OS GABÕES DE AVEIRO
Os gabões de Aveiro, uso perdido – apesar de uma, mais ou
menos vã, ainda que louvável, tentativa de ressurgimento – relegaram-se
à evocação da passada indumentária característica.
Tão ao sabor de Aveiro como as embarcações da Ria, haviam
irradiado como agasalho e vestimenta, ou envoltório para disfarce ou
ocultação previdente de divagações furtivas, maus passos, ou aventuras
que exigiam capas não translúcidas. Em certas circunstâncias de sigilo
conveniente às boas reputações, cada um, com o gabão, se poderia furtar
a olhares indiscretos e a línguas malévolas, badaladoras da
novidadezinha comprometedora.
Eça de Queirós – esse imorredouro «pobre homem da Póvoa
do Varzim» que, no fundo e até final, ficaria um «filho de Aveiro, quase
peixe da Ria» – lembra-os nesta função acobertadora de passos a que não
convém as testemunhas mais ou menos incontinentes e linguareiras. E,
também, no seu espesso pano de surrobeco, ou mais graduada fazenda, as
reminiscências da meninice, passada em Verdemilho ou na cidade, a dois
passos da igreja paroquial de Nossa Senhora da Apresentação, na mais
específica função agasalhadora.
Já algures apontei nestes precisos termos, mencionando as
referências do grande escritor a Aveiro: «…O gabão, agasalho então em
voga por todo o país, dentro do qual se encolhia o «famoso Craveiro»
enquanto congeminava a «Morte de Satanás» e que o próprio Carlos da
Maia, elegante e rico, não desdenhava de encafuar nas suas visitas à
«Toca», para mais fácil dissimulação».
Na quadra dos «Ramos», nas noites gaudiosas, aparece
ainda hoje, em esporádicas exumações que o costume exige-o, como à opa
da manhã.
Com efeito, no início do ano, como na derradeira semana
do precedente, a cerimónia festiva do calendário tradicional subsiste
ainda – e cremos que por longos anos ainda – na «Entrega dos Ramos».
Eduardo Cerqueira
|