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Boletim n.º 2 - Ano I - 1983 - pp. 17-22

Cem anos de Artes Plásticas

Uma Exposição Distrital

 

1 - APONTAMENTO SUMÁRIO

 

ENTIDADE PROMOTORA

Câmara Municipal de Aveiro, que formalmente assumiu toda a responsabilidade, incluindo a exposição «Cem Anos de Artes Plásticas» no Plano de Actividades para 1983. No entanto, a concretização da iniciativa deveu-se sobretudo ao trabalho sobre-humano e à dedicação generosa dos membros da respectiva Comissão Organizadora que, em conjugação de esforços com o Pelouro Cultural, agiu com a necessária autonomia.
 

 
  COMISSÃO ORGANIZADORA

Dr. Amaro Ferreira Neves; Dr. Énio Semedo; P.e João Gonçalves Gaspar; Cor. Cândido Teles; Dr. Vasco Branco; Dr. Diamantino Dias.
 

 
 

PRINCIPAIS FINALIDADES

Comemorar o I Centenário da «Exposição Distrital de Aveiro», de 1882, promovida pelo Grémio Moderno.
 

 
    Homenagear todos quantos se empenharam nessa importante manifestação cultural, designadamente João Augusto Marques Gomes e Joaquim de Vasconcelos.
 
 
   

Mostrar obras de artistas que nos últimos cem anos interpretaram Aveiro, a sua região, a sua paisagem e a sua gente, nas modalidades de pintura, gravura, desenho, cerâmica, escultura e tapeçaria.
 

 
  TRABALHO EXAUSTIVO

Inventariaram-se as «existências» em museus, visitaram-se casas particulares, recolheram-se notas biográficas de artistas, organizou-se um ficheiro de artistas, obras e proprietários, compuseram-se pequenas biografias, compilaram-se dados sobre fábricas de cerâmica, contactaram-se bancos, empresas e entidades para eventuais apoios económicos...
 

 
   

Distribuíram-se 500 cartazes, fizeram-se 2500 catálogos, enviaram-se 500 convites em nome da Câmara Municipal e da Comissão Organizadora, imprimiram-se 5000 autocolantes, juntaram-se dezenas de fotografias dos principais artistas e obras representadas...
 

 
  APOIOS E SUBSÍDIOS

Patrocínio da Câmara Municipal de Aveiro, que proporcionou o Salão Cultural, mandou executar plintos e expositores, adaptou a iluminação e editou o catálogo, transformando-o no n.º 1 do «Boletim Municipal» – tudo feito com «dignidade, mas dentro dos condicionalismos da austeridade».
 

 
    Subsídio do Governo Civil de Aveiro.
 
 
    Subsídio da Secretaria de Estado da Cultura.   / 18 /
 
 
  ABERTURA OFICIAL

Efectuou-se no dia 10 de Março de 1983, às 18 horas, sob a presidência do Governador Civil de Aveiro, Dr. Aurélio Pinheiro, ladeado por D. Domingos de Pinho Brandão, Bispo Auxiliar do Porto, pelo representante da Câmara Municipal de Aveiro, Cap. Luís António Tavares, pelo representante da Diocese de Aveiro, D. António Baltasar Marcelino, e por um elemento da Comissão Organizadora, Dr. Vasco Branco, que sumariamente apresentou os objectivos da exposição e o conferente convidado. Estiveram presentes outras entidades oficiais e cerca de 200 visitantes.
 

 
  DURAÇÃO E AMPLITUDE

A exposição «Cem Anos de Artes Plásticas», que se manteve até ao dia 27 de Março, mostrou mais de 300 trabalhos, representando cerca de 80 artistas, artesã os e fábricas. O catálogo deu ideia do âmbito da realização, se bem que numerosas peças acabaram por ficar «extra-catálogo».
 

 
  NÚMERO DE VISITANTES

Visitaram a exposição cerca de 4500 pessoas. Destaca-se aqui a presença dos cursos terminais de Artes Visuais das Escolas Secundárias e dos grupos de alunos das Escolas Superiores de Artes do Porto. Também a visitaram vários críticos, entre os quais o Dr. Matos Chaves, da Escola Superior de Belas Artes do Porto, que proferiu uma conferência sobre «A Arte Europeia dos Últimos Cem Anos».
 

 
         

 2 – DISCURSO DE ABERTURA
 

O conferente convidado para a abertura oficial foi D. Domingos de Pinho Brandão, natural de Rossas (Arouca), que não só é actualmente um dos bispos auxiliares do Porto, mas também, estudioso de Arte, História e Arqueologia, exerce as funções de director do Museu de Arte Sacra, instalado no Mosteiro de Santa Mafalda, em Arouca.

Registamos aqui as suas judiciosas palavras que, por constituírem uma oportuna lição de mestre, dignificam sobremaneira as colunas do nosso Boletim.

 

Tomo a palavra nesta sessão de abertura da Exposição «100 anos de Artes Plásticas», pelo motivo de ser natural do Distrito de Aveiro. Essa, fundamentalmente, a razão por que aqui estou; essa, fundamentalmente, a razão do convite que me foi dirigido. E procurarei não ultrapassar o limite de tempo que me foi imposto: 15 minutos.

 

SOU DE AROUCA... VENHO DO PORTO...

Efectivamente, nasci em Arouca, na freguesia de Rossas, e tenho sempre muito prazer e brio em dizer que sou de Arouca.

Vivo actualmente na cidade do Porto.

Sou de Arouca: nasci em terras deste Distrito de Aveiro. Evoco, neste momento, e na sede do Distrito, a terra que me foi berço, das mais lindas e portuguesas – porque não dizê-lo?! – Terras de Portugal! E porque estamos em Aveiro, a encantadora Cidade da Beata Joana, Princesa – padroeira da Cidade, lembro a Beata Mafalda, a Rainha Santa de Arouca, Princesa e Rainha.

Ex-libris desta cidade é também a igreja de Jesus jóia de arte nunca suficientemente apreciada, integrada no Mosteiro-Museu, de tanto valor e interesse. Este facto faz-me recordar a magnificente igreja conventual de Arouca, que bem se / 19 / integra no magnífico museu regional de Arte Sacra de Arouca, instalado em dependências do mosteiro, museu de que, para seu mal, sou Director.

Venho do Porto. É sabido que alguns artistas portuenses dos fins do século XVII e primeira metade do século XVIII se enamoraram de Aveiro. Efectivamente, uma grande parte da escultura e talha dourada de Aveiro e seu aro foi obra de entalhadores portuenses, como, há anos, revelei num encontro de Directores e Conservadores dos Museus, aqui realizado. Cito alguns nomes dos melhores entalhadores que aqui trabalharam: Domingos Nunes, António Gomes, José Correia e José Martins Tinoco. Sobretudo António Gomes, mestre de nome e renome, que nos legou obras com todo o primor da arte, como então se dizia, no Porto, em Arouca, em Aveiro, em Coimbra e noutras terras.

 

PORQUÊ E PARA QUÊ ESTA EXPOSIÇÃO?

Acontece, ainda, que a exposição a inaugurar «100 anos de Artes Plásticas» é evocativa da importante «Exposição Distrital de Aveiro», realizada em 1882, que ficou a dever-se à iniciativa de uma numerosa Comissão de individualidades, mas cujos principais obreiros foram Marques Gomes e Joaquim de Vasconcelos – aquele, ilustre estudioso, consagrado, sobretudo, a temas aveirenses; este, o Doutor Joaquim de Vasconcelos, portuense, historiador emérito e notável crítico de arte.

A presente exposição intitula-se «100 anos de Artes Plásticas» e abrange, consequentemente, o período que decorre desde a última exposição de 1882 até ao presente. Ocupa-se de temas e motivos relacionados com Aveiro.

Mas – porquê e para quê esta exposição?

Antes de a percorrermos, será oportuno reflectir no interesse de uma exposição de arte, e de uma exposição deste género.

Trata-se de um conjunto de peças de arte que se reúnem em local apropriado, para que o público as possa ver, estudar e apreciar. Uma exposição oferece-nos uma panorâmica das obras de arte de um período, ou de uma determinada temática, ou de um determinado artista. Assim, têm-se realizado exposições que abrangem uma época ou período de maior ou menor duração (por ex. «100 anos de artes plásticas»); exposições de imagens, por exemplo, de Nossa Senhora, ou de Cristo (exposições temáticas); ou exposições de obras de um artista – estas muito frequentes: lembro, sempre como exemplo, as exposições de Vieira da Silva (pintura) e de Rodin (escultura). Acontece, por vezes, que se conjugam mais que um dos horizontes referidos. É o caso, mais uma vez para exemplo, da presente exposição que abrange um determinado período (100 anos) e se ocupa de temática especificada, diversificada, variada (motivos aveirenses).

 

UMA PANORÂMICA DE DIVERSAS MANIFESTAÇÕES ARTÍSTICAS

A exposição que hoje se inaugura – de diversas obras e de diversos artistas – para além do interesse dos trabalhos expostos, individualmente considerados, oferece-nos também uma panorâmica das diversas manifestações artísticas, vividas e realizadas num período de cem anos. Podemos observar, comparar e tirar lições.

Podemos, igualmente, verificar a evolução das manifestações artísticas no decorrer do tempo / 20 / – no nosso caso, num período dos últimos cem anos. E isto é de muito interesse.

A arte é uma realidade, sonhada, criada, vivida e, por isso, viva. Como o homem, evolui; como a sociedade, avança e progride. O próprio artista, no decurso da sua vida, realiza uma caminhada artística. Todos o sabemos. Quantas vezes sorri, ao contemplar, passados anos, a sua obra, há muito realizada!

Foi no Seminário Maior do Porto. Eu acompanhava o escultor Diogo de Macedo, de Gaia, (aqui representado com um desenho, já vi!) numa visita ao Seminário e ao Museu do mesmo Seminário. Ao terminar a visita, mostrei um barro modelado, havia muitos anos, por suas mãos. Sorriu.

Quase se não reconhecia – observou – nessa obra produzida na verdura dos seus anos!

Uma obra de arte é expressão vital do artista.

E, ao produzi-la, o verdadeiro artista nunca fica satisfeito: deseja mais, deseja melhor. Quantas vezes rasga ou procura inutilizar a obra que produziu! Conhecemos muitos casos de poetas que quiseram rasgar os seus versos ou procuraram inutilizá-los – e eram e são autênticas jóias de poesia! – ou escultores que destruíram esculturas de mérito (sobretudo em Gaia)!

 

UM TESTEMUNHO DA EVOLUÇÃO DE VÁRIAS IDEIAS

O verdadeiro artista é sempre um insatisfeito. Quem não conhece o caso de Miguel Ângelo ao concluir o seu e nosso Moisés? Digo nosso, por comum e universal... e, portanto, de todos. Tomou o martelo, feriu o pé da estátua e, com certa que as verdadeiras obras de arte são património ânsia e desespero, como que gritou: «Parla dunque!» – Agora fala! A estátua não falou; não falou a linguagem que Miguel Ângelo queria ouvir. Mas falou e continua a falar a linguagem da beleza; continua, na sua mudez eloquente, a proclamar a grandeza de um génio – o artista que a concebeu e realizou.

A evolução da arte depende também do ambiente social, em que o artista se forma, se informa e vive.

E, como sabemos, o ambiente social avança e progride. Não é estático; é dinâmico.

A arte é por isso e também a expressão do ambiente e do clima social. Isto não invalida o valor e o poder criador do artista. Simplesmente, o homem é «ele e a circunstância». O artista também!

Daqui se conclui que uma exposição deste género, para além de mostrar e revelar o valor das peças expostas, testemunha também a evolução subjacente das diversas ideias e manifestações artísticas. E, como sabemos, a evolução hoje processa-se em ritmo mais acelerado. Igualmente no campo artístico.

Porque a arte evolui na sua concretização, daí ser a contemporaneidade uma das suas notas características. No século XII, a arquitectura, a escultura, a pintura e outros horizontes de arte e artesanato manifestam determinado estilo e linguagem, substantiva e adjectiva. Nos séculos seguintes, de igual modo, o estilo e linguagem artística da época. Este sentido de presença ou contemporaneidade é essencial numa obra de arte. A arte voltada para o passado não é criação, é cópia ou técnica. O verdadeiro artista vive o presente, voltado para o futuro. Por isso, é criador.

Esta contemporaneidade, quando a obra é verdadeiramente de arte, de valor, estende-se a todos os homens e a todas as épocas. Não admiramos, hoje, as pinturas de um Giotto, de um / 21 / Leonardo da Vinci, as esculturas e pinturas de um Miguel Ângelo, a arquitectura de um Nasoni? Uma obra de verdadeira arte é eterna; o exibicionismo passa com a voragem do tempo.

 

É PRECISO RECONHECER PARA GOSTAR

O velho aforismo latino da Escolástica – nihil volitum, nisi praecognitum – também se aplica ao campo da arte: nada amado que não seja anteriormente conhecido. Não apreciamos muitas vezes obras artísticas, por não conhecermos as suas dimensões, o seu sentido e a sua dinâmica. É preciso conhecer para amar, quero dizer, para gostar; e, em cadeia, quanto mais gostamos, mais conhecemos. Uma exposição, como a que se vai inaugurar, leva-nos a conhecer melhor a actividade artística (Artes Plásticas) de um século, e, por isso mesmo, a apreciar melhor o seu valor. Educa a sensibilidade e o gosto...

E é, também, um alarme em ordem à defesa e protecção do nosso património artístico, do presente e do passado, que, apesar de iniciativas dignas de louvor, anda por aí tão abandonado, sobretudo o monumental. Monumentos ou ruínas que se abandonam e deixam cair são vozes do passado que se calam e valores culturais que se perdem!

Uma exposição, educando, promove.

Na sucessão de méritos que vamos apontando é de referir a possibilidade que o visitante e estudioso tem de ver obras de arte que, individualmente ou no seu conjunto, não teria facilidade de examinar e estudar. É um dos aspectos válidos de uma exposição. Recordo exposições que visitei – de imagens de Cristo, de imagens de Nossa Senhora, das esculturas de Rodin, de pinturas de Vieira da Silva e muitas outras, que me permitiram «de visu» admirar peças, que, sem tais exposições, dificilmente poderia contemplar, para além de observar, «de visu» também, o ritmo evolutivo das criações artísticas, nas exposições de temas específicos.

A presente exposição permite o exame e a contemplação das obras expostas, mas é também um livro aberto – um livro de história de arte, cujas folhas se desdobram num período de cem anos – de quatro ou cinco gerações sucessivas.

 

DA BELEZA DAS COISAS À BELEZA ABSOLUTA

Gostaria de salientar que as exposições de obras de artistas ainda vivos constituem um estímulo e encorajamento para os mesmos artistas, que também precisam de estímulo e ajuda para prosseguirem a sua vocação e missão de tornar o mundo mais belo e a humanidade mais feliz.

Sempre me impressionou o registo de óbito do grande Nicolau Nasoni, desse talentoso e polivalente génio que tanta beleza semeou no Porto e Norte de Portugal, em obras de arte, no domínio da arquitectura, da pintura decorativa, do desenho, etc.! Qual o historiador de arte que não conhece no Porto, a igreja dos Clérigos, a fachada da igreja da Misericórdia, a igreja de Matosinhos, o Paço Episcopal, o Palácio do Freixo? Sempre me impressionou – dizia eu – o registo de óbito de Nicolau Nasoni. Relata que morreu em 1773 e foi sepultado como irmão pobre na igreja dos Clérigos. Para mais, até se desconhece o lugar exacto do seu enterramento. Talvez bem! Como que a significar que a igreja, fruto do seu génio, é toda ela o mausoléu onde repousam as cinzas do grande arquitecto!

Não queria deixar no olvido um apontamento de sabor místico.

Nós somos peregrinos da Beleza!

A beleza das coisas eleva-nos à Beleza Absoluta: Deus. Já o lemos nas Letras Sagradas: da beleza criada, subimos à Beleza Incriada.

Uma obra de arte é portadora de uma mensagem espiritual, por ser portadora de beleza, da beleza criada, revérbero da Beleza Absoluta que não morre.

Fica bem salientar esta anotação espiritual que a exposição me sugere.

 

UMA EXPOSIÇÃO DE LOUVOR A AVEIRO

A temática desta exposição é alusiva a Aveiro: motivos relacionados com a Cidade, seu aro, distrito e pessoas.

Aqui está patente um belo livro, cujas páginas são obras de arte, a falar de Aveiro, no decurso de um século. É uma exposição de louvor à cidade, às gentes e às terras de Aveiro.

Não estão aqui, é evidente, todas as obras de arte relacionadas com A veiro ou existentes em A veiro. Essa colecção grandiosa está disseminada por todo o Distrito: as suas igrejas, os seus monumentos, os seus palácios e respectivo recheio, / 22 / os seus museus. Disseminada ainda em colecções de particulares. Que o Distrito de Aveiro está semeado de obras de arte!

Aqui está exposta uma meritória colecção de obras de arte, que abrange cem anos.

Bela iniciativa!

Evoco, mais uma vez, senhoras e senhores, os grandes obreiros da exposição de 1882. E saúdo, neste momento, particularmente o Sr. Presidente da Câmara que patrocina esta exposição, com todos aqueles que igualmente a incentivaram, e os membros da benemérita Comissão que promoveu este certame artístico.

Tenho dito.

 

 

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