Há 150 anos, Portugal vibrava de
lés-a-lés, em convulsões de guerra.
(1)
Mobilizadas todas as forcas
militares do Reino e todas as influências internacionais, que eram
possíveis na época. O Porto estava rodeado por um anel de baionetas
e de fogo, atormentado pela fome (mais uma vez,
(2) comer
vísceras de animais mortos, tornou-se um título de glória para a
Cidade Invicta – a cidade tripeira), vitimada pelo tifo e pela
cólera. Uma única saída dava para o mar, via foz do Douro.
Dentro, eram os expedicionários
liberais do Mindelo, assistidos pelo ex-Imperador do Brasil – D.
Pedro, (3) como defensor dos direitos de sua filha D. Maria
da Glória, reduzido ao título de Duque de Bragança. A população da
cidade, partilhando da mesma sorte, era arrastada para a causa comum
do exército sitiado, dentro das trincheiras fortificadas, que
envolviam o velho burgo e o baluarte da Serra do Pilar, em Vila Nova
de Gaia.
/ 56 /
Fora, era um numeroso exército
miguelista, integrando a 1.ª e 2.ª divisões do exército real,
dirigido por generais de muita nomeada, à ordem de D. Miguel I,
(4) igualmente fortificado por trás de trincheiras, num
perímetro mais largo da cidade.
Mais do que as personalidades reais
que encabeçavam as facções, os objectivos da luta eram, por um lado,
o regime tradicional absoluto, traduzido na vigência das
instituições com base nas Cortes dos três Estados e por outro, o
regime constitucional, materializado na Carta.
É que a revolução francesa, em 1789,
não tinha sido em vão.
Os mestres iluminados do pensamento
moderno – Descartes, Rosseau, Voltaire e outros sequazes – através
da Enciclopédia, ao transmitirem a sua mensagem, tinham fornecido a
pólvora; a tomada da Bastilha em Paris foi o rastilho; a revolução o
fogo em explosão. Uma enorme vaga revolucionária atravessou a
Europa, mau grado os esforços das monarquias tradicionais para a
conter. As sociedades secretas dos livres-pensadores maçãos, com
todo o atractivo do seu mistério e o equívoco de processos, foram o
veículo subtil que minou todas as fronteiras.
Nesta altura em Portugal, as facções
em luta, esquentadas pelo confronto militar e pelo desafio à sua
influência, extremaram-se em ódio que atingiu os indivíduos, as
famílias e as regiões, os bens materiais e as convicções, e abriu os
diques da emoção, que desaguaram na prática das maiores
barbaridades.
O tratamento mútuo, falado ou
escrito, disso nos dá uma ideia.
Dum lado, os miguelistas, realistas,
absolutistas (mais tarde, com forte carga pejorativa), apelidados de
burros e corcundas; do outro, os liberais, cartistas ou
constitucionais, chamados de pedreirada, de bestas e malhados
(5).
Décadas depois, Camilo Castelo Branco terá nesta situação larga
cópia de assuntos para as suas novelas, que genialmente escreve; mas
que astutamente
/ 57 / aproveita para fazer
face à sua subsistência, explorando o interesse dum público, cujas
paixões ainda não estão de todo adormecidas.
Conceitos absolutizados, cheios de
equívoco e confusão, em que se confrontavam os mais mesquinhos
interesses com os idealismos mais platónicos.
Realmente, muito havia a renovar
extraído dos princípios liberais, mas também muito a preservar dos
valores tradicionais. O homem e a sociedade não têm uma expressão
unidimensional.
Gestação longa e dolorosa, com um
parto difícil, quiçá ainda sem uma acabada «délivrance».
Mas o que se passava em Portugal
passava-se em toda a Europa das tradições seculares, com abalos
sociais, políticos e militares de toda a ordem. Mais regulares os
avanços das novas nacionalidades americanas, porque menos dotadas de
tradições ancestrais, menos enquistadas em instituições de raízes
fundas no tempo.
Os cativantes projectos liberais
tinham muito de imaturo, de não provado pela experiência e, no
turbilhão do seu aparecimento, irão criar algumas situações
inaceitáveis, incómodas para toda a gente, para as quais os próprios
mentores não encontram fórmulas, senão recorrendo a valores e
instituições, que eles próprios tinham combatido e desprestigiado.
Podem servir de exemplo, o Trono e o Altar – na expressão consagrada
do fim do século – continuamente instrumentalizados, para
salvaguarda de interesses ou posições pessoais, ou esvaziados do seu
conteúdo: – o espírito e a autoridade. O absoluto é relativizado e o
relativo é absolutizado, numa tremenda inversão de valores e
confusão de princípios, de que a sociedade e o homem comum seriam a
maior vítima.
A falta de discernimento, o espírito
faccioso dos auto-convencidos e jovens revolucionários do
liberalismo, com muito de entusiasmo e engajamento, impediu a
leitura e crítica serenas, a distinção necessária, a síntese
amadurecida, substituída pela torrente de decretos e leis, pela
sanha de legislar, (6) sobre padrões estrangeirados,
legislações «dernier cri». Premissas de uma situação
desajustada, que vencedora e instalada, faria do resto de todo o
século XIX, pela sua instabilidade, um dos períodos mais difíceis e
conturbados da história nacional.
Infelizmente, – temos de aceitá-lo
como facto consumado – este costuma ser o preço do avanço da
humanidade. O devir histórico é feito de tensões.
Criar-lhe balizas racionais e
justas, que possam servir o homem, deve ser a preocupação dos
pensadores e responsáveis públicos, não impedindo o processo
gradativo da evolução construtiva, mas também não queimando etapas.
A Natureza não se faz por saltos.
O liberalismo, na versão extremista
do início do século XIX, burguesa e capitalista, está hoje em grande
parte rejeitado ou corrigido, mas teve, sem dúvida, a sua mensagem
positiva. O seu impacto construtivo foi um dos alicerces das grandes
alterações do século passado e serviu de suporte aos tempos que hoje
vivemos.
Estas considerações iniciais ficam
como um apontamento justificativo da actualidade da memória, que se
vai fazer da Batalha de Souto Redondo, travada em pleno auge das
guerras liberais, distantes de nós cento e cinquenta anos. Este
lapso de tempo já permite uma visão menos apaixonada daquela que
então foi feita, especialmente pelos intervenientes vencedores.
Contudo, não é propósito deste
improvisado trabalho fazer um juízo crítico dos acontecimentos – tão
variados e complexos na sua urdidura – mas sim, chamar a atenção
para alguns aspectos de incidência mais local, porventura já
versados, mas noutro contexto.
* * *
A crise portuguesa em que se
desenrolaram as guerras liberais teve no continente dois pólos
principais: Lisboa, a cabeça do Reino e a sede do governo; Porto, a
testa-de-ponte do liberalismo e o coração da resistência ao reinado
de D. Miguel.
A estrada, que liga estes dois
maiores centros urbanos do país, foi o eixo das Operações. Já em
muitos estudos se explanaram as principais acções de toda a luta.
Aqui, vão referir-se apenas algumas,
que, pela sua localização, tiveram como palco a estrada
Porto–Lisboa, no troço compreendido entre Arrifana e Carvalhos.
Procurar-se-á olhá-la como acontecimento regional, em relação
directa com as velhas Terras de Santa Maria.
/ 58 /
Por extensão, e em relação a esta
zona, aqui posta em destaque, vão referir-se outros factos,
desmontando a sua cronologia, aproximando ou sobrepondo épocas,
aditando apontamentos talvez inéditos, de modo a chamar a atenção
para esta porção de território, e dar um contributo para a
compreensão local da história geral, e, no contexto da história
geral, assinalar o contributo e valor locais.
A Batalha de Souto Redondo, como
efeméride de há século e meio, será o motivo próximo para o fazer.
ESTRADA NACIONAL – 1 ENTRE ARRIFANA E CARVALHOS
O traçado da actual estrada nacional
n.º 1, na extensão demarcada, é com diversas variantes mais ou menos
afastadas, o mesmo de uma primitiva e multissecular via.
De Arrifana aos Carvalhos, ela
desenvolve-se em terreno firme, sensivelmente equidistante do
litoral marítimo, sobre o espinhaço, ou no alto da vertente, de um
primeiro e significativo relevo orográfico, que se destaca das
planuras da praia. É tão oportuna a sua implantação, que serve de
limite natural aos micro-climas do litoral e do interior.
(7)
O seu traçado é bastante rectilíneo, ora chão, ora acidentado em
subidas e descidas. Raramente há alterações. Os acidentes mais
notáveis ou são pequenas pontes sobre fios de água, ou o escavado
erosivo, em tramos de vertente.
Consequentemente, esta estrada foi
caminho obrigatório de quem, em tempos passados, necessitou de
percorrer a parte mais ocidental da Europa.
A necessidade de adaptar este
caminho, primeiramente, ao tráfego rodoviário de tracção animal, e
depois ao tráfego automóvel; ou a necessidade de esbater o
acidentado do primitivo leito – que o trânsito de almocreves e
animais de sela preferia, por encurtamento, obrigou a abandonar a
estrada velha, sobretudo nas povoações. Daí que ela seja em muitos
pormenores um eloquente testemunho histórico. Percorrê-la é ocasião
de contínuas surpresas e de uma sugestiva recordação passada. Nos
tempos actuais, em que percorrer estradas é uma fatalidade, as
férias, uma instituição, e o apelo ao turismo interno, uma
conveniência, não será despropositada uma chamada de atenção para o
local, em ordem a uma possível visita.
* * *
E, para darmos corpo a este
propósito, relancemos o nosso olhar para alguns motivos históricos
desta rica zona, no seu enquadramento geográfico, começando por
Arrifana.
Pertence esta florescente freguesia
ao concelho do Feira, e confina do sul com S. João da Madeira.
Parece fora de dúvida que a origem do seu nome é árabe.
(8)
No sentido norte-sul, percorre-a a
antiga estrada real, que no principal centro tinha o nome de Rua,
designação medieval de povoado preponderante, com as casas de
habitação alinhadas lado-a-Iado da via pública e comunicando com
ela. Ora, quase no extremo da Rua, em terrenos ocupados actualmente
pelas instalações fabris da Oliva, ficam situados os campos da
Bociqueira, local onde foram executados dezenas de arrifanenses, por
desforço das tropas do Duque da Dalmácia, em 17 de Abril de 1809,
aquando da Segunda Invasão Francesa.
/ 59 / Dessa mesma vingança
são testemunhas algumas das antigas e bonitas construções, que
bordejam a Rua de Arrifana e que, incendiadas, foram posteriormente
reconstruídas. O mesmo facto está assinalado numa lápide de mármore
à porta da Igreja Matriz e noutra de bronze, fixada no obelisco
erguido em 1914, na Praça da Guerra Peninsular. Recolhida na
sacristia da igreja, está um belo retábulo de madeira, figurando uma
cena do incêndio e execução. (9)
|
Por Arrifana, em direcção a
Compostela, certamente calcorreando todo o troço do velho caminho,
que nos ocupa, passou no século XIV, como peregrina, a Rainha Santa
Isabel de Portugal; no sentido inverso, também como peregrino do
mesmo santuário, lá pousou o rei D. Manuel I, em 5 de Dezembro de
1502. A sudoeste de Arrifana, no limite das suas fronteiras com o
Couto de Cucujães, no local onde outrora existia uma mamoa, assenta
uma original e esquisita capela circular, sob a invocação de Santo
Estêvão. Não menos interessante, uma imagem do Santo em granito, que
apareceu, recentemente, inumada no terreiro anexo, quebrada em duas
e que data pelo menos do século XIV, se não tivermos de remontar a
sua origem aos tempos visigóticos ou moçárabes. Está exposta nessa
antiga capela. (10)
/ 60 /
|
Retábulo de madeira, alusivo à
execução dos arrifanenses na Segunda Invasão Francesa.
(Biblioteca dos Bombeiros Voluntários da Arrifana). |
A nascente de Arrifana, algo
distante, encontramos o Castro da Portela, importante estação
arqueológica luso-romana de Romariz (Feira).
(11)
Seguindo viagem, a partir de
Arrifana, chegamos ao local denominado Alçada, já em território da
freguesia de Sanfins (Feira). O que impressiona neste local –
confirmação do topónimo – é a vastidão do horizonte sobre o
Atlântico, desde Aveiro com a sua ria, até à praia de Cortegaça.
Este é o local sonhado pelos sanfinenses para erguer um santuário
dedicado a Santa Maria, patrona das Terras, que outrora tiveram esse
nome.
Abaixo, entre o arvoredo do vale do
Caster, em contínuo cambiante de matizes, a silhueta cinzenta do
Castelo da Feira, delicada e poeticamente embutida no emarchetado da
paisagem. A sua presença recorda o seu passado remoto, de uma
pequena cintura fortificada, transformada em nobre alcáçova dos
Senhores da Feira, para ser finalmente o Paço Condal dos Pereiras,
hoje sem expressão.
Aqui, à margem da estrada, o
Cruzeiro da Saudade. É uma edícula em mármore, rememorando dois
jovens sinistrados da estrada, no ano de 1928, primícias do cortejo
sangrento dos acidentes rodoviários de nossos dias.
(12)
Um pouco mais adiante, à direita de
quem continua na direcção encetada, e quase em tangente com a actual
estrada, uma enorme mamoa, monumento funerário pré-histórico de há
cerca de três milénios. (13) Assenta na propriedade chamada
«Quinta da Laje». Mais uma vez, o topónimo revelador.
– Só desta mamoa? (com ou sem
dólmen, que a suportava)
– Doutro monumento megalítico, hoje
desaparecido, que com mais propriedade tenha dado origem ao
chamadoiro?
|
|
Antiga
capela de Santo Estêvão, Arrifana, no lugar do mesmo nome, com a
sua forma original. |
– Não sabemos. Mas nada repugna que
tivesse havido outros monumentos pré-históricos no local, porque no
enfiamento desta mamoa, distância de 1 km, havia pelo menos mais
três, também à margem da actual estrada, no lugar da Terra Negra
(S. João de Ver).
Duas foram recentemente sacrificadas
às exigências do progresso, para darem lugar a um restaurante e a
uma fábrica. Um documento medieval referia-as indirectamente, ao
nomear os limites, pelo sul, do lugar de Albarrada (S. João
de Ver), (outro nome de sabor árabe). A expressão usada no
documento, para delimitar o lugar dizia: «pelo monte das mamunhas»
(diminuitivo de mamoas = mamoinhas, como munho = moinho). Mais
abaixo, à esquerda da actual estrada, já à vista do monumento ao
«Espírito Feirense», resta a outra mamoa, da série
/ 61 / em que estava
ordenada. (14) Outros topónimos das redondezas revelam a sua
existência passada. Refiro alguns, que conheço: lugar da Mamoa,
freguesia de Milheirós de Poiares (Feira); mamoela, existente e
identificada em Pigeiros (Feira); lugar das Arcas, freguesia de
Escapães (Feira); Monte Redondo, na freguesia de Fornos (Feira); o
próprio nome de Fornos o pode significar; Arcapedrinha, lugar de
Arada (Ovar); lugar de Monte-Forno (Arrifana), além da referida, em
Santo Estêvão da mesma freguesia.
Voltando atrás, onde havíamos
ficado, nos limites da freguesia de Sanfins, encontramos o edifício
da Malaposta, que dá o correcto nome do lugar: Malaposta de
Sanfins. É talvez o espécimen menos adulterado de todas as
estações de cadeia postal, que vigorou efemeramente de Lisboa ao
Porto, desde 1855 a 1864, para ser substituída pelo
caminho-de-ferro. Merece ser apreciado, enquanto do outro lado, num
restaurante de estrada, se toma um revigorante café, porque a marcha
vai continuar.
E, atenção, chegados aqui, estamos
no lugar estratégico da batalha de Souto Redondo. Mas deixemos para
mais tarde a consideração da batalha! Continuemos a nossa rota.
|
Bem na direcção norte, numa senda de
seis metros aproximados, de largo, e cento e cinquenta, de comprido,
aparece-nos um trecho bem conservado da estrada romana, levando-nos
em passos breves ao largo das Airas (S. João de Ver). Nas
redondezas, é conhecido pelo nome de «Largo (da feira) dos 17»; no
local, pelo nome de Souto das Airas. É actualmente uma
esplanada, assente num planalto, donde com probabilidade retira
expressivamente o nome: ares abertos, sobretudo para o oriente, onde
os limites da vista são as encostas da serra da Freita, do Montemuro
e do Marão. (15) A esta via militar romana se refere o
Itinerário de Antonino, ao dizer que, saindo do Porto (Cale), se
dirige para «Aeminium» (Coimbra). Localmente, é chamada de «estrada
real».
|
Imagem de St.º Estêvão em granito,
encontrada soterrada junto à capela da mesma invocação. Notar a
forma extremamente rudimentar, mas com as suas características
iconográficas próprias. |
Por felicidade, não existe só este
pequeno trecho
/ 62 / de via romana.
(16)
Transposto o Souto das Airas, o caminho do lugar de Souto Redondo,
em declive acentuado, voltamos a encontrar a mesma via e com o mesmo
aspecto: duas séries de grandes lápides marginais, uma agulha
central a servir de nervo principal e ramificações laterais, por
vezes oblíquas em espiga, estabelecendo liames e servindo ao desvio
das águas para as valetas. O restante, é cheio com lápides menos
regulares, mas como todas as outras, em granito.
Depois deste troço, voltamos a
encontrar um outro bastante longo, que se distende através do lugar
do Ferradal, da freguesia de Fiães (Feira), pela distância de
centenas de metros. Porém, aqui, na maior parte está coberto de
asfalto, que embora não permitindo uma observação directa, contudo o
preserva da erosão e o torna perfeitamente utilizável pelo
automóvel.
Pedra protegida por rede, que assinala o
local de uma mamoa destruída. Terra Negra, São João de Ver, juntpo à
Estrada Nacional n.º 1.
Aspecto norte do edifício da Malaposta
de Sanfins, à margem da Estrada Nacional n.º 1.
Avançando mais, vamos encontrar o
topónimo «Estrada Velha», que começa por dividir
aproximadamente as freguesias de Fiães e de Lourosa
(Feira) e se continua
/ 63 / estreita, com piso
totalmente substituído, mas perfeitamente praticável, até à estrada,
que de Lourosa, sai para Arouca. À nossa direita, a alguma
distância, fica a antiga Lancóbriga, povoação luso-romana, que tem
vindo a ser estudada pela Faculdade de Letras do Porto, e que está
situada no Monte (Redondo) de Santa Maria, freguesia
de Fiães. (17)
À direita da desembocadura atrás
referida, fica a denominada «Quinta do Chora».
Aspecto sul do mesmo edifício.
A casa principal, grandiosa, será do
princípio do actual século; a casa dos caseiros, do século XVIII. Ou
nos enganamos muito, ou a denominação da quinta está associada a uma
empresa de transportes terrestres, conhecida vulgarmente pelos
«carros do Chora», caracterizada pela lentidão, e que antecedeu os
transportes automóveis.
Daqui para diante, a estrada antiga
confunde-se mais com a actual, e onde se diferencia desta, tem menos
vestígios de autenticidade antiga. Mas, à sua margem, não pode
deixar de referir-se o «Nicho do Pinheiro das 7 cruzes»,
(18) no lugar do Picoto (Mozelos, Feira), relacionado com
a Segunda Invasão Francesa. Finalmente, três motivos também de
grande significado histórico: o primeiro, à nossa esquerda, é o
imponente mosteiro de Grijó (Vila Nova de Gaia), com a sua
larga cerca, tantas vezes visitado e usado por ambos os contendores
das lutas liberais, de que saiu muito danificado.
Os outros estão relacionados com os
Carvalhos, lugar da freguesia de Pedroso (V. N. Gaia).
De um lado, a oriente, os restos românicos de transição para o
gótico, da igreja do Mosteiro de Pedroso, importante
repositório de informações medievais, pelo seu cartório. Do outro
lado, a ocidente, o Castro de Pedroso, envolvido pela
luxuriante vegetação do Parque da Senhora da Saúde.
Aspecto da Estrada Real (via romana?),
no acesso sul da Feira dos 17, Airas, S. João de Ver.
Aspecto da Estrada Real próximo da Casa
da Quinta do Arieiro, S. João de Ver.
* * *
Cada um destes motivos, sucintamente
apontados, em passo de ameno passeio, oferece outras tantas
oportunidades de estudos locais aprofundados, mas que não estão
compreendidos no projecto deste trabalho.
O percurso da Estrada Velha, sempre
acorda em nós muitas outras reminiscências...
A Casa da Quinta do Arieiro, S. João de
Ver, à margem da Estrada Real.
|
Não só de guerra:
as legiões romanas dos conquistadores de há dois mil anos; as hordas
insaciáveis de sangue e despojos dos Vândalos, a caminho do norte de
África; as deslocações suevas e godas; a cavalaria do crescente
muçulmano, tentando apagar os resquícios do império visigodo; o
vaivém das hostes cristãs e mouriscas na acérrima disputa de terras
e cidades; os poderosos franceses da Segunda Invasão, os miguelistas
e liberais; os expedicionários da Maria da Fonte; os monárquicos de
Paiva Couceiro.
Mas também de paz e penitência.
Por ela desfilaram os grupos humildes de romeiros, ou os nobres
peregrinos, escoltados pelo seu terço d'armas.
|
Aspecto da mesma via, algo a sul do
Ferradal, Fiães. |
De governo e de fisco.
Eram os administradores, os almoxarifes, os juízes, os correios
reais ou senhoris, os mercadores e comerciantes, os almocreves e
suas récuas, os tributados a caminho das tulhas e celeiros dos
enfiteutas.
De roubo e de crime.
As numerosas e impunes quadrilhas de bandoleiros; o assalto
premeditado nos ermos; o homicídio na noite caliginosa; a
insegurança das albergarias; e sempre, sempre o medo e a angústia
perante as incertezas da viagem. Testemunhos eloquentes,
/ 64 / são as numerosas e
ingénuas «alminhas», (19) que marginam toda a estrada. Umas
bem conservadas e assistidas, outras reduzidas a um lóculo escavado
na pedra, sem legenda nem tábua pintada, às vezes aflorando dum roço
de silvas. Outros tantos monumentos à morte imprevista, à síncope, à
bala traiçoeira ou ao fio de navalha, a que sucumbiram os
viandantes.
|
|
A mesma via, no extremo sul do
Ferradal, Fiães.
|
A mesma via, atravessando o lugar do
Ferradal. Aqui, com a zona central coberta de asfalto. |
Reminiscências de habitações.
O solar fidalgo dos nobres ricos, ou a choupana humilde dos
cabaneiros, a par da casa média dos proprietários e comerciantes. As
cabanas desapareceram; os solares, ou se mantêm escrupulosamente bem
conservados, nas paredes caiadas, madeiras pintadas, cantarias
limpas, jardins viçosos, ou foram abandonados, e na sua grandeza se
tornaram o casarão fantasma, sem portas nem janelas, paredes
derruídas, sem telhado e com traves negras recortando-se no céu,
tragados pelo matagal, mas exibindo em muitos recantos formas
opulentas da sua antiga fábrica. Alguns tiveram outra sorte.
Maquilharam-se à moderna com adereços pechisbeque da azulejaria
comercial, com enxertos de betão e presumido chapéu novo. Deixam, no
entanto, entrever algumas das suas jóias, contemporâneas dos dobrões
joaninos, talhadas em guarnições graníticas, de varandas e cornijas.
|
As casas médias exibem de tudo um
pouco: as colunas torneadas, ou lavradas em quadra, das varandas; os
esteios dos alpendres; os capitéis trabalhados em castanho, gretados
pelo tempo, suportando o entablamento dum telhado vão; uma argola
cravada na parede, para fixar uma arreata; uma cornija antiga, ou o
espelho largo das ombreiras e lintéis de portas e janelas; a caiação
fresca e policromada...
Mas, deixemos isto e vamos, então,
ao assunto que nos propusemos.
O solar da família Camossa Saldanha, na
Quinta da Fonte Nova, Souto Redondo, S. João de Ver, em ruínas. Está
implantada à margem da Estrada Real.
A BATALHA DE SOUTO REDONDO, NA TRADIÇÃO LOCAL
O recontro militar conhecido
vulgarmente por «batalha de Souto Redondo», feriu-se nas
proximidades da povoação que tem este nome, e que pertence à
freguesia de S. João de Ver, do concelho da Feira.
É uma povoação quase limítrofe de
mais três freguesias, a saber: Vila da Feira, Sanfins (de
Sobre-a-Feira) e Caldas de São Jorge.
Se procurarmos entre os residentes,
mesmo os mais antigos, dados de tradição oral, encontramo-los
escassos. Contudo, a informação diluída, concorda mais ou menos nos
seguintes pontos: – que a batalha foi no local assinalado pelas
«alminhas da guerra», (aliás renovadas com um painel de azulejos e
representação de soldados, com fardamentos da época); – que a
batalha foi muito sangrenta, pois nela morreu muita gente; – que os
mortos teriam sido enterrados em valeiras locais, (embora se não
refira qualquer aparecimento de ossadas humanas); – que apareceram
pelo mato, (20) atrás das alminhas, balas de chumbo,
cilíndricas, com cerca de 1,5 cm de diâmetro (mas não se tem
conhecimento de alguma conservada); – que próximo do local, há
taludes de terra
/ 65 / e fossos cavados, que
serviram de trincheiras. Aqui e além, referem-se antepassados que
participaram na batalha, ou ascendentes recuados de famílias
actuais.
A Casa da Feijoaria, Ferral, Fiães. São
evidentes os enxertos recentes no edifício. De notar também, a
antiga via e o nicho enquadrado na cerca) nota 19).
Acerca da batalha, a que nos
referimos, é entretanto difícil atribuir estas informações, somente
à tradição desse recontro bélico. Primeiro, porque as informações
terão sido completas ou veiculadas por via mais erudita, como seja o
relato de pessoas mais ou menos letradas. Segundo, porque o local
foi frequentado em outras ocasiões, por destacamentos militares,
inclusive, pela passagem anterior do exército francês; na memória de
várias pessoas vivas, estão factos (requisição de moradias para
aquartelamento, presença de carroças do exército, esquadrões de
cavalaria, desfiles de colunas militares pedindo água, etc.), que
devem ser atribuídos ao movimento de Paiva Couceiro, na chamada
Monarquia do Norte (1919), em conexão próxima com as expedições
portuguesas da Grande Guerra e suas sequelas – presença de gaseados,
surto da pneumónica, que pela sua intensidade, esbateram memórias
anteriores. Terceiro, porque o local, à data, era praticamente
despovoado. Quarto, porque a facção aqui vencedora foi a que no
final do conflito saiu vencida. E, então, tal como Breno aos
Romanos, «vae, victis!», ditado aos miguelistas, que não mais devem
ser recordados.
LOCAL DA BATALHA
O relato do acontecimento feito por
Luz Soriano, (21) que é o mais citado, não é suficientemente
esclarecedor para se identificar o local da batalha. Ele localiza-o
na Gandra de Souto Redondo. Das suas palavras, depreende-se que,
sendo ele soldado liberal no Porto, não participou na expedição. Não
é provável que, depois, tenha visitado o local. A publicação dos
seus trabalhos, foi alguns anos posterior, vivendo ele em Lisboa.
Partindo destes pressupostos, (que deviam ser fundamentados),
resta-nos confrontar a sua descrição com os dados recolhidos na
visita ao local e os testemunhos da tradição.
O termo gandra (gândara), deve aqui
tomar-se em sentido comum e não como topónimo. Realmente, o lugar
mais próximo com o nome de Gândara, fica na freguesia de Sanfins,
bastante longe. Se pretendêssemos identificar o local da batalha com
esta localidade, teríamos de forçar o lugar da Gândara a estender-se
pelos montados, que lhe estão sobranceiros, até ao limite da
freguesia de Sanfins, na zona do actual edifício da Malaposta, o que
é manifestamente forçado.
Gândara, no sentido comum, designa
um montado maninho e despovoado, com plantas agrestes, servindo de
logradouro comunitário de pastagens. Gandra de Souto Redondo, deve
entender-se consequentemente, como o logradouro público do lugar de
Souto Redondo.
Por sua vez, o lugar de Souto
Redondo assenta já na vertente de um monte, olhando na direcção do
Porto e à margem da antiga estrada. A seus pés, ficam os campos
cultivados; atrás de si, a gandra, talvez só povoada de alguns
carvalhos e castanheiras. Souto Redondo era a mais importante
povoação entre Arrifana e Lourosa. A gandra de Souto Redondo, assim
considerada, tem actualmente o nome de AIRAS e está parcialmente
identificada com o vasto largo, onde se fez mensalmente a feira, no
dia 17, mas projectando-se em considerável extensão para sul e
poente.
Um outro local próximo, que também
podia dar o nome à batalha, era o de Albergaria (de Souto Redondo),
lugar já então antigo, com um pequeno núcleo habitacional, distando
para ocidente do Largo (ou Souto) das Airas uns trezentos metros, e
em comunicação directa com a antiga estrada. Mas este, nem sequer é
mencionado na descrição.
Temos pois, que o lugar de Souto
Redondo era o lugar das redondezas mais importante da beira da
estrada, e para quem das planuras de Lourosa olhasse a sul, ele
aparecia como o último lugar do cabeço, que fechava o horizonte, no
sentido em que progride a estrada para Lisboa.
Ora, visitar-se o local, exige que
se abstraia das actuais estradas e construções, e que nos procuremos
situar na topografia original e contemporânea de há 150 anos. Então,
o local, aparecia-nos como um planalto praticamente deserto, tendo
como principais povoados, distantes alguns quilómetros, a sul,
Arrifana; a poente, Vila da Feira; a nascente, Caldas de São Jorge;
e próximo a norte, o lugar de Souto Redondo, com o apêndice
Albergaria de Souto Redondo. As comunicações entre estes povoados
estabeleciam um cruzamento de caminhos importante, referido por Luz
Soriano, e que não coincidia com o cruzamento actual entre a estrada
/ 66 / de Porto – Lisboa e a
de Ovar – Castelo de Paiva. Os caminhos de então eram a estrada real
(via romana), cruzada pelo caminho que da Feira ia à igreja de São
Jorge, em intersecção perpendicular, próximo da extremidade norte da
quinta actual da Malaposta de Sanfins, além da saída para sueste, em
direcção a Vale de Cambra (22), e de outros de serventia
local.
Estes dados têm de se ter presentes
para depois se conferirem com as narrações de Luz Soriano e de Pinho
Leal, ao diante apresentadas. Para a execução da emboscada fatal aos
liberais, além da facilidade dada pelo cruzamento de caminhos, foi
colaborante também o apoio que se recebia da Vila da Feira, na mão
dos miguelistas, onde o Regimento de Caçadores 11 tinha o seu
quartel, em comunicação directa, pelo mencionado caminho.
Assim, a partir da descrição e
conhecidas as condições de terreno, podemos tentar uma
reconstituição dos principais movimentos bélicos e tácticos da
refrega.
Recuando um pouco no tempo,
recordemos o que, mais adiante, será exposto circunstancialmente. O
General Santa Marta (23) comandava a 1.ª divisão do exército
realista, estacionado no norte. A chegada dos liberais a Mindelo,
inesperadamente, dispersou as suas tropas, para norte e sul do
Douro. O Duque de Bragança esperava que, ao chegar, fazendo uma
proclamação, como fez, recebia a adesão de todo o exército
miguelista. Assim não aconteceu.
Reunido um Conselho Militar,
decidiu-se começar uma guerra ofensiva.
Entretanto, o comando miguelista
enviou em socorro a 2.ª divisão do General Póvoas,
(24) que
estacionava na Estremadura. Ele pôs-se a caminho. Santa Marta e
Póvoas, com a mesma patente, são rivais na busca de prestígio. Isso,
teve péssimas consequências para a causa que defendiam.
Os liberais começam a ofensiva pelo
norte do Douro. Vão até Penafiel e regressam a cantar vitória. Vêm a
Grijó e regressam vitoriosos. Entretanto, o General Póvoas chega com
o seu exército à zona de operações. Conhece perfeitamente o local
para onde vem operar. Por lá evolucionou em 1828, por altura da
Belfastada, deixando algumas defesas em Souto Redondo. Vem disposto
a fixar o seu quartel-general neste ponto estratégico, e a colocar
guardas avançadas em Grijó. Entretanto, informa-se das acções
liberais. Tem conhecimento da vitória dos liberais no norte, porque
se ouviram os sinos do Porto em repiques festivos. Recua para
Oliveira de Azeméis, mas guarnece Grijó, Souto Redondo e Vila da
Feira. Perante esta situação, os liberais pensam em continuar a sua
marcha para o sul. Demoram. Dão tempo a Póvoas de preparar uma
emboscada em Souto Redondo, aguardando os liberais. Assim, colocou a
1.ª brigada do seu comando (Infantaria de Bragança, voluntários de
Mangualde e de Penafiel), digamos, ao cimo do Largo da Feira dos 17,
dominando a estrada, que vem do Porto. Atrás, digamos, a sul da
Malaposta, mas próximo, postou a 2.ª brigada, como linha de reserva.
Parte da artilharia, fixou-a, dominando o cruzamento de caminhos,
digamos, no entroncamento do velho caminho de Vila da Feira, com a
actual estrada nacional 1, (25) ou junto do actual marco
geodésico; a outra parte, manobrável, entre as duas linhas do seu
comando directo, formado aproximadamente pelo actual triângulo
confinado à estrada nacional 1, estrada nacional 223 e estrada velha
Porto–Lisboa.
Emboscada, a nascente do Largo das
Airas, postou a cavalaria do Fundão, um esquadrão do 1.º Regimento
de Cavalaria de Lisboa, e mais próximo da estrada real, entre a
cavalaria e a 1.ª linha, um batalhão de voluntários de Montalegre.
Em denominações actuais, essas posições correspondiam à chamada
velha Quinta das
/ 67 / Airas, pertencente à
freguesia de São Jorge, embora o exame do local não o pareça
favorecer, por estar num nível inferior, com acentuado declive; mas
a descrição não nos dá liberdade de conjecturar uma posição
diferente.
A sul da Malaposta, na continuação
da estrada e cumeadas de Sanfins, estancearia o restante exército,
encarregado do material logístico.
À tardinha do dia 6 de Agosto de
1832, saiu o exército liberal do Porto, comandado pelo Conde de Vila
Flor, (26) na direcção sul. Avançou toda a noite, esperando
surpreender as tropas miguelistas. À frente, 300 ou 400 atiradores.
A seguir 4000 homens. Pela 1.30 h da noite, os atiradores avançados
chocam com a vanguarda miguelista nos Carvalhos. Trocam-se tiros e
esta recua. Aguardam a chegada do grosso do exército e a manhã.
Então, os liberais sobem do Ferradal (?), (de Souto Redondo?), ao
alto do cabeço, e ordenam-se em linha de combate, com certa
ingenuidade e precipitação optimista, sem linhas de reserva,
precedidos de algumas peças de artilharia. Outras peças tê-las-iam
colocado a poente do cabeço das Airas, digamos, próximo da actual
capela do Senhora da Hora. Pelas 9 horas, começam energicamente o
ataque. No ardor da fuzilaria, encorajam-se ainda mais, ao verem
recuar (em golpe táctico) a 1.ª brigada miguelista, na direcção da
Malaposta. E desatam em cega perseguição.
É a altura do golpe preparado por
Póvoas. A cavalaria e os voluntários de Montalegre, estacionados na
velha Quinta das Airas, intervêm e cercam os liberais entre duas
linhas e dois fogos. Surpreendidos e amedrontados, vendo-se
perdidos, carregados pela frente à baioneta, fustigados na
retaguarda pela cavalaria, tocam a retirar.
É a confusão e o pânico, a chacina e
a fuga desordenada, em vergonhosa derrota, com excepção do regimento
liberal de Infantaria 10, que mantém a disciplina e recua ordenado,
cobrindo a retirada à custa de enorme sacrifício.
* * *
– Onde foi, pois, a batalha?
– No triângulo (e próxima área
adjacente) formado pelas actuais estradas: uma, que do Porto vai
para Lisboa: outra, que da Feira segue para São Jorge, interceptadas
por uma terceira – a antiga estrada romana e no seu prolongamento
para sul, na zona da Malaposta de Sanfins.
A descrição de Soriano, corroborado
por Pinho Leal, (27) Pinheiro Chagas, etc.. assim o dá a
entender.
As alminhas o atestam.
A tradição, neste pormenor bem clara
e firme, o refere.
Numa acção programada e em campo
aberto, que se consumou no manhã do dia 7 de Agosto de 1832, a
Segunda Divisão do exército miguelista, comandada pelo General
Álvaro Xavier da Fonseca Coutinho e Povoas, derrotou o exército
liberal, sob o comando do Conde e Marquês de Vila Flor, mais tarde
Duque da Terceira, General António José de Sousa Manuel de Meneses
Severim de Noronha.
Porém... perder uma batalha não
significa perder uma guerra. E aqui, também o dito se confirmou.
ANTECEDENTES DA BATALHA DE SOUTO REDONDO
Para melhor inteligência da batalha
de Souto Redondo, e antes de apresentar citações a ela referentes,
mais desenvolvidas, importa apresentar uma tábua cronológica dos
principais acontecimentos, com uma sucinta descrição de cada um, de
modo a termos presente a marcha das lutas entre liberais e
miguelistas, começando pelos antecedentes.
Antecedentes romotos.
(28)
1. – 14-7-1789
– Tomada da Bastilha. Revolução Francesa.
2. – 1796-1804
– Ascensão de Napoleão Bonaparte. Bloqueio Continental.
/ 68 /
3. – 29-11-1807
– Fuga da Família Real Portuguesa para o Brasil.
4. – 1807-09-10
– Invasões Francesas de Portugal Continental.
5. – 1808-1820
– Regência de Portugal, personalizada em Beresford, general inglês.
6. – 17-10-1817
– Execução do General Gomes Freire de Andrade e 11 companheiros,
acusados de atentarem contra a vida de Beresford, o governo e o
regime vigente.
7. – 1818
– Fundação no Porto da loja maçónica «Sinédrio», por iniciativa de
Fernandes Tomás, principal forja da revolução liberal de 1820.
8. – 24-8-1820
– O exército revolta-se no Porto, a favor de um regime
constitucional e toma conta do Poder, aproveitando uma ausência de
Beresford, em visita a D. João VI, no Brasil. Os verdadeiros
corifeus da revolução eram Fernandes Tomás, Ferreira Borges e Silva
Carvalho. Depois, elabora-se a Constituição de 1822, profundamente
inovadora, face ao antigo regime, participando na legislação
Mousinho da Silveira. (29)
9. – 11-11-1820
– Martinhada. Tentativa tradicionalista e autoritária, contra o
liberalismo vigente. Derrota de António da Silveira, face a
Fernandes Tomás.
10. – 4-7-1821
– D. João VI regressa ao Brasil e jura a Constituição. Não o fazem a
rainha D. Carlota Joaquina, (30) nem o Infante D. Miguel.
11. – 7-9-1822
– Independência do Brasil, sob a presidência do Príncipe-Herdeiro D.
Pedro. Desilusão geral e desaire para o constitucionalismo,
responsabilizado pelo acontecimento, na opinião do povo.
12. – 27-5-1823
– Vilafrancada. Tentativa de recuperação do antigo regime, com
adesão da rainha e do Príncipe D. Miguel.
13. – 30-4-1824
– Abrilada. Reforço da Vilafrancada. Porém, a Inglaterra não
concorda. (31) O Infante D. Miguel é exilado para Viena de
Áustria.
14. – 10-3-1826
– Morre o rei D. João VI. O clima não é favorável a liberais
exaltados, que fogem para Inglaterra e França. O problema de
sucessão é difícil de resolver. O herdeiro D. Pedro foi aclamado em
Lisboa.
Ao saber da morte do pai, abdica do
trono de Portugal, a favor da sua filha de 7 anos, D. Maria da
Glória, sob condições: dar Carta Constitucional ao país, e D. Miguel
casar com D. Maria da Glória (sua sobrinha) e ficar regente na
menoridade desta. D. Miguel aceita e jura a Carta.
Antecedentes próximos.
1. – 22-2-1828
– D. Miguel chega a Lisboa, depois de muita demora. O clima
emocional é explosivo. Liberais e Absolutistas odeiam-se,
extremam-se e manobram. Os absolutistas contestam o direito de D.
Pedro a herdeiro do trono português e consequentemente de D. Maria
da Glória. Há guerrilhas e levantamentos militares. Há pressões
internacionais em sentidos opostos.
/ 69 /
2. – 13-3-1828
– D. Miguel dissolve a Câmara dos Deputados.
3. – 18-3-1828
– Primeira reacção violenta e impressionante contra D. Miguel.
Estudantes de Coimbra, membros de uma associação secreta denominada
«os Divodignos», chacinam no Cartaxinho os lentes universitários,
que vão saudar o Infante D. Miguel.
4. – 5-5-1828
– D. Miguel convoca cortes na base antiga dos três Estados.
5. – 16-5-1828
– O batalhão de Caçadores 10 de Aveiro revolta-se contra D. Miguel.
No Porto, Infantaria 6, seguido, depois, por Infantaria 18,
Artilharia 4, Cavalaria 12 e Caçadores 11. A Revolução triunfa.
Orienta-a a Junta do Governo Provisório.
6. – 20-6-1828
– Os Divodignos, que foram presos, são enforcados no Cais do Tejo,
Lisboa.
7. – 22-6-1828
– Revolução constitucional em Angra do Heroísmo (Terceira), que
apeia o governador capitão-general Manuel Vieira de Albuquerque
Tovar, (o qual a 18 de Maio, havia aclamado D. Miguel) e aclama D.
Pedro.
8. – 25-6-1828
– Acção dos Capitães. Confronto de 10 horas na Cruz de Morouços, em
batalha indecisa, entre o grosso das tropas liberais e as tropas
absolutistas. Os liberais, sem chefes, sem planos, sem orientações
da Junta do Governo Provisório, debandaram.
9. – 26-6-1828
– No Belfast, chegaram ao Porto do exílio 29 graduados, que deviam
conduzir as operações. Foi demasiado tarde.
10. – 2-7-1828
– A Junta analisa a situação e vê-se apertada pelas tropas do Minho
e pelas do General Póvoas do sul. Decide dissolver-se e ordenar a
retirada das tropas para a Galiza. Os oficiais liberais reembarcam
no Belfast. Nestas principais acções, consistiu a Belfastada. As
tropas liberais irão experimentar duras provas neste êxodo sem
horizontes, acabando parte delas por fixar-se num barracão de
Plymouth (Inglaterra).
11. – 5-7-1828
– D Maria sai do Brasil, rumo à Europa. Aviva-se a causa liberal. Em
França e Inglaterra, alteram-se as situações políticas, que se
tornam mais favoráveis à causa de D. Maria II.
12. – 11-7-1828
– D. Miguel é aclamado legítimo rei de Portugal, pelos três Estados
das Cortes, com o nome de D. Miguel I. O continente fica sob o
domínio dos absolutistas. Entretanto, por parte dos liberais, o
ideal não esmorece e a luta continua. A ilha Terceira dos Açores
resiste a D. Miguel. Forma-se aí um governo liberal interino.
13. – 14-7-1828
– D. Miguel cria a alçada, que devia abrir devassa, no Porto, dos
culpados da anterior revolta malograda (Belfastada).
(32)
Aqui, pelo interesse local de que se
revestem os factos e pelas suas consequências, é conveniente
pormenorizar a descrição e dar-lhe maior desenvolvimento.
Carlos de Passos
(33)
historia esta situação do modo seguinte: «Pela carta régia de 14 de
Julho (1828). (...) D. Miguel criou a alçada que devia abrir, sem
demora, exacta e escrupulosa devassa no Porto sem limitação de tempo
nem determinado número de testemunhas, à qual servirá de corpo de
delito esta minha carta (Manifesto, 258). Formar-se-iam os processos
verbal e sumariamente, sem outras solenidades que não sejam as
indispensáveis e de direito natural; a prisão dos suspeitos, antes
da pronúncia, era permitida.
(...) Encheram-se as prisões. A
fartura dos processos impôs a lentidão, que muito irritava os
exaltados. (...) A obra demorava, mas havia de ser falada. (...) No
dia 9 de Abril em sessão plena e secreta (a 1.ª) reuniu a Alçada
para o julgamento, com certo aparato bélico. Começou às 10 horas da
manhã e acabou às 10 da noite. Em sigilo ficou a sentença até 4 de
Maio. Inesperadamente, aos condenados foi intimada neste dia e em
oratório entraram os que deviam sofrer a pena de morte, aos quais se
facultaram os três dias da lei para apresentação de embargos. A
sentença deixou a cidade assombrada. Todavia, desde muito, dela
havia notícias, que se não acreditavam.
A pena de morte abrangia Bernardo
Francisco Pinheiro (capitão de ordenanças, da Feira). Clemente da
Silva Melo Soares e Freitas (juiz de fora do Feira), Francisco
Gravito da Veiga e Lima (desembargador da Casa da Suplicação),
Francisco Silvério de Carvalho (fiscal dos tabacos), Joaquim Manuel
da Fonseca Lobo (tenente coronel de Caçadores 11), José A. de
Oliveira da Silva Barros (empregado no tabaco), José Maria
Martiniano da Fonseca (bacharel em direito, da Madeira) Manuel Luís
Nogueira (juiz de fora de Aveiro), Vitório Teles de Medeiros
(tenente coronel das milícias da Lousã), António
/ 70 / Bernardo de Brito e
Cunha (contador no Porto da Real Fazenda). A sentença declarava-os
exautorados e privados de todas as honras, privilégios e dignidades
de que gozavam, e condenados a que com baraço e pregão fossem
levados pelas ruas públicas do Porto até ao largo da Praça Nova e na
forca morressem, sendo-lhes depois cortadas as cabeças para se
afixarem num alto poste no lugar do delito. Sofriam também a
confiscação dos bens.
Na Praça Nova ergueram-se duas
forcas sobre os alicerces do falhado monumento comemorativo da
revolução de 1820. Pelas dez horas da manhã do dia 7 de Maio, os dez
padecentes e mais os quatro condenados a assistir aos enforcamentos,
a dar três voltas às forcas e a degredo perpétuo, (...) desceram da
Relação à Praça Nova, em cortejo, com as tumbas da Misericórdia para
os cadáveres. (...) A uma hora da tarde findava o espectáculo
infando.
A Misericórdia enterrou os cadáveres
no Adro dos Enforcados (hoje rua da Liberdade).
As cabeças, porém, ficaram nos
patíbulos em exposição. No dia seguinte o carrasco levou oito para
expor na Cordoaria e Foz, na Vila da Feira, Coimbra e Aveiro.»
Esta descrição, suficientemente
desenvolvida para a história de Portugal, é porém, muito concisa
para os leitores regionais. Por isso, citamos algumas notas mais,
sobre estes supliciados, apresentadas por Pinho Leal,
(34)
que tendo vivido diversos anos em Vale e Romariz, Feira e
contemporâneo dos acontecimentos, a eles se refere, apaixonadamente.
(35)
«1829 – (7 de Maio) – Dia que marca
uma das páginas mais negras da nossa história. Os juízes da alçada,
de execranda memória, por acordo de 9 de Abril deste ano, haviam
condenado dez liberais a pena de morte, na forca (o que se executou
no Praça Nova, do Porto (hoje Praça de D. Pedro) sendo-lhes depois
cortadas as cabeças, que foram expostas, nesta cidade, na Feira, em
Aveiro, e em Coimbra) treze a degredo para a África e a índia (sendo
quatro, de mais baixa condição, condenados a açoites, que sofreram a
16 de Junho). Note-se que – algumas das testemunhas que mais
depuseram contra estas infelizes vítimas, se fizeram, depois de
1834, encarniçados liberais, e foram os mais cruéis perseguidores
dos realistas.
Casa recente implantada no local da
antiga casa do Capitão de Ordenanças Bernardo Francisco Pinheiro,
Airas, Caldas de S. Jorge.
Os dez desgraçados que neste dia de
eterno horror pagaram com a vida as suas convicções políticas (e
alguns as inimizades particulares!) foram os seguintes: Bernardo
Francisco Pinheiro, (36) capitão de ordenanças, natural do
lugar das Airas, freguesia de S. Jorge, no concelho da Feira,
Clemente da Silva Melo Soares e Freitas, juiz de fora da Feira,
natural de Aveiro, Francisco Manuel Gravito da Veiga Lima,
desembargador da casa da Suplicação, Francisco Silvério de Carvalho,
fiscal dos tabacos, natural de Aveiro, Joaquim Manuel da Fonseca
Lobo, tenente coronel do batalhão de caçadores n.º 11, natural do
Porto. Este homem nunca foi liberal (...) Ainda, em 9 de Outubro
deste ano de 1829, foram enforcados, na Praça Nova, do Porto, dois
infelizes – foram: Clemente de Morais Sarmento, sargento de
caçadores n.º 10, natural de Aveiro, João Ferreira da Silva Júnior,
filho-família, natural de Albergaria-a-Velha». Na página 336,
continua a informação:
«Depois de 1834, os cadáveres das
doze vítimas, imoladas pelos ferozes juízes da alçada, foram
recolhidos
/ 71 / em um túmulo comum,
que está no pátio da Misericórdia (na rua das Flores) em frente da
porta da entrada do pátio, e na frente do túmulo se lê a seguinte
inscrição: AQUI JAZEM / AS OSSADAS DOS MARTYRES DA PATRIA / QUE NO
PATIBULO, EM PRAÇA PUBLICA, / TERMINARAM SEUS DIAS, / A 7 DE MAIO E
9 DE OUTUBRO / DE 1829. Todos os anos, a 7 de Maio, se fazem na
igreja da Misericórdia sufrágios pelas almas destes infelizes.»
Noutro passo da mesma obra, Pinho Leal esclarece mais a identidade
de Bernardo Francisco Pinheiro. (37)
«Nasceu na casa das Airas, o
capitão-mor de Ordenanças, Bernardo Francisco Pinheiro, um dos
infelizes que morreram enforcados por liberais, no patíbulo da Praça
Nova, do Porto, em 7 de Maio de 1829. A filha única deste
desgraçado, a sr.ª D. Bernardina Leonor Eulália Pereira da Silva, é
viúva de José Correia Leite Barbosa, falecido em Maio de 1881, e
reside com suas duas filhas solteiras, na casa das Airas. Duas estão
casadas, uma na Bairrada, e outra em Arouca. Tem também dois filhos,
os srs. dr. Bernardo Correia Leite Barbosa e José Correia Leite
Barbosa, residentes na cidade do Porto.
José Correia Leite Barbosa (pai) foi
por várias vezes administrador do concelho da Feira, lugar que
desempenhou com honra, pois era um cavalheiro muito inteligente,
honesto e enérgico.» Logo a seguir, junta uma nota curiosa sobre
este lugar de Souto Redondo, que nos vem ocupando. «Por este lugar
passa a nova estrada distrital em construção, de Ovar à praia de
Carvoeiro, na margem esquerda do Douro, e freguesia de Canedo,
concelho da Feira». E, sobre a citação, aditamos: é a estrada
nacional n.º 223, que então foi concebida para ligação rápida e
directa da Ribeira de Ovar a Porto Carvoeiro, no rio Doura e
facilitar o escoamento de mercadorias para o Alto Douro e
Trás-os-Montes, especialmente, o sal de Aveiro, que vinha até Ovar,
em transporte aquático. (38)
A estes depoimentos de factos, que
naturalmente faziam estremecer de emoção as populações e alvoraçavam
os sentimentos, a tradição local aduz outros pormenores, que neste
contexto, cabe referir. Assim, se diz que, no lugar das Airas,
esteve exposta a cabeça do capitão de Ordenanças Bernardo Francisco
Pinheiro, especada num poste, em cumprimento da macabra sentença. A
causa profunda, que levou a este desfecho, foi a rivalidade política
deste sentenciado com familiares próximos, que vinda de longa data,
se tinham agudizado com as alterações do poder. Duas famílias
aparentadas, disputando influências e hegemonia local.
A sua casa ficava dentro da Quinta
das Airas, agora toda retalhada, e que limitava, pela nascente, a
estrada 223 e o Largo da Feira dos 17. A casa primitiva foi
reconstruída recentemente e agora pertence à família Lima Barros, de
Lourosa.
As suas descendentes, conhecidas
localmente como as filhas de José Correia, tiveram de vender a
quinta e terão falecido em situação económica muito precária. Foi
seu comprador Caetano Fernandes Ferreira, cuja família ainda possui
parte.
Se conferirmos com as informações de
Pinho Leal, verificamos tratar-se das netas do justiçado, filhas de
José Correia Leite Barbosa. (39)
Os testemunhos atrás aduzidas não
referem o local exacto da exibição da cabeça do capitão de
Ordenanças das Airas. Se, só nas Airas, se também em Vila da Feira,
sede da comarca. Também não se refere o número de
/ 72 / cabeças expostas.
(40) Era lícito, a partir da informação de Pinho Leal, supor que
a cabeça do juiz Clemente Soares e Freitas, com ser natural de
Aveiro, fosse trazido para Vila da Feira, onde ele exercia o seu
mister. Mais se podia supor, tendo em conta que o quartel de
Caçadores 11 estava sedeado em Vila da Feira, que a cabeça do
tenente-coronel Fonseca Lobo também estivesse incluída na degradante
exposição de Vila da Feira.
A lista dos enforcados, apresentada
pelos executores da justiça miguelista, certamente não teve em
conta, na sua ordenação, o grau de culpabilidade imputada ou de
relevância social, pois que, como facilmente se pode constatar, se
ordena alfabeticamente, com a excepção final.
(Continua no próximo número)
________________________________
NOTAS
(1)
– A circunstância de ocorrer século e meio sobre o Cerco do Porto,
no qual se pode enquadrar a batalha de Souto Redondo, levou a
fazer-se aqui uma evocação do acontecimento, mais com fins de
divulgação do que de estudo ou pesquisa. Este trabalho estava
sobretudo ordenado para chamar a atenção sobre o troço da estrada
nacional 1, na zona correspondente ao actual concelho da Feira e
verdadeira espinha dorsal da nação, evocadora dum passado rico e
muito diversificado. Aliás, foi este eixo que determinou o local do
recontro. Desde agora paro o futuro, por exigências bem
compreensíveis, a Auto-Estrada do Norte vai fixar esse eixo mais no
litoral. isto é, no encosta ocidental.
(2)
– A primeira vez, foi na preparação da armada lusitana para a
conquista de Ceuta, no início do séc. XV, sob a orientação do
tripeiro Infante D. Henrique, o Navegador.
(3)
– D. PEDRO IV. Nasceu em Lisboa, a 12-10-1798 e 16 faleceu a
24-9-1834, com quase 36 anos. Em 1807, teve de refugiar-se com seus
pais (família real portuguesa), no Brasil, o que não lhe facilitou
uma educação muito completa e o marcou profundamente na sua vida e
na sua obra. Após a revolução de 1820, no Porto, a família real é
convidada a regressar ao continente, o que foi mal recebido no
Brasil. Compõe-se a situação, ficando D. Pedro, herdeiro do trono
português, como regente do Brasil e regressando a família real a
Portugal. As resoluções de Lisboa relativamente ao Brasil começaram
a ser consideradas humilhantes para esta colónia portuguesa, aliás,
espicaçada nos seus brios de independência por outras colónias
europeias, que já a tinham obtido, ou lutavam por ela. D. Pedro é
envolvido pelos acontecimentos e decide-se progressivamente pela
independência do Brasil, proferindo em ocasiões definitivas as
palavras históricas: «Fico» e «Independência, ou morte!». O Brasil
começa a sua história própria, sob a orientação de D. Pedro, que se
aplica intensamente à causa do seu governo, nem sempre bem sucedido.
À morte de D. João VI, Lisboa reconhece-o 27.º rei de Portugal, mas
ele abdica a favor de sua filha primogénita, D. Maria da Glória. Com
dificuldades progressivas no Brasil, é obrigado a renunciar também
ao trono imperial brasileiro, em favor de seu filho, D. Pedro II
(7-4-1831).
É então que intervém decisivamente
na coisa pública portuguesa, sob a bandeira liberal, com tenacidade
e abnegação, acabando como vencedor. Mas, na sua caminhada, sofre
muitas vezes golpes rudes e chocantes para o seu temperamento
altivo, autocrata e arrebatado, nem sempre conformado com as formas
institucionais, que patrocinara: constitucionalismo e regime
parlamentar. A esse temperamento se refere Rocha Pombo: «ânimo
inconstante e meio destemperado», mas também «grande coragem e muita
diligência» conforme Quartin Graça (Enciclopédia Verbo), que o
classifica de possuir um «temperamento impulsivo e arrebatado», que
lhe dá uma «incapacidade de aceitar as regras de jogo da política
constitucional e refrear a tendência para decidir apenas por si
próprio e afastar ou punir os seus opositores», referindo-se à sua
acção governativa no Brasil. Porém, junta a estas referências a sua
acção no Cerco do Porto, do qual diz: «revelou bem o seu heroísmo e
a sua rara têmpera de soldado», para rematar, afirmando que o
decreto de António de Aguiar (28-5-1834) «traduzia desejo manifesto
de D. Pedro: a expulsão das ordens religiosas».
Oliveira Martins põe em relevo, de
modo eloquente, as contradições verificadas na sua vida – as suas
ilusões e desilusões. (Portugal Contemporâneo). Joel Serrão, por sua
vez, retrata assim o perfil psicológico de D. Pedro: «Quão
fulgurante e dramático o destino histórico de D. Pedro! Apaixonado,
incoerente e corajoso, D. Pedro desempenhou na história
contemporânea, quer de Portugal quer do Brasil, papel de importância
cimeira.
Ora, se parece equânime ajuizar-se
que boa parte desse papel se deveu mais às circunstâncias e
condições históricas em que lhe foi dado viver do que às suas
qualidades de leader, não é menos justo reconhecer que a sua
personalidade, tal como a natureza e as vicissitudes biográficas a
afeiçoaram, era de molde à chefia em situações criticas e ao
pioneirismo relativamente à modernidade – ou a certa modernidade –
de então. «O instinto de D. Pedro», ajuíza Oliveira Martins, «era a
vaidade». «Ela o tornou instrumento útil de muitas obras, ela o
fazia instrumento dócil de planos alheios. Ela lhe dava à
inconsequência, a fraqueza, a ruindade de muitas acções suas; mas
também por vezes uma força, uma nobreza, um atrevimento corajoso e
uma decisão que, vistas de fora, chegaram a parecer de herói.»
Precisamente, tal força e tal nobreza é que transformaram a guerra
entre as tropas de D. Miguel e as de D. Pedro em algo mais que uma
mera querela dinástica entre irmãos desavindos. «Sob a sua direcção
e responsabilidade, (de D. Pedro) ocorreram os três factos
primaciais que assinalam entre nós o início do Portugal
contemporâneo: a instauração do regime liberal da Carta
Constitucional, mediante a vitória na guerra civil; a legislação de
Mousinho da Silveira; a extinção das ordens religiosas. Mal ou bem,
pior ou melhor, o possível Portugal contemporâneo e europeu
principiou aí» (In Dicionário de História de Portugal, 1981,
VoI. V, pg. 38, s. v D. Pedro IV.
(4)
– D. MIGUEL. Irmão imediato de D. Pedro IV, filho de D. João VI e de
D. Carlota Joaquina, nasceu em Lisboa em 26-10-1802 e faleceu em
Bronnbach (Alemanha), em 14-11-1866. A condição de filho segundo
(era o terceiro filho do casal real, mas o primogénito tinha morrido
na Infância), que, conforme o regimento da instituição real, lhe
dava um lugar de suplente, marcou profundamente a sua vida e a sua
actuação. Com a família real teve de retirar-se para o Brasil, onde
permaneceu desde 1807 a 1821. A diversidade de temperamento de seus
pais, onde se manifestavam sentimentos opostos e conflituosos,
aproximou-o da mãe, com quem tinha maiores afinidades de feitio. D.
Carlota Joaquina, que era uma mulher ambiciosa, inconformada,
voluntariosa e até cruel, fez de D. Miguel um instrumento das suas
ambições, apoiada no partido dos conservadores tradicionalistas,
maioritário em força, número e prestígio. Ao regressar do Brasil, D.
Miguel e D. Carlota Joaquina não juram a constituição vintista. D.
Pedro, o príncipe herdeiro, ficara no Brasil. D. João VI é um
conformado e um indeciso, conciliador e amante do sossego. A sua
contemporaneidade cognominou-o de «Clemente». D. Miguel surge então
no primeiro plano da vida pública portuguesa com a Vilafrancada e
fica à testa do exército, como generalíssimo e comandante-chefe,
impondo a abolição da constituição. Alguns meses depois, continuando
em dupla com a mãe, mais um golpe militar – a Abrilada, que não é
bem sucedida por intervenção da diplomacia estrangeira, que acorreu
em socorro do rei, seu pai, D. João VI. Este destituiu-o do alto
cargo militar e exila-o. Irá cumprir o seu exílio em Viena de
Áustria, desde 1822 a 1828.
A facção, que lhe era hostil,
pinta-o com cores carregadas de devasso e boémio, fadista e
toureiro, ambicioso e sanguinário, medíocre de inteligência. Mas, em
vez de confirmar este quadro, será preferível acentuar que. D.
Miguel não passa de um jovem de 21 anos, inexperiente, atirado por
sua mãe e pelo poderoso e credenciado partido tradicionalista «à
cabeça do touro» do processo reaccionário, lisonjeado e adulado.
Aqui, mais do que nunca, funciona a sua condição de filho segundo,
quando, por entre longínquas miragens, antevê, sorrindo-lhe, o
trono, uma vez que o príncipe herdeiro aceita a coroa de uma
nacionalidade estrangeira, distinta e rebelde – o Brasil. Grande
parte da sua actuação é fruto das manobras da sua «entourage»,
sangrando de numerosas feridas abertas pelo regime constitucional de
1820. Este partido, exacerbado pelos acontecimentos, ferido nos seus
brios e privilégios, não encontra outro meio de se impor, que não
seja a violência e o esmagamento, numa vindicta e retaliação
exageradas.
À morte de D. João VI, D. Miguel
voltará a ter a sua oportunidade. Chamado do exílio, como príncipe
consorte da proclamada rainha D. Maria II e regente do Reino, é, em
breve, levado pela onda dos tradicionalistas a quebrar o juramento
constitucional e a restaurar o absolutismo, aceitando que o
proclamem rei. A guerra, que se seguiu, está sucintamente apontada
no desenvolvimento deste trabalho, mas, como já se disse, essa
guerra ferida, foi-o, muito mais entre facções irredutíveis do que
entre os dois irmãos desavindos.
D. Pedro, por sua vez, teve para com
D. Miguel alguns gestos de grandeza de alma, desiludido, talvez,
pelo malogro de muitos dos seus sonhos, os quais contribuíram para o
mal-estar e desorientação criados. Sempre trata D. Miguel como «meu
irmão», ante a incompreensão de muitos correligionários; em
Évora-Monte, é condescendente com D. Miguel e seus sequazes
(circunstância que o tempo não confirmou); ao decretar o exílio
definitivo de D. Miguel, atribui-lhe uma avantajada pensão anual.
Por sua vez. D. Miguel, que fora
aclamado, vitoriado e idolatrado por todo o povo do norte ao sul de
Portugal, como um anjo salvador, após Évora-Monte, em Itália,
contesta a Convenção, invocando a coacção a que esteve sujeito e
rejeita a pensão, que lhe foi atribuída, passando a viver,
modestamente, de dotações particulares de amigos fiéis.
Na Alemanha, casou
aristocraticamente e teve filhos, continuando a afirmar os seus
direitos ao trono de Portugal. Viveu exemplarmente, ligado por um
indesmentível patriotismo a Portugal, até que a morte o veio colher,
no exílio, longe do seu pais. Um seu descendente apresenta-se ainda
hoje como pretendente ao trono português, numa possível monarquia
lusitana restaurada.
Dissertando longamente sobre as
guerras liberais, Oliveira Martins, no seu admirável modo de pintar,
faz um retrato de D. Miguel, onde não esconde os seus erros e
defeitos, mas onde também não deixa de significativamente afirmar:
«ele em cujo sangue parece que a Natureza condensara todos os
impulsos, todas as qualidades, todos os vícios, todo o encanto, toda
a violência bruta da alma portuguesa. Ninguém era mais nosso do que
D. Miguel, e por isso foi o último dos que o povo compreendeu e
amou». (Oliveira Martins, in Portugal Contemporâneo, voI. I,
livros de bolso europa-américa – 313, pg. 107). A sua juventude, a
sua presença donairosa, o contacto directo com o povo do sul ao
norte da nação, a vibração frenética e mítica, que de lés-a-lés
despertou, justificam essas palavras.
(5)
– A origem deste vocativo de depreciação encontra-se no facto de
serem malhadas as mulas, que iam atreladas ao carro de D. Miguel,
quando este, dirigindo-se no dia 9 de Novembro de 1828 de Queluz
para Caxias, sofreu um acidente, partindo uma perna pela coxa.
Os seus partidários entenderam que
as mulas malhadas estavam conluiadas com os liberais, pelo que as
justiçaram, passando daí em diante a chamar os liberais de
«malhados». (Cfr. Oliveira Martins, Ob. cit., voI. I, pg. 166).
(6)
As Inovações liberais foram muitas e profundas, mas não tiveram
qualquer mentalização anterior, pelo que se apresentavam ao vulgo
como inovações inadequadas e violentas, tanto mais quanto o país
estava isolado e grassava o analfabetismo. Na impossibilidade de se
apresentar uma resenha das alterações, indicam-se alguns elementos,
que parecem ter tido maior influência. O principal corpo jurídico,
em que assentavam, foi, primeiramente, a Constituição de 1820
(decalcada na francesa [1795] e na espanhola [1812]) e depois a
Carta (decalcada na francesa – 1814). Partindo do princípio do
direito à propriedade privada, seguiam-se outros direitos do
cidadão, que levaram a legislações complementares. Consequentemente,
foram decretadas leis que determinavam:
1 – confisco dos bens do inimigo
(miguelista) e leilão dos mesmos;
2 – extinção das corporações,
comendas, vínculos (parte), morganatos, tenças à nobreza, etc.;
3 – abolição da censura;
4 – extinção das ordens religiosas,
nacionalização da propriedade dos mosteiros e corte de relações com
a Santa Sé;
5 – abolição de portagens, peagens,
monopólios e privilégios da nobreza;
6 – promoção da via eleitoral e
estruturação da administração;
7 – promulgação de códigos:
comercial, judicial, penal, etc..
Estas inovações foram ocasião de
muitas arbitrariedades, abusos e perda, pelo saque, de muitas
preciosidades culturais e históricas.
(7)
– Essas diferenças climáticas verificam-se, por exemplo, na queda da
folheca, que é rara na vertente marítima; na pluviosidade, muitas
vezes desencontrada; no regime e tipo de ventos; nas culturas, com
predominância e desenvolvimento diferente; na bacia hidrográfica,
que, a nascente pertence ao Douro, e a poente, ao Atlântico, em
pequenas ribeiras.
(8)
– Discorrendo sobre a origem e significado do topónimo Arrifana,
o Padre Porfírio G. Moreira afirma: «Parece fora de discussão que a
palavra Arrifana tenha origem árabe, não se sabendo, no entanto, e
não sendo possível saber ao certo, por ora, qual a razão por que lhe
chamaram assim. Segundo o Dr. Seybold. de Tubinga (...) Arrifana
deriva do árabe arrayhan, ‘mirto, murta ou arraião. Continua
a sua dedução, prefixando-lhe o artigo árabe invariável «al» e
juntando-lhe o «f» intervocálico, consequência da aspiração, que
muitas vezes também se exprime pelo «h». Cfr. «ARRIFANA – o
passado e o presente» editado pela Comissão de Festas 1982, no
artigo «O nome da nossa terra», pg. 2.
Porém, o que mais espanta e se
apresenta como maior curiosidade, neste capítulo das relações do
velho burgo de Manhoce com os descendentes de Mafoma, é a referência
que um boémio – quem poderia ser, senão um boémio! – faz, em pleno
século XV, ao afirmar, sem mais rodeios, que «Por estes sítios
(Arrifana), não governa rei ou príncipe de cristãos; mas somente
habitam sarracenos, uns negros e outros brancos».
É pela pena de Camilo Castelo Branco
que nos vem esta informação, que a ele também espantou, e que não
deixa sem correctivo, na sua ironia veemente e cáustica.
Sem dispensar os nossos pacientes
leitores de consultarem essa interessante narrativa do grande
escritor, «Portugal há quatrocentos anos», adiantamos algumas
notas do enquadramento, que ele mesmo lhe deu. Em 1465, o rei da
Boémia enviou uma embaixada a diversas cortes europeias pedindo
auxílio para resolver dificuldades internas. Dirigindo-se para
ocidente, essa embaixada era chefiada por Leo de Rosmital, cunhado
do rei, e assistida por dois letrados, um boémio, e outro alemão.
Cada um dos letrados fez seu relato do que passaram e do que viram.
O relato do boémio, vertido em latim, foi reeditado em 1844. Dele
teve conhecimento Camilo, que o apresenta aos leitores portugueses,
com um laivo de contínua ironia, sobretudo no que se refere a
Portugal. No passo que nos interessa, damos a palavra ao celebrado
autor.
«Caminhando cinco léguas para lá do
Porto chegamos à Arrifana. É uma aldeia montanhosa não longe do mar.
À beira-mar foi sempre o caminho que levámos desde aquela cidade.
Por estes sítios não governa rei ou príncipe de cristãos; mas
somente habitam sarracenos, uns negros e outros brancos». Em nota
1, original, Camilo comenta assim esta passagem: «É a mais
graúda inépcia que se nos depara no livro do secretário, depois da
dos alacraus parecidos com cães de caça. Queria o bom do letrado
encontrar na Arrifana um rei ou príncipe cristão! Como imaginou ele
um retalho mourisco encravado no centro do país cristão que Ia
percorrendo!» Cfr. Camilo Castelo Branco, in Cousas leves e
pesadas, Ed. da Parceria António Maria Pereira, 1908, Lisboa, pg.
89.
(9)
– Muito recentemente, esse painel deixou a sacristia norte da igreja
de Arrifana, para ficar exposto na biblioteca dos Bombeiros
Voluntários de Arrifana, em lugar digno e acessível.
(10)
– Nas festas de 26 de Dezembro de 1982, a imagem lá se encontrava na
sacristia da nova capela, sobre o local aproximado onde foi
encontrada. Cfr. Santo Estêvão por P. Porfírio Gomes Moreira,
Arrifana, 1982, pg. 80/81. Vd. também Terras de Santa Maria –
Notícias e Memórias da Freguesia de Arrifana... por Saul Eduardo
Rebelo Valente.
(11)
– O Castro da Portela tem vindo a ser estudado pela Faculdade de
Letras do Porto, que recentemente fez uma dissertação sobre as
características do castro e uma exposição de peças encontradas no
seu espólio, ilustrada por uma projecção de diapositivos, na
Biblioteca Municipal da Feira. Pode encontrar-se uma referência
demorada ao castro, na monografia de Romariz, A minha Terra,
pelo P.e M. Fernandes dos Santos, Porto, 1940, pg. 30-37.
(12)
– O Cruzeiro da Saudade tem um relativo valor toponímico para
identificar o troço da Estrada Nacional – 1, onde está implantado. É
um monumento funerário, com um tronco de pirâmide quadrangular, onde
se inscreve uma legenda, rematado por uma cruz e assenta numa base
paralelipipédica, a qual está protegida por gradeamento de ferro
forjado. Todo o monumento é em mármore. A legenda diz o seguinte: «A
/ Joaquim Correia / da Silva / e a D. Manuel de Castro / (Resende) /
Dos Carvalhos mortos aqui a 7-X-1928 / Perguntarás, neste instante /
Caminheiro ou viandante, / o que esta pedra traduz? – Uma Oração de
Saudade, / Em favor da Mocidade / Subindo a Deus, pela Cruz!» A
inscrição mostra vestígios de ter sido baleada, o que parece ter
acontecido. Ao que consta, esse facto está relacionado com querelas
ligadas aos intervenientes do acidente de motociclo, que ela
recorda.
(13)
– Mâmoa que, conforme características, regiões e variantes, também é
conhecida por mamoa, melmoa, mamoela. mamuinha, mamunha, arca(s),
orca(s), onta(s), pola(s), anta(s), antinha, antela, forno(s de
mouros), cista, é comummente identificado como um monumento
funerário pré-histórico. A sua cronologia é difícil de precisar,
porque a cultura que lhe deu origem evolucionou longamente ao longo
de milénios. Só uma quantidade apreciável do seu espólio, é que
poderia dar uma base para lhe estabelecer uma idade.
Infelizmente, como acontece em quase
todos os monumentos deste tipo, esta mamoa foi violada e destruída,
no que poderíamos chamar, a câmara mortuária. Os autores divergem
muito na sua datação, contudo fazem esta cultura eneolítíca
contemporânea da pedra polida, do vaso campaniforme e da primeira
idade do bronze, o que poderá variar entre 3 000 a 1 500 anos a. C.
(Cfr. La España Primitiva, por Luis Pericot, Barcelona, 1950,
pg. 144 e sgts; Arqueologia da Península Hispânica, por
Adriano Vasco Rodrigues, Porto Editora, pg. 277 e sgts; A
Lusitânia Pré-Romana, por A. A. Mendes Correia, in: História
de Portugal, vol. I, Barcelos, 1935, pg. 118 e segts). O nome
deriva da sua configuração, relacionada com a anatomia humana. A
semelhança do montículo, que sempre a identifica, configura-se com
um selo de mulher. Daí o seu nome – mâm(o)a. José Leite de
Vasconcelos, diz que mâmoas eram «monumentos sepulcrais que
ascendem, pelo menos, aos fins da idade da pedra polida. Constam de
duas partes: uma, arquitectónica, de pedra, isto é, câmara e
corredor, formada de esteios com cobertura de lajes: outra, de
terra, isto é, de um montículo que envolve tudo». Opúsculos,
vol. III, Coimbra 1931, pg. 278, citado por Domingos A. Moreira in
Santa Maria de Pigeiros da Terra da Feira, Porto, 1968, pg.
11.
(14)
O autor identificou estes diversos monumentos, há cerca de 25 anos.
Recentemente indicou a existência desta última mamoa aos alunos da
Faculdade de Letras do Porto, que em trabalho de campo de férias
davam cumprimento à incumbência da Câmara Municipal da Feira, para
se fazer um levantamento concelhio dos monumentos e topónimos
pré-históricos.
Das duas desaparecidas, uma delas
ficou assinalada com algumas pedras, (não muito significativas para
um dólmen), que o proprietário de um restaurante (O Caçador, Terra
Negra, São João de Ver) rodeou de uma rede protectora, como efeito
decorativo. Se o fez consciente ou inconscientemente, tendo em conta
o seu valor histórico, não sabemos.
(15)
– Menos poeticamente e talvez com maior realismo, Pinho Leal afirma
que a origem do nome do lugar é a corrupção do onomástico Aires.
Essa origem encontrou uma confirmação actual, quando em conversa com
moradores do sítio, nos foi dito que a antiga Quinta das Airas
pertenceu a um Capitão Aires, aí morador.
(16)
– Há motivos para temer a falta de protecção à antiga estrada
romana. De facto, um pouco a norte da saída principal da Casa da
Quinta do Arieiro, (muito conhecida localmente, pela publicidade
dada à urbanização com esse nome), a antiga estrada foi destruída e
em parte terraplanada, encontrando-se as lápides dispersas, por
entre monturos de terra deslocada, para facilitar acessos à Quinta e
deixar passar as canalizações do saneamento.
– Será um situação irremediável?
– Tributo obrigatório das relíquias
milenares às exigências da modernidade?
(17)
– Cfr. Santa Maria de Fiães da Terra da Feira, por P.e
Manuel F. de Sá, Porto, 1940, pg. 21 e sgts.
(18)
– O episódio da Segunda Invasão Francesa, que o nicho do «Pinheiro
das Sete Cruzes» perpetua, não diz respeito só ao Catafula, ao fiel
padre, seu confessor, ou aos habitantes das redondezas. Tem carácter
nacional, e há elementos inéditos que merecem ser divulgados. Junto
a este nicho, também se procedem a remoções de terras, por trás do
muro marginal da estrada, ditadas por possíveis planos de
urbanização.
– Estará este representativo
monumento acautelado e devidamente defendido?
(19)
– Pelo que revela de singeleza ingénuo e belo, de autenticidade
passada e mesmo de bom gosto actual, apraz-nos destacar o nicho da «Casa
de Santo António», na estrada velha do lugar de Aldeia Nova, de
Lourosa. É um nicho dedicado o Santo António, elevando-se em frontão
sobre a padieira de umas portas fronhas, a nível de um primeiro
andar, mas destacado da restante construção da moradia. O santo
aparenta ser uma imagem de barro policromo do séc. XVIII, bem
enquadrada pela caiação e pintura do ambiente envolvente. De tal
modo se destaca, que a casa a que pertence se chama, vicinalmente,
de «Casa de Santo António».
Igualmente merece uma referência,
pelo conjunto arquitectónico, ainda que em proporções reduzidas, o
nicho, em forma de pequenina capela, enquadrado na cerca da Casa da
Feijoeira, do lugar do Ferradal, Fiães.
(20)
– Além desses achados, foi-nos referido que na Casa da Torre de São
João de Ver se guarda um sabre aparecido no local; informação, que
não nos foi possível confirmar.
(21)
– SIMÃO JOSÉ DA LUZ SORIANO nasceu em Lisboa a 8 de Setembro de 1802
e 16 faleceu a dezoito de Agosto de 1891. Formou-se em Medicina e
aderiu ao movimento liberal de 1828, que não obteve êxito. Integrado
no exército derrotado, teve de se exilar para Espanha e depois para
Inglaterra, dirigindo-se posteriormente à Terceira, onde se
Incorporou na milícia liberal, que viria a desembarcar com D. Pedro
na praia do Mindelo, em 1832. Após a instauração do regime liberal,
fixou-se na Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar.
Dedicou-se com afinco às Letras. Como historiador, coube-lhe – na
frase do Prof. Veríssimo Serrão – a justificação do movimento
constitucional. E, se é certo que lhe faltou método histórico, teve
o mérito de reunir larga cópia de dados para as suas obras de
história contemporânea, nomeadamente os dois volumes da História
do Cerco do Porto e os dezassete da História da Guerra Civil
e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal.
(Extracto do Dicionário de História de Portugal, dirigido por
Joel Serrão, s. v. SORIANO, assinado por Ruy d'Abreu Torres).
Viveu muitos dos acontecimentos que
descreve e nos quais tomou parte activa. Essa circunstância leva-o a
interpretar muito pessoalmente os factos, sob a influência da
mentalidade que perfilhou.
(22)
– Cfr. Santa Maria de Pigeiros da Terra da Feira, por
Domingos A. Moreira, Porto, 1968, pg. 47/48.
(23)
– JOSÉ DE SOUSA PEREIRA DE SAMPAIO VAHIA, 2.º visconde de Santa
Marta, nasceu em Vila Pouca de Aguiar, a 3-6-1790 e faleceu em Santa
Marta de Penaguião, a 13-2-1847.
Participou com algum brilho na
Guerra Peninsular. Em 1820, alinhou pela revolução liberal, mas em
1823, já está às avessas com o liberalismo, provocando a
Vilafrancada e apoiando o absolutismo. Por via disso, D. Miguel
nomeia-o subchefe do Estado-Maior General. Encarregado de dirigir a
4.ª divisão do exército, sedeado no norte, foi um pusilânime na
defesa do Porto, aquando do desembarque do Mindelo. Chamado a cercar
o Porto, juntamente com o General Póvoas, manifestou uma
incapacidade flagrante de participar numa acção conjunta, muito mais
interessado em servir a sua vanglória, que lhe vinha do título, da
patente e do passado militar. Acabou por ser destituído das suas
funções por D. Miguel, vindo posteriormente a oferecer-se à causa
liberal. Os acontecimentos pouco anteriores ou posteriores à batalha
de Souto Redondo foram dos mais elucidativos da sua pouca energia e
muita vaidade, em emulação com o General Póvoas, seu concorrente em
campo paralelo.
(24)
– ÁLVARO XAVIER DA FONSECA COUTINHO E PÓVOAS era natural da Guarda,
onde nasceu a 7-9-1773 e onde faleceu a 29-11-1852. Foi incorporado
por Junot na Legião Portuguesa, ao serviço da França, e com as
tropas francesas de Soult regressou a Portugal, aproveitando a
circunstância para desertar e se apresentar a Beresford, chefe do
exército anglo-Iuso, contra Napoleão I. Na carreira militar durante
a Guerra Peninsular, atingiu o posto de marechal-de-campo, em 1820.
Participou na Vilafrancada e em 1828, como comandante miguelista,
derrotou os liberais na Cruz de Morouços, dirigindo-se para o Porto
– a cidade rebelde – onde foi benigno para a população, apesar das
orientações cruéis de Carlota Joaquina. Após o desembarque de D.
Pedro na praia do Mindelo, comandou a segunda divisão miguelista,
que foi embater em Souto Redondo com os liberais e lhe infligiu a
derrota, aqui recordada. Posteriormente, após a demissão do escocês
MacDonell, recebeu o comando de todo o exército miguelista, mas foi
completamente batido em Almoster por Saldanha, facto que decidiu a
sua demissão, recolhendo à vida privada até ao movimento da
Patuleia, em que veio a participar, já como liberal, e com o título
de conde das Póvoas. A crítica, sua contemporânea, considero-o
militar medíocre, sendo por diversas vezes desconsiderado. O seu
maior título de glória foi a vitória de Souto Redondo.
(25)
Cfr. adiante o texto e a nota (60).
(26)
– VILA FLOR. ANTÓNIO JOSÉ DE SOUSA MANUEL E MENESES SEVERIM DE
NORONHA, em 18 de Março de 1792 nasceu em Lisboa e aí faleceu a 24
de Abril de 1860. Conforme os apelidos indicam, era representante
das melhores estirpes da nobreza Portuguesa e senhor duma das casas
nobres mais abastadas. Começou por beneficiar dos privilégios da sua
condição e dos benefícios que dá a órbita da corte real. Aos 2 anos
herda o título de copeiro-real; aos 10 anos, como freire professo da
Ordem de Cristo, é cadete; aos 15, alferes e aos 23, coronel. Depois
de ter desempenhado funções militares na Guerra Peninsular e cargos
de administração governamental no Brasil, com 31 anos é
ajudante-de-ordens de D. Miguel (1823). Com o exílio do Infante,
aderiu à causa liberal, pela qual terça armas e é promovido a
marechal-de-campo. Mas quando D. Miguel é aclamado, emigra para
Inglaterra. Nobre, e essencialmente soldado, dirige-se à Terceira e
daí para diante tem uma carreira brilhante, onde Souto Redondo é uma
excepção.
Sucessivamente, teve as distinções
de conde de Vila Flor, marquês da Terceira e Duque da Terceira,
sendo este último título o que o individualizou nas páginas da
história pátria. A sua posição ideológica e prática é caracterizada
pela fidelidade à Coroa, numa direita liberal, onde brilhou mais
como soldado, do que como politico.
(27)
– Nesta descrição da batalha de Souto Redondo por diversas
circunstâncias pessoais, o testemunho de Pinho Leal é muito bem
fundado, e merece que o coloquemos em destaque, pelo que, adiante, o
citamos demoradamente. O próprio Soriano o cita longamente noutro
passo relacionado com as Lutas Liberais.
(28)
– Começamos pela data da tomada da Bastilha, por este facto já ser
habitualmente considerado pelos historiadores como marco
proeminente, que divide duas grandes épocas da história europeia.
(29)
– JOSÉ XAVIER MOUSINHO DA SILVEIRA, (1780 - 1849) foi o autor da
quase totalidade da legislação, que demoliu a estrutura do antigo
regime. Formado em Leis, começa por advogar, depois opta pela
magistratura, onde desempenha os lugares de juiz-de-fora e
posteriormente de provedor. É neste cargo que a revolução de 1820 o
encontra em Portalegre. Por essa altura inicia-se na maçonaria e
nesse ambiente reflecte. Vai concebendo um projecto, onde «era
mister tomar, de ambas as mãos, o machado da reforma, decepar e
extirpar» (Garrett). A movimentação social e política que se seguiu,
liderada por Fernandes Tomás, com intuito de liberalizar,
desenvolver e regularizar o comércio, proporcionou-lhe a ocasião de
começar a sua intervenção no cargo de administrador-geral das
Alfândegas (1821).
Em 1823, ocupa, por convite de D.
João VI, a pasta da Fazenda, onde não teve tempo de intervir, mercê
da Vilafrancada. Demite-se, acusado de «pedreiro-livre» e depois,
por ocasião da Abrilada, é preso. A frustração da Abrilada põe-no em
liberdade. À morte do rei, com a Carta em vigor, projecta concorrer
às cortes. Mas a aclamação de D. Miguel e o regresso ao passado, com
a perseguição aos liberais, leva-o a exilar-se em Paris (1828-831).
Aí reflecte, à luz das inovações
francesas, sobre as instituições e a sociedade, arquitectando planos
e estudando os teóricos doutrinadores da Europa – Adam Smith, Sav,
etc. .
Nesta situação o encontra D. Pedro
IV, após abdicação do Brasil, e o chama para seu conselheiro
particular. Após a partida para os Açores, D. Pedro nomeia-o
ministro da Fazenda e da Justiça. É o lugar onde marcará
definitivamente a sua presença. Novas leis, novos cânones
económicos, que determinarão uma mudança radical nas instituições,
sem qualquer contemplação. Legislador na Terceira, legislador no
Porto, perde as boas-graças de D. Pedro e do exército, e em Dezembro
de 1832 abandona o cargo ministerial, para não mais ter ocasião de o
ocupar. Passa o resto da vida com diligências administrativas
pessoais e familiares, habitualmente frustradas, lamentando este
«malfadado» país, «sem moral e sem justiça». Só depois da sua morte
o redescobriram, onde teve grande papel Almeida Garrett.
(30)
– D. CARLOTA JOAQUINA DE BOURBON. Princesa espanhola, filha de
Carlos IV, nasceu em 1775 próximo de Madrid e casou com D. João VI
de Portugal. Caracterizava-a um temperamento violento, persistente
até ao fanatismo, presa à Espanha onde nascera, ambiciosa e
irrequieta, sem escrúpulos no uso dos meios para atingir os seus
fins, reaccionária às inovações do seu tempo e conflituosa,
conspirava mesmo contra o seu próprio marido, que é paciente com
ela, tolerando-lhe os excessos. Mercê destes conflitos, ela teve de
cumprir a pena de dois anos, com residência fixa em Queluz, separada
do marido. Com as invasões francesas, foi para o Brasil com o marido
e os filhos, onde continuou as suas ingerências, quer na política
portuguesa quer na política espanhola, de maneira muito activa, mas
mal sucedida. Com o regresso a Portugal, nega-se a jurar a
constituição e é a impulsionadora da Vilafrancada e da Abrilada,
mantendo-se presa a esta posição conservadora até à morte. Mãe,
entre outros filhos, de D. Pedro (IV) e de D. Miguel, encontrou
neste um executor dos seus planos que não chegaria a ver vencedores
ou vencidos, porque morreu em Lisboa em 7 de Janeiro de 1830.
(31)
– Em todo este período pesaram imenso as influências estrangeiras,
que se tinham encontrado e entendido nos congressos de Viena
(1814-1815), após o desaparecimento de Napoleão Bonaparte do palco
político europeu.
(32)
– O General Povoas, vencedor e dominando a situação no Porto, é
benigno com os tripeiros e com os revoltados, desagradando a Carlota
Joaquina, que lhe ordenara que cortasse muitas cabeças.
Substituiu-o, na aplicação da Justiça, a Alçada, abaixo referida.
(33)
– Cfr. HISTÓRIA DE PORTUGAL, Barcelos, 1935, vol. VII, cap.
VIII, pág. 174.
(34)
– Cfr. PORTUGAL ANTIGO E MODERNO, vol. VII, pág. 328 e segts.
s. v. Porto. Esta descrição é citada por Luz Soriano, na sua obra
História do Cerco do Porto.
(35)
– AUGUSTO SOARES DE AZEVEDO BARBOSA DE PINHO LEAL nasceu em Belém,
Lisboa (ou, segundo outros em Laranjal, Penamacor), a 21 de Novembro
de 1816 e faleceu em Lordelo do Ouro (Porto), a 2 de Janeiro de
1884. Vai fazer brevemente um século. Era filho de José Matias
Barbosa Leal, quartel-mestre do batalhão de Caçadores – 3, (ferido
na batalha do Buçaco) e de Rita de Cássia Soares de Azevedo, filha
dos Senhores de Paradela, da freguesia de São Miguel da Mata,
concelho de Arouca. Esta circunstância relaciona-o muito com esta
região, onde viveu décadas da sua vida. O facto de ser filho de um
militar explica as suas implicações nas movimentos militares do
tempo, particularmente operados nesta zona e o seu interesse em
referir-se às lutas liberais, com pormenor. Aliás, participou na
batalha da Asseiceira, como realista, onde foi ferido e prisioneiro
dos constitucionais, até à Convenção de Évora-Monte. Depois da
libertação, fixou-se com seu pai em Paradela (Mato, Arouca) e
posteriormente em Louredinho (Vale, Feira). Aqui, seu pai foi
apunhalado por um liberal, como represália pessoal política, vindo a
falecer em 1838 e sendo sepultado no Adro da igreja do Vale. Augusto
Pinho Leal, com a mãe doente, passa momentos de grandes dificuldades
económicas. Casa com Maria Rosa de Almeida, da Casa do Crasto,
Carvalhal (Romariz, Feira), e com os bens que lhe vêm do dote,
consegue criar uma escola, onde é mestre temporariamente. Mas,
temperamento irrequieto, faz-se pintor e é como pintor da igreja de
Santa Eulália, em Arouca, lendo velhos livros do Abade, que descobre
a sua paixão – a de historiógrafo. Daí, a sua obra, Portugal
Antigo e Moderno, que deixou incompleta, em grande parte escrita
na sua casa da Carvalhal (Romariz), e em parte, escrita em Lisboa.
Como militar, ainda uma vez mais, mal sucedido, participou na Maria
da Fonte / patuleia, permanecendo no seu íntimo miguelista. Em
Portugal Antigo e Moderno, diz a pgs. 336 do vol VII: «Muitos me
têm acusado de miguelista, só porque digo as verdades, e narro os
factos como eles aconteceram; apesar de verem que, se divulgo os
crimes praticados por liberais, não encubro os que os realistas
cometeram. O mote desta obra [Portugal Antigo e Moderno] é – ius
cuique tribuens.»
Cfr. Enciclopédia Luso-Brasileira
de Cultura / Verbo, vol. 11, pág. 1586, S.V. LEAL:
A Minha Terra,
por P.e M. Fernandes dos Santos, Porto, 1940, pág. 351;
Fermedo – Aspectos da sua
História, por Alfredo G.
Azevedo e Domingos A. Moreira, Porto, 1973, pág. 172 e segts.
(36)
– Consta que Bernardo Francisco Pinheiro tinha a profissão de
ferrador. Homem de arte liberal, era também um conselheiro popular,
misto de advogado e juiz de paz, elo de ligação entre o povo e a
administração concelhia. A sua profissão favorecia esta
proeminência, porque o colocava em contacto com a classe média dos
agricultores proprietários e dos comerciantes, em reunião habitual e
cíclica na Feira dos 17, onde Bernardo Pinheiro residia e exercia o
seu trabalho.
(37)
– Ob. cit. voI. IX, pág. 452, s. v. SOUTO REDONDO.
(38)
– Conforme informação de João Frederico Teixeira de Pinho em «Memórios
e datas para a História da Vila de Ovar», Ovar, 1959, pág. 237,
«o cais de Ovar era um intermediário do comércio entre Aveiro, o
Porto, e as principais terras da Beira. Foi grande o seu movimento,
operado por quarenta barcos, sobretudo no transporte do sal que se
fabrica nas marinhas de Aveiro, sendo em tal quantidade a sua
extracção, que orçava em alguns anos por 100$000 rasas! Uma boa
parte dele era transportado daqui em carros para Arnelas, ponto de
escala no rio Douro (...), donde seguia rio acima até à foz do Tua e
Boieiro do Cachão, para ser distribuído pelas Províncias de
Trás-os-Montes e Beira confinante». Antes, este mesmo autor tinha
informado que o Cais da Ribeira fora feito em 1754. Pinho Leal, ao
referir esta nova estrada, indica a construção de uma nova variante
Ovar – rio Douro, muito mais directa. A construção dos
caminhos-de-ferro veio introduzir um novo percurso mais rápido e
eficiente, que levou ao abandono dos anteriores.
(39)
– Foram principais Informadores locais: 1) Elísio Cardoso e sua
esposa Virgínia Henriques da Silva, comerciantes, do lugar das Airas,
São João de Ver (esta, por sua vez, era filha de Joaquim Francisco
Pinheiro, já falecido, entalhador e dourador muito apreciado):
Joaquim Henriques da Silva, proprietário da Malaposta, Caldas de S.
Jorge; Beatriz de Lima Sampaio, telefonista, de São João da Madeira
(esta, descendente dos proprietários da velha Quinta das Airas,
desde 1890).
(40)
– Oliveira Martins, in Portugal Contemporâneo, I, pág. 174,
ed. cit., referindo, por sua vez outros autores, ao historiar este
passo, diz: «As cabeças dos justiçados seriam decepadas, e
distribuídas pelo Norte, onde a sedição lavrara, como resposta ao
insulto: duas à Praça Nova, nos patíbulos, três a Aveiro, duas à
Feira, mais uma à Foz, outra à Praça da Cordoaria, no Porto, e a
última a Coimbra, onde ficou espetada em um pinheiro na praça de
Sansão. As cabeças dos contumazes deveriam ser pregadas em postes,
ao longo da praia, entre Leça e a Foz, viradas para o mar – quando
as colhessem às mãos.» Esses contumazes eram os fugitivos do
Belfast, após o malogro da revolução, os quais foram condenados à
revelia e eram tidos como os mais responsáveis e influentes. Esta
suposição acerca do número de cabeças de sentenciados, expostas em
Vila da Feira, está esclarecida no trabalho de Marques Gomes,
subordinado ao título «Aveiro, Berço da Liberdade – A Revolução
de 16 de Maio de 1828» (Aveiro, 1928). A pág. 56 se diz
textualmente que a cabeça de Clemente de Melo ficou na Vila da
Feira, sendo ali pregada num alto poste pelo carrasco».
Neste estudo muitos outros
pormenores da dita revolução estão esclarecidos, incluindo as
relações revolucionárias entre o Capitão de Ordenanças Bernardo
Francisco Pinheiro e o juiz de fora Clemente da Silva Melo Soares de
Freitas, natural de Angeja. Por sua vez, o tenente coronel Joaquim
Manuel da Fonseca Lobo, natural do Porto, já não teve nada que ver
com Vila da Feira, certamente porque o Batalhão de Caçadores 11
deixara de estar sedeado em Vila da Feira.
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