Se Antónia Rodrigues
foi uma heroína, sulcando as ondas, encobrindo o sexo e alcançando nome
em guerreiros combates, Maria Ferreira tornou-se notável, sem nunca ter
saído de Aveiro e sempre vivendo humildemente. Diz o Padre António
Carvalho da Costa, na sua Chorographia Portugueza, que "Maria
Ferreira foi uma honrada viúva, que morreu de cento e dois anos
completos, sempre muito virtuosa, sem nunca ter doença alguma,
conservando sempre a memória, com agilidade no corpo e pureza na vista."
Segundo
contavam pessoas antigas, que o tinham ouvido dizer a seus
antepassados, já Maria Ferreira havia concluído cem anos quando, em dia
de festa, entrando para a igreja do Espírito Santo, foi escarnecida por
dois mancebos, que lhe chamaram velha. Ela sem alterar a sua seriedade,
tal murro deu em cada um, que logo os prostrou por terra; eles,
envergonhados, ergueram-se e trataram de retirar-se, para não ouvirem os
chascos dos que estavam à porta do templo, que igualmente aplaudiam a
valentia de / pág. 119 /
Maria Ferreira. Esta entrou
serenamente na igreja, assistiu à festa e, depois, foi às casas dos
mancebos, aos quais ofereceu os seus serviços, se porventura estivessem
doentes em resultado do justo castigo que receberam, por não serem
bem-educados.
Pelas combinações das
datas e dos nomes, creio que Maria Ferreira era viúva de Manuel Nunes,
esteireiro, de alcunha o Baeta, da rua dos Tavares,(1)
onde ela faleceu, em 14 de Fevereiro de 1696. Morreu tão pobre que,
ainda que quisesse fazer testamento, não tinha que testar.
O mesmo autor da
Chorographia Portugueza, falando de Maria Ferreira e de Antónia
Rodrigues, diz: — Se tal é em Aveiro o valor das mulheres, o que se pode
esperar da valentia dos homens?
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(1) – Rua que existiu, junto do palácio
dos Tavares, no sítio da actual escadaria que, da rua dos Galitos, dá
acesso à Praça da República. |