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N.º 31

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

1.º Semestre de 1983 

Evocação da Batalha de Souto Redondo (Vila da Feira)

Pelo Reverendo Abade de Fornos – Vila da Feira

Padre José Alves de Pinho

Há 150 anos, Portugal vibrava de lés-a-lés, em convulsões de guerra. (1)

Mobilizadas todas as forcas militares do Reino e todas as influências internacionais, que eram possíveis na época. O Porto estava rodeado por um anel de baionetas e de fogo, atormentado pela fome (mais uma vez, (2) comer vísceras de animais mortos, tornou-se um título de glória para a Cidade Invicta – a cidade tripeira), vitimada pelo tifo e pela cólera. Uma única saída dava para o mar, via foz do Douro.

Dentro, eram os expedicionários liberais do Mindelo, assistidos pelo ex-Imperador do Brasil – D. Pedro, (3) como defensor dos direitos de sua filha D. Maria da Glória, reduzido ao título de Duque de Bragança. A população da cidade, partilhando da mesma sorte, era arrastada para a causa comum do exército sitiado, dentro das trincheiras fortificadas, que envolviam o velho burgo e o baluarte da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia. / 56 /

Fora, era um numeroso exército miguelista, integrando a 1.ª e 2.ª divisões do exército real, dirigido por generais de muita nomeada, à ordem de D. Miguel I, (4) igualmente fortificado por trás de trincheiras, num perímetro mais largo da cidade.

Mais do que as personalidades reais que encabeçavam as facções, os objectivos da luta eram, por um lado, o regime tradicional absoluto, traduzido na vigência das instituições com base nas Cortes dos três Estados e por outro, o regime constitucional, materializado na Carta.

É que a revolução francesa, em 1789, não tinha sido em vão.

Os mestres iluminados do pensamento moderno – Descartes, Rosseau, Voltaire e outros sequazes – através da Enciclopédia, ao transmitirem a sua mensagem, tinham fornecido a pólvora; a tomada da Bastilha em Paris foi o rastilho; a revolução o fogo em explosão. Uma enorme vaga revolucionária atravessou a Europa, mau grado os esforços das monarquias tradicionais para a conter. As sociedades secretas dos livres-pensadores maçãos, com todo o atractivo do seu mistério e o equívoco de processos, foram o veículo subtil que minou todas as fronteiras.

Nesta altura em Portugal, as facções em luta, esquentadas pelo confronto militar e pelo desafio à sua influência, extremaram-se em ódio que atingiu os indivíduos, as famílias e as regiões, os bens materiais e as convicções, e abriu os diques da emoção, que desaguaram na prática das maiores barbaridades.

O tratamento mútuo, falado ou escrito, disso nos dá uma ideia.

Dum lado, os miguelistas, realistas, absolutistas (mais tarde, com forte carga pejorativa), apelidados de burros e corcundas; do outro, os liberais, cartistas ou constitucionais, chamados de pedreirada, de bestas e malhados (5). Décadas depois, Camilo Castelo Branco terá nesta situação larga cópia de assuntos para as suas novelas, que genialmente escreve; mas que astutamente / 57 / aproveita para fazer face à sua subsistência, explorando o interesse dum público, cujas paixões ainda não estão de todo adormecidas.

Conceitos absolutizados, cheios de equívoco e confusão, em que se confrontavam os mais mesquinhos interesses com os idealismos mais platónicos.

Realmente, muito havia a renovar extraído dos princípios liberais, mas também muito a preservar dos valores tradicionais. O homem e a sociedade não têm uma expressão unidimensional.

Gestação longa e dolorosa, com um parto difícil, quiçá ainda sem uma acabada «délivrance».

Mas o que se passava em Portugal passava-se em toda a Europa das tradições seculares, com abalos sociais, políticos e militares de toda a ordem. Mais regulares os avanços das novas nacionalidades americanas, porque menos dotadas de tradições ancestrais, menos enquistadas em instituições de raízes fundas no tempo.

Os cativantes projectos liberais tinham muito de imaturo, de não provado pela experiência e, no turbilhão do seu aparecimento, irão criar algumas situações inaceitáveis, incómodas para toda a gente, para as quais os próprios mentores não encontram fórmulas, senão recorrendo a valores e instituições, que eles próprios tinham combatido e desprestigiado. Podem servir de exemplo, o Trono e o Altar – na expressão consagrada do fim do século – continuamente instrumentalizados, para salvaguarda de interesses ou posições pessoais, ou esvaziados do seu conteúdo: – o espírito e a autoridade. O absoluto é relativizado e o relativo é absolutizado, numa tremenda inversão de valores e confusão de princípios, de que a sociedade e o homem comum seriam a maior vítima.

A falta de discernimento, o espírito faccioso dos auto-convencidos e jovens revolucionários do liberalismo, com muito de entusiasmo e engajamento, impediu a leitura e crítica serenas, a distinção necessária, a síntese amadurecida, substituída pela torrente de decretos e leis, pela sanha de legislar, (6) sobre padrões estrangeirados, legislações «dernier cri». Premissas de uma situação desajustada, que vencedora e instalada, faria do resto de todo o século XIX, pela sua instabilidade, um dos períodos mais difíceis e conturbados da história nacional.

Infelizmente, – temos de aceitá-lo como facto consumado – este costuma ser o preço do avanço da humanidade. O devir histórico é feito de tensões.

Criar-lhe balizas racionais e justas, que possam servir o homem, deve ser a preocupação dos pensadores e responsáveis públicos, não impedindo o processo gradativo da evolução construtiva, mas também não queimando etapas. A Natureza não se faz por saltos.

O liberalismo, na versão extremista do início do século XIX, burguesa e capitalista, está hoje em grande parte rejeitado ou corrigido, mas teve, sem dúvida, a sua mensagem positiva. O seu impacto construtivo foi um dos alicerces das grandes alterações do século passado e serviu de suporte aos tempos que hoje vivemos.

Estas considerações iniciais ficam como um apontamento justificativo da actualidade da memória, que se vai fazer da Batalha de Souto Redondo, travada em pleno auge das guerras liberais, distantes de nós cento e cinquenta anos. Este lapso de tempo já permite uma visão menos apaixonada daquela que então foi feita, especialmente pelos intervenientes vencedores.

Contudo, não é propósito deste improvisado trabalho fazer um juízo crítico dos acontecimentos – tão variados e complexos na sua urdidura – mas sim, chamar a atenção para alguns aspectos de incidência mais local, porventura já versados, mas noutro contexto.

*   *   *

A crise portuguesa em que se desenrolaram as guerras liberais teve no continente dois pólos principais: Lisboa, a cabeça do Reino e a sede do governo; Porto, a testa-de-ponte do liberalismo e o coração da resistência ao reinado de D. Miguel.

A estrada, que liga estes dois maiores centros urbanos do país, foi o eixo das Operações. Já em muitos estudos se explanaram as principais acções de toda a luta.

Aqui, vão referir-se apenas algumas, que, pela sua localização, tiveram como palco a estrada Porto–Lisboa, no troço compreendido entre Arrifana e Carvalhos. Procurar-se-á olhá-la como acontecimento regional, em relação directa com as velhas Terras de Santa Maria. / 58 /

Por extensão, e em relação a esta zona, aqui posta em destaque, vão referir-se outros factos, desmontando a sua cronologia, aproximando ou sobrepondo épocas, aditando apontamentos talvez inéditos, de modo a chamar a atenção para esta porção de território, e dar um contributo para a compreensão local da história geral, e, no contexto da história geral, assinalar o contributo e valor locais.

A Batalha de Souto Redondo, como efeméride de há século e meio, será o motivo próximo para o fazer.

 

ESTRADA NACIONAL – 1 ENTRE ARRIFANA E CARVALHOS

O traçado da actual estrada nacional n.º 1, na extensão demarcada, é com diversas variantes mais ou menos afastadas, o mesmo de uma primitiva e multissecular via.

De Arrifana aos Carvalhos, ela desenvolve-se em terreno firme, sensivelmente equidistante do litoral marítimo, sobre o espinhaço, ou no alto da vertente, de um primeiro e significativo relevo orográfico, que se destaca das planuras da praia. É tão oportuna a sua implantação, que serve de limite natural aos micro-climas do litoral e do interior. (7) O seu traçado é bastante rectilíneo, ora chão, ora acidentado em subidas e descidas. Raramente há alterações. Os acidentes mais notáveis ou são pequenas pontes sobre fios de água, ou o escavado erosivo, em tramos de vertente.

Consequentemente, esta estrada foi caminho obrigatório de quem, em tempos passados, necessitou de percorrer a parte mais ocidental da Europa.

A necessidade de adaptar este caminho, primeiramente, ao tráfego rodoviário de tracção animal, e depois ao tráfego automóvel; ou a necessidade de esbater o acidentado do primitivo leito – que o trânsito de almocreves e animais de sela preferia, por encurtamento, obrigou a abandonar a estrada velha, sobretudo nas povoações. Daí que ela seja em muitos pormenores um eloquente testemunho histórico. Percorrê-la é ocasião de contínuas surpresas e de uma sugestiva recordação passada. Nos tempos actuais, em que percorrer estradas é uma fatalidade, as férias, uma instituição, e o apelo ao turismo interno, uma conveniência, não será despropositada uma chamada de atenção para o local, em ordem a uma possível visita.

*   *   *

E, para darmos corpo a este propósito, relancemos o nosso olhar para alguns motivos históricos desta rica zona, no seu enquadramento geográfico, começando por Arrifana.

Pertence esta florescente freguesia ao concelho do Feira, e confina do sul com S. João da Madeira. Parece fora de dúvida que a origem do seu nome é árabe. (8)

No sentido norte-sul, percorre-a a antiga estrada real, que no principal centro tinha o nome de Rua, designação medieval de povoado preponderante, com as casas de habitação alinhadas lado-a-Iado da via pública e comunicando com ela. Ora, quase no extremo da Rua, em terrenos ocupados actualmente pelas instalações fabris da Oliva, ficam situados os campos da Bociqueira, local onde foram executados dezenas de arrifanenses, por desforço das tropas do Duque da Dalmácia, em 17 de Abril de 1809, aquando da Segunda Invasão Francesa. / 59 / Dessa mesma vingança são testemunhas algumas das antigas e bonitas construções, que bordejam a Rua de Arrifana e que, incendiadas, foram posteriormente reconstruídas. O mesmo facto está assinalado numa lápide de mármore à porta da Igreja Matriz e noutra de bronze, fixada no obelisco erguido em 1914, na Praça da Guerra Peninsular. Recolhida na sacristia da igreja, está um belo retábulo de madeira, figurando uma cena do incêndio e execução. (9)

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Por Arrifana, em direcção a Compostela, certamente calcorreando todo o troço do velho caminho, que nos ocupa, passou no século XIV, como peregrina, a Rainha Santa Isabel de Portugal; no sentido inverso, também como peregrino do mesmo santuário, lá pousou o rei D. Manuel I, em 5 de Dezembro de 1502. A sudoeste de Arrifana, no limite das suas fronteiras com o Couto de Cucujães, no local onde outrora existia uma mamoa, assenta uma original e esquisita capela circular, sob a invocação de Santo Estêvão. Não menos interessante, uma imagem do Santo em granito, que apareceu, recentemente, inumada no terreiro anexo, quebrada em duas e que data pelo menos do século XIV, se não tivermos de remontar a sua origem aos tempos visigóticos ou moçárabes. Está exposta nessa antiga capela. (10)  / 60 /

Retábulo de madeira, alusivo à execução dos arrifanenses na Segunda Invasão Francesa. (Biblioteca dos Bombeiros Voluntários da Arrifana).

A nascente de Arrifana, algo distante, encontramos o Castro da Portela, importante estação arqueológica luso-romana de Romariz (Feira). (11)

Seguindo viagem, a partir de Arrifana, chegamos ao local denominado Alçada, já em território da freguesia de Sanfins (Feira). O que impressiona neste local – confirmação do topónimo – é a vastidão do horizonte sobre o Atlântico, desde Aveiro com a sua ria, até à praia de Cortegaça. Este é o local sonhado pelos sanfinenses para erguer um santuário dedicado a Santa Maria, patrona das Terras, que outrora tiveram esse nome.

Abaixo, entre o arvoredo do vale do Caster, em contínuo cambiante de matizes, a silhueta cinzenta do Castelo da Feira, delicada e poeticamente embutida no emarchetado da paisagem. A sua presença recorda o seu passado remoto, de uma pequena cintura fortificada, transformada em nobre alcáçova dos Senhores da Feira, para ser finalmente o Paço Condal dos Pereiras, hoje sem expressão.

Aqui, à margem da estrada, o Cruzeiro da Saudade. É uma edícula em mármore, rememorando dois jovens sinistrados da estrada, no ano de 1928, primícias do cortejo sangrento dos acidentes rodoviários de nossos dias. (12)

Um pouco mais adiante, à direita de quem continua na direcção encetada, e quase em tangente com a actual estrada, uma enorme mamoa, monumento funerário pré-histórico de há cerca de três milénios. (13) Assenta na propriedade chamada «Quinta da Laje». Mais uma vez, o topónimo revelador.

– Só desta mamoa? (com ou sem dólmen, que a suportava)

– Doutro monumento megalítico, hoje desaparecido, que com mais propriedade tenha dado origem ao chamadoiro?

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Antiga capela de Santo Estêvão, Arrifana, no lugar do mesmo nome, com a sua forma original.

– Não sabemos. Mas nada repugna que tivesse havido outros monumentos pré-históricos no local, porque no enfiamento desta mamoa, distância de 1 km, havia pelo menos mais três, também à margem da actual estrada, no lugar da Terra Negra (S. João de Ver).

Duas foram recentemente sacrificadas às exigências do progresso, para darem lugar a um restaurante e a uma fábrica. Um documento medieval referia-as indirectamente, ao nomear os limites, pelo sul, do lugar de Albarrada (S. João de Ver), (outro nome de sabor árabe). A expressão usada no documento, para delimitar o lugar dizia: «pelo monte das mamunhas» (diminuitivo de mamoas = mamoinhas, como munho = moinho). Mais abaixo, à esquerda da actual estrada, já à vista do monumento ao «Espírito Feirense», resta a outra mamoa, da série / 61 / em que estava ordenada. (14) Outros topónimos das redondezas revelam a sua existência passada. Refiro alguns, que conheço: lugar da Mamoa, freguesia de Milheirós de Poiares (Feira); mamoela, existente e identificada em Pigeiros (Feira); lugar das Arcas, freguesia de Escapães (Feira); Monte Redondo, na freguesia de Fornos (Feira); o próprio nome de Fornos o pode significar; Arcapedrinha, lugar de Arada (Ovar); lugar de Monte-Forno (Arrifana), além da referida, em Santo Estêvão da mesma freguesia.

Voltando atrás, onde havíamos ficado, nos limites da freguesia de Sanfins, encontramos o edifício da Malaposta, que dá o correcto nome do lugar: Malaposta de Sanfins. É talvez o espécimen menos adulterado de todas as estações de cadeia postal, que vigorou efemeramente de Lisboa ao Porto, desde 1855 a 1864, para ser substituída pelo caminho-de-ferro. Merece ser apreciado, enquanto do outro lado, num restaurante de estrada, se toma um revigorante café, porque a marcha vai continuar.

E, atenção, chegados aqui, estamos no lugar estratégico da batalha de Souto Redondo. Mas deixemos para mais tarde a consideração da batalha! Continuemos a nossa rota.

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Bem na direcção norte, numa senda de seis metros aproximados, de largo, e cento e cinquenta, de comprido, aparece-nos um trecho bem conservado da estrada romana, levando-nos em passos breves ao largo das Airas (S. João de Ver). Nas redondezas, é conhecido pelo nome de «Largo (da feira) dos 17»; no local, pelo nome de Souto das Airas. É actualmente uma esplanada, assente num planalto, donde com probabilidade retira expressivamente o nome: ares abertos, sobretudo para o oriente, onde os limites da vista são as encostas da serra da Freita, do Montemuro e do Marão. (15) A esta via militar romana se refere o Itinerário de Antonino, ao dizer que, saindo do Porto (Cale), se dirige para «Aeminium» (Coimbra). Localmente, é chamada de «estrada real».

Imagem de St.º Estêvão em granito, encontrada soterrada junto à capela da mesma invocação. Notar a forma extremamente rudimentar, mas com as suas características iconográficas próprias.

Por felicidade, não existe só este pequeno trecho / 62 / de via romana. (16) Transposto o Souto das Airas, o caminho do lugar de Souto Redondo, em declive acentuado, voltamos a encontrar a mesma via e com o mesmo aspecto: duas séries de grandes lápides marginais, uma agulha central a servir de nervo principal e ramificações laterais, por vezes oblíquas em espiga, estabelecendo liames e servindo ao desvio das águas para as valetas. O restante, é cheio com lápides menos regulares, mas como todas as outras, em granito.

Depois deste troço, voltamos a encontrar um outro bastante longo, que se distende através do lugar do Ferradal, da freguesia de Fiães (Feira), pela distância de centenas de metros. Porém, aqui, na maior parte está coberto de asfalto, que embora não permitindo uma observação directa, contudo o preserva da erosão e o torna perfeitamente utilizável pelo automóvel.

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Pedra protegida por rede, que assinala o local de uma mamoa destruída. Terra Negra, São João de Ver, juntpo à Estrada Nacional n.º 1.
 

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Aspecto norte do edifício da Malaposta de Sanfins, à margem da Estrada Nacional n.º 1.

Avançando mais, vamos encontrar o topónimo «Estrada Velha», que começa por dividir aproximadamente as freguesias de Fiães e de Lourosa (Feira) e se continua / 63 / estreita, com piso totalmente substituído, mas perfeitamente praticável, até à estrada, que de Lourosa, sai para Arouca. À nossa direita, a alguma distância, fica a antiga Lancóbriga, povoação luso-romana, que tem vindo a ser estudada pela Faculdade de Letras do Porto, e que está situada no Monte (Redondo) de Santa Maria, freguesia de Fiães. (17)

À direita da desembocadura atrás referida, fica a denominada «Quinta do Chora».

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Aspecto sul do mesmo edifício.

A casa principal, grandiosa, será do princípio do actual século; a casa dos caseiros, do século XVIII. Ou nos enganamos muito, ou a denominação da quinta está associada a uma empresa de transportes terrestres, conhecida vulgarmente pelos «carros do Chora», caracterizada pela lentidão, e que antecedeu os transportes automóveis.

Daqui para diante, a estrada antiga confunde-se mais com a actual, e onde se diferencia desta, tem menos vestígios de autenticidade antiga. Mas, à sua margem, não pode deixar de referir-se o «Nicho do Pinheiro das 7 cruzes», (18) no lugar do Picoto (Mozelos, Feira), relacionado com a Segunda Invasão Francesa. Finalmente, três motivos também de grande significado histórico: o primeiro, à nossa esquerda, é o imponente mosteiro de Grijó (Vila Nova de Gaia), com a sua larga cerca, tantas vezes visitado e usado por ambos os contendores das lutas liberais, de que saiu muito danificado.

Os outros estão relacionados com os Carvalhos, lugar da freguesia de Pedroso (V. N. Gaia). De um lado, a oriente, os restos românicos de transição para o gótico, da igreja do Mosteiro de Pedroso, importante repositório de informações medievais, pelo seu cartório. Do outro lado, a ocidente, o Castro de Pedroso, envolvido pela luxuriante vegetação do Parque da Senhora da Saúde.

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Aspecto da Estrada Real (via romana?), no acesso sul da Feira dos 17, Airas, S. João de Ver.

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Aspecto da Estrada Real próximo da Casa da Quinta do Arieiro, S. João de Ver.

*   *   *

Cada um destes motivos, sucintamente apontados, em passo de ameno passeio, oferece outras tantas oportunidades de estudos locais aprofundados, mas que não estão compreendidos no projecto deste trabalho.

O percurso da Estrada Velha, sempre acorda em nós muitas outras reminiscências...

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A Casa da Quinta do Arieiro, S. João de Ver, à margem da Estrada Real.

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Não só de guerra: as legiões romanas dos conquistadores de há dois mil anos; as hordas insaciáveis de sangue e despojos dos Vândalos, a caminho do norte de África; as deslocações suevas e godas; a cavalaria do crescente muçulmano, tentando apagar os resquícios do império visigodo; o vaivém das hostes cristãs e mouriscas na acérrima disputa de terras e cidades; os poderosos franceses da Segunda Invasão, os miguelistas e liberais; os expedicionários da Maria da Fonte; os monárquicos de Paiva Couceiro.

Mas também de paz e penitência. Por ela desfilaram os grupos humildes de romeiros, ou os nobres peregrinos, escoltados pelo seu terço d'armas.

Aspecto da mesma via, algo a sul do Ferradal, Fiães.

De governo e de fisco. Eram os administradores, os almoxarifes, os juízes, os correios reais ou senhoris, os mercadores e comerciantes, os almocreves e suas récuas, os tributados a caminho das tulhas e celeiros dos enfiteutas.

De roubo e de crime. As numerosas e impunes quadrilhas de bandoleiros; o assalto premeditado nos ermos; o homicídio na noite caliginosa; a insegurança das albergarias; e sempre, sempre o medo e a angústia perante as incertezas da viagem. Testemunhos eloquentes, / 64 / são as numerosas e ingénuas «alminhas», (19) que marginam toda a estrada. Umas bem conservadas e assistidas, outras reduzidas a um lóculo escavado na pedra, sem legenda nem tábua pintada, às vezes aflorando dum roço de silvas. Outros tantos monumentos à morte imprevista, à síncope, à bala traiçoeira ou ao fio de navalha, a que sucumbiram os viandantes.

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A mesma via, no extremo sul do Ferradal, Fiães.
 

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A mesma via, atravessando o lugar do Ferradal. Aqui, com a zona central coberta de asfalto.

Reminiscências de habitações. O solar fidalgo dos nobres ricos, ou a choupana humilde dos cabaneiros, a par da casa média dos proprietários e comerciantes. As cabanas desapareceram; os solares, ou se mantêm escrupulosamente bem conservados, nas paredes caiadas, madeiras pintadas, cantarias limpas, jardins viçosos, ou foram abandonados, e na sua grandeza se tornaram o casarão fantasma, sem portas nem janelas, paredes derruídas, sem telhado e com traves negras recortando-se no céu, tragados pelo matagal, mas exibindo em muitos recantos formas opulentas da sua antiga fábrica. Alguns tiveram outra sorte. Maquilharam-se à moderna com adereços pechisbeque da azulejaria comercial, com enxertos de betão e presumido chapéu novo. Deixam, no entanto, entrever algumas das suas jóias, contemporâneas dos dobrões joaninos, talhadas em guarnições graníticas, de varandas e cornijas.

As casas médias exibem de tudo um pouco: as colunas torneadas, ou lavradas em quadra, das varandas; os esteios dos alpendres; os capitéis trabalhados em castanho, gretados pelo tempo, suportando o entablamento dum telhado vão; uma argola cravada na parede, para fixar uma arreata; uma cornija antiga, ou o espelho largo das ombreiras e lintéis de portas e janelas; a caiação fresca e policromada...

Mas, deixemos isto e vamos, então, ao assunto que nos propusemos.

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O solar da família Camossa Saldanha, na Quinta da Fonte Nova, Souto Redondo, S. João de Ver, em ruínas. Está implantada à margem da Estrada Real.
 

A BATALHA DE SOUTO REDONDO, NA TRADIÇÃO LOCAL

O recontro militar conhecido vulgarmente por «batalha de Souto Redondo», feriu-se nas proximidades da povoação que tem este nome, e que pertence à freguesia de S. João de Ver, do concelho da Feira.

É uma povoação quase limítrofe de mais três freguesias, a saber: Vila da Feira, Sanfins (de Sobre-a-Feira) e Caldas de São Jorge.

Se procurarmos entre os residentes, mesmo os mais antigos, dados de tradição oral, encontramo-los escassos. Contudo, a informação diluída, concorda mais ou menos nos seguintes pontos: – que a batalha foi no local assinalado pelas «alminhas da guerra», (aliás renovadas com um painel de azulejos e representação de soldados, com fardamentos da época); – que a batalha foi muito sangrenta, pois nela morreu muita gente; – que os mortos teriam sido enterrados em valeiras locais, (embora se não refira qualquer aparecimento de ossadas humanas); – que apareceram pelo mato, (20) atrás das alminhas, balas de chumbo, cilíndricas, com cerca de 1,5 cm de diâmetro (mas não se tem conhecimento de alguma conservada); – que próximo do local, há taludes de terra / 65 / e fossos cavados, que serviram de trincheiras. Aqui e além, referem-se antepassados que participaram na batalha, ou ascendentes recuados de famílias actuais.

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A Casa da Feijoaria, Ferral, Fiães. São evidentes os enxertos recentes no edifício. De notar também, a antiga via e o nicho enquadrado na cerca) nota 19).

Acerca da batalha, a que nos referimos, é entretanto difícil atribuir estas informações, somente à tradição desse recontro bélico. Primeiro, porque as informações terão sido completas ou veiculadas por via mais erudita, como seja o relato de pessoas mais ou menos letradas. Segundo, porque o local foi frequentado em outras ocasiões, por destacamentos militares, inclusive, pela passagem anterior do exército francês; na memória de várias pessoas vivas, estão factos (requisição de moradias para aquartelamento, presença de carroças do exército, esquadrões de cavalaria, desfiles de colunas militares pedindo água, etc.), que devem ser atribuídos ao movimento de Paiva Couceiro, na chamada Monarquia do Norte (1919), em conexão próxima com as expedições portuguesas da Grande Guerra e suas sequelas – presença de gaseados, surto da pneumónica, que pela sua intensidade, esbateram memórias anteriores. Terceiro, porque o local, à data, era praticamente despovoado. Quarto, porque a facção aqui vencedora foi a que no final do conflito saiu vencida. E, então, tal como Breno aos Romanos, «vae, victis!», ditado aos miguelistas, que não mais devem ser recordados.

 

LOCAL DA BATALHA

O relato do acontecimento feito por Luz Soriano, (21) que é o mais citado, não é suficientemente esclarecedor para se identificar o local da batalha. Ele localiza-o na Gandra de Souto Redondo. Das suas palavras, depreende-se que, sendo ele soldado liberal no Porto, não participou na expedição. Não é provável que, depois, tenha visitado o local. A publicação dos seus trabalhos, foi alguns anos posterior, vivendo ele em Lisboa. Partindo destes pressupostos, (que deviam ser fundamentados), resta-nos confrontar a sua descrição com os dados recolhidos na visita ao local e os testemunhos da tradição.

O termo gandra (gândara), deve aqui tomar-se em sentido comum e não como topónimo. Realmente, o lugar mais próximo com o nome de Gândara, fica na freguesia de Sanfins, bastante longe. Se pretendêssemos identificar o local da batalha com esta localidade, teríamos de forçar o lugar da Gândara a estender-se pelos montados, que lhe estão sobranceiros, até ao limite da freguesia de Sanfins, na zona do actual edifício da Malaposta, o que é manifestamente forçado.

Gândara, no sentido comum, designa um montado maninho e despovoado, com plantas agrestes, servindo de logradouro comunitário de pastagens. Gandra de Souto Redondo, deve entender-se consequentemente, como o logradouro público do lugar de Souto Redondo.

Por sua vez, o lugar de Souto Redondo assenta já na vertente de um monte, olhando na direcção do Porto e à margem da antiga estrada. A seus pés, ficam os campos cultivados; atrás de si, a gandra, talvez só povoada de alguns carvalhos e castanheiras. Souto Redondo era a mais importante povoação entre Arrifana e Lourosa. A gandra de Souto Redondo, assim considerada, tem actualmente o nome de AIRAS e está parcialmente identificada com o vasto largo, onde se fez mensalmente a feira, no dia 17, mas projectando-se em considerável extensão para sul e poente.

Um outro local próximo, que também podia dar o nome à batalha, era o de Albergaria (de Souto Redondo), lugar já então antigo, com um pequeno núcleo habitacional, distando para ocidente do Largo (ou Souto) das Airas uns trezentos metros, e em comunicação directa com a antiga estrada. Mas este, nem sequer é mencionado na descrição.

Temos pois, que o lugar de Souto Redondo era o lugar das redondezas mais importante da beira da estrada, e para quem das planuras de Lourosa olhasse a sul, ele aparecia como o último lugar do cabeço, que fechava o horizonte, no sentido em que progride a estrada para Lisboa.

Ora, visitar-se o local, exige que se abstraia das actuais estradas e construções, e que nos procuremos situar na topografia original e contemporânea de há 150 anos. Então, o local, aparecia-nos como um planalto praticamente deserto, tendo como principais povoados, distantes alguns quilómetros, a sul, Arrifana; a poente, Vila da Feira; a nascente, Caldas de São Jorge; e próximo a norte, o lugar de Souto Redondo, com o apêndice Albergaria de Souto Redondo. As comunicações entre estes povoados estabeleciam um cruzamento de caminhos importante, referido por Luz Soriano, e que não coincidia com o cruzamento actual entre a estrada / 66 / de Porto – Lisboa e a de Ovar – Castelo de Paiva. Os caminhos de então eram a estrada real (via romana), cruzada pelo caminho que da Feira ia à igreja de São Jorge, em intersecção perpendicular, próximo da extremidade norte da quinta actual da Malaposta de Sanfins, além da saída para sueste, em direcção a Vale de Cambra (22), e de outros de serventia local.

Estes dados têm de se ter presentes para depois se conferirem com as narrações de Luz Soriano e de Pinho Leal, ao diante apresentadas. Para a execução da emboscada fatal aos liberais, além da facilidade dada pelo cruzamento de caminhos, foi colaborante também o apoio que se recebia da Vila da Feira, na mão dos miguelistas, onde o Regimento de Caçadores 11 tinha o seu quartel, em comunicação directa, pelo mencionado caminho.

Assim, a partir da descrição e conhecidas as condições de terreno, podemos tentar uma reconstituição dos principais movimentos bélicos e tácticos da refrega.

Recuando um pouco no tempo, recordemos o que, mais adiante, será exposto circunstancialmente. O General Santa Marta (23) comandava a 1.ª divisão do exército realista, estacionado no norte. A chegada dos liberais a Mindelo, inesperadamente, dispersou as suas tropas, para norte e sul do Douro. O Duque de Bragança esperava que, ao chegar, fazendo uma proclamação, como fez, recebia a adesão de todo o exército miguelista. Assim não aconteceu.

Reunido um Conselho Militar, decidiu-se começar uma guerra ofensiva.

Entretanto, o comando miguelista enviou em socorro a 2.ª divisão do General Póvoas, (24) que estacionava na Estremadura. Ele pôs-se a caminho. Santa Marta e Póvoas, com a mesma patente, são rivais na busca de prestígio. Isso, teve péssimas consequências para a causa que defendiam.

Os liberais começam a ofensiva pelo norte do Douro. Vão até Penafiel e regressam a cantar vitória. Vêm a Grijó e regressam vitoriosos. Entretanto, o General Póvoas chega com o seu exército à zona de operações. Conhece perfeitamente o local para onde vem operar. Por lá evolucionou em 1828, por altura da Belfastada, deixando algumas defesas em Souto Redondo. Vem disposto a fixar o seu quartel-general neste ponto estratégico, e a colocar guardas avançadas em Grijó. Entretanto, informa-se das acções liberais. Tem conhecimento da vitória dos liberais no norte, porque se ouviram os sinos do Porto em repiques festivos. Recua para Oliveira de Azeméis, mas guarnece Grijó, Souto Redondo e Vila da Feira. Perante esta situação, os liberais pensam em continuar a sua marcha para o sul. Demoram. Dão tempo a Póvoas de preparar uma emboscada em Souto Redondo, aguardando os liberais. Assim, colocou a 1.ª brigada do seu comando (Infantaria de Bragança, voluntários de Mangualde e de Penafiel), digamos, ao cimo do Largo da Feira dos 17, dominando a estrada, que vem do Porto. Atrás, digamos, a sul da Malaposta, mas próximo, postou a 2.ª brigada, como linha de reserva. Parte da artilharia, fixou-a, dominando o cruzamento de caminhos, digamos, no entroncamento do velho caminho de Vila da Feira, com a actual estrada nacional 1, (25) ou junto do actual marco geodésico; a outra parte, manobrável, entre as duas linhas do seu comando directo, formado aproximadamente pelo actual triângulo confinado à estrada nacional 1, estrada nacional 223 e estrada velha Porto–Lisboa.

Emboscada, a nascente do Largo das Airas, postou a cavalaria do Fundão, um esquadrão do 1.º Regimento de Cavalaria de Lisboa, e mais próximo da estrada real, entre a cavalaria e a 1.ª linha, um batalhão de voluntários de Montalegre. Em denominações actuais, essas posições correspondiam à chamada velha Quinta das / 67 / Airas, pertencente à freguesia de São Jorge, embora o exame do local não o pareça favorecer, por estar num nível inferior, com acentuado declive; mas a descrição não nos dá liberdade de conjecturar uma posição diferente.

A sul da Malaposta, na continuação da estrada e cumeadas de Sanfins, estancearia o restante exército, encarregado do material logístico.

À tardinha do dia 6 de Agosto de 1832, saiu o exército liberal do Porto, comandado pelo Conde de Vila Flor, (26) na direcção sul. Avançou toda a noite, esperando surpreender as tropas miguelistas. À frente, 300 ou 400 atiradores. A seguir 4000 homens. Pela 1.30 h da noite, os atiradores avançados chocam com a vanguarda miguelista nos Carvalhos. Trocam-se tiros e esta recua. Aguardam a chegada do grosso do exército e a manhã. Então, os liberais sobem do Ferradal (?), (de Souto Redondo?), ao alto do cabeço, e ordenam-se em linha de combate, com certa ingenuidade e precipitação optimista, sem linhas de reserva, precedidos de algumas peças de artilharia. Outras peças tê-las-iam colocado a poente do cabeço das Airas, digamos, próximo da actual capela do Senhora da Hora. Pelas 9 horas, começam energicamente o ataque. No ardor da fuzilaria, encorajam-se ainda mais, ao verem recuar (em golpe táctico) a 1.ª brigada miguelista, na direcção da Malaposta. E desatam em cega perseguição.

É a altura do golpe preparado por Póvoas. A cavalaria e os voluntários de Montalegre, estacionados na velha Quinta das Airas, intervêm e cercam os liberais entre duas linhas e dois fogos. Surpreendidos e amedrontados, vendo-se perdidos, carregados pela frente à baioneta, fustigados na retaguarda pela cavalaria, tocam a retirar.

É a confusão e o pânico, a chacina e a fuga desordenada, em vergonhosa derrota, com excepção do regimento liberal de Infantaria 10, que mantém a disciplina e recua ordenado, cobrindo a retirada à custa de enorme sacrifício.

*   *   *

– Onde foi, pois, a batalha?

– No triângulo (e próxima área adjacente) formado pelas actuais estradas: uma, que do Porto vai para Lisboa: outra, que da Feira segue para São Jorge, interceptadas por uma terceira – a antiga estrada romana e no seu prolongamento para sul, na zona da Malaposta de Sanfins.

A descrição de Soriano, corroborado por Pinho Leal, (27) Pinheiro Chagas, etc.. assim o dá a entender.

As alminhas o atestam.

A tradição, neste pormenor bem clara e firme, o refere.

Numa acção programada e em campo aberto, que se consumou no manhã do dia 7 de Agosto de 1832, a Segunda Divisão do exército miguelista, comandada pelo General Álvaro Xavier da Fonseca Coutinho e Povoas, derrotou o exército liberal, sob o comando do Conde e Marquês de Vila Flor, mais tarde Duque da Terceira, General António José de Sousa Manuel de Meneses Severim de Noronha.

Porém... perder uma batalha não significa perder uma guerra. E aqui, também o dito se confirmou.

 

ANTECEDENTES DA BATALHA DE SOUTO REDONDO

Para melhor inteligência da batalha de Souto Redondo, e antes de apresentar citações a ela referentes, mais desenvolvidas, importa apresentar uma tábua cronológica dos principais acontecimentos, com uma sucinta descrição de cada um, de modo a termos presente a marcha das lutas entre liberais e miguelistas, começando pelos antecedentes.

Antecedentes romotos. (28)

1. – 14-7-1789 – Tomada da Bastilha. Revolução Francesa.

2. – 1796-1804 – Ascensão de Napoleão Bonaparte. Bloqueio Continental. / 68 /

3. – 29-11-1807 – Fuga da Família Real Portuguesa para o Brasil.

4. – 1807-09-10 – Invasões Francesas de Portugal Continental.

5. – 1808-1820 – Regência de Portugal, personalizada em Beresford, general inglês.

6. – 17-10-1817 – Execução do General Gomes Freire de Andrade e 11 companheiros, acusados de atentarem contra a vida de Beresford, o governo e o regime vigente.

7. – 1818 – Fundação no Porto da loja maçónica «Sinédrio», por iniciativa de Fernandes Tomás, principal forja da revolução liberal de 1820.

8. – 24-8-1820 – O exército revolta-se no Porto, a favor de um regime constitucional e toma conta do Poder, aproveitando uma ausência de Beresford, em visita a D. João VI, no Brasil. Os verdadeiros corifeus da revolução eram Fernandes Tomás, Ferreira Borges e Silva Carvalho. Depois, elabora-se a Constituição de 1822, profundamente inovadora, face ao antigo regime, participando na legislação Mousinho da Silveira. (29)

9. – 11-11-1820 – Martinhada. Tentativa tradicionalista e autoritária, contra o liberalismo vigente. Derrota de António da Silveira, face a Fernandes Tomás.

10. – 4-7-1821 – D. João VI regressa ao Brasil e jura a Constituição. Não o fazem a rainha D. Carlota Joaquina, (30) nem o Infante D. Miguel.

11. – 7-9-1822 – Independência do Brasil, sob a presidência do Príncipe-Herdeiro D. Pedro. Desilusão geral e desaire para o constitucionalismo, responsabilizado pelo acontecimento, na opinião do povo.

12. – 27-5-1823 – Vilafrancada. Tentativa de recuperação do antigo regime, com adesão da rainha e do Príncipe D. Miguel.

13. – 30-4-1824 – Abrilada. Reforço da Vilafrancada. Porém, a Inglaterra não concorda. (31) O Infante D. Miguel é exilado para Viena de Áustria.

14. – 10-3-1826 – Morre o rei D. João VI. O clima não é favorável a liberais exaltados, que fogem para Inglaterra e França. O problema de sucessão é difícil de resolver. O herdeiro D. Pedro foi aclamado em Lisboa.

Ao saber da morte do pai, abdica do trono de Portugal, a favor da sua filha de 7 anos, D. Maria da Glória, sob condições: dar Carta Constitucional ao país, e D. Miguel casar com D. Maria da Glória (sua sobrinha) e ficar regente na menoridade desta. D. Miguel aceita e jura a Carta.

 

Antecedentes próximos.

1. – 22-2-1828 – D. Miguel chega a Lisboa, depois de muita demora. O clima emocional é explosivo. Liberais e Absolutistas odeiam-se, extremam-se e manobram. Os absolutistas contestam o direito de D. Pedro a herdeiro do trono português e consequentemente de D. Maria da Glória. Há guerrilhas e levantamentos militares. Há pressões internacionais em sentidos opostos. / 69 /

2. – 13-3-1828 – D. Miguel dissolve a Câmara dos Deputados.

3. – 18-3-1828 – Primeira reacção violenta e impressionante contra D. Miguel. Estudantes de Coimbra, membros de uma associação secreta denominada «os Divodignos», chacinam no Cartaxinho os lentes universitários, que vão saudar o Infante D. Miguel.

4. – 5-5-1828 – D. Miguel convoca cortes na base antiga dos três Estados.

5. – 16-5-1828 – O batalhão de Caçadores 10 de Aveiro revolta-se contra D. Miguel. No Porto, Infantaria 6, seguido, depois, por Infantaria 18, Artilharia 4, Cavalaria 12 e Caçadores 11. A Revolução triunfa. Orienta-a a Junta do Governo Provisório.

6. – 20-6-1828 – Os Divodignos, que foram presos, são enforcados no Cais do Tejo, Lisboa.

7. – 22-6-1828 – Revolução constitucional em Angra do Heroísmo (Terceira), que apeia o governador capitão-general Manuel Vieira de Albuquerque Tovar, (o qual a 18 de Maio, havia aclamado D. Miguel) e aclama D. Pedro.

8. – 25-6-1828 – Acção dos Capitães. Confronto de 10 horas na Cruz de Morouços, em batalha indecisa, entre o grosso das tropas liberais e as tropas absolutistas. Os liberais, sem chefes, sem planos, sem orientações da Junta do Governo Provisório, debandaram.

9. – 26-6-1828 – No Belfast, chegaram ao Porto do exílio 29 graduados, que deviam conduzir as operações. Foi demasiado tarde.

10. – 2-7-1828 – A Junta analisa a situação e vê-se apertada pelas tropas do Minho e pelas do General Póvoas do sul. Decide dissolver-se e ordenar a retirada das tropas para a Galiza. Os oficiais liberais reembarcam no Belfast. Nestas principais acções, consistiu a Belfastada. As tropas liberais irão experimentar duras provas neste êxodo sem horizontes, acabando parte delas por fixar-se num barracão de Plymouth (Inglaterra).

11. – 5-7-1828 – D Maria sai do Brasil, rumo à Europa. Aviva-se a causa liberal. Em França e Inglaterra, alteram-se as situações políticas, que se tornam mais favoráveis à causa de D. Maria II.

12. – 11-7-1828 – D. Miguel é aclamado legítimo rei de Portugal, pelos três Estados das Cortes, com o nome de D. Miguel I. O continente fica sob o domínio dos absolutistas. Entretanto, por parte dos liberais, o ideal não esmorece e a luta continua. A ilha Terceira dos Açores resiste a D. Miguel. Forma-se aí um governo liberal interino.

13. – 14-7-1828 – D. Miguel cria a alçada, que devia abrir devassa, no Porto, dos culpados da anterior revolta malograda (Belfastada). (32)

Aqui, pelo interesse local de que se revestem os factos e pelas suas consequências, é conveniente pormenorizar a descrição e dar-lhe maior desenvolvimento.

Carlos de Passos (33) historia esta situação do modo seguinte: «Pela carta régia de 14 de Julho (1828). (...) D. Miguel criou a alçada que devia abrir, sem demora, exacta e escrupulosa devassa no Porto sem limitação de tempo nem determinado número de testemunhas, à qual servirá de corpo de delito esta minha carta (Manifesto, 258). Formar-se-iam os processos verbal e sumariamente, sem outras solenidades que não sejam as indispensáveis e de direito natural; a prisão dos suspeitos, antes da pronúncia, era permitida.

(...) Encheram-se as prisões. A fartura dos processos impôs a lentidão, que muito irritava os exaltados. (...) A obra demorava, mas havia de ser falada. (...) No dia 9 de Abril em sessão plena e secreta (a 1.ª) reuniu a Alçada para o julgamento, com certo aparato bélico. Começou às 10 horas da manhã e acabou às 10 da noite. Em sigilo ficou a sentença até 4 de Maio. Inesperadamente, aos condenados foi intimada neste dia e em oratório entraram os que deviam sofrer a pena de morte, aos quais se facultaram os três dias da lei para apresentação de embargos. A sentença deixou a cidade assombrada. Todavia, desde muito, dela havia notícias, que se não acreditavam.

A pena de morte abrangia Bernardo Francisco Pinheiro (capitão de ordenanças, da Feira). Clemente da Silva Melo Soares e Freitas (juiz de fora do Feira), Francisco Gravito da Veiga e Lima (desembargador da Casa da Suplicação), Francisco Silvério de Carvalho (fiscal dos tabacos), Joaquim Manuel da Fonseca Lobo (tenente coronel de Caçadores 11), José A. de Oliveira da Silva Barros (empregado no tabaco), José Maria Martiniano da Fonseca (bacharel em direito, da Madeira) Manuel Luís Nogueira (juiz de fora de Aveiro), Vitório Teles de Medeiros (tenente coronel das milícias da Lousã), António / 70 / Bernardo de Brito e Cunha (contador no Porto da Real Fazenda). A sentença declarava-os exautorados e privados de todas as honras, privilégios e dignidades de que gozavam, e condenados a que com baraço e pregão fossem levados pelas ruas públicas do Porto até ao largo da Praça Nova e na forca morressem, sendo-lhes depois cortadas as cabeças para se afixarem num alto poste no lugar do delito. Sofriam também a confiscação dos bens.

Na Praça Nova ergueram-se duas forcas sobre os alicerces do falhado monumento comemorativo da revolução de 1820. Pelas dez horas da manhã do dia 7 de Maio, os dez padecentes e mais os quatro condenados a assistir aos enforcamentos, a dar três voltas às forcas e a degredo perpétuo, (...) desceram da Relação à Praça Nova, em cortejo, com as tumbas da Misericórdia para os cadáveres. (...) A uma hora da tarde findava o espectáculo infando.

A Misericórdia enterrou os cadáveres no Adro dos Enforcados (hoje rua da Liberdade).

As cabeças, porém, ficaram nos patíbulos em exposição. No dia seguinte o carrasco levou oito para expor na Cordoaria e Foz, na Vila da Feira, Coimbra e Aveiro.»

Esta descrição, suficientemente desenvolvida para a história de Portugal, é porém, muito concisa para os leitores regionais. Por isso, citamos algumas notas mais, sobre estes supliciados, apresentadas por Pinho Leal, (34) que tendo vivido diversos anos em Vale e Romariz, Feira e contemporâneo dos acontecimentos, a eles se refere, apaixonadamente. (35)

«1829 – (7 de Maio) – Dia que marca uma das páginas mais negras da nossa história. Os juízes da alçada, de execranda memória, por acordo de 9 de Abril deste ano, haviam condenado dez liberais a pena de morte, na forca (o que se executou no Praça Nova, do Porto (hoje Praça de D. Pedro) sendo-lhes depois cortadas as cabeças, que foram expostas, nesta cidade, na Feira, em Aveiro, e em Coimbra) treze a degredo para a África e a índia (sendo quatro, de mais baixa condição, condenados a açoites, que sofreram a 16 de Junho). Note-se que – algumas das testemunhas que mais depuseram contra estas infelizes vítimas, se fizeram, depois de 1834, encarniçados liberais, e foram os mais cruéis perseguidores dos realistas.

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Casa recente implantada no local da antiga casa do Capitão de Ordenanças Bernardo Francisco Pinheiro, Airas, Caldas de S. Jorge.

Os dez desgraçados que neste dia de eterno horror pagaram com a vida as suas convicções políticas (e alguns as inimizades particulares!) foram os seguintes: Bernardo Francisco Pinheiro, (36) capitão de ordenanças, natural do lugar das Airas, freguesia de S. Jorge, no concelho da Feira, Clemente da Silva Melo Soares e Freitas, juiz de fora da Feira, natural de Aveiro, Francisco Manuel Gravito da Veiga Lima, desembargador da casa da Suplicação, Francisco Silvério de Carvalho, fiscal dos tabacos, natural de Aveiro, Joaquim Manuel da Fonseca Lobo, tenente coronel do batalhão de caçadores n.º 11, natural do Porto. Este homem nunca foi liberal (...) Ainda, em 9 de Outubro deste ano de 1829, foram enforcados, na Praça Nova, do Porto, dois infelizes – foram: Clemente de Morais Sarmento, sargento de caçadores n.º 10, natural de Aveiro, João Ferreira da Silva Júnior, filho-família, natural de Albergaria-a-Velha». Na página 336, continua a informação:

«Depois de 1834, os cadáveres das doze vítimas, imoladas pelos ferozes juízes da alçada, foram recolhidos / 71 / em um túmulo comum, que está no pátio da Misericórdia (na rua das Flores) em frente da porta da entrada do pátio, e na frente do túmulo se lê a seguinte inscrição: AQUI JAZEM / AS OSSADAS DOS MARTYRES DA PATRIA / QUE NO PATIBULO, EM PRAÇA PUBLICA, / TERMINARAM SEUS DIAS, / A 7 DE MAIO E 9 DE OUTUBRO / DE 1829. Todos os anos, a 7 de Maio, se fazem na igreja da Misericórdia sufrágios pelas almas destes infelizes.» Noutro passo da mesma obra, Pinho Leal esclarece mais a identidade de Bernardo Francisco Pinheiro. (37)

«Nasceu na casa das Airas, o capitão-mor de Ordenanças, Bernardo Francisco Pinheiro, um dos infelizes que morreram enforcados por liberais, no patíbulo da Praça Nova, do Porto, em 7 de Maio de 1829. A filha única deste desgraçado, a sr.ª D. Bernardina Leonor Eulália Pereira da Silva, é viúva de José Correia Leite Barbosa, falecido em Maio de 1881, e reside com suas duas filhas solteiras, na casa das Airas. Duas estão casadas, uma na Bairrada, e outra em Arouca. Tem também dois filhos, os srs. dr. Bernardo Correia Leite Barbosa e José Correia Leite Barbosa, residentes na cidade do Porto.

José Correia Leite Barbosa (pai) foi por várias vezes administrador do concelho da Feira, lugar que desempenhou com honra, pois era um cavalheiro muito inteligente, honesto e enérgico.» Logo a seguir, junta uma nota curiosa sobre este lugar de Souto Redondo, que nos vem ocupando. «Por este lugar passa a nova estrada distrital em construção, de Ovar à praia de Carvoeiro, na margem esquerda do Douro, e freguesia de Canedo, concelho da Feira». E, sobre a citação, aditamos: é a estrada nacional n.º 223, que então foi concebida para ligação rápida e directa da Ribeira de Ovar a Porto Carvoeiro, no rio Doura e facilitar o escoamento de mercadorias para o Alto Douro e Trás-os-Montes, especialmente, o sal de Aveiro, que vinha até Ovar, em transporte aquático. (38)

A estes depoimentos de factos, que naturalmente faziam estremecer de emoção as populações e alvoraçavam os sentimentos, a tradição local aduz outros pormenores, que neste contexto, cabe referir. Assim, se diz que, no lugar das Airas, esteve exposta a cabeça do capitão de Ordenanças Bernardo Francisco Pinheiro, especada num poste, em cumprimento da macabra sentença. A causa profunda, que levou a este desfecho, foi a rivalidade política deste sentenciado com familiares próximos, que vinda de longa data, se tinham agudizado com as alterações do poder. Duas famílias aparentadas, disputando influências e hegemonia local.

A sua casa ficava dentro da Quinta das Airas, agora toda retalhada, e que limitava, pela nascente, a estrada 223 e o Largo da Feira dos 17. A casa primitiva foi reconstruída recentemente e agora pertence à família Lima Barros, de Lourosa.

As suas descendentes, conhecidas localmente como as filhas de José Correia, tiveram de vender a quinta e terão falecido em situação económica muito precária. Foi seu comprador Caetano Fernandes Ferreira, cuja família ainda possui parte.

Se conferirmos com as informações de Pinho Leal, verificamos tratar-se das netas do justiçado, filhas de José Correia Leite Barbosa. (39)

Os testemunhos atrás aduzidas não referem o local exacto da exibição da cabeça do capitão de Ordenanças das Airas. Se, só nas Airas, se também em Vila da Feira, sede da comarca. Também não se refere o número de / 72 / cabeças expostas. (40) Era lícito, a partir da informação de Pinho Leal, supor que a cabeça do juiz Clemente Soares e Freitas, com ser natural de Aveiro, fosse trazido para Vila da Feira, onde ele exercia o seu mister. Mais se podia supor, tendo em conta que o quartel de Caçadores 11 estava sedeado em Vila da Feira, que a cabeça do tenente-coronel Fonseca Lobo também estivesse incluída na degradante exposição de Vila da Feira.

A lista dos enforcados, apresentada pelos executores da justiça miguelista, certamente não teve em conta, na sua ordenação, o grau de culpabilidade imputada ou de relevância social, pois que, como facilmente se pode constatar, se ordena alfabeticamente, com a excepção final.

(Continua no próximo número)

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NOTAS

(1) – A circunstância de ocorrer século e meio sobre o Cerco do Porto, no qual se pode enquadrar a batalha de Souto Redondo, levou a fazer-se aqui uma evocação do acontecimento, mais com fins de divulgação do que de estudo ou pesquisa. Este trabalho estava sobretudo ordenado para chamar a atenção sobre o troço da estrada nacional 1, na zona correspondente ao actual concelho da Feira e verdadeira espinha dorsal da nação, evocadora dum passado rico e muito diversificado. Aliás, foi este eixo que determinou o local do recontro. Desde agora paro o futuro, por exigências bem compreensíveis, a Auto-Estrada do Norte vai fixar esse eixo mais no litoral. isto é, no encosta ocidental.

(2) – A primeira vez, foi na preparação da armada lusitana para a conquista de Ceuta, no início do séc. XV, sob a orientação do tripeiro Infante D. Henrique, o Navegador.

(3) – D. PEDRO IV. Nasceu em Lisboa, a 12-10-1798 e 16 faleceu a 24-9-1834, com quase 36 anos. Em 1807, teve de refugiar-se com seus pais (família real portuguesa), no Brasil, o que não lhe facilitou uma educação muito completa e o marcou profundamente na sua vida e na sua obra. Após a revolução de 1820, no Porto, a família real é convidada a regressar ao continente, o que foi mal recebido no Brasil. Compõe-se a situação, ficando D. Pedro, herdeiro do trono português, como regente do Brasil e regressando a família real a Portugal. As resoluções de Lisboa relativamente ao Brasil começaram a ser consideradas humilhantes para esta colónia portuguesa, aliás, espicaçada nos seus brios de independência por outras colónias europeias, que já a tinham obtido, ou lutavam por ela. D. Pedro é envolvido pelos acontecimentos e decide-se progressivamente pela independência do Brasil, proferindo em ocasiões definitivas as palavras históricas: «Fico» e «Independência, ou morte!». O Brasil começa a sua história própria, sob a orientação de D. Pedro, que se aplica intensamente à causa do seu governo, nem sempre bem sucedido. À morte de D. João VI, Lisboa reconhece-o 27.º rei de Portugal, mas ele abdica a favor de sua filha primogénita, D. Maria da Glória. Com dificuldades progressivas no Brasil, é obrigado a renunciar também ao trono imperial brasileiro, em favor de seu filho, D. Pedro II (7-4-1831).

É então que intervém decisivamente na coisa pública portuguesa, sob a bandeira liberal, com tenacidade e abnegação, acabando como vencedor. Mas, na sua caminhada, sofre muitas vezes golpes rudes e chocantes para o seu temperamento altivo, autocrata e arrebatado, nem sempre conformado com as formas institucionais, que patrocinara: constitucionalismo e regime parlamentar. A esse temperamento se refere Rocha Pombo: «ânimo inconstante e meio destemperado», mas também «grande coragem e muita diligência» conforme Quartin Graça (Enciclopédia Verbo), que o classifica de possuir um «temperamento impulsivo e arrebatado», que lhe dá uma «incapacidade de aceitar as regras de jogo da política constitucional e refrear a tendência para decidir apenas por si próprio e afastar ou punir os seus opositores», referindo-se à sua acção governativa no Brasil. Porém, junta a estas referências a sua acção no Cerco do Porto, do qual diz: «revelou bem o seu heroísmo e a sua rara têmpera de soldado», para rematar, afirmando que o decreto de António de Aguiar (28-5-1834) «traduzia desejo manifesto de D. Pedro: a expulsão das ordens religiosas».

Oliveira Martins põe em relevo, de modo eloquente, as contradições verificadas na sua vida – as suas ilusões e desilusões. (Portugal Contemporâneo). Joel Serrão, por sua vez, retrata assim o perfil psicológico de D. Pedro: «Quão fulgurante e dramático o destino histórico de D. Pedro! Apaixonado, incoerente e corajoso, D. Pedro desempenhou na história contemporânea, quer de Portugal quer do Brasil, papel de importância cimeira.

Ora, se parece equânime ajuizar-se que boa parte desse papel se deveu mais às circunstâncias e condições históricas em que lhe foi dado viver do que às suas qualidades de leader, não é menos justo reconhecer que a sua personalidade, tal como a natureza e as vicissitudes biográficas a afeiçoaram, era de molde à chefia em situações criticas e ao pioneirismo relativamente à modernidade – ou a certa modernidade – de então. «O instinto de D. Pedro», ajuíza Oliveira Martins, «era a vaidade». «Ela o tornou instrumento útil de muitas obras, ela o fazia instrumento dócil de planos alheios. Ela lhe dava à inconsequência, a fraqueza, a ruindade de muitas acções suas; mas também por vezes uma força, uma nobreza, um atrevimento corajoso e uma decisão que, vistas de fora, chegaram a parecer de herói.» Precisamente, tal força e tal nobreza é que transformaram a guerra entre as tropas de D. Miguel e as de D. Pedro em algo mais que uma mera querela dinástica entre irmãos desavindos. «Sob a sua direcção e responsabilidade, (de D. Pedro) ocorreram os três factos primaciais que assinalam entre nós o início do Portugal contemporâneo: a instauração do regime liberal da Carta Constitucional, mediante a vitória na guerra civil; a legislação de Mousinho da Silveira; a extinção das ordens religiosas. Mal ou bem, pior ou melhor, o possível Portugal contemporâneo e europeu principiou aí» (In Dicionário de História de Portugal, 1981, VoI. V, pg. 38, s. v D. Pedro IV.

(4) – D. MIGUEL. Irmão imediato de D. Pedro IV, filho de D. João VI e de D. Carlota Joaquina, nasceu em Lisboa em 26-10-1802 e faleceu em Bronnbach (Alemanha), em 14-11-1866. A condição de filho segundo (era o terceiro filho do casal real, mas o primogénito tinha morrido na Infância), que, conforme o regimento da instituição real, lhe dava um lugar de suplente, marcou profundamente a sua vida e a sua actuação. Com a família real teve de retirar-se para o Brasil, onde permaneceu desde 1807 a 1821. A diversidade de temperamento de seus pais, onde se manifestavam sentimentos opostos e conflituosos, aproximou-o da mãe, com quem tinha maiores afinidades de feitio. D. Carlota Joaquina, que era uma mulher ambiciosa, inconformada, voluntariosa e até cruel, fez de D. Miguel um instrumento das suas ambições, apoiada no partido dos conservadores tradicionalistas, maioritário em força, número e prestígio. Ao regressar do Brasil, D. Miguel e D. Carlota Joaquina não juram a constituição vintista. D. Pedro, o príncipe herdeiro, ficara no Brasil. D. João VI é um conformado e um indeciso, conciliador e amante do sossego. A sua contemporaneidade cognominou-o de «Clemente». D. Miguel surge então no primeiro plano da vida pública portuguesa com a Vilafrancada e fica à testa do exército, como generalíssimo e comandante-chefe, impondo a abolição da constituição. Alguns meses depois, continuando em dupla com a mãe, mais um golpe militar – a Abrilada, que não é bem sucedida por intervenção da diplomacia estrangeira, que acorreu em socorro do rei, seu pai, D. João VI. Este destituiu-o do alto cargo militar e exila-o. Irá cumprir o seu exílio em Viena de Áustria, desde 1822 a 1828.

A facção, que lhe era hostil, pinta-o com cores carregadas de devasso e boémio, fadista e toureiro, ambicioso e sanguinário, medíocre de inteligência. Mas, em vez de confirmar este quadro, será preferível acentuar que. D. Miguel não passa de um jovem de 21 anos, inexperiente, atirado por sua mãe e pelo poderoso e credenciado partido tradicionalista «à cabeça do touro» do processo reaccionário, lisonjeado e adulado. Aqui, mais do que nunca, funciona a sua condição de filho segundo, quando, por entre longínquas miragens, antevê, sorrindo-lhe, o trono, uma vez que o príncipe herdeiro aceita a coroa de uma nacionalidade estrangeira, distinta e rebelde – o Brasil. Grande parte da sua actuação é fruto das manobras da sua «entourage», sangrando de numerosas feridas abertas pelo regime constitucional de 1820. Este partido, exacerbado pelos acontecimentos, ferido nos seus brios e privilégios, não encontra outro meio de se impor, que não seja a violência e o esmagamento, numa vindicta e retaliação exageradas.

À morte de D. João VI, D. Miguel voltará a ter a sua oportunidade. Chamado do exílio, como príncipe consorte da proclamada rainha D. Maria II e regente do Reino, é, em breve, levado pela onda dos tradicionalistas a quebrar o juramento constitucional e a restaurar o absolutismo, aceitando que o proclamem rei. A guerra, que se seguiu, está sucintamente apontada no desenvolvimento deste trabalho, mas, como já se disse, essa guerra ferida, foi-o, muito mais entre facções irredutíveis do que entre os dois irmãos desavindos.

D. Pedro, por sua vez, teve para com D. Miguel alguns gestos de grandeza de alma, desiludido, talvez, pelo malogro de muitos dos seus sonhos, os quais contribuíram para o mal-estar e desorientação criados. Sempre trata D. Miguel como «meu irmão», ante a incompreensão de muitos correligionários; em Évora-Monte, é condescendente com D. Miguel e seus sequazes (circunstância que o tempo não confirmou); ao decretar o exílio definitivo de D. Miguel, atribui-lhe uma avantajada pensão anual.

Por sua vez. D. Miguel, que fora aclamado, vitoriado e idolatrado por todo o povo do norte ao sul de Portugal, como um anjo salvador, após Évora-Monte, em Itália, contesta a Convenção, invocando a coacção a que esteve sujeito e rejeita a pensão, que lhe foi atribuída, passando a viver, modestamente, de dotações particulares de amigos fiéis.

Na Alemanha, casou aristocraticamente e teve filhos, continuando a afirmar os seus direitos ao trono de Portugal. Viveu exemplarmente, ligado por um indesmentível patriotismo a Portugal, até que a morte o veio colher, no exílio, longe do seu pais. Um seu descendente apresenta-se ainda hoje como pretendente ao trono português, numa possível monarquia lusitana restaurada.

Dissertando longamente sobre as guerras liberais, Oliveira Martins, no seu admirável modo de pintar, faz um retrato de D. Miguel, onde não esconde os seus erros e defeitos, mas onde também não deixa de significativamente afirmar: «ele em cujo sangue parece que a Natureza condensara todos os impulsos, todas as qualidades, todos os vícios, todo o encanto, toda a violência bruta da alma portuguesa. Ninguém era mais nosso do que D. Miguel, e por isso foi o último dos que o povo compreendeu e amou». (Oliveira Martins, in Portugal Contemporâneo, voI. I, livros de bolso europa-américa – 313, pg. 107). A sua juventude, a sua presença donairosa, o contacto directo com o povo do sul ao norte da nação, a vibração frenética e mítica, que de lés-a-lés despertou, justificam essas palavras.

(5) – A origem deste vocativo de depreciação encontra-se no facto de serem malhadas as mulas, que iam atreladas ao carro de D. Miguel, quando este, dirigindo-se no dia 9 de Novembro de 1828 de Queluz para Caxias, sofreu um acidente, partindo uma perna pela coxa.

Os seus partidários entenderam que as mulas malhadas estavam conluiadas com os liberais, pelo que as justiçaram, passando daí em diante a chamar os liberais de «malhados». (Cfr. Oliveira Martins, Ob. cit., voI. I, pg. 166).

(6) As Inovações liberais foram muitas e profundas, mas não tiveram qualquer mentalização anterior, pelo que se apresentavam ao vulgo como inovações inadequadas e violentas, tanto mais quanto o país estava isolado e grassava o analfabetismo. Na impossibilidade de se apresentar uma resenha das alterações, indicam-se alguns elementos, que parecem ter tido maior influência. O principal corpo jurídico, em que assentavam, foi, primeiramente, a Constituição de 1820 (decalcada na francesa [1795] e na espanhola [1812]) e depois a Carta (decalcada na francesa – 1814). Partindo do princípio do direito à propriedade privada, seguiam-se outros direitos do cidadão, que levaram a legislações complementares. Consequentemente, foram decretadas leis que determinavam:

1 – confisco dos bens do inimigo (miguelista) e leilão dos mesmos;

2 – extinção das corporações, comendas, vínculos (parte), morganatos, tenças à nobreza, etc.;

3 – abolição da censura;

4 – extinção das ordens religiosas, nacionalização da propriedade dos mosteiros e corte de relações com a Santa Sé;

5 – abolição de portagens, peagens, monopólios e privilégios da nobreza;

6 – promoção da via eleitoral e estruturação da administração;

7 – promulgação de códigos: comercial, judicial, penal, etc..

Estas inovações foram ocasião de muitas arbitrariedades, abusos e perda, pelo saque, de muitas preciosidades culturais e históricas.

(7) – Essas diferenças climáticas verificam-se, por exemplo, na queda da folheca, que é rara na vertente marítima; na pluviosidade, muitas vezes desencontrada; no regime e tipo de ventos; nas culturas, com predominância e desenvolvimento diferente; na bacia hidrográfica, que, a nascente pertence ao Douro, e a poente, ao Atlântico, em pequenas ribeiras.

(8) – Discorrendo sobre a origem e significado do topónimo Arrifana, o Padre Porfírio G. Moreira afirma: «Parece fora de discussão que a palavra Arrifana tenha origem árabe, não se sabendo, no entanto, e não sendo possível saber ao certo, por ora, qual a razão por que lhe chamaram assim. Segundo o Dr. Seybold. de Tubinga (...) Arrifana deriva do árabe arrayhan, ‘mirto, murta ou arraião. Continua a sua dedução, prefixando-lhe o artigo árabe invariável «al» e juntando-lhe o «f» intervocálico, consequência da aspiração, que muitas vezes também se exprime pelo «h». Cfr. «ARRIFANA – o passado e o presente» editado pela Comissão de Festas 1982, no artigo «O nome da nossa terra», pg. 2.

Porém, o que mais espanta e se apresenta como maior curiosidade, neste capítulo das relações do velho burgo de Manhoce com os descendentes de Mafoma, é a referência que um boémio – quem poderia ser, senão um boémio! – faz, em pleno século XV, ao afirmar, sem mais rodeios, que «Por estes sítios (Arrifana), não governa rei ou príncipe de cristãos; mas somente habitam sarracenos, uns negros e outros brancos».

É pela pena de Camilo Castelo Branco que nos vem esta informação, que a ele também espantou, e que não deixa sem correctivo, na sua ironia veemente e cáustica.

Sem dispensar os nossos pacientes leitores de consultarem essa interessante narrativa do grande escritor, «Portugal há quatrocentos anos», adiantamos algumas notas do enquadramento, que ele mesmo lhe deu. Em 1465, o rei da Boémia enviou uma embaixada a diversas cortes europeias pedindo auxílio para resolver dificuldades internas. Dirigindo-se para ocidente, essa embaixada era chefiada por Leo de Rosmital, cunhado do rei, e assistida por dois letrados, um boémio, e outro alemão. Cada um dos letrados fez seu relato do que passaram e do que viram. O relato do boémio, vertido em latim, foi reeditado em 1844. Dele teve conhecimento Camilo, que o apresenta aos leitores portugueses, com um laivo de contínua ironia, sobretudo no que se refere a Portugal. No passo que nos interessa, damos a palavra ao celebrado autor.

«Caminhando cinco léguas para lá do Porto chegamos à Arrifana. É uma aldeia montanhosa não longe do mar. À beira-mar foi sempre o caminho que levámos desde aquela cidade. Por estes sítios não governa rei ou príncipe de cristãos; mas somente habitam sarracenos, uns negros e outros brancos». Em nota 1, original, Camilo comenta assim esta passagem: «É a mais graúda inépcia que se nos depara no livro do secretário, depois da dos alacraus parecidos com cães de caça. Queria o bom do letrado encontrar na Arrifana um rei ou príncipe cristão! Como imaginou ele um retalho mourisco encravado no centro do país cristão que Ia percorrendo!» Cfr. Camilo Castelo Branco, in Cousas leves e pesadas, Ed. da Parceria António Maria Pereira, 1908, Lisboa, pg. 89.

(9) – Muito recentemente, esse painel deixou a sacristia norte da igreja de Arrifana, para ficar exposto na biblioteca dos Bombeiros Voluntários de Arrifana, em lugar digno e acessível.

(10) – Nas festas de 26 de Dezembro de 1982, a imagem lá se encontrava na sacristia da nova capela, sobre o local aproximado onde foi encontrada. Cfr. Santo Estêvão por P. Porfírio Gomes Moreira, Arrifana, 1982, pg. 80/81. Vd. também Terras de Santa Maria – Notícias e Memórias da Freguesia de Arrifana... por Saul Eduardo Rebelo Valente.

(11) – O Castro da Portela tem vindo a ser estudado pela Faculdade de Letras do Porto, que recentemente fez uma dissertação sobre as características do castro e uma exposição de peças encontradas no seu espólio, ilustrada por uma projecção de diapositivos, na Biblioteca Municipal da Feira. Pode encontrar-se uma referência demorada ao castro, na monografia de Romariz, A minha Terra, pelo P.e M. Fernandes dos Santos, Porto, 1940, pg. 30-37.

(12) – O Cruzeiro da Saudade tem um relativo valor toponímico para identificar o troço da Estrada Nacional – 1, onde está implantado. É um monumento funerário, com um tronco de pirâmide quadrangular, onde se inscreve uma legenda, rematado por uma cruz e assenta numa base paralelipipédica, a qual está protegida por gradeamento de ferro forjado. Todo o monumento é em mármore. A legenda diz o seguinte: «A / Joaquim Correia / da Silva / e a D. Manuel de Castro / (Resende) / Dos Carvalhos mortos aqui a 7-X-1928 / Perguntarás, neste instante / Caminheiro ou viandante, / o que esta pedra traduz? – Uma Oração de Saudade, / Em favor da Mocidade / Subindo a Deus, pela Cruz!» A inscrição mostra vestígios de ter sido baleada, o que parece ter acontecido. Ao que consta, esse facto está relacionado com querelas ligadas aos intervenientes do acidente de motociclo, que ela recorda.

(13) – Mâmoa que, conforme características, regiões e variantes, também é conhecida por mamoa, melmoa, mamoela. mamuinha, mamunha, arca(s), orca(s), onta(s), pola(s), anta(s), antinha, antela, forno(s de mouros), cista, é comummente identificado como um monumento funerário pré-histórico. A sua cronologia é difícil de precisar, porque a cultura que lhe deu origem evolucionou longamente ao longo de milénios. Só uma quantidade apreciável do seu espólio, é que poderia dar uma base para lhe estabelecer uma idade.

Infelizmente, como acontece em quase todos os monumentos deste tipo, esta mamoa foi violada e destruída, no que poderíamos chamar, a câmara mortuária. Os autores divergem muito na sua datação, contudo fazem esta cultura eneolítíca contemporânea da pedra polida, do vaso campaniforme e da primeira idade do bronze, o que poderá variar entre 3 000 a 1 500 anos a. C. (Cfr. La España Primitiva, por Luis Pericot, Barcelona, 1950, pg. 144 e sgts; Arqueologia da Península Hispânica, por Adriano Vasco Rodrigues, Porto Editora, pg. 277 e sgts; A Lusitânia Pré-Romana, por A. A. Mendes Correia, in: História de Portugal, vol. I, Barcelos, 1935, pg. 118 e segts). O nome deriva da sua configuração, relacionada com a anatomia humana. A semelhança do montículo, que sempre a identifica, configura-se com um selo de mulher. Daí o seu nome – mâm(o)a. José Leite de Vasconcelos, diz que mâmoas eram «monumentos sepulcrais que ascendem, pelo menos, aos fins da idade da pedra polida. Constam de duas partes: uma, arquitectónica, de pedra, isto é, câmara e corredor, formada de esteios com cobertura de lajes: outra, de terra, isto é, de um montículo que envolve tudo». Opúsculos, vol. III, Coimbra 1931, pg. 278, citado por Domingos A. Moreira in Santa Maria de Pigeiros da Terra da Feira, Porto, 1968, pg. 11.

(14) O autor identificou estes diversos monumentos, há cerca de 25 anos. Recentemente indicou a existência desta última mamoa aos alunos da Faculdade de Letras do Porto, que em trabalho de campo de férias davam cumprimento à incumbência da Câmara Municipal da Feira, para se fazer um levantamento concelhio dos monumentos e topónimos pré-históricos.

Das duas desaparecidas, uma delas ficou assinalada com algumas pedras, (não muito significativas para um dólmen), que o proprietário de um restaurante (O Caçador, Terra Negra, São João de Ver) rodeou de uma rede protectora, como efeito decorativo. Se o fez consciente ou inconscientemente, tendo em conta o seu valor histórico, não sabemos.

(15) – Menos poeticamente e talvez com maior realismo, Pinho Leal afirma que a origem do nome do lugar é a corrupção do onomástico Aires. Essa origem encontrou uma confirmação actual, quando em conversa com moradores do sítio, nos foi dito que a antiga Quinta das Airas pertenceu a um Capitão Aires, aí morador.

(16) – Há motivos para temer a falta de protecção à antiga estrada romana. De facto, um pouco a norte da saída principal da Casa da Quinta do Arieiro, (muito conhecida localmente, pela publicidade dada à urbanização com esse nome), a antiga estrada foi destruída e em parte terraplanada, encontrando-se as lápides dispersas, por entre monturos de terra deslocada, para facilitar acessos à Quinta e deixar passar as canalizações do saneamento.

– Será um situação irremediável?

– Tributo obrigatório das relíquias milenares às exigências da modernidade?

(17) – Cfr. Santa Maria de Fiães da Terra da Feira, por P.e Manuel F. de Sá, Porto, 1940, pg. 21 e sgts.

(18) – O episódio da Segunda Invasão Francesa, que o nicho do «Pinheiro das Sete Cruzes» perpetua, não diz respeito só ao Catafula, ao fiel padre, seu confessor, ou aos habitantes das redondezas. Tem carácter nacional, e há elementos inéditos que merecem ser divulgados. Junto a este nicho, também se procedem a remoções de terras, por trás do muro marginal da estrada, ditadas por possíveis planos de urbanização.

– Estará este representativo monumento acautelado e devidamente defendido?

(19) – Pelo que revela de singeleza ingénuo e belo, de autenticidade passada e mesmo de bom gosto actual, apraz-nos destacar o nicho da «Casa de Santo António», na estrada velha do lugar de Aldeia Nova, de Lourosa. É um nicho dedicado o Santo António, elevando-se em frontão sobre a padieira de umas portas fronhas, a nível de um primeiro andar, mas destacado da restante construção da moradia. O santo aparenta ser uma imagem de barro policromo do séc. XVIII, bem enquadrada pela caiação e pintura do ambiente envolvente. De tal modo se destaca, que a casa a que pertence se chama, vicinalmente, de «Casa de Santo António».

Igualmente merece uma referência, pelo conjunto arquitectónico, ainda que em proporções reduzidas, o nicho, em forma de pequenina capela, enquadrado na cerca da Casa da Feijoeira, do lugar do Ferradal, Fiães.

(20) – Além desses achados, foi-nos referido que na Casa da Torre de São João de Ver se guarda um sabre aparecido no local; informação, que não nos foi possível confirmar.

(21) – SIMÃO JOSÉ DA LUZ SORIANO nasceu em Lisboa a 8 de Setembro de 1802 e 16 faleceu a dezoito de Agosto de 1891. Formou-se em Medicina e aderiu ao movimento liberal de 1828, que não obteve êxito. Integrado no exército derrotado, teve de se exilar para Espanha e depois para Inglaterra, dirigindo-se posteriormente à Terceira, onde se Incorporou na milícia liberal, que viria a desembarcar com D. Pedro na praia do Mindelo, em 1832. Após a instauração do regime liberal, fixou-se na Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar. Dedicou-se com afinco às Letras. Como historiador, coube-lhe – na frase do Prof. Veríssimo Serrão – a justificação do movimento constitucional. E, se é certo que lhe faltou método histórico, teve o mérito de reunir larga cópia de dados para as suas obras de história contemporânea, nomeadamente os dois volumes da História do Cerco do Porto e os dezassete da História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal. (Extracto do Dicionário de História de Portugal, dirigido por Joel Serrão, s. v. SORIANO, assinado por Ruy d'Abreu Torres).

Viveu muitos dos acontecimentos que descreve e nos quais tomou parte activa. Essa circunstância leva-o a interpretar muito pessoalmente os factos, sob a influência da mentalidade que perfilhou.

(22) – Cfr. Santa Maria de Pigeiros da Terra da Feira, por Domingos A. Moreira, Porto, 1968, pg. 47/48.

(23) – JOSÉ DE SOUSA PEREIRA DE SAMPAIO VAHIA, 2.º visconde de Santa Marta, nasceu em Vila Pouca de Aguiar, a 3-6-1790 e faleceu em Santa Marta de Penaguião, a 13-2-1847.

Participou com algum brilho na Guerra Peninsular. Em 1820, alinhou pela revolução liberal, mas em 1823, já está às avessas com o liberalismo, provocando a Vilafrancada e apoiando o absolutismo. Por via disso, D. Miguel nomeia-o subchefe do Estado-Maior General. Encarregado de dirigir a 4.ª divisão do exército, sedeado no norte, foi um pusilânime na defesa do Porto, aquando do desembarque do Mindelo. Chamado a cercar o Porto, juntamente com o General Póvoas, manifestou uma incapacidade flagrante de participar numa acção conjunta, muito mais interessado em servir a sua vanglória, que lhe vinha do título, da patente e do passado militar. Acabou por ser destituído das suas funções por D. Miguel, vindo posteriormente a oferecer-se à causa liberal. Os acontecimentos pouco anteriores ou posteriores à batalha de Souto Redondo foram dos mais elucidativos da sua pouca energia e muita vaidade, em emulação com o General Póvoas, seu concorrente em campo paralelo.

(24) – ÁLVARO XAVIER DA FONSECA COUTINHO E PÓVOAS era natural da Guarda, onde nasceu a 7-9-1773 e onde faleceu a 29-11-1852. Foi incorporado por Junot na Legião Portuguesa, ao serviço da França, e com as tropas francesas de Soult regressou a Portugal, aproveitando a circunstância para desertar e se apresentar a Beresford, chefe do exército anglo-Iuso, contra Napoleão I. Na carreira militar durante a Guerra Peninsular, atingiu o posto de marechal-de-campo, em 1820. Participou na Vilafrancada e em 1828, como comandante miguelista, derrotou os liberais na Cruz de Morouços, dirigindo-se para o Porto – a cidade rebelde – onde foi benigno para a população, apesar das orientações cruéis de Carlota Joaquina. Após o desembarque de D. Pedro na praia do Mindelo, comandou a segunda divisão miguelista, que foi embater em Souto Redondo com os liberais e lhe infligiu a derrota, aqui recordada. Posteriormente, após a demissão do escocês MacDonell, recebeu o comando de todo o exército miguelista, mas foi completamente batido em Almoster por Saldanha, facto que decidiu a sua demissão, recolhendo à vida privada até ao movimento da Patuleia, em que veio a participar, já como liberal, e com o título de conde das Póvoas. A crítica, sua contemporânea, considero-o militar medíocre, sendo por diversas vezes desconsiderado. O seu maior título de glória foi a vitória de Souto Redondo.

(25) Cfr. adiante o texto e a nota (60).

(26) – VILA FLOR. ANTÓNIO JOSÉ DE SOUSA MANUEL E MENESES SEVERIM DE NORONHA, em 18 de Março de 1792 nasceu em Lisboa e aí faleceu a 24 de Abril de 1860. Conforme os apelidos indicam, era representante das melhores estirpes da nobreza Portuguesa e senhor duma das casas nobres mais abastadas. Começou por beneficiar dos privilégios da sua condição e dos benefícios que dá a órbita da corte real. Aos 2 anos herda o título de copeiro-real; aos 10 anos, como freire professo da Ordem de Cristo, é cadete; aos 15, alferes e aos 23, coronel. Depois de ter desempenhado funções militares na Guerra Peninsular e cargos de administração governamental no Brasil, com 31 anos é ajudante-de-ordens de D. Miguel (1823). Com o exílio do Infante, aderiu à causa liberal, pela qual terça armas e é promovido a marechal-de-campo. Mas quando D. Miguel é aclamado, emigra para Inglaterra. Nobre, e essencialmente soldado, dirige-se à Terceira e daí para diante tem uma carreira brilhante, onde Souto Redondo é uma excepção.

Sucessivamente, teve as distinções de conde de Vila Flor, marquês da Terceira e Duque da Terceira, sendo este último título o que o individualizou nas páginas da história pátria. A sua posição ideológica e prática é caracterizada pela fidelidade à Coroa, numa direita liberal, onde brilhou mais como soldado, do que como politico.

(27) – Nesta descrição da batalha de Souto Redondo por diversas circunstâncias pessoais, o testemunho de Pinho Leal é muito bem fundado, e merece que o coloquemos em destaque, pelo que, adiante, o citamos demoradamente. O próprio Soriano o cita longamente noutro passo relacionado com as Lutas Liberais.

(28) – Começamos pela data da tomada da Bastilha, por este facto já ser habitualmente considerado pelos historiadores como marco proeminente, que divide duas grandes épocas da história europeia.

(29) – JOSÉ XAVIER MOUSINHO DA SILVEIRA, (1780 - 1849) foi o autor da quase totalidade da legislação, que demoliu a estrutura do antigo regime. Formado em Leis, começa por advogar, depois opta pela magistratura, onde desempenha os lugares de juiz-de-fora e posteriormente de provedor. É neste cargo que a revolução de 1820 o encontra em Portalegre. Por essa altura inicia-se na maçonaria e nesse ambiente reflecte. Vai concebendo um projecto, onde «era mister tomar, de ambas as mãos, o machado da reforma, decepar e extirpar» (Garrett). A movimentação social e política que se seguiu, liderada por Fernandes Tomás, com intuito de liberalizar, desenvolver e regularizar o comércio, proporcionou-lhe a ocasião de começar a sua intervenção no cargo de administrador-geral das Alfândegas (1821).

Em 1823, ocupa, por convite de D. João VI, a pasta da Fazenda, onde não teve tempo de intervir, mercê da Vilafrancada. Demite-se, acusado de «pedreiro-livre» e depois, por ocasião da Abrilada, é preso. A frustração da Abrilada põe-no em liberdade. À morte do rei, com a Carta em vigor, projecta concorrer às cortes. Mas a aclamação de D. Miguel e o regresso ao passado, com a perseguição aos liberais, leva-o a exilar-se em Paris (1828-831).

Aí reflecte, à luz das inovações francesas, sobre as instituições e a sociedade, arquitectando planos e estudando os teóricos doutrinadores da Europa – Adam Smith, Sav, etc. .

Nesta situação o encontra D. Pedro IV, após abdicação do Brasil, e o chama para seu conselheiro particular. Após a partida para os Açores, D. Pedro nomeia-o ministro da Fazenda e da Justiça. É o lugar onde marcará definitivamente a sua presença. Novas leis, novos cânones económicos, que determinarão uma mudança radical nas instituições, sem qualquer contemplação. Legislador na Terceira, legislador no Porto, perde as boas-graças de D. Pedro e do exército, e em Dezembro de 1832 abandona o cargo ministerial, para não mais ter ocasião de o ocupar. Passa o resto da vida com diligências administrativas pessoais e familiares, habitualmente frustradas, lamentando este «malfadado» país, «sem moral e sem justiça». Só depois da sua morte o redescobriram, onde teve grande papel Almeida Garrett.

(30) – D. CARLOTA JOAQUINA DE BOURBON. Princesa espanhola, filha de Carlos IV, nasceu em 1775 próximo de Madrid e casou com D. João VI de Portugal. Caracterizava-a um temperamento violento, persistente até ao fanatismo, presa à Espanha onde nascera, ambiciosa e irrequieta, sem escrúpulos no uso dos meios para atingir os seus fins, reaccionária às inovações do seu tempo e conflituosa, conspirava mesmo contra o seu próprio marido, que é paciente com ela, tolerando-lhe os excessos. Mercê destes conflitos, ela teve de cumprir a pena de dois anos, com residência fixa em Queluz, separada do marido. Com as invasões francesas, foi para o Brasil com o marido e os filhos, onde continuou as suas ingerências, quer na política portuguesa quer na política espanhola, de maneira muito activa, mas mal sucedida. Com o regresso a Portugal, nega-se a jurar a constituição e é a impulsionadora da Vilafrancada e da Abrilada, mantendo-se presa a esta posição conservadora até à morte. Mãe, entre outros filhos, de D. Pedro (IV) e de D. Miguel, encontrou neste um executor dos seus planos que não chegaria a ver vencedores ou vencidos, porque morreu em Lisboa em 7 de Janeiro de 1830.

(31) – Em todo este período pesaram imenso as influências estrangeiras, que se tinham encontrado e entendido nos congressos de Viena (1814-1815), após o desaparecimento de Napoleão Bonaparte do palco político europeu.

(32) – O General Povoas, vencedor e dominando a situação no Porto, é benigno com os tripeiros e com os revoltados, desagradando a Carlota Joaquina, que lhe ordenara que cortasse muitas cabeças. Substituiu-o, na aplicação da Justiça, a Alçada, abaixo referida.

(33) – Cfr. HISTÓRIA DE PORTUGAL, Barcelos, 1935, vol. VII, cap. VIII, pág. 174.

(34) – Cfr. PORTUGAL ANTIGO E MODERNO, vol. VII, pág. 328 e segts. s. v. Porto. Esta descrição é citada por Luz Soriano, na sua obra História do Cerco do Porto.

(35) – AUGUSTO SOARES DE AZEVEDO BARBOSA DE PINHO LEAL nasceu em Belém, Lisboa (ou, segundo outros em Laranjal, Penamacor), a 21 de Novembro de 1816 e faleceu em Lordelo do Ouro (Porto), a 2 de Janeiro de 1884. Vai fazer brevemente um século. Era filho de José Matias Barbosa Leal, quartel-mestre do batalhão de Caçadores – 3, (ferido na batalha do Buçaco) e de Rita de Cássia Soares de Azevedo, filha dos Senhores de Paradela, da freguesia de São Miguel da Mata, concelho de Arouca. Esta circunstância relaciona-o muito com esta região, onde viveu décadas da sua vida. O facto de ser filho de um militar explica as suas implicações nas movimentos militares do tempo, particularmente operados nesta zona e o seu interesse em referir-se às lutas liberais, com pormenor. Aliás, participou na batalha da Asseiceira, como realista, onde foi ferido e prisioneiro dos constitucionais, até à Convenção de Évora-Monte. Depois da libertação, fixou-se com seu pai em Paradela (Mato, Arouca) e posteriormente em Louredinho (Vale, Feira). Aqui, seu pai foi apunhalado por um liberal, como represália pessoal política, vindo a falecer em 1838 e sendo sepultado no Adro da igreja do Vale. Augusto Pinho Leal, com a mãe doente, passa momentos de grandes dificuldades económicas. Casa com Maria Rosa de Almeida, da Casa do Crasto, Carvalhal (Romariz, Feira), e com os bens que lhe vêm do dote, consegue criar uma escola, onde é mestre temporariamente. Mas, temperamento irrequieto, faz-se pintor e é como pintor da igreja de Santa Eulália, em Arouca, lendo velhos livros do Abade, que descobre a sua paixão – a de historiógrafo. Daí, a sua obra, Portugal Antigo e Moderno, que deixou incompleta, em grande parte escrita na sua casa da Carvalhal (Romariz), e em parte, escrita em Lisboa. Como militar, ainda uma vez mais, mal sucedido, participou na Maria da Fonte / patuleia, permanecendo no seu íntimo miguelista. Em Portugal Antigo e Moderno, diz a pgs. 336 do vol VII: «Muitos me têm acusado de miguelista, só porque digo as verdades, e narro os factos como eles aconteceram; apesar de verem que, se divulgo os crimes praticados por liberais, não encubro os que os realistas cometeram. O mote desta obra [Portugal Antigo e Moderno] é – ius cuique tribuens.»

Cfr. Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura / Verbo, vol. 11, pág. 1586, S.V. LEAL:

A Minha Terra, por P.e M. Fernandes dos Santos, Porto, 1940, pág. 351;

Fermedo – Aspectos da sua História, por Alfredo G. Azevedo e Domingos A. Moreira, Porto, 1973, pág. 172 e segts.

(36) – Consta que Bernardo Francisco Pinheiro tinha a profissão de ferrador. Homem de arte liberal, era também um conselheiro popular, misto de advogado e juiz de paz, elo de ligação entre o povo e a administração concelhia. A sua profissão favorecia esta proeminência, porque o colocava em contacto com a classe média dos agricultores proprietários e dos comerciantes, em reunião habitual e cíclica na Feira dos 17, onde Bernardo Pinheiro residia e exercia o seu trabalho.

(37) – Ob. cit. voI. IX, pág. 452, s. v. SOUTO REDONDO.

(38) – Conforme informação de João Frederico Teixeira de Pinho em «Memórios e datas para a História da Vila de Ovar», Ovar, 1959, pág. 237, «o cais de Ovar era um intermediário do comércio entre Aveiro, o Porto, e as principais terras da Beira. Foi grande o seu movimento, operado por quarenta barcos, sobretudo no transporte do sal que se fabrica nas marinhas de Aveiro, sendo em tal quantidade a sua extracção, que orçava em alguns anos por 100$000 rasas! Uma boa parte dele era transportado daqui em carros para Arnelas, ponto de escala no rio Douro (...), donde seguia rio acima até à foz do Tua e Boieiro do Cachão, para ser distribuído pelas Províncias de Trás-os-Montes e Beira confinante». Antes, este mesmo autor tinha informado que o Cais da Ribeira fora feito em 1754. Pinho Leal, ao referir esta nova estrada, indica a construção de uma nova variante Ovar – rio Douro, muito mais directa. A construção dos caminhos-de-ferro veio introduzir um novo percurso mais rápido e eficiente, que levou ao abandono dos anteriores.

(39) – Foram principais Informadores locais: 1) Elísio Cardoso e sua esposa Virgínia Henriques da Silva, comerciantes, do lugar das Airas, São João de Ver (esta, por sua vez, era filha de Joaquim Francisco Pinheiro, já falecido, entalhador e dourador muito apreciado): Joaquim Henriques da Silva, proprietário da Malaposta, Caldas de S. Jorge; Beatriz de Lima Sampaio, telefonista, de São João da Madeira (esta, descendente dos proprietários da velha Quinta das Airas, desde 1890).

(40) – Oliveira Martins, in Portugal Contemporâneo, I, pág. 174, ed. cit., referindo, por sua vez outros autores, ao historiar este passo, diz: «As cabeças dos justiçados seriam decepadas, e distribuídas pelo Norte, onde a sedição lavrara, como resposta ao insulto: duas à Praça Nova, nos patíbulos, três a Aveiro, duas à Feira, mais uma à Foz, outra à Praça da Cordoaria, no Porto, e a última a Coimbra, onde ficou espetada em um pinheiro na praça de Sansão. As cabeças dos contumazes deveriam ser pregadas em postes, ao longo da praia, entre Leça e a Foz, viradas para o mar – quando as colhessem às mãos.» Esses contumazes eram os fugitivos do Belfast, após o malogro da revolução, os quais foram condenados à revelia e eram tidos como os mais responsáveis e influentes. Esta suposição acerca do número de cabeças de sentenciados, expostas em Vila da Feira, está esclarecida no trabalho de Marques Gomes, subordinado ao título «Aveiro, Berço da Liberdade – A Revolução de 16 de Maio de 1828» (Aveiro, 1928). A pág. 56 se diz textualmente que a cabeça de Clemente de Melo ficou na Vila da Feira, sendo ali pregada num alto poste pelo carrasco».

Neste estudo muitos outros pormenores da dita revolução estão esclarecidos, incluindo as relações revolucionárias entre o Capitão de Ordenanças Bernardo Francisco Pinheiro e o juiz de fora Clemente da Silva Melo Soares de Freitas, natural de Angeja. Por sua vez, o tenente coronel Joaquim Manuel da Fonseca Lobo, natural do Porto, já não teve nada que ver com Vila da Feira, certamente porque o Batalhão de Caçadores 11 deixara de estar sedeado em Vila da Feira.

 

páginas 55 a 72

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