José Alves da Silva, Manuel Firmino de Almeida Maia, In: Aveirenses Ilustres. Retratos à minuta, Edição do X Encontro de Professores de História da Zona Centro, Aveiro, 1992, pp. 35-38.


Manuel Firmino de Almeida Maia (1824-1897)

Manuel Firmino de Almeida Maia; filho de António de Almeida e de Ana Margarida de Jesus, nasceu a 19 de Janeiro de 1824, na freguesia de Nossa Senhora da Apresentação, em Aveiro.

Seu pai era negociante, proprietário da única estalagem então existente em Aveiro, por isso pertencia à burguesia local. Mas devia ser uma pessoa mais interessada na vida pública do que nos negócios pois, escassa meia dúzia de anos volvidos sobre o nascimento de Manuel Firmino, havia passado o negócio e dedicava-se a tempo inteiro à política.

Como miguelista convicto que era, desempenhou funções de assentista no exército de D. Miguel e em Setembro de 1833 foi viver para Águeda com a família, afim de assegurar uma mais rápida expedição dos fornecimentos às tropas que sitiavam o Porto. Depois de perder o filho mais velho, a 8 de Setembro de 1832, durante o cerco do Porto e da vitória dos liberais em 1834 (Aveiro foi ocupada em Maio desse ano), mudaram-se novamente, desta vez para Avanca, onde abriram um estabelecimento comercial. Manuel Firmino passou a maior parte da sua mocidade atrás de um balcão de mercearia e foi aí que o procuraram em Outubro de 1843, tinha ele 19 anos, para desempenhar o cargo de rege dor da freguesia de Avanca.

Haviam-se registado alterações muito profundas no país, desde a Convenção de Évora­Monte em 1834. Não se conhece o motivo por que a escolha do regedor de Avanca recaiu sobre Manuel Firmino, mas sabemos que ele foi nomeado pelo administrador do concelho de Estarreja, que perfilhava o partido cartista no poder. Porém Manuel Firmino hostilizou tanto quanto pôde esse partido, tendo-se envolvido mesmo, com outros aveirenses, nos preparativos do levantamento popular que, em Aveiro, secundaria a revolta militar de Torres No­vas, ocorrida a 4 de Fevereiro de 1844, se esta tivesse êxito, o que não aconteceu. Mesmo assim foi passado um auto de captura a Manuel Firmino, que, no entanto, conseguiu escapar, tendo somente sido demitido do cargo de regedor de Avanca. No ano seguinte reapareceu, fazendo campanha contra Costa Cabral, cujo partido logrou obter a maioria, ao que parece à custa de muita corrupção e violência. Mas a oposição não baixou os braços, passou a fazer uma propaganda sistemática às medidas decretadas pelo governo, particularmente as chamadas leis da saúde, a de contribuição de repartição, a das estradas e a do sal. Esta propaganda da oposição teve como resultado a queda do governo Terceira-Cabral e a eclosão do movimento revolucionário da Maria da Fonte, iniciado em Janeiro de 1846 nos campos do Minho. O nome de Manuel Firmino consta entre os que em Aveiro tomaram armas contra os cabrais e ele teve a seu cargo promover a desordem popular em Águeda, para levar esta localidade a aderir à revolução, o que veio a verificar-se em 19 de Maio de 1846.

Preso o governador civil e constituída a Junta do Governo de Aveiro, Manuel Firmino alinhou no batalhão popular de Estarreja e desempenhou o cargo de ajudante do comandante. Esse batalhão foi­-se juntar a outras forças militares concentradas à volta do Porto, que reclamavam a dissolução da Câmara de deputados e a organização efectiva das guardas nacionais, consideradas o verdadeiro sustentáculo do governo da Nação.

Não cabe aqui relatar as vicissitudes da revolta da Maria da Fonte, sabendo-se que ela pôs frente a frente setembristas, cartistas e miguelistas, se prolongou por cerca de nove meses, vindo a terminar com a intervenção estrangeira, pedida pela rainha por sugestão de Costa Cabral, então ministro exilado em Madrid. Certo é que Manuel Firmino esteve preso durante alguns meses depois da Convenção de Gramido em 1847.

Seu pai morreu em 1849, e no ano seguinte, a família mudou-se para uma propriedade sua em Verdemilho, nos arredores de Aveiro. Manuel Firmino forjava já o ambicioso projecto de fundar um jornal de província, no que recebeu grande apoio e colaboração de José Luciano de Castro, jovem com apenas 17 anos de idade, estudante de Direito na Universidade de Coimbra e filho do senhor da Casa de Oliveirinha, também nos arredores de Aveiro. "O Campeão do Vouga" assim se intitulou o jornal publicou o seu primeiro número no dia 14 de Fevereiro de 1852, sub-intitulando-se um "bi­semanário político, literário e comercial". Colocava­se sob a bandeira do grande partido liberal e teve a colaboração simultânea, além dos fundadores Manuel Firmino e José Luciano de Castro, de José Estêvão, Mendes Leite, Bento de Magalhães, Valentim Marcelino dos Santos, José Maria de Sousa Lobo, José Maria de Almeida Teixeira de Queirós (pai de Eça de Queirós) e outros.

Muitas contrariedades tiveram de ser ultrapassadas logo desde o início, como a de ter de empenhar o cordão de ouro da mãe de José Luciano de Castro para atender às despesas de publicação; ou a de conseguir um editor substituto de Mendes Leite, que decidira fazer tréguas ao Governador Civil de Aveiro, protagonista numa longa querela com o jornal, e lhe retirou o seu auxílio, o que implicava a suspensão do jornal; para contornar este problema, "O Campeão" mudou de nome, passou a jornal "administrativo, literário"... (não se dizia político para se colocar ao abrigo da lei), mas mesmo assim foi processado e não mais teria aparecido nas bancas senão tivesse conseguido um novo fiador da edição.

"O Campeão do Vouga" não foi hostil à Regeneração, foi mesmo um jornal ministerial, enquanto achou que o governo implementava as reformas necessárias ao país. Isso não o impediu de se proclamar sempre um periódico independente, defensor da verdade e da justiça. Regozijou-se com a queda do governo regenerador em 1856, pois achava que ele deixara à rebelia a administração pública e estava envelhecido.

Manuel Firmino, que desde Março de 1853 figurava como proprietário, redactor e responsável pelo jornal, fez dele um instrumento para a sua ascensão pública. Em Novembro de 1859, o jornal mudou o título para "O Campeão das Províncias", pois tinha alcançado uma expansão que muito excedia as regiões do Vouga. Na oportunidade, afirmou que não era oposição governamental, apenas estava empenhado em ser útil ao país.

Busto de homenagem a Manuel Firmino, situado no Parque Municipal de Aveiro.

A eleição de Manuel Firmino para presidente da Câmara Municipal de Aveiro, em 4 de Janeiro de 1860, teve uma relação lógica de causa e efeito com a reputação do seu jornal. Este havia ainda de lançar uma edição quinzenal para o Brasil, sustentada de 1872 até 1878. Quanto aos leitores nacionais, puderam lê-lo muito mais tempo ainda, já que só veio a extinguir-se no n° 6879, em 26 de Janeiro de 1924. Se a eleição de Manuel Firmino para presidente da Câmara Municipal de Aveiro, no seu primeiro mandato, foi devida em grande parte à influência de "O Campeão das Províncias" na opinião pública local e regional para a contrabalançar decidiu José Estêvão fundar outro jornal, o "Distrito de Aveiro", em Julho de 1861 as vitórias que sucessivamente alcançou, de 1860 a 1868 ao nível autárquico, e de 1861 a 1868 ao nível das eleições para a Câmara Constitucional (com uma interrupção de pouco mais de 8 meses em 64/65 por vitória de Mendes Leite), estas vitórias permitem acreditar que Manuel Firmino conquistara a confiança dos eleitores aveirenses.

Ainda na primeira metade do século XIX, Aveiro ainda não tinha encontrado soluções que contrariassem a tendência para a recessão económica e populacional da cidade, motivada fundamentalmente pelo assoreamento da Barra (a comprová-lo está a redução em 1835 das quatro freguesias existentes para apenas duas). Foi durante a segunda metade do século passado que tal tendência foi contrariada. Manuel Firmino foi, com certeza, um dos homens que influenciou e muito no sentido inverso daquela tendência. Enquanto presidente da Câmara, procurou ser mais organizado e eficiente no que respeita às contas públicas, que passaram a ser publicadas no jornal local. Os impostos (nomeadamente os que oneravam as carnes verdes) passaram a ser cobrados por funcionários da Câmara, em vez de serem arrematados por particulares em hasta pública, que posteriormente se encarregavam de os cobrar. Foram abertas numerosas estradas, feitas malhadas (eram pontos nas margens da ria onde faziam as descargas do moliço, adubo de extrema importância para a agricultura), canalizados esgotos, iluminadas as vias públicas, construídos o mercado municipal de frutas e legumes, o jardim público de Aveiro, um monumento aos santos mártires...

Enquanto deputado na Câmara Constitucional, Manuel Firmino manifestou-se contra a reforma administrativa que previa a extinção do distrito de Aveiro entre outros, mas que não chegou a ser posta em prática, pois o governo regenerador que tentou aplicá-la caiu, em Janeiro de 1868, propôs várias medidas de âmbito nacional e local, como a subida de salário dos professores primários, obras de melhoramento no círculo de Águeda, aquele que primeiro o elegeu...

Dissolvida a Câmara de Deputados em virtude da queda do governo, estava terminado o mandato de Manuel Firmino em Janeiro de 1868, que também saiu derrotado nas eleições municipais de Fevereiro do mesmo ano. Decidiu abster-se da política por algum tempo, a fim de melhor administrar os seus bens familiares. Manuel Firmino dirigiu então a sua acção para uma actividade onde nunca se havia ocupado: organizou as companhas de pesca na costa de S. Jacinto, tendo-se construído em 1876 um caminho de ferro desde a ria até ao mar, com um comprimento de 1250 metros. Quatro anos depois, alargava a empresa à praia da Torreira. Foi próximo desta praia que Manuel Firmino e mais alguns pescadores salvaram a vida a 17 sobreviventes do navio a vapor francês "Nathalie", que por ali naufragou, vítima de tempestade. No Havre, porto francês de onde o navio partira com destino ao norte de África, elegeram Manuel Firmino sócio honorário da sociedade dos salvadores do Havre e o governo francês condecorou-o, em Abril de 1882, com a Cruz da Legião de Honra, pela coragem e determinação demonstrada no salvamento das vítimas do naufrágio. Condecorado também pela casa real portuguesa, com a medalha de ouro por mérito, filantropia e generosidade, Manuel Firmino pedia ao rei que o dispensasse de aceitar a medalha com que o agraciara, justificando-se que apenas agira conforme o seu coração lhe ordenara.

Em Janeiro de 1882, Manuel Firmino voltou a ser eleito Presidente da Câmara de Aveiro, cargo que ocupou em biénios sucessivos até Dezembro de 1889 e a que voltou ainda em Janeiro de 1896. Durante este segundo período de gerência camarária, a obra de Manuel Firmino que merece maior destaque foi a construção de um novo quartel militar no local do antigo Convento de Sá, destinado a instalar o regimento de cavalaria n.º 10, criado pela reforma do exército de 1884. A fim de atender às despesas, teve a Câmara de pedir um empréstimo de 24 contos de reis e o governo central, presidido por Fontes Pereira de Melo, concedeu-lhe um subsídio mensal de 500$000 reis no ano de 1885.

Era sensível a ascensão política de Manuel Firmino que, um dia (1860), embora contrariado, disputou eleições com José Estêvão, como candidato do Partido Histórico pelo Círculo de Aveiro. De seguida, travaram ambos acesas discussões políticas nos respectivos jornais "O Campeão das Províncias" e o "Distrito de Aveiro".

Em Fevereiro de 1886, o rei encarregou José Luciano de Castro de organizar o ministério do Partido Progressista. Manuel Firmino foi o escolhido para Governador Civil de Aveiro, embora em substituição do Conde de Castelo de Paiva, efectivo titular do cargo, mas que nunca exerceu funções. De facto, Manuel Firmino esteve à frente do seu distrito até Setembro de 1888, onde continuou até 1890, como Governador Civil substituto.

A culminar a vida pública deste ilustre aveirense, refira-se que Manuel Firmino foi eleito Par do reino pelo Partido Progressista em 14 de Abril de 1890, título honorífico que significou a sua elevação à mais alta aristocracia. Cite-se, a propósito, as palavras de alguém que o conheceu e respeitou: "Era bondoso e prestável, sabia com o seu espírito empreendedor grangear fortuna, mas morreu pobre."

Manuel Firmino d'Almeida Maia morreu em 30 de Julho de 1897, com 73 anos de idade.

José Alves da Silva
Professor de História
Escola Preparatória de Estarreja


BIBLIOGRAFIA

GOMES, Marques, João Augusto, Cinquenta anos de vida pública. O Conselheiro Manuel Firmino d 'Almeida Maia, Aveiro, 1899.

CERQUElRA, Eduardo, O Centenário do "Campeão do Vouga", Notas de recordação do primeiro jornal aveirense", in Arquivo do Distrito de Aveiro, volume XVIII, 1952.

CERQUElRA, Eduardo - "Jornais e jornalistas aveirenses", in revista Aveiro e o seu Distrito, n° 5, 1968.


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