JARDIM BOTÂNICO -
CONCEITOS MODERNOS
Em
tempos idos defendi na Imprensa local a ideia de que a Universidade de
Aveiro deveria adquirir a Quinta de S. Francisco, em Eixo, na qual se
encontrava (e encontra) o muito famoso «Museu do Eucalipto». Segundo eu
pensava, essa aquisição teria em vista o aproveitamento científico do
arboreto lá existente e a sua integração na vida activa da referida
Universidade.
Claro está que eu, ao propugnar tais ideias, não me
esqueci de frisar que o assunto me não dizia directamente respeito:
seria apenas uma sugestão a lembrar a quem de direito uma possibilidade
simpática para o engrandecimento da nossa Escola Superior. Constou-me
que a sugestão encontrou eco, mas sobrepuseram-se problemas de ordem
financeira e, com eles, a impossibilidade de tornar viável a sugestão
apresentada. Com o evoluir dos tempos, surgiu felizmente quem tinha
capacidade e também vontade de comprar a citada Quinta-Museu: foi a
Portucel; e não faltou quem pensasse que esta Entidade apenas comprava a
propriedade para dela aproveitar o notável renque de eucaliptos, o que
eu sempre contradisse nas conversas com quem me punha o problema
naqueles termos.
Efectivamente, a Portucel, logo que se assenhoreou da
Quinta de Eixo, iniciou obras de resguardo da propriedade e da
construção de um edifício para instalação de um «Centro de
Investigação». Eis uma demonstração concreta do que deve ser uma
indústria moderna: investigar no laboratório para depois aplicar na
prática laboral os conhecimentos adquiridos – quiçá descobertos – no
estudo científico. Esta atitude implica simultaneamente a convicção de
que um «Centro de Investigação» não está, não pode estar, de costas
voltadas para a Universidade.
Aliás, em conversa com responsáveis, fui informado de que
assim era e a Portucel pretendia a mais intensa e cordial colaboração
com a Universidade. Oxalá que, quando tudo funcionar em pleno, se
realizem totalmente esses bons desígnios.
É necessária reciprocidade de ideais científicos e
sociais. As Universidades modernas inserem-se no meio ambiente e não se
isolam nas suas torres de marfim; a indústria moderna não dispensa a
colaboração da ciência investigativa nem se concebe que viva sem os
respectivos apoios.
/ 20 / Só assim, em mútuo entendimento, se poderão realizar os
labores dumas e doutras destas Instituições.
Conjugando estes pontos de vista, poderá concluir-se que,
afinal, a Quinta de S. Francisco sempre ficou ligada à Universidade de
Aveiro com vínculos que, débeis no início, se irão fortalecendo com o
decorrer dos tempos e com os trabalhos comuns que certamente irão
realizar as duas instituições mutuamente integradas.
O «Centro de Investigação» foi inaugurado em 4 de
Novembro passado e, embora convidado, não pude assistir, o que lamento.
Irei em data próxima visitá-lo e certamente regalar-me com o seu
funcionamento, visto tratar-se de assunto tanto ao jeito das minhas
predilecções.
Mas... e o Jardim Botânico?
Antes do mais, é preciso definir o conceito de Jardim
Botânico que já vem desde os tempos do famosíssimo Brotero, segundo
vemos em recente trabalho da Dr.ª Margarida Queirós, do Instituto
Botânico de Coimbra.
Segundo Brotero, os Jardins Botânicos são repositórios de
plantas raras, preciosas e exóticas onde se adquirem ideias sobre as
vivências dos seus diversos estádios que se não podem adquirir nos
herbários. Sendo embora lugares de repouso e de recreio, constituem
também um modo de familiarização destinada a servir os imperativos da
Ciência e da Investigação. Devem servir ainda de apoio aos estudos
médicos e farmacêuticos, a diversos ramos da agricultura e da indústria
e ainda ao estudo das bases da botânica filosófica.
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Estive a última vez na Quinta para ouvir uma palestra do
sempre lembrado Eduardo Cerqueira, lembrado dizíamos, como amigo, como
contra-parente e como conversador profundo, erudito e amável. Vi então
as obras do edifício há pouco inaugurado e tive a impressão de que era
pequeno. Com efeito, se pensarmos de que nele deverá haver laboratórios
de citologia vegetal, de genética, de fisiologia, e outros; que deve
existir um herbário que, só por si, irá crescendo com o tempo até vir a
ser repositório da flora local e regional, o mais completo possível; que
deve ter tanques em que se possam criar as plantas aquáticas que
proliferam no Rio Vouga a correr próximo, nas pateiras e na Ria e
estudá-las até à exaustão; que também não pode nem deve faltar a
construção e conservação de viveiros diversos, fornecedores de
matéria-prima para as mais variadas experimentações; que deverá ter uma
secção de sementes para colheita, catalogação e conservação das mesmas;
que ainda, como que a formar a cúpula de todo este conjunto, é
necessária uma biblioteca que também irá crescendo com os anos até que
constitua elemento pedagógico substancial para apoio a tudo o que se
realizar, tanto no campo de aplicação prática como no didáctico; se
pensarmos em todos estes elementos, teremos uma noção mais exacta da
pequenez das instalações agora iniciadas.
Se acrescentarmos a este estendal o serviço cultural e de
aperfeiçoamento pessoal que um Jardim Botânico pode prestar a todos os
membros da comunidade em que se / 22 /
insere, teremos um panorama completo do que ele pode e deve ser.
Por isso e para isso, julgamos acanhadas as novas
instalações construídas em Eixo, mas o certo é que, além do
aproveitamento da casa senhorial lá existente aonde eu e outros ouvimos
a palestra (creio que a última) de Eduardo Cerqueira, ainda dispõem de
muito terreno com possibilidades de aproveitamento.
Deste modo, estou bem convencido de que a aquisição da
Quinta pela Portucel foi um passo em frente, com validade óptima para a
actividade industrial daquela Empresa e também para a ciência, em
conexão com a Universidade de Aveiro.
Não se passará muito tempo sem que vejamos desenvolver-se
ali um pólo turístico e de visitas de estudo com carácter pedagógico que
nos façam a todos bem dizer a memória de Jaime de Magalhães Lima e de
seu cunhado, o ínclito botânico Doutor Júlio Henriques, que lá souberam
criar o núcleo que veio a redundar no desenvolvimento a que agora
assistimos e no desabrochar desta árvore que promete ser frondosa e
produtora de muitos e bons frutos.
ORLANDO DE OLIVEIRA
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