Em Maio do próximo ano (1984), no
dia 20, completam-se 50 anos da instalação em Aveiro, na Base de S.
Jacinto, da Escola de Aviação Naval «Almirante Gago Coutinho». A
instrução dos aviadores da Marinha, em 1934, era então ministrada no
Centro de Aviação Sacadura Cabral, no Bom Sucesso, perto da Torre de
Belém. As águas do Tejo eram a pista dos hidroaviões, e a mareta,
que por vezes se formava no estuário do nosso maior Rio, não ajudava
os pilotos que tinham de levantar voo em condições muito difíceis.
Esta seria uma das razões, das muitas a considerar, que levou à
transferência da Escola de Pilotagem de Lisboa para Aveiro.
A efeméride fica a assinalar uma
época, já que, em 1916, os hidros de instrução sobrevoaram os céus
de Aveiro, embora oficialmente só a partir de 1934 a «Escola»
passasse a funcionar em S. Jacinto. [Nota
de hjco: Hidroavião sobrevoa a Barra em Agosto de 1920]
Pode dizer-se que a Aviação da
Marinha começou a ganhar corpo nas noites tropicais africanas,
quando Sacadura Cabral e Gago Coutinho, longe ainda do maior feito
da Aviação Portuguesa, se dedicavam à tarefa de missões geodésicas.
Foi em 1907 que ambos se encontraram pela primeira vez. Gago
Coutinho era o chefe de uma missão em Moçambique. Desse encontro
ficaram profundas raízes de amizade. Desempenhavam, também, naquela
antiga parcela de território português, missões geográficas,
trabalhando juntos de 1907 a 1910. Um ano depois, Sacadura Cabral
foi nomeado para o lugar de Sub-Director dos Serviços de Agrimensura
de Angola, concluindo a demarcação de mais de 800 Kms de fronteira,
no interior da África. Sacadura regressou a Lisboa em 1915 e
concorreu à Aviação, tirando o curso de piloto em Chartres, na
França.
EM 1916 NASCE A AVIAÇÃO MARÍTIMA COM ORIGEM NOS FRANCESES
Em 1916, em Vila Nova da Rainha,
onde funcionou a primeira escola de pilotagem no nosso País,
Sacadura Cabral recebeu o seu amigo e companheiro de África, Gago
Coutinho, a quem prometera dar uma voltinha... para experimentar!
Algum tempo depois, poucos meses,
por iniciativa de Sacadura Cabral, foi criada a Aviação Marítima,
que previa a instalação de bases em Aveiro (S. Jacinto) Lisboa (Bom
Sucesso) e Algarve (ilha da Culatra) perto de Faro.
Manobra de içar o hidroavião Grumman G21B – Ver
restos "mortais"
A gestação da Aviação Naval deu-se,
pois, no período que decorreu entre 1916 e 1918, na segunda metade
da I Grande Guerra. E aqui, socorrendo-nos de alguns que
teimosamente ainda resistem e vivem para nossa satisfação,
poderemos adiantar o que foi, nos seus primeiros tempos, a Aviação
em S. Jacinto – a parte que mais interessa ao nosso trabalho.
Já o dissemos, noutras ocasiões, que
foram os marinheiros e aviadores franceses a criar a Base. Em 1916,
o Governo Português concedeu à França o direito de se instalar na
costa com um posto aeronaval com a finalidade de combater a acção
submarina desde a Mancha ao Mediterrâneo.
Segundo o Eng.º Maquinista Naval,
especializado em Aeronáutica, Viriato Augusto Tadeu, no seu livro no
prelo «Quando a Marinha tinha Asas...», a Aviação Naval
Francesa decidiu-se pelo espelho de água da Ria de Aveiro,
lembrando-lhe, talvez, a lagoa de Hourtin
/ 74 / a NW de Bordéus, sua
base aérea, mais do que uma vez utilizada por Sacadura Cabral nas
viagens pelo ar, de Inglaterra para Lisboa.
Os franceses instalaram-se
precariamente, em abrigos provisórios, armados em madeira e lona,
que não chegámos a aproveitar, porque um temporal de ventos
violentos os arrancou do chão, os espatifou e arrojou à Ria com
outros materiais, segundo o comandante Faria Pereira, antigo piloto
aviador naval, já desaparecido do nosso meio.
O artista-jornalista Daniel
Constant, felizmente ainda vivo e a trabalhar, ora em exposição de
pintura, ora em «O Primeiro de Janeiro», de que é brilhante
colaborador, viveu em S. Jacinto. Seu pai, Imperato Constant,
natural da Tunísia (Bizerta), era o encarregado-geral da fábrica de
conservas Brandão Gomes, cujo edifício, conhecido pela Seca, ainda
existe, mas em estado de degradação. Recorda-se, apesar da sua tenra
idade, nove anos apenas, quando chegaram os franceses a S. Jacinto.
– «Foi numa manhã de Sol. Os
pescadores, alarmados com a presença de fardas que nunca tinham
visto, correram transtornados direitos ao meu pai, gritando: – Snr.
Constant, snr. Constant, ninguém entende aqueles homens, são
francius que chegam à Lota numa lancha da Capitania do Porto de
Aveiro. Ninguém os entende.»
– «Eram os aviadores franceses, que
vinham tomar contacto com o terreno onde seria instalada mais tarde
a base dos hidroaviões, numa altura em que mal se falava, ainda, de
aviões em Portugal.»
– «Os franceses tinham embarcado
junto ao canal central, onde se ergue hoje o monumento à Aviação
Naval, mandado construir pela Câmara Municipal de Aveiro, da
presidência do Dr. José Girão Pereira, em 1981. Ainda me recordo da
construção dos primeiros hangares em madeira (contraplacado). Os
hidroaviões (oito ao todo) chegaram a S. Jacinto por terra. Foram
descarregados em Leixões e transportados através das areias, pelo
litoral, até S. Jacinto, puxados por juntas de bois. Trabalho
moroso, porque ao tempo nem sequer se sonhava com a estrada que hoje
liga aquela praia a Ovar.»
– «Os aparelhos tinham flutuadores
nas asas e o motor ficava colocado à frente e no centro...
Recordo-me, também. como se fosse hoje, que os franceses criaram
muitas amizades em Aveiro – continua Daniel Constant – e um deles, o
Conde Rossi, foi viver em S. Jacinto, para uma casa adiante da
Quinta das Acácias, hoje inexistente, que ficava para os lados onde
se encontram actualmente os estaleiros navais. Era ali que morávamos
também. O Conde Rossi, figura muito elegante, apaixonado pela cidade
de Aveiro, mandava xailes de tricanas e doces de ovos-moles para as
suas amigas francesas de Paris...»
E as evocações de Daniel Constant
prosseguem:
– «A Ria, naquele tempo, era plena
de barcos, coalhada de velas, um verdadeiro sonho. Que saudades das
noites de luar com a senhora Marnes a tocar Chopin... Os franceses
apaixonaram-se por S. Jacinto, e um deles, o carpinteiro Napoléon
(os hidros eram construídos em contraplacado e pano) apaixonou-se
por uma lavadeira da família Lavareda, com quem casou. Ao tempo, S.
Jacinto só tinha construções de madeira, conhecidas por palheiros.»
– «Um dia, pela manhã, a tristeza
amarfanhou toda a população. Um dos aparelhos levantara voo, para as
missões habituais de vigilância da costa, e nunca mais regressou. O
piloto Didier desaparecera certamente na imensidão do mar, porque
nunca mais voltou e não havia notícias de o terem visto. Foi uma
tragédia para a população de S. Jacinto, que, afeiçoada já à
presença dos marinheiros e aviadores franceses, chorou a morte de um
amigo.»
– «Naquele tempo, como já disse,
ainda não se pensava na estrada. Só muito mais tarde essa ideia
seria concretizada. Uma das pessoas que mais lutou por ela foi o
Comandante Carlos Cardoso de Oliveira, que comandava a Escola de
Aviação Naval, ajudado por dois homens que não esqueço – o F. Ramada
e o António Henriques.»
A construção da estrada de S.
Jacinto, hoje tão em foco, devido ao estado em que se encontra por
via dos camiões de areia e dos que transportam a pedra para as obras
do novo porto, deu-se nos anos de 40. O comandante Cardoso de
Oliveira sobrevoava-a quase todos os dias, num dos Fleets,
assegurando-se do andamento dos trabalhadores!
AVIÕES DE S. JACINTO OPÕEM-SE AS TROPAS REVOLTOSAS DO NORTE
Terminada a I Grande Guerra, o Posto
Aeronaval, utilizado pelos Franceses, foi-nos entregue com os
hidroaviões naturalmente estoirados e com poucos anos de vida para
durar... O desgaste proveniente da sua utilização durante dois anos,
a manutenção naturalmente deficiente, no que não custa acreditar,
devido à falta de meios e, não o esqueçamos, de infraestruturas,
dado que tudo fora instalado provisoriamente, não dava grandes
esperanças. O material estava cansado!
E mal os Franceses tinham saído de
Portugal já S. Jacinto ganhava actividade desusada. Em 1919, poucos
meses depois da sua retirada, que tantas saudades deixariam, dava-se
a revolta do Porto com a implantação da Monarquia, revolta que ficou
conhecida pela Traulitânia e durou apenas 25 dias. Ocorreu em
Janeiro. No Norte, dominava a Monarquia. A bandeira azul e branca
foi içada na cruz, no ponto mais alto da Torre
/ 75 / dos Clérigos,
curiosamente por um homem, tripeiro de gema, mas que há muitos anos
vive em Aveiro, o sr. António Gonçalves Dias de Azevedo, aposentado
dos CTT, que a cidade bem conhece.
As tropas revoltosas deslocavam-se
para o Sul, à conquista de Lisboa, que se mantinha fiel à República.
As estradas da região eram dominadas pelos veículos que, lentamente,
se dirigiam para a capital. O caminho-de-ferro seria outro meio de
transporte usado pelos trauliteiros...
Entretanto, lutava-se no Norte, e o
distrito de Aveiro era particularmente afectado. Os hidroaviões,
mesmo fracos e cansados, levantaram voo. Era necessário interceptar
as tropas revoltosas, impedindo-as de avançarem para o Sul.
Primeiramente, lançaram folhetos de propaganda sobre a cidade do
Porto e depois efectuaram bombardeamentos... Foi, assim, que o
caminho-de-ferro foi cortado por alturas de Espinho.
O Comandante Sacadura Cabral, ao
tempo em Aveiro, foi louvado por portaria de 15-10-1919, «pelo
decidido empenho que demonstrou na pronta reparação dos hidroaviões,
que cooperaram com as forças em operações em Aveiro contra os
rebeldes monárquicos, provando os seus grandes recursos
profissionais e patenteando a maior dedicação e valor no desempenho
das missões de que foi encarregado em reconhecimentos e lançamento
de bombas, no propósito difícil destas produzirem apenas efeito
moral durante as mesmas operações, o que efectivamente realizou.»
Era um louvor do Ministério da Marinha.
Talvez que este esboço de «guerra
civil», como escreveu o Eng.º Tadeu, tivesse implantado
definitivamente o Centro de Aveiro, enquanto todos os outros, então
ocupados ou previstos, tinham sido postos de lado.
O CENTRO DE AVIAÇÃO DE AVEIRO CONSOLIDA-SE
No livro «Quando a Marinha tinha
Asas...» anotações para a história da Aviação Naval Portuguesa
(1916-1952), já aludido e que se espera veja a luz do dia aquando
das comemorações no próximo ano do 50.º aniversário da Escola de
Aviação Naval em Aveiro, o Comandante Faria Pereira, que viveu a
época, recorda como funcionava o Centro e como foi construído o
primeiro hangar de paredes de alvenaria, asnas de madeira e telha
vã, semelhante ao primeiro hangar do Centro de Lisboa. Sabe-se que o
seu acabamento foi apressado para recolher, beneficiar e rever, os
dois hidroaviões «F3», que tinham vindo pelo ar de Calshot
(Inglaterra), em 1920, um dos quais interessava especialmente para
efectuar o «raid» de Sacadura à Madeira em 1921, ligado também a S.
Jacinto, como veremos mais adiante. Mas vamos à narrativa de Faria
Pereira:
– «Os gabinetes e secretarias do
comando e do conselho administrativo estariam precariamente
instalados no velho Forte da Barra, na margem oposta da Ria,
separados e longe de tudo o mais.»
«Em S. Jacinto existia uma pequena
caserna para as praças. Os oficiais e os sargentos, bem como as
praças mais graduadas, tinham de procurar os seus alojamentos em
casas particulares, ou nalgum hotel (?) da Barra, ou mesmo até na
cidade de Aveiro, distante uns 10 quilómetros dali. Todos estes
inconvenientes eram vencidos pela diligência e boa vontade de todos,
já que todos caprichavam em servir bem naquela especialidade, à qual
haviam vindo por entusiasmo e voluntariamente.»
«Quanto a mim, e a afirmação é agora
do Eng.º Tadeu, não pode recordar-se o início do Centro de Aveiro
sem destacar dois nomes: O Comandante Pedro Rosado e o engenheiro
Pereira Bastos. O primeiro, por ter exercido o comando de 1920 a
1925, e ter sido o seu primeiro impulsionador; o segundo – depois de
ter estado cerca de dois meses na entrega do Centro de Ponta
Delgada, acabada a especialização nos EUA – permaneceu em S.
Jacinto, de meados de 1921 ao começo de 1923, e fez ali notável
trabalho.»
«Essa dupla marca o período de
arranque, com as construções indispensáveis para instalar os
serviços de aquartelamento do pessoal em pequenos pavilhões
dispersos pela vasta área disponível.»
«Ao contrário do que sucedia com o
Centro de Lisboa (Bom Sucesso), o de Aveiro dispôs de espaço para o
desenvolvimento que lhe conhecemos, numa luta insana para obter as
verbas de que necessitava, tanto mais que, depois do desaparecimento
de Sacadura Cabral, só o prestígio do seu Comando e o mito e
trabalho sério dessa isolada unidade garantiram o desenvolvimento
que teve.»
«Daí terem-se construído,
paulatinamente, as oficinas, comando e secretaria, casernas, etc.,
e, como a S. Jacinto não chega a rede geral de distribuição
eléctrica – separado como está da Murtosa e Ovar, pela mata do mesmo
nome – foi necessário instalar uma mini-central diesel-eléctrica –
com a avantajada e inusitada bateria alcalina-tampão, à tensão da
rede, que abastecia o Centro durante a noite.»
Nas oficinas foram metodicamente
instaladas as máquinas, ferramentas e equipamentos que couberam ao
Centro, na partilha do espólio do Centro americano de Ponta Delgada.
Todavia, o hangar metálico n.º 1 de Aveiro tem uma história, quase
lendária, que deve ficar aqui registada. Em 1976, diz ainda o Eng.º
Viriato Tadeu, tive o privilégio de estar presente numa homenagem
dos oficiais da ex-Aviação Naval ao Eng.º Pereira Bastos, no dia em
que completou 90 anos. O Ferreira de Oliveira recordou alguns factos
da carreira do homenageado. que permitem reconstituir o seguinte
passo:
/ 76 /
O MAIOR HANGAR DA PENÍNSULA IBÉRICA
«Ao chegar a S. Jacinto, em
21-6-1921, o engenheiro Bastos encontrou um palheiro que servia de
oficina, quase sem equipamento, com um serralheiro civil e um
carpinteiro.
O hangar metálico desmontado e os
equipamentos oficinais, vindos de Ponta Delgada, jaziam na areia,
encaixotados e em peças soltas, numa confusa desordenação que
ninguém sabia por onde começar para se iniciar a sua armação e
montagem. Planos de montagem não existiam, nem era possível obtê-los
do construtor, por este ter desaparecido!
Dada a soma exorbitante pedida por
uma fábrica do Porto, única concorrente para adjudicação do trabalho
de decifrar a charada e montar o hangar: o Director da Aeronáutica
Naval perguntou ao engenheiro Bastos do que é que ele necessitava
para proceder à montagem do hangar. Este respondeu precisar de 30
contos, para despesas, e pessoal de manobra.
Autorizado o trabalho, o método
utilizado para decifrar o «puzzle» foi o de reproduzir o hangar em
cartão, peça por peça, à escala reduzida, e proceder à montagem da
miniatura, para depois passar ao próprio hangar. Com dois sargentos
de manobra, uns quatro marinheiros e serventes, um carpinteiro e um
serralheiro, deu início à montagem.
Veio o dia em que a terceira asna
seria içada, e esse dia caiu numa terça-feira (o hangar dispunha de
7 asnas e 40 metros de vão, numa altura de cerca de 20 metros e um
comprimento de 60).
Um dos sargentos recusou-se a
trabalhar nesse dia, alegando ser dia aziago para ele. Com a ajuda
de outro sargento – que não era supersticioso – a asna foi içada,
mas quando estava quase no topo uma rajada de vento (garroa) atirou
com a asna ao chão! Um facto iniludível que na Marinha as
superstições existem, segundo o comentário do próprio narrador...
Nos anos 40 a aviação em S. Jacinto, vendo-se o enorme hangar e a
inexistência da actual localidade.
A asna foi reparada e desempenada ao
cabo de dias de intenso trabalho, em fogueiras acesas na areia. Por
fim foi para o lugar, mas não a uma terça-feira...
A montagem do hangar durou 4 meses,
sem exceder o custo estipulado! Como justa recompensa, o engenheiro
Bastos foi louvado por tal serviço – «pela grande economia para a
Fazenda».
O comandante Faria Pereira relatou
assim a montagem do hangar:
– «Lá ficou, graças ao eng.º Bastos,
aquele imponente hangar metálico, maior e mais alto do que qualquer
outro que então existisse em Portugal ou na Península Ibérica e
mesmo até dos que vimos por essa época na França e na Itália. Por
isso se pode imaginar como foi notabilíssima a obra da sua montagem
e erecção, com os processos que tiveram de ser usados pelo nosso
pessoal».
Entretanto, e socorrendo-nos, ainda,
das notas do Eng.º Tadeu, verifica-se que Ferreira da Silva assumiu
o comando de S. Jacinto de 1931 a 1933, sendo membro de uma Comissão
que estudou a transferência do Centro de S. Jacinto para a Torreira,
por se ter concluído situar-se ali o espelho de água ideal para
hidroaviões. Porém, as expropriações exigidas e a carência de
disponibilidades anularam o projecto e mais depressa orientaram a
intenção de fazer a escola de pilotagem com aviões de rodas no areal
de S. Jacinto.
«De 33 a 36, esteve no comando
Cardoso de Oliveira, e o seu dinamismo veio a marcar, decisivamente,
o desenvolvimento do Centro de Aveiro.»
ARRANQUE DECISIVO E O PRIMEIRO CURSO DE PILOTAGEM
Prosseguia a ampliação de S. Jacinto
com a construção da messe de oficiais e o arrelvamento do areal
anexo. Surgiu o primeiro curso de pilotagem em 1935/1936 com 5 alunos! Por grande
fatalidade, afogou-se na Torreira, durante a instrução, o aluno
piloto Alberto Bastos, no dia 20 de Novembro de 1935. Nos anos de 36
a 38, Paulo Viana foi o comandante, tendo-se feito o segundo curso
de pilotagem, com 9 alunos, utilizando já aviões de rodas na
improvisada pista de S. Jacinto.
«Em Aveiro, trabalhava-se duramente,
mas vivia-se um ambiente feliz e agradável» – disse um desses alunos
(Malheiro do Vale) na «Revista da Armada» em 1973.
Este curso veio a vitimar o aluno
Palma Féria em desastre na pista terrestre.
Em 1938, o Comandante Cardoso de
Oliveira voltou definitivamente para comandar a Escola até 1952 e
jamais pararam de fazer-se cursos de pilotagem, engenheiros,
mecânicos e artífices de aviação.
A Escola de S. Jacinto foi sendo
cada vez mais a face positiva e progressiva da Aviação Naval.
Em 1943, chegam novos aviões Tiger
de instrução, coincidindo com a realização da última escola de
hidroaviões
/ 77 / na Torreira, onde
existe ainda um hangar abandonado no areal, que servia de oficina a
pequenas reparações.
Sucederam-se os Oxford, Beechcroft,
Harvard (treino avançado de pilotagem) Helldiver (bombardeamento
picado e luta AIS), tendo-se constituído a primeira esquadrilha
anti-submarina do nosso país. Estes aviões, no dizer do Comandante
Trindade dos Santos, falecido em Janeiro deste ano (1983), no dia 3,
foram considerados desactualizados e abatidos ao serviço, tendo sido
vendidos como sucata, com ínfima utilização... após a criação da
Força Aérea!
COUTINHO E SACADURA EM S. JACINTO
Os F3, vindos de Inglaterra em 1920,
sob os cuidados de Sacadura Cabral, que assistira à sua construção e
adaptação a voos mais largos com vista à I Travessia Aérea do
Atlântico Sul, foram submetidos em Aveiro a uma beneficiação geral,
devido a terem permanecido muito tempo nas águas da doca do Bom
Sucesso, por aqui não existir hangar nem «slip» (rampa ou plano
inclinado para a entrada e retirada da água). O Centro de Aveiro,
segundo Sacadura Cabral no livro «Viagens Aéreas dos Portugueses»
da autoria do piloto-aviador Pinheiro Correia, dispunha ao tempo,
compreensivelmente, de reduzido pessoal e, além do hangar que
acabara de se construir, pouco mais possuía como instalações e
oficinas.
1954 - Em S. Jacinto, no decorrer de um Juramento de Bandeira de
novos alunos-pilotos. Da esquerda para a direita: Comandantes Dores
Delgado, Cardoso de Oliveira, Ferrer Caeiro, Majores Calhau e
Moreira Campos (eng.º)
Na Ria, Sacadura faz então as suas
experiências, beneficiando, sem dúvida, da esplêndida laguna que se
lhe oferecia. O Faire III D, o hidroavião que iria tentar a viagem
Lisboa-Madeira, sobrevoa Aveiro, mas a grande preocupação de
Sacadura Cabral, o homem de Celorico da Beira, era verificar o peso
de combustível que poderia meter nos depósitos a a quantidade que
iria permitir a descolagem e a autonomia de 9 horas e meia sobre o
mar, o Oceano Atlântico. Das suas diligências e dos treinos aqui
realizados ia informando o seu colega de viagem, o Comandante Gago
Coutinho, inventor do sextante de horizonte artificial e do
corrector de rumos.
[Fotografias
de um hidroavião sobrevoando a Barra em Agosto de 1920]
Ambos se completavam. Um tratando do
avião, pilotando, organizando, cuidando, em suma, de todos os
/ 78 / pormenores ligados à
grande viagem com que sonhavam – a ligação aérea Lisboa–Rio de
Janeiro. O outro, responsabilizando-se pela navegação aérea.
Sacadura Cabral, em Aveiro, onde era
Comandante do Centro o 1.º Tenente Rosado, tinha como mecânico o
francês Soubiran, que foi, pode dizer-se, o primeiro de um grande
número de técnicos que haveria de enformar ao longo de muitos anos a
Aviação Naval.
«Hidroaviões Fleet sob o céu de Aveiro...»
«Em S. Jacinto, espalhara-se entre a maruja o projecto da viagem e via-se que todos eles, à porfia, com
este esprit de corps que nos faz perdoar-lhes tantos
defeitos, desejavam prestar auxílio trabalhando para a sua
realização.»
... «e assim, trabalhando com boa
vontade, pudemos na quarta-feira, uma manhã deliciosa, fazer uns
voos de experiência, que serviram para me familiarizar com o
aparelho em que nunca tinha voado, e fazer um pouco a mão, o que há
meses não acontecia.»
«Os resultados desta experiência
deixaram-me satisfeito, prossegue Sacadura, e como continuávamos em
regime de alta pressão, mostrando o barómetro tendência para a
subida, telegrafei a Coutinho dizendo-lhe que contava seguir para
Lisboa na próxima sexta-feira, e que viesse a Aveiro para depois
seguir pela via aérea e assim fazermos como que um ensaio geral do
que seria a viagem à Madeira.»
... «e na sexta-feira, depois da
chegada de Coutinho, que viera no rápido, dirigimo-nos ao Centro de
Aviação para seguir viagem.»
«Com a violenta nortada que fazia e
auxiliado pela mareta que se tinha formado na Ria de Aveiro, o
hidroavião descolou como nunca o vira descolar, com uma facilidade e
rapidez que me deixaram bem impressionado...»
... «Fiquei, porém, com a certeza de
que descolaria; e tendo novamente tomado posição fiz nova tentativa,
coroada de êxito, descolando o hidroavião com uma carga útil que
devia andar por uma 3800 libras, ou sejam mais cerca de 250 quilos
do que descolara em Aveiro com tempo calmo! As minhas previsões
estavam certas.»
(Bom Sucesso) - O Almirante Gago Coutinho, acompanhado pelos
Comandantes Paulo Viana e Telo Pacheco, entregando um troféu com o
seu nome no termo de um jogo de de basquetebol dentre as Bases do
Bom Sucesso e S. Jacinto.
O MONUMENTO À AVIAÇÃO NAVAL
Em Maio de 1981, numa cerimónia
presidida pelo Dr. José Girão Pereira, presidente da Câmara
Municipal de Aveiro, e na presença do Almirante Mário Esteves
/ 79 / Brinca, em
representação do Chefe de Estado-Maior da Armada, foi inaugurado o
monumento à Aviação Naval, que fica situado junto ao canal central
da Ria, no ponto em que em 1916 embarcaram os primeiros aviadores e
marinheiros franceses para S. Jacinto.
A cerimónia teve a presença de altas
patentes da Armada, ligadas à ex-Aviação Naval, figuras civis,
militares e religiosas da cidade e muito público que, assim, se quis
associar ao evento.
Na base do monumento foi então
deposto um ramo de flores, enquanto as bandas da Armada e da Força
Aérea tocavam o hino nacional. Dois aviões da Base de Monte Real
faziam uma passagem alusiva ao acto, prestando desse modo a sua
homenagem aos pioneiros da aviação da Marinha de Guerra Portuguesa,
extinta em 1952, para, juntamente com a Aviação do Exército, dar
lugar à actual Força Aérea.
Num opúsculo, editado na altura, o
Dr. Girão Pereira escreveu a seguinte saudação:
«Quer a Câmara Municipal de Aveiro
perpetuar, através do bronze dum singelo monumento, o seu apreço e o
seu reconhecimento à Aviação Naval, que nesta terra de Aveiro
escreveu algumas das melhores páginas da sua história.
Homenagem simples e tardia, mas
preito sentido de justiça.
A todos os homens que na Aviação
Naval lutaram e realizaram o seu sonho, como a todos aqueles que
ainda lutam por um ideal, a saudação e o reconhecimento do povo de
Aveiro.»
O Presidente da Câmara,
JOSÉ GIRÃO PEREIRA
Sob um ângulo bonito, o monumento brilha mais...
UMA INICIATIVA ÚNICA NO NOSSO PAÍS
O Vice-Almirante Francisco Ferrer
Caeiro. que comandou de igual modo a Escola de Aviação Naval
«Almirante Gago Coutinho», escreveu a propósito:
«Quis a cidade de Aveiro homenagear
a Aviação Naval Portuguesa, evocando-a num monumento que, pela sua
expressão escultórica e pela escolha do local onde foi erigido, fica
impregnado dum simbolismo que abre à imaginação um vasto campo de
revelações. O acento tónico, porém, parece ter sido posto na
insinuação de que, contemplando a Ria, ambos se entrelaçam no
encontro da via de acesso às lonjuras do mar.
É uma iniciativa única no nosso
País. É certo que proliferam os monumentos e os topónimos que
perpetuam o feito heróico e científico de Sacadura e Gago Coutinho,
através dos quais a Aviação Naval colheu os dividendos espirituais
duma maternidade de que tão legitimamente se orgulhava. Mas só a
cidade de Aveiro soube nobremente remontar à génese da própria
façanha, enquadrando-a numa visão global que abrange todos os feitos
que antes a propiciaram e os que depois a tiveram como assímptota
para se tornarem seus dignos continuadores, até onde o devotado
empenhamento dos seus executores os pôde guindar.
|
Nada podia penetrar mais
profundamente nos corações de todos os que pertenceram à corporação,
em nome dos quais, por designação que sobre mim recaiu, exprimo o
seu comovido reconhecimento ao ilustre Presidente do Município, Ex.mo
Sr. Dr. José Girão Pereira, não só na qualidade de legítimo
representante da população de Aveiro, mas também como grande
impulsionador desta realização.
/ 80 /
Porquê a Aviação Naval? Porquê a
cidade de Aveiro? A aviação como arma militar nasceu pouco antes da
Primeira Grande Guerra e logo, em Portugal, o Exército e a Marinha,
de braço dado, criaram um alfobre de aviadores, do qual o ramo do
mar se diferenciou quando, em 28 de Setembro de 1917, sob a égide de
Sacadura Cabral, a aviação da Armada vê legalizada a sua estrutura
operacional.
Quando o País entrou a participar
nas hostilidades, a sua missão principal seria a de dissuadir os
submarinos dos seus ataques à navegação nas nossas águas; contudo, o
curto raio de acção dos hidroaviões do Centro e do Bom Sucesso
impediria que à zona Norte fosse dada a devida cobertura. É assim
que, já em 1916, por acordo com a Marinha Francesa, esta estabelece
um improvisado posto aeronaval.
|
Monumento à Aviação Naval em Aveiro,
junto à Ponte da Dobadoura. |
Terminada a guerra, esse precário
posto é entregue à nossa Armada e passa a designar-se Centro de
Aviação Naval de Aveiro. A Aviação Naval começa a enraizar-se.
Quando, em 30 de Março de 1922,
Sacadura e Gago Coutinho partem da Torre de Belém para o seu
fabuloso «raid», a Aviação Naval era ainda minúscula mas, com o
prestígio que os dois heróis granjearam para a Marinha, aquela irá
entrar num surto de crescimento, sob o vigoroso impulso de Chefe do
Comandante Sacadura Cabral, cujo ímpeto, tão empolgante quão
efémero, veio a ser tragicamente truncado no desastre de 12 de
Novembro de 1924.
Inauguração do monumento em 17 de Maio de 1981 com a presença de
altas patentes da Armada e da Força Aérea.
Em 1925 principia a funcionar
provisoriamente no Centro «Comandante Sacadura Cabra!» – num Bom
Sucesso já então um tanto expandido – a Escola de Aviação Naval
«Almirante Gago Coutinho», enquanto S. Jacinto não estivesse em
condições de assumir esse papel. A partir daqui a aeronáutica naval
começa a encontrar-se a si própria e a individualizar-se como arma
de guerra aeronaval.
Dezembro de 1952 – Despedida do
Comandante Cardoso de Oliveira para o Montijo. |
Nove anos depois, o Bom Sucesso era
já extremamente exíguo para conter uma só que fosse destas duas
unidades e, por outro lado, toma-se plena consciência do bem
conhecido lema da imprópria localização de escolas desta natureza
perto dos grandes centros urbanos.
Assim, elaboram-se estudos para a
implantação do Centro na península do Montijo, cuja construção se
inicia uns anos depois e, quanto à Escola, logo se confirma S.
Jacinto como local ideal para a instalar, aliás de acordo com o que
fora legislado em 1925.
|
Contudo, as deficiências desta
unidade, provisória de nascença e cada vez mais degradada,
contrapondo-se à urgência sobre moldes apropriados uma escola como
/ 81 / todos ansiavam, para
elevar o padrão técnico das novas e alargadas gerações de
especialistas à altura dos grandes progressos da aeronáutica,
levantava um problema de grande magnitude.
Então, no momento próprio, surge o
homem certo para levar a cabo a espinhosa missão: o 1.º ten. Cardoso
de Oliveira.
A Escola de Aveiro com ele nasceu e
com ele veio a acabar.
Hidroavião Grumman G21B no plano inclinado (Anos
mais tarde, reduzido a sucata)
Mercê do seu infatigável dinamismo,
da sua copiosa imaginação e da sua insuperável perícia de aviador,
durante 18 anos, a Escola, quase ininterruptamente sob o seu
comando, não cessa de crescer, de aperfeiçoar a sua instrução e de
se actualizar no campo aeronáutico, tarefa em que concorreu não só o
esforço do seu pessoal militar como o da preciosa mão de obra
regional que veio a alcançar primores de especialização. No último
período da sua existência, por bivalência do pessoal de voo e de
manutenção, eleva ao mais alto nível operacional uma esquadrilha de
aviões anti-submarinos, a qual constituiu o gérmen de algo de
notável que, talvez por ironia do destino, só viria a ter eco como
uma voz de além túmulo.
Durante esses anos, numa lógica
relação de causa e efeito, a Aviação Naval percorreu o período da
sua «maturação» e a Escola de Aveiro, para o fim da Segunda Guerra,
tornou-se sala de visitas da Marinha, inspeccionada e apreciada por
muitas entidades militares e civis, nacionais e estrangeiras.
Em 31 de Dezembro de 1952,
precisamente quando atingira o seu apogeu de qualidade, a Aviação
Naval é atingida por um golpe legal, que lhe paralisa o coração, sem
propriamente lhe destruir a alma, que iria albergar-se algures.
As aviações do Exército e da
Marinha, de braço dado como quando nasceram, fundem-se na nasciturna
Força Aérea Portuguesa, que já hoje, apesar da sua juventude ou
talvez por isso mesmo, soube conquistar a consideração e o respeito
da Nação.
Já com personalidade própria, ela a
propagará às suas sucessivas gerações, mas no que por
hereditariedade lhes for transmitido, estarão inevitavelmente
presentes os veículos duma parcela da alma da Aviação Naval.
Eis um lacónico bosquejo do que foi
a Aeronáutica Naval nos fugazes 35 anos da sua existência. Nele
estarão omissas as acções e os feitos que constituíram o seu fecundo
conteúdo, porque nem o grosso volume das suas crónicas – que está em
vias de ser editado – poderá abarcar o muito que tão poucos fizeram.
Todavia, Aveiro e S. Jacinto, com a
intuição dos que sabem ver e sentir, anteciparam-se à História e
acorreram, com um ajustado juízo de valor, a memorar o que muitos
não conheceram ou porventura já esqueceram: a Aviação Naval e a sua
Escola.
Esta é a resposta ao meu primeiro
porquê. Vejamos a do segundo.
Desde o tempo dos franceses que a
cidade de Aveiro dedicava à novel aviação as suas atenções e o seu
carinho, e foi bem significativo o comovido adeus que dispensou
àqueles aviadores, aquando da sua retirada.
Quando a Base passou a ser
portuguesa, as sua afinidades revigoraram-se e os seus sentimentos
amistosos encaminharam-se para uma progressiva fraternização.
Os aviões não eram apenas uma imagem
que se desenhava no campo visual de quem tinha os olhos postos no
mar; eram um símbolo de progresso a incitar na busca dos caminhos do
futuro.
O mar e o futuro – um meio e um fim
– estão na alma da Cidade. na determinação, capacidade e espírito
empreendedor das suas gentes, na sua indómita coragem para vencer
obstáculos. Nisto reside o segredo do seu espectacular e imparável
desenvolvimento.
A princípio, a Escola de Aviação
Naval, com a sua introversão inerente à sua condição insular e na
sua total entrega a uma vida monástica devotada à consecução dos
seus objectivos de melhoria e expansão, não se apercebia do
acolhimento potencial que a Cidade podia oferecer-lhe. Mas, com o
tempo, desbravados que foram os percursos que se impusera, a Escola
pôde começar a inserir-se no meio que a rodeava e Aveiro foi,
naturalmente, o grande pólo de atracção.
Muitos foram os que se fixaram no
concelho com as suas famílias ou nele as constituíram, e todos os
restantes, que com a cidade apenas conviveram, enriqueciam os seus
álbuns de recordações com a hospitalidade aveirense, a qual, lhana e
quente, despretensiosa e digna, lhes incutia respeito, simpatia e
quantas vezes sólidas amizades.
/ 82 /
Para os que em S. Jacinto se
especializavam na Aviação Naval, o nome de Aveiro representava uma
identificação de que se ufanavam. Para a Cidade, aquela era a sua
aviação.
Unia-os a todos um laço que as
gentes de Aveiro e S. Jacinto agora relembram e que as da Aviação
Naval jamais esquecerão.
Obrigada Aveiro. Obrigada S.
Jacinto.
Lisboa, 1981.
FRANCISCO FERRER CAEIRO
Vice-Almirante Piloto Aviador
Destroços do Fleet/Keener n.º 133 acidentado na Torreira, em 1945,
contra um mastro de uma embarcação.
A ÚLTIMA ESCOLA DE HIDROAVIÕES
A escola de hidroaviões tinha lugar
na Torreira, na imensa laguna, entre a Bestida e a praia do concelho
da Murtosa. Os hidros confundiam-se ao tempo com
os moliceiros e os mercantéis espalhados com profusão
pela Ria.
A Base, instalada em S. Jacinto,
prestava todo o apoio, naturalmente. Os aparelhos descolavam
diariamente, e seguiam pelo ar, para a Torreira, onde a instrução
era ministrada, e ao fim da tarde recolhiam ao hangar onde eram
beneficiados e abastecidos para no dia seguinte voltarem à
instrução. Algumas vezes, um ou outro moliceiro, na sua maravilhosa
arte de navegar, provocava arrepios aos alunos e aos
instrutores, cortando as águas e atravessando-se na proa dos
hidros. Aconteceu colisão uma ou outra vez e, numa delas, o mastro
de um moliceiro, como se fora um enorme cacete nas mãos de um novo
Neptuno, saído da profundidade da Ria, destruiu, pura e
simplesmente, o «Fleet-Kinner» – um hidroavião, monomotor, de 5
cilindros em estrela e dois flutuadores. Não se sabe ainda hoje como
aconteceu aos dois pilotos (instrutor e aluno) rebentarem com o peso
do próprio corpo, e na queda, os cintos de segurança! A verdade é
que só esse facto permitiu a ambos salvarem-se de morrer,
provavelmente, submersos, nas límpidas águas da Torreira.
Em 1943, com a aquisição dos aviões
«Tiger», equipados com trem de aterragem, terminou a escola de
pilotagem dos hidros. A instrução era ministrada exclusivamente na
Base, em S. Jacinto. Só a espaços, os Grummans, bimotores, equipados
com motores, em estrela, de 9 cilindros, da Pratt e Witney, tendo o
casco por fuselagem e dois flutuadores perto das extremidades das
asas, utilizavam a enorme pista aquática. Mas a instrução básica,
essa, deixara definitivamente a laguna.
Ficava para trás uma época de
epopeia, percursora de mais largos e dilatados voos, que haveriam de
consumar-se em modernos e sofisticados aviões de maior porte,
culminando nos Helldiver (SB2C 5). equipados para a luta
anti-submarina, utilizados no famoso porta-aviões americano Franklin
D. Roosevelt.
SÉRIE DE SELOS COMEMORATIVA DO 50.º ANIVERSÁRIO DA CRIAÇÃO DA ESCOLA DE AVIAÇÃO NAVAL «ALMIRANTE GAGO COUTINHO»
|
|
A excelente Revista Selos &
Moedas, editada em Aveiro pela Secção Filatélica e Numismática
do Clube dos Galitos, dirigida de forma magnífica por Vítor Santos
Falcão, inseriu oportunamente um esplêndido artigo da autoria do Dr.
António de Almeida Figueiredo, intitulado:
|
|
SELOS A MAIS... SELOS A MENOS...
Não é a primeira vez que nos
insurgimos contra a plêiade de selos, absolutamente
desproporcionada, face às necessidades, e que ao cabo e ao resto,
raramente se encontram à venda, a não ser nos Serviços de Filatelia
dos C. T. T..
Neste combate não temos estado sós,
o que não nos importaria pois dispensamos companhia quando pensamos
estar no campo da razão.
Todavia, se nos parece que há selos
a mais, também pensamos que, por vezes, há selos a menos.
Com efeito, há efemérides, factos,
acontecimentos, que bem mereciam um simples selo, não se vendo razão
para que, quando haja motivo, tenha de ser emitida uma grande e
dispendiosa série...
/ 83 /
Referimo-nos agora e concretamente à
AVIAÇÃO NAVAL e à sua Escola na Base de S. Jacinto (Aveiro), chamada
pelo título tão prestigiante de «ALMIRANTE GAGO COUTINHO».
Está a fazer-se, cremos, uma
completa História da Aviação Naval, e é por demais evidente que,
esta, não seria aqui feita, por falta de competência e de espaço.
Recordemos, no entanto, que, finda a
guerra de 1914-18, por todo o mundo a aeronáutica deixa de ser o
heroísmo temerário dos feitos da guerra, para se tornar cada vez
mais científica e mais segura.
A AVIAÇÃO NAVAL PORTUGUESA não podia
deixar de acompanhar essa evolução e nela, grosseiramente, se podem
descrever três períodos:
1.º – de 1916 a 1924, período da
criação, da temeridade, da aviação heróica de SACADURA CABRAL;
2.º – de 1925 a 1942, período de
crescimento, impetuoso e competente, de homens como CARDOSO e VIANA,
em que se aperfeiçoam as estruturas e a técnica, melhora o ensino e
a aparelhagem;
3.º – de 1943 a 1952, período de
maturação, de engrandecimento que culmina, infelizmente, com a sua
extinção.
Não deixa de ser curioso recordar
que no primeiro período houve 5 baixas em 19 pilotos, o que dá uma
percentagem de 26,3 %; no 2.º, 11 baixas em 50 pilotos, (22 %),
enquanto no 3.º período 0 baixas em 27 pilotos da geração deste
período. A segurança marchava, a par e passo, com a melhoria da
técnica, da aparelhagem e do ensino.
Aveiro estava indissoluvelmente
ligado à sua Escola de Aviação Naval, situada na Base de S. Jacinto,
e que, desde 1934, ali funcionava com pleno êxito por todos
reconhecido, inclusive a nível internacional.
Entre a população e a sua Escola
criaram-se elos de amizade, de intercomunicação de viver, que
culminaram com a inauguração em 17 de Maio de 1981 de um monumento à
sua Aviação Naval, erigido no centro da cidade e junto ao seu Canal
Central.
Não se tratava de homenagear um
Bravo entre os Bravos. Tratava-se, sim, mais singelamente e mais
latamente, de homenagear a Escola que os formou, a Escola que ligou
o seu nome à terra e dela recebeu em troca amizade, carinho,
consideração e respeito, que ainda hoje permanecem vivos no coração
de todos os que viveram essa época.
Propositadamente referimos muito
poucos nomes além dos da Escola Almirante Gago Coutinho, da Base de
S. Jacinto.
Pois bem. Esta Escola que mereceu de
todos os mais rasgados elogios, esta Aviação Naval que foi grande e
mereceu da cidade de Aveiro um monumento que perpetua a sua estima e
admiração, não mereceu dos C.T.T. um simples selo.
Por isso intitulamos esta nota
«Selos a mais... selos a menos...»
DR. ANTÓNIO DE ALMElDA FIGUEIREDO
A Revista Selos e Moedas escreveu em
nota de redacção:
Aplaudimos vivamente as palavras
deste nosso muito estimado Colaborador e, no seguimento das mesmas,
desde já fica aqui a sugestão para a emissão em 1984 de um selo ou
de uma série de selos comemorativa do 50.º Aniversário da Criação da
Escola de Aviação Naval de S. Jacinto.
Entretanto, seguiu um ofício para os
Correios e Telecomunicações de Portugal, assinado pelo Presidente da
Direcção da Secção Filatélica e Numismática do Clube dos Galitos
que, datado de 18-1-1983 na parte que interessa, diz nomeadamente:
... «vimos informar V. Ex.as
de que a Direcção desta Secção, na sua reunião de ontem, decidiu
propor a essa Direcção Comercial que, no plano das emissões de selos
postais para 1984, seja incluída uma série comemorativa do
50.º Aniversário da instalação em S.
Jacinto (Aveiro) da Escola de Aviação Naval «ALMIRANTE GAGO COUTINHO».
Trata-se de uma comemoração de
extraordinário valor histórico e de grande valor filatélico, tendo
em conta o prestígio que a Aviação Naval Portuguesa granjeou no
mundo, logo nos primórdios da sua existência, mercê do brilhante
feito de Sacadura Cabral e Gago Coutinho: a Travessia Aérea do
Atlântico Sul.
O nome de Aveiro está intimamente
ligado à Aviação Naval Portuguesa, já que, pode dizer-se, ela aqui
«nasceu» (S. Jacinto) logo após a I Guerra Mundial. E acrescentamos
que, já em 1916, em pleno período das hostilidades, Aveiro conhecia
a Aviação Naval, pois foi estabelecido em S. Jacinto, em colaboração
com a Marinha Francesa, um posto aeronaval equipado com hidroaviões
destinados à luta anti-submarina e em cujas tripulações pontificavam
alguns «ases» pilotos aviadores franceses.
Não é pois de estranhar que tenha
sido Aveiro a cidade que, muito justamente, chamou a si a homenagem
à Aviação Naval Portuguesa, evocando-a num monumento de belo
simbolismo, inaugurado em Maio de 1981.
In «Revista Selos & Moedas»
/
84 /
A AVIAÇÃO NAVAL E O PESSOAL CIVIL
Desde sempre a população de S.
Jacinto revelou-se do maior carinho para com os militares, quer eles
fossem de origem francesa, quer fossem os marinheiros e aviadores da
Aviação Naval Portuguesa. Sobretudo da parte da população mais
humilde, houve ao longo dos anos um respeito e uma consideração de
que ainda hoje se recordam as muito poucas pessoas existentes.
Sempre se verificou uma ligação fraterna, muitas vezes filha do
convívio diário que, por força do isolamento, era cultivado por uns
e por outros.
Em tempos distantes, quando a
travessia das duas margens se fazia em simples bateiras puxadas a
remos por um dos Lelinhos, S. Jacinto estava pouco mais do que
abandonada. Valia-lhe, então, essa convivência com os militares e,
mais tarde, com a instalação dos estaleiros, trazendo o convívio de
emigrantes especializados na construção naval.
Algumas famílias, de que ainda
existem descendentes, fizeram boa vizinhança, amparando-se
mutuamente nos bons e nos maus momentos. A povoação de S. Jacinto
era assim como que um complemento da Base, da Escola, como lhe
chamavam, como coisa que fosse sua.
Será justo referir alguns nomes como
os de José Maria (Lelinho), José Lavareda, o Ti'António Carinhos, o
João das Mancas, o Mestre Jorge, dos Estaleiros, o Calisto pescador,
o guarda-fiscal Simões, correspondente de «O Século», e tantos
outros que marcaram uma época, quando tudo era mais difícil e a
pesca artesanal mal dava para viver.
Hoje, embora com muitas dificuldades
nos transportes, que a falta de uma ponte ao Norte da Povoação mais
fez sentir, S. Jacinto já não é a mesma freguesia abandonada do
concelho. Os seus mortos já não fazem a última viagem amortalhados
na proa de uma bateira a caminho de Aveiro, e os vivos podem
percorrer há muito uma estrada a caminho da Murtosa ou de Ovar.
Os Estaleiros Navais e a própria
Base, com tropas paraquedistas e pessoal de voo do aeródromo,
continuam a merecer da população o mesmo carinho de outrora. Os
meios de comunicação (a TV, a Rádio e os Jornais) amenizaram um
tanto o convívio que a solidão proporcionava; mas, no essencial,
mantém-se a comunhão de pessoas e, algumas vezes, de bens, que
sempre constituíram a maneira de estar entre povos que sabem
estimar-se.
PARA A HISTÓRIA DO MONUMENTO
O monumento à Aviação Naval,
inaugurado em 17 de Maio de 1981, saiu de uma deliberação camarária
da presidência do Dr. José Girão Pereira, sob proposta de um grupo
de «Sobreviventes» da antiga aviação da Marinha, de que faziam parte
os nomes de Armando Júlio Moreira Campos, José Maria Pinheiro,
Delfim Delmar Pereira Barreto, Raul Correia de Almeida, Manuel
Afonso Martins, Manuel de Oliveira Barroca, Francisco da Luz
Rodrigues, Francisco Maria Duarte, o autor desta evocação e ainda de
Giberto Nunes (Lelinho).
Segundo o autor do projecto, Jorge
Trindade, que concebeu o monumento, este obedeceu à seguinte
estruturação:
SIMBOLOGIA
Pretendeu-se na base do seu
desenvolvimento ascendente, simbolizar a «Aviação Naval» através de
uma forma com origem numa linha plana (horizontal) e que se prolonga
no espaço.
Saliente-se o facto do conjunto de
peças ser de forma abstracta, e, ao mesmo tempo, possuir uma
linguagem muito fácil e receptiva no conteúdo simbólico.
ESTÉTICA
Conjunto de 3 elementos escultóricos
em bronze, de desenvolvimento ascendente na altura variável de 2,60
m a 3 m.
A base de cada elemento formada por
1/4 de círculo, permite no seu prolongamento vertical, a obtenção da
dinâmica e da simbologia.
INTEGRAÇÃO
O espaço destinado para a
implantação da peça, de dimensões reduzidas, implicou que o volume
da forma se desenvolvesse com características leves de modo a se
integrar no envolvimento espaço/paisagístico, para a obtenção, de
uma relação harmónica perfeita. Por este facto, o conjunto de
elementos escultóricos apesar de dinâmicos, não contém a
agressividade da desintegração, antes contribui para a valorização
do local numa perspectiva estética ou cultural.
DR. MÁRIO DUARTE – GRANDE FIGURA AVEIRENSE – LIGADO AO MONUMENTO A
GAGO COUTINHO E SACADURA CABRAL, EM FERNANDO NORONHA
Pouco tempo antes de falecer, o Dr.
Mário Duarte, grande figura de aveirense, «Cavaleiro da Ordem
Militar de Cristo» e possuidor da «Cruz de 1.ª Classe do Mérito
Naval» (Espanha), escreveu-nos a propósito de uma série de
descoloridas crónicas que publicamos no semanário LITORAL, dirigido
pelo Dr. David Cristo.
A «Revista do Ar» referia-se então
ao Embaixador Dr. Mário Duarte em termos elogiosos, aquando da
comemoração,
/ 85 / em 1964, da passagem
de Gago Coutinho e Sacadura Cabral por Fernando Noronha, dizendo: –
«Uma das individualidades que fiel a este pensamento tem o culto da
Travessia Aérea do Atlântico Sul pelos Portugueses é o brilhante
escritor e diplomata, sr. Dr. Mário Duarte, Embaixador de Portugal
no México, que nestas páginas recorda com vibração e saudade a
passagem de Gago Coutinho e Sacadura Cabral por Fernando Noronha.»
O Dr. Mário Duarte com outro aveirense, João Sarabando, medalha de
mérito da cidade.
Com efeito, o ilustre aveirense Dr.
Mário Duarte esteve na sugestão de se erguer na Ilha de Fernando
Noronha o monumento que hoje perpetua o inolvidável feito da Aviação
Naval em terras do Brasil. Porque o documento tem inegável interesse
histórico, aqui o deixamos na íntegra, como simples e modestíssima
homenagem à memória do «Aveirense pelo nascimento e pelo coração,
que se orgulha de ser filho de uma das terras mais bonitas do
mundo», como se diz no «Almanaque Desportivo do Distrito de Aveiro»,
editado em 1949, da autoria de João Sara bando, M. da Costa e Melo e
Virgílio Veiga.
Da «Revista do Ar» em 1964,
transcrevemos alguns trechos do citado documento e ainda uma carta
manuscrita por Gago Coutinho, dirigida ao Dr. Mário Duarte:
O MONUMENTO A GAGO COUTINHO E SACADURA CABRAL, EM FERNANDO NORONHA
Pelo Embaixador Dr. Mário Duarte
Em Maio de 1947, num jantar
oferecido pelo Cônsul de Portugal, em sua casa do Recife, ao
Secretário de Fernando Noronha, Sr. Dr. Jordão Emerenciano, tendo o
Cônsul perguntado se naquela ilha existia qualquer recordação da
gloriosa primeira travessia do Atlântico, realizada pelos aviadores
portugueses, respondeu o ilustre conviva que nada havia talvez por
desleixo ou falta de iniciativa. Surgiu então a ideia de se levantar
em Fernando Noronha um monumento aos aviadores Gago Coutinho e
Sacadura Cabral, aproveitando a coincidência da comemoração do 25.º
aniversário da Travessia.
«Dr. Mário Duarte, Cônsul de
Portugal, Recife 9-9-1947. Governo recebeu com entusiasmo vibrante
sugestão homenagem Sacadura Cabral Gago Coutinho pretendendo dar
acto excepcional relevância. Viajando avião Cruzeiro Sul chegará
hoje essa capital Major Imbiriba Governador Território ficando
hospedado Grande Hotel, agradeceria muito V. Ex.ª se houvesse
possibilidade aproximação entre ambos. Conto com simpática
colaboração V. Ex.ª para transformar homenagem numa grande
oportunidade para estreitamento amizade Luso-Brasileira.
Jordão Emerenciano,
Secretário Território»
/ 86 /
|
Nessa mesma semana, noutro jantar
oferecido pelo Cônsul de Portugal ao Governador do Território de
Fernando Noronha, Sr. Major Mário Fernandes Imbiriba, comunicou-nos
S. Ex.ª, de viva voz, que mandara delinear um projecto para um
significativo e condigno Monumento, a erigir em frente do Palácio do
Governo, na praça de acentuado estilo colonial da Ilha de Fernando
Noronha, perpetuando a passagem dos gloriosos aviadores portugueses
por aquela Ilha, quando da primeira travessia do Atlântico Sul.
|
O Dr. Mário Duarte e o Comandante
Paulo Viana junto do obelisco. |
Outros encontros se deram entre o
Cônsul e o Governador, de Setembro a fins de Novembro, ficando
assente a data de 1.º de Dezembro para a sua inauguração.
Este Monumento é constituído por um
obelisco de pedra, em forma de pirâmide, tendo no lado principal uma
placa de bronze, de 0,70 cm. por 0,65 cm., com a seguinte inscrição:
«Os portugueses foram os
primeiros que pelo mar e pelo ar cruzaram o Atlântico Sul.
Homenagem do Território de
Fernando Noronha a Gago Coutinho e Sacadura Cabral que, em 1922,
estiveram nesta Ilha, quando da gloriosa vitória da aviação na
primeira travessia do Atlântico com rumo certo.»
No lado oposto tem, em relevo, uma
Cruz de Cristo em mármore de tonalidade vermelha.
O topo está encimado por uma esfera
armilar, de bronze.
O obelisco tem aos lados dois
canhões portugueses da época colonial, ali existentes, colocados em
posição de tiro e assentes em placas de cimento.
O monumento em Fernando Noronha.
À inauguração deste monumento, que
se efectuou no dia 1 de Dezembro, como ficara combinado,
aproveitando o dia comemorativo da nossa história, deu o Governador
de Fernando Noronha o maior brilho. Com efeito, às cerimónias
comemorativas do 25.º aniversário da 1.ª Travessia aérea do
Atlântico Sul pelos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral,
revestiram-se de excepcional relevo, tanto em Fernando Noronha como
no Recife.
O então capitão de fragata Ex.mo
Senhor Paulo Viana, Comandante Superior das Forças Aéreas da Armada,
nomeado por S. Ex.ª o Ministro da Marinha (hoje nosso ilustre e
digníssimo Presidente da República, Almirante Américo Thomaz) para
representar o Almirante Gago Coutinho, que não pôde comparecer por
se encontrar convalescente de recente doença, foi recebido no
aeroporto do Recife pelo próprio Governador do Estado de Pernambuco,
pelo Brigadeiro do Ar, Sr. João Dias da Costa, por oficiais de alta
patente da Região Militar e Naval e pelos membros das Directorias de
todas as colectividades portuguesas na sua máxima representação. Uma
companhia de guarnição militar, com bandeira e banda de música,
prestou as honras militares, sendo o Comandante Paulo Viana
convidado a passar-lhe revista.
O Governador do Estudo de
Pernambuco, com quem o Cônsul de Portugal se entrevistara na
véspera, pediu para considerar hóspede do Estado o representante de
Gago Coutinho durante a sua permanência no Recife.
Em Fernando Noronha foi o Comandante
Paulo Viana recebido com idênticas provas de consideração, sendo
convidado pelo Governador do Território, após a descida do avião que
nos conduziu, a passar revista às tropas formadas em sua honra.
O Governador de Fernando Noronha pôs
à sua disposição, no Recife, um avião de 28 lugares, que transportou
os directores das Associações Portuguesas, Autoridades
representativas de Pernambuco, Jornalistas e operadores de rádio,
pois todos os discursos da inauguração foram irradiados pelo Rádio
P. R. A. 8, de Pernambuco, em ondas curtas e largas, de modo a
poderem ser escutados em todo o Brasil e até em Portugal.
O monumento, coberto com uma
bandeira portuguesa de 4 panos, foi descerrado pelo Comandante Paulo
Viana, enquanto os clarins tocavam a sentido. Subindo a seguir
/ 87 / os degraus da placa em
que está assente o obelisco, o Sr. Governador, num vibrante
discurso, exaltou Portugal e o feito aviatório dos pioneiros da
travessia do Atlântico Sul, em palavras, como estas, que nos ficaram
na alma gravadas pelo estilete de gratidão: «Tudo aqui é um símbolo!
Tudo aqui fala de Portugal! A velha fortaleza, a histórica capela de
Nossa Senhora dos Remédios! Em tudo se encontra viva a imagem de uma
grande raça e de uma grande epopeia!...».
O Comandante Paulo Viana leu em
seguida a mensagem manuscrita do almirante Gago Coutinho que
entregou depois ao Governador. Um representante do Gabinete
Português do Recite ofereceu, num estojo, um fragmento da hélice do
avião «Lusitânia», no qual se via inscrustada uma placa de oiro, com
dizeres alusivos à homenagem.
O Comandante Paulo Viana depôs no
sopé do monumento um ramo de flores naturais vindas de Portugal,
oferta de uma senhora portuguesa que se acoberta com o pseudónimo de
«Eterna Desconhecida» e que há cerca de vinte anos envia as suas
homenagens a todas as cerimónias festivas relacionadas com a aviação
portuguesa e brasileira.
Por último, o Cônsul de Portugal
agradeceu ao Governador de Fernando Noronha a homenagem prestada aos
gloriosos aviadores portugueses, no seguinte discurso:
«Ex.mo Senhor Governador
do Território de Fernando Noronha;
Ex.mo Senhor Comandante
das Forças Aéreas da Armada e digno representante de S. Ex.ª o
Almirante Gago Coutinho;
Minhas Senhoras;
Meus Senhores:
Acompanhei desde o primeiro momento
o entusiasmo com que Sua Excelência o Governador de Fernando de
Noronha, senhor major Mário Imbiriba, tornou realidade uma sugestão
de há apenas quatro meses, perpetuando num belo monumento a passagem
dos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral por esta ilha, quando
da primeira travessia aérea do Atlântico Sul com rumo certo, em
1922.
Hoje, que os aviões atravessam o
Atlântico, de Portugal ao Brasil, em 15 horas, custa a crer como uma
coisa tão fácil se apresentava tão difícil há somente 25 anos.
Foram os aviadores portugueses os
pioneiros dessas travessias, como já o tinham sido pelo mar os
navegadores portugueses da célebre Escola de Sagres.
Graças a eles e à orientação natural
dos nossos afectos por este grande Brasil, que portugueses
descobriram e ajudaram a fundar, o mar que nos divide começa a
parecer-nos um fio de prata que une as duas nações irmãs. Graças a
eles o Atlântico já não nos separa.
O Brasil vibrou em 1922 com a
vitória da nossa aviação. Viveram-se aqui momentos de grande
exaltação patriótica, e neles compartilharam, sem distinção,
portugueses e brasileiros.
Como em 1922, os portugueses e os
brasileiros que hoje aqui nos encontramos em Fernando Noronha,
celebramos esta cerimónia com o mesmo orgulho pelos feitos da raça
que nos é comum, e com a mesma fé nos destinos da nossa civilização.
Se as figuras de Gago Coutinho e Sacadura Cabral são veneradas no
Brasil, de igual modo nós respeitamos e celebramos em Portugal o
génio criador de Santos Dumont.
Ao evocar os nomes de Gago Coutinho
e de Sacadura Cabral, que hoje ficam gravados neste monumento, nesta
Ilha de Fernando Noronha que é sentinela avançada do Brasil,
impõe-se-me a muito grata obrigação de agradecer a V. Ex.ª, Senhor
Governador, não só as horas felizes que vivemos neste espectáculo,
mas ainda o exemplo que, em sua própria pessoa, verificamos de
amizade sincera por Portugal.
Eu e todos os portugueses da minha
jurisdição consular, garantimos a V. Ex.ª que é igual a nossa
amizade pelo Brasil, por este grande Brasil que todos nós desejamos
cada vez mais forte e respeitado para garantia de um património de
civilização e de fé que pertence às duas pátrias, que este mar que
nos cerca já não separa, mas sim parece começar a unir para sempre».
No momento da inauguração
evolucionou sobre o local uma esquadrilha de aviões da base do
Natal, em homenagem à aviação portuguesa.
Após a inauguração do monumento,
descendo a praça, a multidão dirigiu-se ao arco que atravessa a nova
Avenida General Gil Castelo Branco, sendo o Cônsul de Portugal
convidado a inaugurar essa avenida em homenagem ao Comandante da 7.ª
Região Militar, bom amigo de Portugal e dos portugueses.
Seguiu-se um almoço regional. Aos
brindes o Comandante Paulo Viana entregou ao Governador do
Território de Fernando Noronha a medalha de prata, comemorativa do
25.º ano da 1.ª Travessia Aérea do Atlântico Sul, e ao Secretário do
Território idêntica medalha de cobre.
No Recife, a Colónia Portuguesa
ofereceu um almoço de setenta talheres, no Clube Português, ao
Comandante Paulo Viana, presidido pelo Cônsul de Portugal, tendo-se
trocado expressivos brindes de confraternização luso-brasileira.
O Comandante Paulo Viana ofereceu um
jantar de gala às Autoridades Civis e Militares, também no Clube
Português. O representante do Governador do Estado de Pernambuco,
Dr. Hélio Coutinho, Secretório da Agricultura,
/ 88 /
o Comandante da 7.ª Região
Militar, General Gil Castelo Branco, o Comandante do 3.º Distrito
Naval, Contra-Almirante António Guimarães, o Comandante da 2.ª Zona
Aérea, Brigadeiro do Ar João Cordeiro Dias Costa, e o deputado,
jornalista e professor da Universidade do Recife, Dr. Gilberto
Osório, discursaram para enaltecer o valor da raça portuguesa, em
termos que muito sensibilizaram a Colónia Portuguesa.
Do Secretário do Território de
Fernando Noronha recebeu o Cônsul de Portugal o seguinte telegrama:
OFL EXMO. SR. CONSUL PORTUGAL RECIFE
N 627 ST DE 28/11/47 RECEBI COM AFECTUOSA EMOÇÃO ULTIMO TELEGRAMA V
EXCIA PT PALAVRAS PRESADO ILUSTRE AMIGO VALEM COMO UM ESTIMULO
HONROSO PARA CONTINUAR SEMPRE DEFESA PATRIMÓNIO SAGRADO ESPíRITO
NOSSA RAÇA COMUM PT BONS BRASILEIROS NUNCA ESQUECERÃO RELEVANTES
SERViÇOS V EXCIA BERLIM DEFESA INTERESSES CIDADÃOS BRASILEIROS NUMA
DEDICADA AMIZADE PELAS CAUSAS DO BRASIL PT SAUDAÇÕES ATENCIOSAS –
JORDÃO EMERENCIANO SECRETÁRIO TERRITÓRIO.
Da regresso a Portugal, via Rio de
Janeiro, o Comandante Paulo Viana dirigiu o seguinte telegrama ao
Cônsul de Portugal:
VERDADEIRAMENTE ENTUSIASMADO COM A
OBRA PATRIÓTICA DESENVOLVIDA POR V EXCIA PEÇO ACEITE MINHAS
SAUDAÇÕES ACOMPANHADAS DE UM ABRAÇO DE RECONHECIMENTO MAIS PROFUNDO
Paula Viana
O Almirante Gago Coutinho escreveu
ao Cônsul de Portugal a carta seguinte:
«Lisboa – 1947 – Dezembro – 17
Ao Ex.mo Senhor Mário
Duarte
Dig.mo Cônsul de Portugal
em Pernambuco
À chegada aqui do comandante Paulo
Viana fui por ele informado da maneira entusiástica como fora
recebido no Recife, e a seguir fora sempre acolhido exactamente como
se tratasse do almirante idoso que eu sou.
Também me falou do seguimento
brilhante que teve a excursão a Fernando Noronha, onde a inauguração
do obelisco foi celebrada com manifestos sentimentos de camaradagem
entre portugueses e brasileiros.
Não ocultei a V. Ex.ª que o
comandante Paulo Viana me declarou que tudo se devia à bem sucedida
campanha de aproximação, que o Cônsul em Pernambuco estava
desenvolvendo no território do seu Consulado.
Pelo que tomo a liberdade de
felicitar V. Ex.ª e agradecer, na parte que me diz respeito, a sua
afectuosa actuação, a qual, julgo redundar a bem da Nação.
Sou de V. Ex.ª, senhor Cônsul Mário
Duarte, com a mais elevada consideração.
Gago Coutinho
EFEMÉRIDES CENTRO DE AVIAÇÃO NAVAL DE AVEIRO
MAIO 1917
– Em nome do Governo Português, o Ministro da Marinha propôs ao
Governo Francês o estabelecimento de centros aeronáuticos na nossa
costa para vigilância e ataque a submarinos inimigos, destacando,
entre outros, pela importância estratégica, «a base N para
hidroaviões, em Leixões ou Ria de Aveiro».
8 JAN. 1918
– Iniciadas obras em S. Jacinto para instalação da Base N,
guarnecida por pessoal especializado francês e pessoal auxiliar da
Armada, comandada pelo Ten. Maurice Larrouy.
1 ABRIL 1918
– Chega a Aveiro o primeiro destacamento de pessoal francês – alguns
dias depois, 8 hidros D.D. e 2 hidros GL, Hangares de campanha,
ferramentas e materiais.
/ 90 /
Foram oficiais de ligação do Centro
como adjuntos da Capitania do Porto de Aveiro (Cap. Frag. Rocha e
Cunha) os 1.os tenentes Tavares da Silva e depois Casal
Ribeiro.
8 DEZ. 1918
– Entrega do Centro de S. Jacinto, respectivos aparelhos e
equipamento, à Aviação Marítima Portuguesa, pelo ten. M. Larrouy ao
1.º ten. Av. Moreira de Carvalho.
20 MAIO 1925
– Por Dec. 10780 foi criada a Escola de Aviação Naval «Almirante
Gago Coutinho», a instalar em S. Jacinto, embora tenha funcionado,
provisoriamente, no Centro de Lisboa (Bom Sucesso) até 1933.
FEV-MARCO 1935
– Início do 1.º curso de pilotagem em S. Jacinto (5.º curso nacional
dos aviadores navais), com 5 oficiais (2.os tenentes).
O aluno piloto Alberto Bastos morreu
na Torreira, afogado, em consequência de acidente em voo de
instrução, a solo, em 20-11-1935.
Neste curso, um dos alunos era o
actual Almirante Francisco Ferrer Caeiro, e teve o seu início no dia
27-3-1935.
* * *
NOTAS A MARGEM
Desde que a Aviação Naval deixou de
existir em 1952, embora muitos dos seus antigos membros passassem à
Força Aérea, nunca mais se registou um movimento, a nível regional
ou nacional, que congraçasse os seus antigos elementos.
Surgiu, porém, um dia a ideia de se
convidar o Almirante Ferrer Caeiro a visitar S. Jacinto. Foi o
Gilberto Nunes (Lelinho), actual gerente da Auto Viação Aveirense, a
tomar a iniciativa. O encontro realizou-se na Escola e o almoço foi
servido no Parque de Campismo da então Base Aérea n.º 7, no dia 10
de Outubro de 1976, e muitos foram os que acorreram à chamada.
Viveram-se, então, momentos inolvidáveis, recordando-se «bons velhos
tempos». O Almirante Ferrer, que presidiu, ladeado pelo General José
Ferreira Valente e pelo Major Eng.º Moreira de Campos, falou no
final, comovido, mas com o arrebatamento que todos lhe conheciam.
Foram momentos de alta espiritualidade.
Numa mensagem que quis distribuir
por todos os presentes, para recordação, mensagem que rotulou de
exclusivo, escreveu:
– A nossa Reunião de hoje
realizou-se sob o signo da Saudade. Dela recebemos a motivação para
um encontro que reacendesse as boas recordações daquele
/ 91 / passado comum que se
projectou sobre a Escola de Aviação Naval de S. Jacinto; mas também
ela, por sua vez, sairá mais enriquecida para o futuro, com o
alimento espiritual que hoje a vem revigorar.
Paira sobre nós o espírito desse S.
Jacinto: ele nos uniu, ele nos mantém fiéis aos laços em que nos
enredou. E difícil será destrinçar se fomos nós que o criámos ou se
somos meros produtos seus.
Sem modéstias nem vaidades, não nos
podemos considerar melhores ou piores do que os outros de então. Mas
sabemos que éramos diferentes: tínhamos melhor maneira de fazer bem
e um modo menos mau de ceder às nossas fraquezas.
Por tudo isso, aqui estamos.
Agradeço a todos em geral o privilégio de me terem arvorado em
agente estimulante desta jornada de camaradagem.
A si em especial, meu caro
destinatário, faço chegar, em exclusivo, um abraço amigo, onde vai
toda a evocação do que de pessoal nos uniu, numa sintonia
sentimental que os anos não conseguiram esmorecer e a que o
envelhecimento do espírito deu a nova dimensão que atribuímos às
coisas belas que não voltaremos a viver.»
Para quem conheceu e conviveu mais
de perto com o Comandante Ferrer sabe bem do seu acrisolado amor à
Base de S. Jacinto. Por isso ninguém se espantará das suas palavras
dirigidas, por carta, ao autor destas referências, quando
sublinhava:
– «Quanto a um próximo encontro,
julgo sensato não pensar mais nisso por estes anos mais próximos.
Não se deve desafiar a fortuna, a pedir mais, quando ela já nos deu
o melhor. Um dos segredos do êxito da Reunião residiu na longa
acumulação de saudade; é preciso dar tempo para que ela se volte a
acumular em grande monta. Isto é apenas uma proposta para a mesa...»
* * *
Ao contrário do sugerido pelo
Almirante Ferrer, formou-se uma Comissão dos Antigos Membros da
Aviação Naval em Aveiro, que teve como preocupação principal juntar
não só os de Aveiro, mas também todos aqueles que viviam em Lisboa e
espalhados por todo o País. A ideia teve a maior receptividade. As
autoridades oficiais, com o Presidente da Câmara Municipal à cabeça,
aderiram completamente.
17 de Maio de 1981 os «Sobreviventes da Aviação Naval» «posam» junto
ao edifício do Turismo.
Em 17 de Maio de 1980, realizou-se o
primeiro encontro. Houve uma sessão no Salão Cultural do Município,
sendo orador o distinto aveirense Eduardo Cerqueira, que «conversou»
demoradamente sobre Aveiro nos tempos da Aviação Naval.
O Presidente da Câmara agradeceu a
presença em Aveiro das «velhas glórias» da Aviação Naval, anunciando
ao mesmo tempo a disposição do município em dar a uma das ruas da
cidade o nome do Almirante
/ 92 / Gago Coutinho em
homenagem ao patrono da Escola que funcionou em S. Jacinto.
Entretanto, estabelecem-se Normas
para encontros anuais alternados em Aveiro, na data mais próxima do
dia 20 de Maio, quando foi decretada a transferência da Escola de
Aviação de Lisboa (Bom Sucesso) para Aveiro (S. Jacinto) e em
Lisboa, tomando como base a criação da Aviação Naval em 28 de
Setembro de 1917.
Em 1981, ergue-se em Aveiro o
monumento à Aviação Naval, que fica a dever-se a deliberação
camarária. O Presidente Dr. José Girão Pereira, um beirão, tal como
Sacadura Cabral, enfrenta algumas contrariedades, que no entanto são
vencidas.
Com a presença das autoridades civis
e militares, estas representadas na sua maior expressão pelo
Almirante Piloto Aviador Mário Esteves Brinca, que vem em nome do
Chefe de Estado-Maior da Armada, o monumento escultórico, junto do
Canal Central da Ria, fica a perpetuar as asas imorredoiras dos
aviões da Marinha de Guerra Portuguesa em Aveiro.
Entre a assistência viam-se os
Almirantes Armando Reboredo, Ferrer Caeiro, Souto Cruz, Almeida
d'Eça, Simões Teles, General Conceição Silva, Comandantes Abreu
d'Almeida, Cardoso Barata, Ventura da Cruz, pessoal de todas as
especialidades, como o Brigadeiro Eng.º Sousa Oliveira, Eng.os
Ferreira Neves, Moreira de Campos, Almirante Médico Rubens Lavoura,
os antigos mecânicos Tenente Coronel Moreira dos Santos, Major José
Ferreira Louro, capitão telegrafista Delmar Barreto, muitos outros
oficiais, sargentos e praças, além do pessoal civil que trabalhou
também na Base em S. Jacinto. Duas figuras curiosas estiveram também
presentes: o Sargento Mecânico José Carreira, que, como grumete,
esteve na 1.ª Travessia Aérea do Atlântico Sul a bordo do «Carvalho
Araújo» e o americano Robert A. Alan, «captain, U.S.NAVY», antigo
instrutor dos aviões SB2C-5 (Helldivers) em S. Jacinto, nos anos de
1948 a 1950.
* * *
Os jornais fizeram todos larga
referência à inauguração do monumento, tendo a Revista da Armada, de
que é director o Almirante Piloto Aviador Malheiro do Vale, escrito
a propósito:
– «A inauguração em Maio de 1981 do
monumento à Aviação Naval, da autoria do aveirense Jorge Trindade,
executado nas antigas oficinas do Mestre Teixeira Lopes, em Vila
Nova de Gaia, veio preencher realmente uma lacuna. De facto, Aveiro
não possuía na sua toponímia a mais leve alusão à existência da
Aviação da Marinha na sua zona.
O monumento fica a dever-se ao
presidente da Câmara, Dr. Girão Pereira, que desde a primeira hora
acarinhou a ideia.
Segundo o artista-jornalista Daniel
Constant que viveu a sua meninice nas praias de S. Jacinto, em 1916.
numa manhã cheia de Sol, estando o mundo em plena Primeira Grande
Guerra, alguns aviadores franceses chegaram a Aveiro, despertando a
curiosidade geral.
«São Franciús que chegam à Lota numa
lancha da Capitania, gritavam alvoroçados os pescadores.
Embarcados no cais do canal central,
onde agora se ergue o monumento, vinham escolher o local onde havia
de ser instalado um posto aeronaval, no Norte, para vigilância da
costa e defesa anti-submarina.
Foi assim que, pouco depois, a
aviação da Marinha Francesa se instalou em Aveiro, a pedido, aliás,
do nosso Governo, trazendo hidroaviões, hangares de campanha e
pessoal especializado.
Por seu turno, e com igual
objectivo, a nossa Aeronáutica Naval instalava-se em Lisboa e Faro.
Sabe-se que o grande Sacadura Cabral
esteve em S. Jacinto várias vezes. Uma delas, em 1919, durante a
Traulitânia, como director da Aeronáutica Naval, apoiando as forças
governamentais na restauração da legitimidade constitucional do
Norte.
A destruição da linha férrea por
bombardeamento dos hidroaviões de S. Jacinto foi notável, sobretudo
pelo cuidado dos aviadores em não causar vítimas, o que
conseguiram.
Mais tarde, em 1921, voltou a S.
Jacinto para ultimar os preparativos da Primeira Travessia Aérea do
Atlântico Sul.
Nesse tempo, falho de comunicações
telefónicas e telegráficas, escreveu uma carta a Gago Coutinho,
navegador em ambas as viagens, dando conta dos resultados dos
treinos de pilotagem, dizendo a dado passo: «Com a violenta nortada
que fazia e auxiliado pela mareta que se tinha formado na Ria de
Aveiro, o hidroavião descolou como nunca o vira descolar.»
É esta frase que serve agora de
legenda ao monumento que evoca a presença dos hidroaviões da Marinha
Portuguesa nos céus de Aveiro. Foi ali, do cais da ponte da
Dobadoura, no canal da Ria, que, de facto, partiram em direcção a S.
Jacinto os pioneiros da Aviação Naval Portuguesa.
Os hidros, esses, seriam
desembarcados em Leixões, vindos de França, e rebocados por juntas
de bois através dos areais de Ovar e da Torreira.
BIBLIOGRAFIA:
– «Viagens Aéreas dos Portugueses»,
pelo Coronel Pinheiro Correia (1960).
– «História Breve da Aviação
Portuguesa», de Mário Costa Pinto (1961).
– «Quando a Marinha tinha Asas...»,
pelo Eng.º Maq. Naval Av. Viriato Augusto Tadeu (No prelo), «Revista
do Ar». |