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Boletim n.º 2 - Ano I - 1983 - pp. 11-12

 

 

EDUARDO

CERQUEIRA

«A MORTE NÃO É UMA PENA; É UMA GLORIFICAÇÃO NA SAUDADE.»
Dr. Jaime de Magalhães Lima

 

Após sucessivos agravamentos de saúde, faleceu Eduardo Alla Cerqueira, na madrugada do dia 5 de Setembro de 1983. Completava exactamente nessa data 74 anos de idade, pois nascera na freguesia da Vera-Cruz, na velha Rua dos Ferradores (actual de Domingos Carrancho), em 5 de Setembro de 1909. Com o desaparecimento desta figura distinta, muito conhecida e respeitada, Aveiro ficou mais pobre.

«Cagaréu dos quatro costados» – como gostava de se definir – Eduardo Cerqueira era bem a memória viva de Aveiro, sempre desejoso de dar presença e vida às pedras e aos vultos mortos da sua e nossa Terra. Por isso, com muita devoção, consagrou grande parte da sua vida a escrever e a dizer «coisas e loisas» de A veiro -- desta Cidade que lhe andava entranhada no coração mais do que no pensamento... desta Ria que lhe entrava por todos os poros do corpo e da alma... desta Paisagem que se lhe espelhava e reflectia na retina de uns olhos perscrutadores.

Cursou o Liceu desta Cidade e frequentou depois as Faculdades de Ciências e de Farmácia na Universidade do Porto; ingressou, porém, no funcionalismo público, estando aposentado, havia já alguns anos, da Junta Autónoma das Estradas. Foi sócio de diversas colectividades aveirenses, membro das Comissões Municipais de Cultura e de Toponímia e director do Sport Clube Beira-Mar e da Associação de Futebol de Aveiro. Fez parte da Comissão Executiva das Festas do Milenário, realizadas em 1959, e, de 1972 a 1977, presidiu à Junta Autónoma do Porto de Aveiro. Em 12 de Maio de 1982, foi agraciado pela Câmara Municipal de Aveiro com a «Medalha de Prata da Cidade».

Todavia, Eduardo Cerqueira era sobretudo Alguém que nos deliciava com elucidativos e proveitosos artigos ou palestras, onde sempre se aprendia. Nas laudas que devotadamente nos propunha, nos mais diversos jornais e revistas, perpassavam acontecimentos e pessoas de antanho, retratavam-se monumentos venerandos e trechos antigos de ruas evocativas, descreviam-se procissões, festas e romarias de outrora, tornavam-se presentes hábitos e costumes do passado, defendia-se Aveiro e os seus direitos, perante certa apatia de responsáveis ou surdos interesses de estranhos. Eduardo Cerqueira tem jus a figurar na galeria dos «aveirógrafos», naquele lugar que conquistou pela sua dedicação e pelo seu trabalho.

Além disso, como jornalista, foi, durante anos, correspondente de "O Século" e de "O Primeiro de Janeiro", bem como delegado do "Diário de Notícias". A sua colaboração assídua e vasta ficou ainda dispersa na imprensa regional, particularmente nos semanários "Litoral", "Correio do Vouga" e "Jornal de Aveiro", e nas revistas "Arquivo do Distrito de Aveiro" e "Aveiro e o seu Distrito". Não apenas nestas publicações, mas também em conferências e charlas proferidas em várias oportunidades -- designadamente em reuniões do Rotary Clube de Aveiro, de que
fora um dos fundadores -- Eduardo Cerqueira sempre se manifestou como um Aveirense dedicado à «sua» Cidade.

Pessoalmente, recordo-o com grande saudade, lamentando a perda de um / 12 / mestre de «aveirismo». Jamais esquecerei aquelas lições de história local, em ameno diálogo pelos passeios da nossa Urbe. Eu era um aluno que perguntava ao professor, na ânsia de procurar reter preciosos ensinamentos, Nunca me sairá da memória a alegria que espontaneamente manifestou, quando, em visita que lhe fiz há uns dois anos no hospital do Carmo, no Porto, lhe ofereci um dos primeiros exemplares da biografia de Santa Joana; «é um pedaço do panorama de Aveiro que me entra na monotonia enfadonha deste quarto» – disse expansivamente.

Sobretudo, lembrar-me-ei sempre, no todo e no pormenor, de uma conversa a sós, pela Costeira abaixo... Dessas conversas de confidência e de fé que se têm às tantas da noite, quando o silêncio convida a falar em voz suave e a escuridão deixa ver melhor as consciências.

Perante a recordação de Eduardo Cerqueira, é justa a nossa homenagem Àquele que, na peugada de Rangel de Quadros, de Marques Gomes, de Alberto Souto, de Rocha Madahil e de outros, nos transmitiu pedaços de facetas da história de Aveiro... Pedaços e facetas das gentes de Aveiro.

Por tudo isto, a Edilidade deliberou não apenas colocar uma placa toponímica com o seu nome no Cais do Paraíso, onde Eduardo Cerqueira quase sempre viveu, mas também editar em livro uma compilação dos artigos mais representativos da sua obra, contando desde já com a devida anuência da Família.

O artigo, que a seguir se publica, foi escrito para este número do nosso Boletim. Ninguém o pediu a Eduardo Cerqueira; mas ele, sabendo da intenção da Câmara Municipal, sentiu como indeclinável dever colaborar connosco desde a primeira hora. O autor, indo ao escrínio das suas recordações, conta-nos «Coisas de há mais de um século», onde se referem pormenores sobre o lançamento do Caminho de Ferro por Aveiro.

João Gonçalves Gaspar
 

 

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