Seria esta a
primeira igreja da povoação? Não é fácil descobrir-se,(1)
pois o tempo, que em nada permanece, a memória das coisas
escurece – segundo diz o nosso Sá de Meneses.(2)
É tradição que esta igreja tinha um bom passal, que
abrangia várias terras, que hoje são de particulares, em roda do adro da
dita capela, estendendo-se principalmente para as Cavadas e Ribeirinho,
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até à Vala Real, onde ainda hoje se vê um marco de pedra que dizem ser
do mesmo passal.
Dizem que há documentos disto, que não pudemos alcançar.
Seja como for, o que é certo é que, não havendo nesta Vila um palmo de
terra cultivada que não seja foreiro ou raçoeiro a algum Senhorio, o
espaço de terra, que se diz fora passal, era isento destes encargos ao
Paço, enquanto os terrenos confinantes com ele eram sujeitos a estes
encargos até ao ano de 1832.
O facto desta isenção dos tributos da terra (foros e
rações) e a forma do dito terreno que cerca todo o dito adro
levar-nos-iam a outras indagações em eras remotas; e talvez ao princípio
da povoação; mas limitamo-nos a registá-lo para outros estudarem mais a
fundo. Ao norte da Vila, e no meio de uma praga de foros e rações que
infestaram toda esta terra, encontramos este bocadinho sagrado e
abençoado de Deus, porque escapou ao dilúvio universal; e o que é
notável é que no lado oposto vamos encontrar outro bocadinho
privilegiado no sítio do Arrujo. A respeito deste é tradição que uma
senhora chamada D. Urraca (que dizem ser rainha), passando por esta
terra e sítio do Arrujo, aqui deu à luz um filho e por isso isentou os
seus moradores de certos encargos territoriais, e que por isso se chamou
ao dito sítio do Arrujo «Casal de D. Urraca»), como ainda hoje muitos
lhe chamam.
Não sabemos até que ponto isto é verdade; mas é certo que
o Foral de 2 de Junho de 1516 concede um privilégio aos moradores deste
sítio, dizendo: «e defendemos ao Senhorio dos ditos direitos que mais a
(Iutuosa) não leve a nenhuns moradores da dita terra de Requeixo, nem
isso mesmo aos moradores da póvoa do Arrujo». Semelhante isenção
concorda até certo ponto com a dita tradição.
Querem alguns deduzir do facto de aparecerem sepulturas
ou corpos sepultados no adro desta capela que aqui fora a igreja matriz.
Devemos porém advertir que é certo que aqui se fizeram enterramentos,
quando na igreja actual se fizeram as sepulturas das portas travessas
até à principal; e o mesmo devia acontecer quando a igreja se andou a
construir; mas não sabemos se até apareceriam sepulturas mais antigas,
ainda que é de crer que aparecessem, visto não haver dúvida que aqui foi
a igreja velha. Também não prova de antiguidade o facto de
aparecerem no fundo e nos topos da sepulturas duas
pedras, a que chamavam «testemunhas», porque ainda no ano de 1790 se
conservava o costume de tais testemunhas, segundo se vê da demarcação
que se fez do adro da referida capela em 20 de Dezembro do dito ano,
onde se diz que cravaram marcos de Outil com duas testemunhas de pedra
mármore (seixo). Fazemos estas considerações para que os vindouros,
quando encontrarem corpos enterrados no dito adro, apreciem devidamente
este facto.
Concluímos que, com tudo o que deixamos dito sobre a
igreja velha, não satisfazemos decerto a curiosidade dos leitores
patrícios, que quereriam saber mais do que o «ali foi Tróia» ou que ali
foi a igreja velha.
►
2. CAPELA DA SENHORA DA GRAÇA
Esta capela, que fica ao norte da Vila, é um edifício construído com
muita solidez; tem altura regular e acha-se em bom estado de segurança e
asseio. Não sabemos o ano em que foi primitivamente edificada. É verdade
que sobre a porta principal se lê a era de 1710, mas já
no ano de 1691 havia a Confraria,(3)
e portanto a capela desta Senhora, como se vê no livro de Visitações
–
Visit. 20
–
e já
no adro da mesma capela havia o cruzeiro em que se lê a
era de 1684; por conseguinte, a era de 1710 parece ser a de alguma
reforma ou reparo que se lhe fizesse. O estado de conservação, solidez e
arquitectura desta capela mostra que não seria edificada muitos anos
antes de 1684.(4)
A capela tem um altar e tribuna na
capela-mor, com sacrário,(5)
que hoje serve de nicho onde está a imagem de Nossa Senhora da Graça. À
direita há umas casas, e a principal é sacristia.
Na frente da capela há um nicho com outra imagem da mesma
Senhora, rodeada de anjos e outras figuras de pedra, pintadas de cores.
A festa da Senhora da Graça é no primeiro domingo do mês
de Agosto; é a principal da terra.
Há mais de quarenta anos, com poucas excepções, que se
fazem boas festividades nesta capela, com iluminações na véspera, fogo
preso e música a grande orquestra, e no dia da festa há Missa (ao meio
dia) com exposição do SS.mo com a mesma
/ 35 /
música e sermão, de tarde há outro sermão e procissão, que vem recolher
à igreja quase à noite.
Esta festa é sustentada com esmolas e por mordomos e um
tesoureiro, porque a Confraria (que não é legalmente erecta) não tem rendimentos.
Não devemos esquecer aqui o nome do maior benfeitor desta
capela nos tempos modernos qual é o do nosso patrício o
rev. Cónego José Bernardo de Carvalho,(6)
que mandou fazer, pintar à sua custa, o forro da
capela, madeirar, telhar, solhar toda a capela,(7)
lajear a capela-mor de pedra de Ançã, dourar a tribuna velha, fazer urna
para o altar-mor, pôr vidros nas frestas e caiar por dentro e fora.
►
3. CAPELA DE S. SEBASTIÃO
É uma pequena capela situada ao sul da Vila, construída
com pouca solidez e tem só uma entrada, a da porta principal, sobre a
qual se lê a era de 1734, que é a de uma reforma, porque neste ano
estava ela ameaçando ruína, pelo que foi mandada fazer de
novo e mais larga do que era.(8)
Tem seu altar na capela-mor com a imagem de S. Sebastião,
que costuma festejar-se na mesma capela a 20 de Janeiro ou no domingo
imediato, com Missa cantada e música vocal e instrumental, sermão e
procissão que vai até à rua do Casal e recolhe na igreja. De tarde,
faz-se ali um pequeno arraial, tocando a música à noite.
A capela não só acomoda pouca gente mas também se torna
incomodante no acto da Missa por ser preciso fazer todo o serviço pela
porta principal
–
inconveniente que pode e deve evitar-se, fazendo-se uma sacristia mais
espaçosa com porta para fora, como é de absoluta necessidade.
Ainda no ano de 1760 tinha esta capela avultados
rendimentos, como se vê do Livro de Visitações
–
Visit. 46; mas hoje não tem coisa alguma, sendo a sua festividade feita
por esmolas dos povos desta Freguesia.
►
4. A IGREJA ANTERIOR
Os nossos patrícios quanto apreciariam hoje um desenho da
sua igreja anterior? Todos decerto haviam de ver com admiração a igreja
finda, por mais tosca que ela fosse. Se não podemos satisfazer
completamente este desejo, vamos ao menos dar-lhes a ideia que podemos
colher do Livro de Visitas, e é a seguinte:
A igreja tinha uma altura regular e a sua capacidade
devia corresponder à altura.(9)
Nos anos de 1668, 1685, 1688, estava ela ameaçando ruína e indecente,
pois estava de telha (é o que hoje se chama de valadio ou
sem a telha ser pregada com a cal), sem forro e sem ladrilho.(10)
No ano de 1699, se fez uma tribuna, em que se despendeu a quantia de
60:270 rs.. A capela-mor estava ladrilhada, tinha
cortinas de damasco, arco-cruzeiro com degrau de pedra
lavrada, e sacristia. (11)
Tinha a sua torre com escada por fora, que era custosa de
subir por não ter corrimão, e tinha pia baptismal.(12)
O altar do SS.mo não era o
altar-mor.(13)
Havia nesta mesma igreja duas capelas particulares
–
a de S. Brás e a de S. Nicolau,
(14) que na forma não
eram mais que dois altares, não obstante os Visitadores lhe chamarem
«capelas», pois também em 1726, na Visit. 35, assim se chama «capela de
S. Brás», que não havia na igreja actual, mas sim um simples altar,
que hoje é um nicho na tribuna.(15)
Havia três Confrarias (além da do SS.mo), a saber:
Espírito Santo, Senhora do Rosário e Senhora das
Neves, que tinham seus altares e eram ricas.(16)
Parece que, tanto quanto podemos concluir, havia seis altares no corpo
da igreja, a saber: S. Brás, S. Nicolau, Senhora das Neves, Senhora do
Rosário, Espírito Santo e Santíssimo. Não podemos dizer precisamente o
ano em que esta igreja foi demolida, constando apenas que no de 1mO
pretenderam os povos fazer uma igreja nova que em 1705 estava
arrematada, em 1711 estava a obra começada, continuava
em 1715 e no ano de 1726 já nela se celebrava.
(17)
/ 36 /
Parece porém que podemos ter por certo que no ano de 1709 estava
demolida a igreja anterior, porque, morrendo neste ano o Reitor Diogo de
Morais Cabral, vamos encontrar na capela de Nossa Senhora da Graça a sua
sepultura com pedra que tem o seguinte letreiro:
–
Aqui jaz o Rev. Diogo de Moraes Cabral, Reitor desta Igreja. Faleceo ë
novëbro de 1709. E se o Reitor foi sepultado na capela
é porque a igreja estaria demolida.(18)
Esta igreja estava colocada com a porta principal no
sítio onde hoje é a porta travessa (entre o norte e o poente); ou era
virada para o poente, sendo de crer que todo o quarteirão de casas e
quintais, hoje circuitado pelas ruas do Adro de Cima e de Baixo até à
Picota. fosse o adro ou rossio desta igreja; ainda que há quem diga que
este espaço de terra era um olival e que em frente da dita igreja ficava
o antigo Hospício ou Mosteiro de Santo Isidoro.
Seja como for, o que é certo é que no aqueduto ou vala
que se abriu por ocasião das obras da estrada (de Aveiro a Águeda) e
corre ao norte e poente do adro actual, apareceram caveiras e vestígios
de sepulturas em linha e a correr com o muro do dito adro, aparecendo as
caveiras junto ao muro das casas que foram do Reitor Cabral, paralelo ao
do dito adro. Ora, sendo o costume antigo enterrar-se dentro das igrejas
e achando-se estas sepulturas fora do sítio da igreja, e talvez do adro,
seriam elas do claustro do dito Hospício? Enterrar-se-ia no adro por
causa de alguma epidemia?
Fosse a causa de se enterrar no adro esta ou outra, o que nos parece
provável é que este sítio pertencia ao antigo adro.
/ 37 /
►
5. A IGREJA ACTUAL
A igreja actual é um templo sumptuoso e como
tal foi elogiado pelo Visitador do ano de 1738;(19)
e ainda hoje é considerado como o templo sem colunas de maior capacidade
e solidez deste Bispado de Aveiro. Tem o corpo da igreja 27,7 metros de
comprimento e 10,3 metros de largura, e a capela-mor tem 10 metros de
comprimento e 6,5 metros de largura, ambos com pé direito proporcionado;
as paredes têm de largura um metro e trinta centímetros. Tem no corpo
interiormente uma boa cimalha de madeira dourada; e exteriormente tem
cimalha e sapata de pedra de granito.
O frontispício é elegante, com espaçosa porta principal,
duas janelas, nicho do Padroeiro Santo Isidoro, armas da Casa de Cadaval
padroeira, tudo bem acabado em pedra de granito, que (digamos por uma
vez) se gastou com profusão em toda esta obra, na torre, muros do adro,
duas portas travessas e nas três janelas e três altares por cada lado do
corpo da mesma igreja, e no arco-cruzeiro.
Tem duas sacristias com portas simétricas para a
capela-mor, a saber, ao poente a da sacristia dos Padres e ao nascente a
da Confraria do SS.mo. A capela-mor é toda lajeada de pedra
de Ançã em quadrados de duas cores alternadas, formando um zig-zag
gracioso. No centro desta se vê a sepultura dos
Reitores.
/ 38 /
O altar-mor e tribuna são num gosto pouco vulgar e talvez
singular.(20) Achava-se
tudo muito danificado tanto no talho como na pintura e dourado; mas
acaba de se reparar e dourar a expensas do rev. Cónego José Bernardo de
Carvalho, desta Vila, e ficou em muito melhor gosto que a pintura
antiga, que era de várias cores. Tem a tribuna dois nichos, a saber, o
de S. Brás do lado da epístola e o de Santo Isidoro do lado do
evangelho.
No corpo da igreja, do lado do evangelho, há três altares
–
o que foi do SS.mo ao lado do arco-cruzeiro (hoje do Coração
de Maria)
–
o do Senhor Jesus
–
e o de Santo António; e do lado da epístola há outros três, a saber
–
o de Nossa Senhora do Rosário ao lado do arco-cruzeiro
–
a capela do SS.mo
–
e o altar das Almas; todos com lâmpadas de latão
amarelo, e que antes da Invasão Francesa eram de prata.(21)
De todas estas imagens é notável a do Senhor Jesus, que
tem muito merecimento artístico; a da Senhora do Rosário e a da Soledade
também são perfeitas, esta principalmente na pintura do manto, que é
delicada. A par destas imagens e doutras sofríveis, vêem-se algumas que
já há muito deviam ter sido substituídas; tais são as de S. Pedro e
Santa Luzia, no altar das Almas, e as de Santa Catarina e Senhora das
Neves no altar de Santo António, e as de S. Brás e
Santo Isidoro (o da frente da igreja)
(22) que se devem
guardar pela sua antiguidade; sendo certo que as imagens raquíticas e
mal acabadas dão ocasião à murmuração e falta de respeito, e pelo
contrário as imagens perfeitas impõem certa respeitabilidade que convida
à oração. Em toda a obra há um defeito sensível, isto é, serem as seis
janelas do corpo da igreja pequenas e em desproporção com a sua
capacidade e pé direito; do que resulta ser um pouco escura; defeito que
se agrava por estarem meias tapadas as duas janelas próximo do
arco-cruzeiro, que por isso não sobressai. Este defeito foi notado por
várias vezes pelos Visitadores desta igreja, e com muita razão, podendo
e devendo ser remediado, no que não se gastaria muito dinheiro.
A torre, que é de um gosto pouco elegante, parece que não
teve a melhor construção, e tanto que já no ano de (?) foi necessário
cintá-la com malhetes de ferro e rebocá-la toda porque ameaçava ruína; e
o mesmo aconteceu à parede do fundo da capela-mor, que foi feita de
novo, nos princípios deste século. Esta obra custou 4:144:000 rs. e está
para durar muitos séculos; e hoje não se fazia com
menos de dez ou quinze contos de réis.(23)
Todas as Confrarias desta igreja foram ricas, como se vê
do Livro das Visitações de Eixo, e das quantias de
dinheiro com que concorreram para a obra da tribuna,(24)
que importou em1:376:000 rs. Nesta igreja só há duas festividades
solenes em cada ano, a saber, a da Semana Santa e a da Senhora das
Neves, cujas Confrarias não têm e muito precisam ter Estatutos; A
Confraria das Almas tem Estatutos antigos, que precisam ser reformados.
/ 39 /
Em outro tempo havia muito mais festividades, que se
reduziram a Missa cantada, ora a vozes ora a cantochão, sermão e, em
algumas, procissão, como era a de Corpus-Christi, feita pela Câmara, a
do Senhor Jesus, Espírito Santo, Senhora do Rosário, Senhora das
Candeias e Senhor do Natal.
A extinção do Concelho e da Câmara acabou no ano de
1853 com a festa de Corpus-Christi; e a pompa que se
foi introduzindo nas festividades da Semana Santa
(25) e nas da Senhora
da Graça e Neves, fez com que se fossem acabando as outras pequenas
festas. E com efeito, não só pela razão do aumento destas festas, número
de seus mordomos, mas também depois da separação da Freguesia da
Oliveirinha, era uma necessidade reduzir as Confrarias e festividades.
Já no ano de 1711 se achou que o número de Confrarias era superior às
forças da Freguesia (ainda então conjunta com a da Oliveirinha) e tanto
que o Visitador proibiu que se levantassem mais Confrarias
–
Vd. a Visit. 31.
Especialmente nas povoações rurais e agrícolas (como esta
é) são as festividades de muita utilidade, não só pelo lado moral e
religioso, mas ainda pelo social. Debaixo do ponto de vista religioso,
pensamos que se devem fazer as que os teres do povo permitirem com a
decência devida; debaixo do ponto de vista social são as festividades os
feriados dos trabalhos agrícolas em que os povos se reúnem e muitas
vezes se conciliam de discórdias, instruindo-se com as conversas de
pessoas corrigidas, etc.
A festividade da Senhora das Neves tem lugar no dia 5 de
Agosto quando é domingo, ou no domingo imediato, com a mesma decência
que a da Senhora da Graça (de que falamos noutro lugar),com a diferença
de que na véspera de ordinário só há cavalhadas, e a procissão se faz em
seguida à Missa para ficar a tarde livre para as fogaças.
Concluímos esta parte dizendo que esta igreja tem a
frente virada ao norte, ou entre este ponto e nascente; a igreja
anterior a tinha virada para o lado da Picota (entre norte e poente); e
quando se fizer uma nova igreja, deverá ser virada para a rua do Adro de
Cima (entre poente e sul), por ser hoje a rua principal.
►
6. A CADEIA, A FORCA, O PELOURINHO, A PICOTA
O edifício da cadeia acha-se apenas em paredes e foi
construído no mesmo sítio da cadeia velha, demolida em 1829.
A cadeia velha tinha um andar sobradado, enxovias ou
prisões inferiores, como a actual, com a diferença de ser mais pequena.
A entrada era por um escadório de pedra de Ançã
por fora do edifício, no topo do lado do norte, onde era a porta do
andar sobradado, que servia de casa da Câmara e das audiências dos
Juízes de Fora; sobre esta porta estava o sino e
debaixo da escada havia um balcão, por onde se entrava para a casa do
açougue.(26) No meio e
frente do edifício estavam as armas da Vila, abertas em pedra de Ançã.
O edifício actual acha-se edificado no sítio do antigo
(como dissemos), estendendo-se mais em comprimento para o norte e sul e
em largura para o nascente, onde se expropriaram alguns terrenos para
este fim. Tem a porta principal no centro e sua torre sobre esta, ou
antes, sobre o portal para a janela sacada acima daquela porta.
Tem na frente e andar baixo duas enxovias, cada uma com
duas janelas gradeadas de ferro; e no andar superior tem o sítio para
duas boas salas, cada uma com duas janelas. Além destas, tem para o lado
inferior e superior várias casas para açougue e para outros misteres.
É neste edifício que mais se vê a incúria das Câmaras
desta terra em não obrigarem o arrematante da obra ou seu fiador a
concluí-la andando a mesma Câmara e Juízes por casas de aluguel, por
mais de trinta anos.
Também Eixo teve sua forca, ou antes, simulacro dela,
mais para terror que para matar gente. No sítio da Serra de Eixo ao
norte da capela que os herdeiros de José Marques João-Velho acabam de
edificar, ainda hoje se vêem duas pedras toscas em forma de mós de
moinho com buracos no centro onde dizem se cravavam os mastros da forca,
que não há memória de ter servido. Ainda hoje se chama a este sítio e
propriedades vizinhas «o sítio da Forca» e «ForcadeIas» às propriedades
que ficam ao sul da Feira.
Em frente e a pequena distância do edifício da casa da
Câmara e da cadeia estava o pelourinho, que era uma coluna de pedra de
Ançã de pouca altura, com três degraus da mesma pedra em forma circular
que lhe serviam de base; aí se afixavam os editais da Câmara e Juízo de
Fora. Deitou-se abaixo para fazer a estrada que passa pela rua principal
da Vila.
Que também aqui houve picota parece concluir-se do nome da rua ainda
hoje chamada «da picota».
/ 40 /
►
7. AS FONTES
Há nesta vila duas fontes públicas e dois poços; sendo a
principal a que fica abaixo da igreja, no centro da povoação. Esta fonte
tem uma ou mais nascentes inesgotáveis, e não há memória que secassem
nem diminuíssem, com as maiores sequeiras, tendo duas bicas perenes. Na
demolição que se fez no ano de 1867 para fazer a fonte actual, que se
concluiu no ano de 1868, apareceram vestígios de ser esta
a quarta fonte que ali se fez; por isso é que nas paredes demolidas
apareceram pedras vermelhas,(27)
com cavidades de cântaras nas duas faces, superior e inferior, com a
altura de nove centímetros e meio; e as capas da parede que servia para
pousar as cântaras, que eram de pedra de granito muito rija, tinham
cavidades feitas pelas mesmas cântaras da altura de onze centímetros.
Daqui se conclui que a fonte nova é pelo menos a quarta; porque, se na
parede da fonte anterior apareceram, como material dela, pedras com duas
faces cavadas pelas cântaras em tal profundidade, segue-se que já antes
da fonte anterior se tinham ali feito pelo menos duas, virando-se na
segunda destas as ditas pedras cavadas com a face de cima para baixo.
A variedade de pedras que apareceram nas ditas paredes
demolidas reforça este argumento;(28)
e bem assim os fragmentos (cacos) de cântara que
apareceram no rossio da fonte até à profundidade de um metro, e talvez
muito mais.(29) Estes
factos são uma prova indubitável de que esta povoação é antiquíssima.
A fonte anterior tinha a bica para o sítio onde hoje é o
lavadouro. A sua arquitectura parecia mourisca e consistia em quatro
paredes com coruchéus que formavam a caixa da água (sem abóbada), com um
portal onde era a bica da água que corria por baixo de um patim lajeado
de pedra de granito para o lavadouro que era no mesmo sítio do actual,
mas
/ 41 /
que compreenderia metade do espaço deste. O dito patim era cercado de
muros com as ditas capas de pedra de granito para pousarem as cântaras e
tinha nos ângulos, próximo ao lavadouro, duas pias de pedra de Ançã.
O risco da fonte nova tem bonita vista e foi desenhado
pelo professor de desenho deste Liceu de Aveiro, o Sr. João da Maia
Romão.
A segunda fonte é a chamada «fonte do cortiço». Esta
fonte fica próximo da ribeira da Canisieira, e por isso um pouco
distante dos moradores da Laguela, que são os únicos que diariamente se
servem dela. Esta fonte, na sua primitiva, tinha forma de um forno, cuja
abóbada era feita de pedra xisto; mas hoje, que se acha esta abóbada
arruinada em parte, está reduzida a um pocinho da altura de um metro. É
afamada pela sua água deliciosa, que é considerada a melhor da Vila, e
notável pela dita forma de forno.
Os dois poços são
–
um na rua de S. Sebastião, logo abaixo da capela; é um pequeno poço de
que só se servem alguns moradores deste sítio. O outro é na Laguela, ao
nascente do pontão
–
que é um bom poço, posto que pouco fundo, tem boas nascentes e é notável
pelo arco de tijolo que se firmava em cima de seus muros. É de crer que
este poço e a fonte do cortiço sejam tão antigos como supomos que é o
bairro da Laguela. A Vila é muito abundante de boas
águas, tanto dos muitos poços particulares como principalmente das
vertentes, próximo ao campo, ao norte poente; sendo notáveis os sítios
da Canisieira, Ribeirinho, Cavadas e Outeiro, onde a água corre em
jorros em qualquer covato. Não acontece o mesmo nas vertentes do sul da
Vila, ainda que não falte a água nos poços a pouca altura.
________________________________________________
NOTAS:
(1)
– Devemos advertir que deveríamos continuar as escavações. para que a
pesquisa fosse mais completa.
(2)
– «Malaca Conquistada», Livro 1.º, 1022.
(3)
– O Livro de Visitações mostra negativamente que na igreja anterior não
havia altar e confraria desta Senhora nos anos apontados, e por isso a
Confraria de que fala a Visitação 20 era da capela.
(4)
– A combinação da era da capela 1710 com a da sepultura do Reitor
Cabra11709, devendo por isso a capela estar servindo de igreja matriz
neste ano, e a necessidade que estes povos tinham de fazer a igreja nova
e dispendiosa que estava começada em 1711, nos enredam com dúvidas tais
de que se não poderá sair facilmente senão entendendo que aquela era foi
feita por ocasião de alguns reparos que se fizeram na capela.
(5)
– Indício de que serviu de igreja matriz. No ano de 1741 ainda tinha
dois altares em bruto (Vd. a Visitação 40) que não podiam ser senão aos
lados do arco-cruzeiro e que se demoliram. Em 1754 a tribuna estava por
dourar (Visit. 42). Estes factos também podem indicar que não estaria
reformada há muitos anos. A imagem é muito imperfeita, mostrando por
isso antiguidade.
(6)
– É o mesmo de que falamos como benfeitor da igreja.
(7)
– Este solho durou apenas dois anos, nos fins aos quais estava todo
podre com tortulho! Tanto neste sítio da Senhora da Graça como na rua do
Casal é muito frequente apodrecerem os solhos baixos com tortulho, que
muitas vezes chega ao sobrado! O subsolo nestes sítios é um saibro seco
e quente e por isso, pelo que toca à capela, sendo esta pouco ventilada
por estar fechada, humedece, dando-se as duas condições de calor e
humidade, que desenvolvem o parasita. Mandou-se para isso ladrilhar a
capela de tijolo com o produto de um leilão para que o nosso benfeitor
concorreu, dando algum dinheiro que faltou e mandando fazer a obra.
Acautelem-se os vindouros em não tentarem mais solhar a capela de
madeira, porque é despesa perdida.
(8)
– Vd. Livro de Visitações - Visit. 37...
(9)
– A prova da altura a achamos nós nos dois altares que hoje se conservam
na igreja actual (que eram desta anterior) - o das Almas e o de Santo
António; portanto não era a igreja tão pequena como se diz na Visit. 16,
que a nota de muito pequena, em relação a uma grande freguesia como esta
era e cujo povo se reunia na sua maioria na igreja matriz, talvez por
falta das capelas nos lugares de Oliveirinha, Costa, Moita e outros.
(10)
– Livro de Visit, Visit. 2, 16, 18.
(11)
– Consta isto do Livro do Tombo da igreja, pgs. 4v, 32 e 37v.
(12)
– Visit. 3 e 5.
(13)
– Visit. 13.
(14)
– Visit. 5, 16 e 17.
(15)
– Visit.41.
(16)
– Visit.2.12e14.
(17)
– Visit. 27, 29, 31,32 e 35.
(18)
–
Devemos notar que desde 1705 não houve Visitas nesta Freguesia, do que
podemos conjecturar que neste espaço de tempo se achava a igreja
demolida, servindo a capela de Nossa Senhora da Graça de igreja matriz,
e pelo que talvez os Visitadores julgassem desnecessária a Visita,
porque em circunstâncias extraordinárias tudo se desculpa. A capela
ainda conserva o sacrário. que se faria neste tempo.
(19)
–
Citado Livro de Visitações, Visit. 39. E devemos notar que ainda neste
ano de 1738 faltavam muitos ornatos que se fizeram posteriormente, como
o lajeado da capela-mor, a tribuna, as sanefas de madeira dourada nas
portas travessas...
(20)
–
O
Cónego José Bernardo de Carvalho, desta Vila, deixou em seu testamento a
quantia de 250:000 rs. para esta obra e (?) rs. para um pavilhão para a
capela do SS.mo
–
obras que se fizeram no ano de 1870. Temos o risco deste
altar-mor e tribuna, Que é feito metade num gosto e metade noutro. Os
mestres da obra escolheram de um e de outro o que lhes agradou mais. Não
sabemos com certeza o ano em que a obra da tribuna foi acabada, mas
devia ser poucos anos antes de 1793, porque neste fez o juiz e eleitos
da igreja representação a D. Maria I para que lhes concedesse as sisas
perdidas ou reais da carne e vinho, com que se pagasse ao arrematante a
quantia de 574:000 rs. que se lhe deviam da obra.
(21)
–
O altar que hoje é do Coração de Maria era antes do SS.mo
Sacramento, que dali foi mudado para a capela actual, mandada fazer com
o seu retábulo à custa do nosso patrício e amigo Sebastião de Carvalho e
Lima, que também concorreu com a quantia de 200:000 rs. para o forro da
igreja. Do sítio onde se rompeu a parede para esta obra se mudou o altar
das Almas para o sítio onde hoje está, que o não tinha. No saque francês
as pratas da nossa igreja se compreenderam, e eram muitas. Da lâmpada
das Almas temos um livro de assentos de um tesoureiro Que diz que ela
custou no Porto 162:587 rs. e que foi posta no altar no dia 8 de Abril
de 1781, em Domingo de Ramos.
(22)
–
Há Quem diga que esta imagem de Santo Isidoro era a mesma
do antigo Hospício, donde foi levada para o Convento de Serém, e
requisitada deste quando se fez a igreja actual; não afiançamos esta
tradição, mas o que é certo é que tanto esta como as outras imagens são
tão toscas que nos levam a crer que eram da igreja anterior, e talvez da
velha. Tudo isto pode desculpar-se até certo ponto e tempo; mas o que é
muito censurável é que modernamente se comprasse uma imagem tão
imperfeita (diz-se Que custou 15 moedas!!) como a do Coração de Maria.
Hoje um artista muito piegas faz por este preço duas imagens muito mais
perfeitas do que esta que os Missionários nos impingiram por bom preço!
(23)
–
Vd. cit. Livro de Visitações, 31; e sobre a época em que
foi feita veja-se o que dissemos da igreja anterior.
(24)
–
Constam estas quantias de um Livro de razão do
arrematante da obra Dr. Eusébio Custódio das Neves, nosso bisavô (que
temos em nosso poder); donde consta que a obra da tribuna, sanefas e
pintura foi arrematada por 1:376:000 rs., para o que concorreram as
Confrarias com 570:000 rs. e a Fábrica com 806:000 rs.; a Confraria da
Senhora da Graça deu 240:000 rs., a da Senhora do Rosário 220:000 rs., a
do SS.mo Sacramento 80:000 rs., a do Senhor Jesus 20:000 rs.,
a do Espírito Santo 40:000 rs., a de S. Sebastião 6:000 rs., e a das
Almas 200:000 rs.. O resto foi mandado preencher em sigas perdidas em
que o arrematante perdeu muito.
(25)
–
Há dezoito anos sem interrupção que se celebra nesta
igreja a Semana Santa com música vocal e instrumental, com muita
decência, no que se gasta o melhor de 25 moedas. O sino era o que hoje
se acha na torre da igreja, na ventana do nascente.
(26)
–
É verdade que para este fim se tentou um processo (que deve existir na
Câmara de Aveiro) contra o mesmo arrematante José de Pinho, de Aveiro,
que teve bons padrinhos, e por isso não concluiu a obra.
(27)
–
Daqui se pode conjecturar que há quantos séculos se usa de pedra vermelha
de Eirol, porque não há vestígios de outra mais próxima.
(28)
–
As pedras eram, a vermelha, algum xisto, Ançã, Outil,
granito duro e broeiro amarelo. Também apareceu uma pedra de Ançã, que
tinha servido de nicho de algum santo, e outra quadrilonga lavrada com
flores (de que temos o desenho), que parecia ter sido da igreja ou
edifício nobre. Qual seria?
(29)
–
A escavação que se fez para os alicerces desta fonte
(actual) foi imperfeitíssima, pois foi tão pouco funda que não se
descobriu o verdadeiro sítio das nascentes e o alicerce está assente um
metro acima da niza em terra solta de areia, e por isso a água não subiu
até onde se queria
–
o que nos privou de observar este terreno.
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