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N.º 31

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

1.º Semestre de 1983 

A Aviação Naval em Aveiro

– APONTAMENTOS PARA A HISTÓRIA DOS HIDROAVIÕES EM S. JACINTO

Por Joaquim Duarte

Cap. da Força Aérea Portuguesa

 

Em Maio do próximo ano (1984), no dia 20, completam-se 50 anos da instalação em Aveiro, na Base de S. Jacinto, da Escola de Aviação Naval «Almirante Gago Coutinho». A instrução dos aviadores da Marinha, em 1934, era então ministrada no Centro de Aviação Sacadura Cabral, no Bom Sucesso, perto da Torre de Belém. As águas do Tejo eram a pista dos hidroaviões, e a mareta, que por vezes se formava no estuário do nosso maior Rio, não ajudava os pilotos que tinham de levantar voo em condições muito difíceis. Esta seria uma das razões, das muitas a considerar, que levou à transferência da Escola de Pilotagem de Lisboa para Aveiro.

A efeméride fica a assinalar uma época, já que, em 1916, os hidros de instrução sobrevoaram os céus de Aveiro, embora oficialmente só a partir de 1934 a «Escola» passasse a funcionar em S. Jacinto.             [Nota de hjco: Hidroavião sobrevoa a Barra em Agosto de 1920]

Pode dizer-se que a Aviação da Marinha começou a ganhar corpo nas noites tropicais africanas, quando Sacadura Cabral e Gago Coutinho, longe ainda do maior feito da Aviação Portuguesa, se dedicavam à tarefa de missões geodésicas. Foi em 1907 que ambos se encontraram pela primeira vez. Gago Coutinho era o chefe de uma missão em Moçambique. Desse encontro ficaram profundas raízes de amizade. Desempenhavam, também, naquela antiga parcela de território português, missões geográficas, trabalhando juntos de 1907 a 1910. Um ano depois, Sacadura Cabral foi nomeado para o lugar de Sub-Director dos Serviços de Agrimensura de Angola, concluindo a demarcação de mais de 800 Kms de fronteira, no interior da África. Sacadura regressou a Lisboa em 1915 e concorreu à Aviação, tirando o curso de piloto em Chartres, na França.

EM 1916 NASCE A AVIAÇÃO MARÍTIMA COM ORIGEM NOS FRANCESES

Em 1916, em Vila Nova da Rainha, onde funcionou a primeira escola de pilotagem no nosso País, Sacadura Cabral recebeu o seu amigo e companheiro de África, Gago Coutinho, a quem prometera dar uma voltinha... para experimentar!

Algum tempo depois, poucos meses, por iniciativa de Sacadura Cabral, foi criada a Aviação Marítima, que previa a instalação de bases em Aveiro (S. Jacinto) Lisboa (Bom Sucesso) e Algarve (ilha da Culatra) perto de Faro.

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Manobra de içar o hidroavião Grumman G21B – Ver restos "mortais"

A gestação da Aviação Naval deu-se, pois, no período que decorreu entre 1916 e 1918, na segunda metade da I Grande Guerra. E aqui, socorrendo-nos de alguns que teimosamente ainda resistem e vivem para nossa satisfação, poderemos adiantar o que foi, nos seus primeiros tempos, a Aviação em S. Jacinto – a parte que mais interessa ao nosso trabalho.

Já o dissemos, noutras ocasiões, que foram os marinheiros e aviadores franceses a criar a Base. Em 1916, o Governo Português concedeu à França o direito de se instalar na costa com um posto aeronaval com a finalidade de combater a acção submarina desde a Mancha ao Mediterrâneo.

Segundo o Eng.º Maquinista Naval, especializado em Aeronáutica, Viriato Augusto Tadeu, no seu livro no prelo «Quando a Marinha tinha Asas...», a Aviação Naval Francesa decidiu-se pelo espelho de água da Ria de Aveiro, lembrando-lhe, talvez, a lagoa de Hourtin / 74 / a NW de Bordéus, sua base aérea, mais do que uma vez utilizada por Sacadura Cabral nas viagens pelo ar, de Inglaterra para Lisboa.

Os franceses instalaram-se precariamente, em abrigos provisórios, armados em madeira e lona, que não chegámos a aproveitar, porque um temporal de ventos violentos os arrancou do chão, os espatifou e arrojou à Ria com outros materiais, segundo o comandante Faria Pereira, antigo piloto aviador naval, já desaparecido do nosso meio.

O artista-jornalista Daniel Constant, felizmente ainda vivo e a trabalhar, ora em exposição de pintura, ora em «O Primeiro de Janeiro», de que é brilhante colaborador, viveu em S. Jacinto. Seu pai, Imperato Constant, natural da Tunísia (Bizerta), era o encarregado-geral da fábrica de conservas Brandão Gomes, cujo edifício, conhecido pela Seca, ainda existe, mas em estado de degradação. Recorda-se, apesar da sua tenra idade, nove anos apenas, quando chegaram os franceses a S. Jacinto.

– «Foi numa manhã de Sol. Os pescadores, alarmados com a presença de fardas que nunca tinham visto, correram transtornados direitos ao meu pai, gritando: – Snr. Constant, snr. Constant, ninguém entende aqueles homens, são francius que chegam à Lota numa lancha da Capitania do Porto de Aveiro. Ninguém os entende.»

– «Eram os aviadores franceses, que vinham tomar contacto com o terreno onde seria instalada mais tarde a base dos hidroaviões, numa altura em que mal se falava, ainda, de aviões em Portugal.»

– «Os franceses tinham embarcado junto ao canal central, onde se ergue hoje o monumento à Aviação Naval, mandado construir pela Câmara Municipal de Aveiro, da presidência do Dr. José Girão Pereira, em 1981. Ainda me recordo da construção dos primeiros hangares em madeira (contraplacado). Os hidroaviões (oito ao todo) chegaram a S. Jacinto por terra. Foram descarregados em Leixões e transportados através das areias, pelo litoral, até S. Jacinto, puxados por juntas de bois. Trabalho moroso, porque ao tempo nem sequer se sonhava com a estrada que hoje liga aquela praia a Ovar.»

– «Os aparelhos tinham flutuadores nas asas e o motor ficava colocado à frente e no centro... Recordo-me, também. como se fosse hoje, que os franceses criaram muitas amizades em Aveiro – continua Daniel Constant – e um deles, o Conde Rossi, foi viver em S. Jacinto, para uma casa adiante da Quinta das Acácias, hoje inexistente, que ficava para os lados onde se encontram actualmente os estaleiros navais. Era ali que morávamos também. O Conde Rossi, figura muito elegante, apaixonado pela cidade de Aveiro, mandava xailes de tricanas e doces de ovos-moles para as suas amigas francesas de Paris...»

E as evocações de Daniel Constant prosseguem:

– «A Ria, naquele tempo, era plena de barcos, coalhada de velas, um verdadeiro sonho. Que saudades das noites de luar com a senhora Marnes a tocar Chopin... Os franceses apaixonaram-se por S. Jacinto, e um deles, o carpinteiro Napoléon (os hidros eram construídos em contraplacado e pano) apaixonou-se por uma lavadeira da família Lavareda, com quem casou. Ao tempo, S. Jacinto só tinha construções de madeira, conhecidas por palheiros.»

– «Um dia, pela manhã, a tristeza amarfanhou toda a população. Um dos aparelhos levantara voo, para as missões habituais de vigilância da costa, e nunca mais regressou. O piloto Didier desaparecera certamente na imensidão do mar, porque nunca mais voltou e não havia notícias de o terem visto. Foi uma tragédia para a população de S. Jacinto, que, afeiçoada já à presença dos marinheiros e aviadores franceses, chorou a morte de um amigo.»

– «Naquele tempo, como já disse, ainda não se pensava na estrada. Só muito mais tarde essa ideia seria concretizada. Uma das pessoas que mais lutou por ela foi o Comandante Carlos Cardoso de Oliveira, que comandava a Escola de Aviação Naval, ajudado por dois homens que não esqueço – o F. Ramada e o António Henriques.»

A construção da estrada de S. Jacinto, hoje tão em foco, devido ao estado em que se encontra por via dos camiões de areia e dos que transportam a pedra para as obras do novo porto, deu-se nos anos de 40. O comandante Cardoso de Oliveira sobrevoava-a quase todos os dias, num dos Fleets, assegurando-se do andamento dos trabalhadores!

AVIÕES DE S. JACINTO OPÕEM-SE AS TROPAS REVOLTOSAS DO NORTE

Terminada a I Grande Guerra, o Posto Aeronaval, utilizado pelos Franceses, foi-nos entregue com os hidroaviões naturalmente estoirados e com poucos anos de vida para durar... O desgaste proveniente da sua utilização durante dois anos, a manutenção naturalmente deficiente, no que não custa acreditar, devido à falta de meios e, não o esqueçamos, de infraestruturas, dado que tudo fora instalado provisoriamente, não dava grandes esperanças. O material estava cansado!

E mal os Franceses tinham saído de Portugal já S. Jacinto ganhava actividade desusada. Em 1919, poucos meses depois da sua retirada, que tantas saudades deixariam, dava-se a revolta do Porto com a implantação da Monarquia, revolta que ficou conhecida pela Traulitânia e durou apenas 25 dias. Ocorreu em Janeiro. No Norte, dominava a Monarquia. A bandeira azul e branca foi içada na cruz, no ponto mais alto da Torre / 75 / dos Clérigos, curiosamente por um homem, tripeiro de gema, mas que há muitos anos vive em Aveiro, o sr. António Gonçalves Dias de Azevedo, aposentado dos CTT, que a cidade bem conhece.

As tropas revoltosas deslocavam-se para o Sul, à conquista de Lisboa, que se mantinha fiel à República. As estradas da região eram dominadas pelos veículos que, lentamente, se dirigiam para a capital. O caminho-de-ferro seria outro meio de transporte usado pelos trauliteiros...

Entretanto, lutava-se no Norte, e o distrito de Aveiro era particularmente afectado. Os hidroaviões, mesmo fracos e cansados, levantaram voo. Era necessário interceptar as tropas revoltosas, impedindo-as de avançarem para o Sul. Primeiramente, lançaram folhetos de propaganda sobre a cidade do Porto e depois efectuaram bombardeamentos... Foi, assim, que o caminho-de-ferro foi cortado por alturas de Espinho.

O Comandante Sacadura Cabral, ao tempo em Aveiro, foi louvado por portaria de 15-10-1919, «pelo decidido empenho que demonstrou na pronta reparação dos hidroaviões, que cooperaram com as forças em operações em Aveiro contra os rebeldes monárquicos, provando os seus grandes recursos profissionais e patenteando a maior dedicação e valor no desempenho das missões de que foi encarregado em reconhecimentos e lançamento de bombas, no propósito difícil destas produzirem apenas efeito moral durante as mesmas operações, o que efectivamente realizou.» Era um louvor do Ministério da Marinha.

Talvez que este esboço de «guerra civil», como escreveu o Eng.º Tadeu, tivesse implantado definitivamente o Centro de Aveiro, enquanto todos os outros, então ocupados ou previstos, tinham sido postos de lado.

O CENTRO DE AVIAÇÃO DE AVEIRO CONSOLIDA-SE

No livro «Quando a Marinha tinha Asas...» anotações para a história da Aviação Naval Portuguesa (1916-1952), já aludido e que se espera veja a luz do dia aquando das comemorações no próximo ano do 50.º aniversário da Escola de Aviação Naval em Aveiro, o Comandante Faria Pereira, que viveu a época, recorda como funcionava o Centro e como foi construído o primeiro hangar de paredes de alvenaria, asnas de madeira e telha vã, semelhante ao primeiro hangar do Centro de Lisboa. Sabe-se que o seu acabamento foi apressado para recolher, beneficiar e rever, os dois hidroaviões «F3», que tinham vindo pelo ar de Calshot (Inglaterra), em 1920, um dos quais interessava especialmente para efectuar o «raid» de Sacadura à Madeira em 1921, ligado também a S. Jacinto, como veremos mais adiante. Mas vamos à narrativa de Faria Pereira:

– «Os gabinetes e secretarias do comando e do conselho administrativo estariam precariamente instalados no velho Forte da Barra, na margem oposta da Ria, separados e longe de tudo o mais.»

«Em S. Jacinto existia uma pequena caserna para as praças. Os oficiais e os sargentos, bem como as praças mais graduadas, tinham de procurar os seus alojamentos em casas particulares, ou nalgum hotel (?) da Barra, ou mesmo até na cidade de Aveiro, distante uns 10 quilómetros dali. Todos estes inconvenientes eram vencidos pela diligência e boa vontade de todos, já que todos caprichavam em servir bem naquela especialidade, à qual haviam vindo por entusiasmo e voluntariamente.»

«Quanto a mim, e a afirmação é agora do Eng.º Tadeu, não pode recordar-se o início do Centro de Aveiro sem destacar dois nomes: O Comandante Pedro Rosado e o engenheiro Pereira Bastos. O primeiro, por ter exercido o comando de 1920 a 1925, e ter sido o seu primeiro impulsionador; o segundo – depois de ter estado cerca de dois meses na entrega do Centro de Ponta Delgada, acabada a especialização nos EUA – permaneceu em S. Jacinto, de meados de 1921 ao começo de 1923, e fez ali notável trabalho.»

«Essa dupla marca o período de arranque, com as construções indispensáveis para instalar os serviços de aquartelamento do pessoal em pequenos pavilhões dispersos pela vasta área disponível.»

«Ao contrário do que sucedia com o Centro de Lisboa (Bom Sucesso), o de Aveiro dispôs de espaço para o desenvolvimento que lhe conhecemos, numa luta insana para obter as verbas de que necessitava, tanto mais que, depois do desaparecimento de Sacadura Cabral, só o prestígio do seu Comando e o mito e trabalho sério dessa isolada unidade garantiram o desenvolvimento que teve.»

«Daí terem-se construído, paulatinamente, as oficinas, comando e secretaria, casernas, etc., e, como a S. Jacinto não chega a rede geral de distribuição eléctrica – separado como está da Murtosa e Ovar, pela mata do mesmo nome – foi necessário instalar uma mini-central diesel-eléctrica – com a avantajada e inusitada bateria alcalina-tampão, à tensão da rede, que abastecia o Centro durante a noite.»

Nas oficinas foram metodicamente instaladas as máquinas, ferramentas e equipamentos que couberam ao Centro, na partilha do espólio do Centro americano de Ponta Delgada. Todavia, o hangar metálico n.º 1 de Aveiro tem uma história, quase lendária, que deve ficar aqui registada. Em 1976, diz ainda o Eng.º Viriato Tadeu, tive o privilégio de estar presente numa homenagem dos oficiais da ex-Aviação Naval ao Eng.º Pereira Bastos, no dia em que completou 90 anos. O Ferreira de Oliveira recordou alguns factos da carreira do homenageado. que permitem reconstituir o seguinte passo: / 76 /

O MAIOR HANGAR DA PENÍNSULA IBÉRICA

«Ao chegar a S. Jacinto, em 21-6-1921, o engenheiro Bastos encontrou um palheiro que servia de oficina, quase sem equipamento, com um serralheiro civil e um carpinteiro.

O hangar metálico desmontado e os equipamentos oficinais, vindos de Ponta Delgada, jaziam na areia, encaixotados e em peças soltas, numa confusa desordenação que ninguém sabia por onde começar para se iniciar a sua armação e montagem. Planos de montagem não existiam, nem era possível obtê-los do construtor, por este ter desaparecido!

Dada a soma exorbitante pedida por uma fábrica do Porto, única concorrente para adjudicação do trabalho de decifrar a charada e montar o hangar: o Director da Aeronáutica Naval perguntou ao engenheiro Bastos do que é que ele necessitava para proceder à montagem do hangar. Este respondeu precisar de 30 contos, para despesas, e pessoal de manobra.

Autorizado o trabalho, o método utilizado para decifrar o «puzzle» foi o de reproduzir o hangar em cartão, peça por peça, à escala reduzida, e proceder à montagem da miniatura, para depois passar ao próprio hangar. Com dois sargentos de manobra, uns quatro marinheiros e serventes, um carpinteiro e um serralheiro, deu início à montagem.

Veio o dia em que a terceira asna seria içada, e esse dia caiu numa terça-feira (o hangar dispunha de 7 asnas e 40 metros de vão, numa altura de cerca de 20 metros e um comprimento de 60).

Um dos sargentos recusou-se a trabalhar nesse dia, alegando ser dia aziago para ele. Com a ajuda de outro sargento – que não era supersticioso – a asna foi içada, mas quando estava quase no topo uma rajada de vento (garroa) atirou com a asna ao chão! Um facto iniludível que na Marinha as superstições existem, segundo o comentário do próprio narrador...

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Nos anos 40 a aviação em S. Jacinto, vendo-se o enorme hangar e a inexistência da actual localidade.

A asna foi reparada e desempenada ao cabo de dias de intenso trabalho, em fogueiras acesas na areia. Por fim foi para o lugar, mas não a uma terça-feira...

A montagem do hangar durou 4 meses, sem exceder o custo estipulado! Como justa recompensa, o engenheiro Bastos foi louvado por tal serviço – «pela grande economia para a Fazenda».

O comandante Faria Pereira relatou assim a montagem do hangar:

– «Lá ficou, graças ao eng.º Bastos, aquele imponente hangar metálico, maior e mais alto do que qualquer outro que então existisse em Portugal ou na Península Ibérica e mesmo até dos que vimos por essa época na França e na Itália. Por isso se pode imaginar como foi notabilíssima a obra da sua montagem e erecção, com os processos que tiveram de ser usados pelo nosso pessoal».

Entretanto, e socorrendo-nos, ainda, das notas do Eng.º Tadeu, verifica-se que Ferreira da Silva assumiu o comando de S. Jacinto de 1931 a 1933, sendo membro de uma Comissão que estudou a transferência do Centro de S. Jacinto para a Torreira, por se ter concluído situar-se ali o espelho de água ideal para hidroaviões. Porém, as expropriações exigidas e a carência de disponibilidades anularam o projecto e mais depressa orientaram a intenção de fazer a escola de pilotagem com aviões de rodas no areal de S. Jacinto.

«De 33 a 36, esteve no comando Cardoso de Oliveira, e o seu dinamismo veio a marcar, decisivamente, o desenvolvimento do Centro de Aveiro.»

ARRANQUE DECISIVO E O PRIMEIRO CURSO DE PILOTAGEM

Prosseguia a ampliação de S. Jacinto com a construção da messe de oficiais e o arrelvamento do areal anexo. Surgiu o primeiro curso de pilotagem em 1935/1936 com 5 alunos! Por grande fatalidade, afogou-se na Torreira, durante a instrução, o aluno piloto Alberto Bastos, no dia 20 de Novembro de 1935. Nos anos de 36 a 38, Paulo Viana foi o comandante, tendo-se feito o segundo curso de pilotagem, com 9 alunos, utilizando já aviões de rodas na improvisada pista de S. Jacinto.

«Em Aveiro, trabalhava-se duramente, mas vivia-se um ambiente feliz e agradável» – disse um desses alunos (Malheiro do Vale) na «Revista da Armada» em 1973.

Este curso veio a vitimar o aluno Palma Féria em desastre na pista terrestre.

Em 1938, o Comandante Cardoso de Oliveira voltou definitivamente para comandar a Escola até 1952 e jamais pararam de fazer-se cursos de pilotagem, engenheiros, mecânicos e artífices de aviação.

A Escola de S. Jacinto foi sendo cada vez mais a face positiva e progressiva da Aviação Naval.

Em 1943, chegam novos aviões Tiger de instrução, coincidindo com a realização da última escola de hidroaviões / 77 / na Torreira, onde existe ainda um hangar abandonado no areal, que servia de oficina a pequenas reparações.

Sucederam-se os Oxford, Beechcroft, Harvard (treino avançado de pilotagem) Helldiver (bombardeamento picado e luta AIS), tendo-se constituído a primeira esquadrilha anti-submarina do nosso país. Estes aviões, no dizer do Comandante Trindade dos Santos, falecido em Janeiro deste ano (1983), no dia 3, foram considerados desactualizados e abatidos ao serviço, tendo sido vendidos como sucata, com ínfima utilização... após a criação da Força Aérea!

COUTINHO E SACADURA EM S. JACINTO

Os F3, vindos de Inglaterra em 1920, sob os cuidados de Sacadura Cabral, que assistira à sua construção e adaptação a voos mais largos com vista à I Travessia Aérea do Atlântico Sul, foram submetidos em Aveiro a uma beneficiação geral, devido a terem permanecido muito tempo nas águas da doca do Bom Sucesso, por aqui não existir hangar nem «slip» (rampa ou plano inclinado para a entrada e retirada da água). O Centro de Aveiro, segundo Sacadura Cabral no livro «Viagens Aéreas dos Portugueses» da autoria do piloto-aviador Pinheiro Correia, dispunha ao tempo, compreensivelmente, de reduzido pessoal e, além do hangar que acabara de se construir, pouco mais possuía como instalações e oficinas.

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1954 - Em S. Jacinto, no decorrer de um Juramento de Bandeira de novos alunos-pilotos. Da esquerda para a direita: Comandantes Dores Delgado, Cardoso de Oliveira, Ferrer Caeiro, Majores Calhau e Moreira Campos (eng.º)

Na Ria, Sacadura faz então as suas experiências, beneficiando, sem dúvida, da esplêndida laguna que se lhe oferecia. O Faire III D, o hidroavião que iria tentar a viagem Lisboa-Madeira, sobrevoa Aveiro, mas a grande preocupação de Sacadura Cabral, o homem de Celorico da Beira, era verificar o peso de combustível que poderia meter nos depósitos a a quantidade que iria permitir a descolagem e a autonomia de 9 horas e meia sobre o mar, o Oceano Atlântico. Das suas diligências e dos treinos aqui realizados ia informando o seu colega de viagem, o Comandante Gago Coutinho, inventor do sextante de horizonte artificial e do corrector de rumos.

[Fotografias de um hidroavião sobrevoando a Barra em Agosto de 1920]

Ambos se completavam. Um tratando do avião, pilotando, organizando, cuidando, em suma, de todos os / 78 / pormenores ligados à grande viagem com que sonhavam – a ligação aérea Lisboa–Rio de Janeiro. O outro, responsabilizando-se pela navegação aérea.

Sacadura Cabral, em Aveiro, onde era Comandante do Centro o 1.º Tenente Rosado, tinha como mecânico o francês Soubiran, que foi, pode dizer-se, o primeiro de um grande número de técnicos que haveria de enformar ao longo de muitos anos a Aviação Naval.

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«Hidroaviões Fleet sob o céu de Aveiro...»

«Em S. Jacinto, espalhara-se entre a maruja o projecto da viagem e via-se que todos eles, à porfia, com este esprit de corps que nos faz perdoar-lhes tantos defeitos, desejavam prestar auxílio trabalhando para a sua realização.»

... «e assim, trabalhando com boa vontade, pudemos na quarta-feira, uma manhã deliciosa, fazer uns voos de experiência, que serviram para me familiarizar com o aparelho em que nunca tinha voado, e fazer um pouco a mão, o que há meses não acontecia.»

«Os resultados desta experiência deixaram-me satisfeito, prossegue Sacadura, e como continuávamos em regime de alta pressão, mostrando o barómetro tendência para a subida, telegrafei a Coutinho dizendo-lhe que contava seguir para Lisboa na próxima sexta-feira, e que viesse a Aveiro para depois seguir pela via aérea e assim fazermos como que um ensaio geral do que seria a viagem à Madeira.»

... «e na sexta-feira, depois da chegada de Coutinho, que viera no rápido, dirigimo-nos ao Centro de Aviação para seguir viagem.»

«Com a violenta nortada que fazia e auxiliado pela mareta que se tinha formado na Ria de Aveiro, o hidroavião descolou como nunca o vira descolar, com uma facilidade e rapidez que me deixaram bem impressionado...»

... «Fiquei, porém, com a certeza de que descolaria; e tendo novamente tomado posição fiz nova tentativa, coroada de êxito, descolando o hidroavião com uma carga útil que devia andar por uma 3800 libras, ou sejam mais cerca de 250 quilos do que descolara em Aveiro com tempo calmo! As minhas previsões estavam certas.»

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(Bom Sucesso) - O Almirante Gago Coutinho, acompanhado pelos Comandantes Paulo Viana e Telo Pacheco, entregando um troféu com o seu nome no termo de um jogo de de basquetebol dentre as Bases do Bom Sucesso e S. Jacinto.

O MONUMENTO À AVIAÇÃO NAVAL

Em Maio de 1981, numa cerimónia presidida pelo Dr. José Girão Pereira, presidente da Câmara Municipal de Aveiro, e na presença do Almirante Mário Esteves / 79 / Brinca, em representação do Chefe de Estado-Maior da Armada, foi inaugurado o monumento à Aviação Naval, que fica situado junto ao canal central da Ria, no ponto em que em 1916 embarcaram os primeiros aviadores e marinheiros franceses para S. Jacinto.

A cerimónia teve a presença de altas patentes da Armada, ligadas à ex-Aviação Naval, figuras civis, militares e religiosas da cidade e muito público que, assim, se quis associar ao evento.

Na base do monumento foi então deposto um ramo de flores, enquanto as bandas da Armada e da Força Aérea tocavam o hino nacional. Dois aviões da Base de Monte Real faziam uma passagem alusiva ao acto, prestando desse modo a sua homenagem aos pioneiros da aviação da Marinha de Guerra Portuguesa, extinta em 1952, para, juntamente com a Aviação do Exército, dar lugar à actual Força Aérea.

Num opúsculo, editado na altura, o Dr. Girão Pereira escreveu a seguinte saudação:

«Quer a Câmara Municipal de Aveiro perpetuar, através do bronze dum singelo monumento, o seu apreço e o seu reconhecimento à Aviação Naval, que nesta terra de Aveiro escreveu algumas das melhores páginas da sua história.

Homenagem simples e tardia, mas preito sentido de justiça.

A todos os homens que na Aviação Naval lutaram e realizaram o seu sonho, como a todos aqueles que ainda lutam por um ideal, a saudação e o reconhecimento do povo de Aveiro.»

O Presidente da Câmara,

JOSÉ GIRÃO PEREIRA

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Sob um ângulo bonito, o monumento brilha mais...

UMA INICIATIVA ÚNICA NO NOSSO PAÍS

O Vice-Almirante Francisco Ferrer Caeiro. que comandou de igual modo a Escola de Aviação Naval «Almirante Gago Coutinho», escreveu a propósito:

«Quis a cidade de Aveiro homenagear a Aviação Naval Portuguesa, evocando-a num monumento que, pela sua expressão escultórica e pela escolha do local onde foi erigido, fica impregnado dum simbolismo que abre à imaginação um vasto campo de revelações. O acento tónico, porém, parece ter sido posto na insinuação de que, contemplando a Ria, ambos se entrelaçam no encontro da via de acesso às lonjuras do mar.

É uma iniciativa única no nosso País. É certo que proliferam os monumentos e os topónimos que perpetuam o feito heróico e científico de Sacadura e Gago Coutinho, através dos quais a Aviação Naval colheu os dividendos espirituais duma maternidade de que tão legitimamente se orgulhava. Mas só a cidade de Aveiro soube nobremente remontar à génese da própria façanha, enquadrando-a numa visão global que abrange todos os feitos que antes a propiciaram e os que depois a tiveram como assímptota para se tornarem seus dignos continuadores, até onde o devotado empenhamento dos seus executores os pôde guindar.


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Nada podia penetrar mais profundamente nos corações de todos os que pertenceram à corporação, em nome dos quais, por designação que sobre mim recaiu, exprimo o seu comovido reconhecimento ao ilustre Presidente do Município, Ex.mo Sr. Dr. José Girão Pereira, não só na qualidade de legítimo representante da população de Aveiro, mas também como grande impulsionador desta realização. / 80 /

Porquê a Aviação Naval? Porquê a cidade de Aveiro? A aviação como arma militar nasceu pouco antes da Primeira Grande Guerra e logo, em Portugal, o Exército e a Marinha, de braço dado, criaram um alfobre de aviadores, do qual o ramo do mar se diferenciou quando, em 28 de Setembro de 1917, sob a égide de Sacadura Cabral, a aviação da Armada vê legalizada a sua estrutura operacional.

Quando o País entrou a participar nas hostilidades, a sua missão principal seria a de dissuadir os submarinos dos seus ataques à navegação nas nossas águas; contudo, o curto raio de acção dos hidroaviões do Centro e do Bom Sucesso impediria que à zona Norte fosse dada a devida cobertura. É assim que, já em 1916, por acordo com a Marinha Francesa, esta estabelece um improvisado posto aeronaval.

Monumento à Aviação Naval em Aveiro, junto à Ponte da Dobadoura.

Terminada a guerra, esse precário posto é entregue à nossa Armada e passa a designar-se Centro de Aviação Naval de Aveiro. A Aviação Naval começa a enraizar-se.

Quando, em 30 de Março de 1922, Sacadura e Gago Coutinho partem da Torre de Belém para o seu fabuloso «raid», a Aviação Naval era ainda minúscula mas, com o prestígio que os dois heróis granjearam para a Marinha, aquela irá entrar num surto de crescimento, sob o vigoroso impulso de Chefe do Comandante Sacadura Cabral, cujo ímpeto, tão empolgante quão efémero, veio a ser tragicamente truncado no desastre de 12 de Novembro de 1924.

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Inauguração do monumento em 17 de Maio de 1981 com a presença de altas patentes da Armada e da Força Aérea.

Em 1925 principia a funcionar provisoriamente no Centro «Comandante Sacadura Cabra!» – num Bom Sucesso já então um tanto expandido – a Escola de Aviação Naval «Almirante Gago Coutinho», enquanto S. Jacinto não estivesse em condições de assumir esse papel. A partir daqui a aeronáutica naval começa a encontrar-se a si própria e a individualizar-se como arma de guerra aeronaval.

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Dezembro de 1952 – Despedida do Comandante Cardoso de Oliveira para o Montijo.

Nove anos depois, o Bom Sucesso era já extremamente exíguo para conter uma só que fosse destas duas unidades e, por outro lado, toma-se plena consciência do bem conhecido lema da imprópria localização de escolas desta natureza perto dos grandes centros urbanos.

Assim, elaboram-se estudos para a implantação do Centro na península do Montijo, cuja construção se inicia uns anos depois e, quanto à Escola, logo se confirma S. Jacinto como local ideal para a instalar, aliás de acordo com o que fora legislado em 1925.

Contudo, as deficiências desta unidade, provisória de nascença e cada vez mais degradada, contrapondo-se à urgência sobre moldes apropriados uma escola como / 81 / todos ansiavam, para elevar o padrão técnico das novas e alargadas gerações de especialistas à altura dos grandes progressos da aeronáutica, levantava um problema de grande magnitude.

Então, no momento próprio, surge o homem certo para levar a cabo a espinhosa missão: o 1.º ten. Cardoso de Oliveira.

A Escola de Aveiro com ele nasceu e com ele veio a acabar.

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Hidroavião Grumman G21B no plano inclinado (Anos mais tarde, reduzido a sucata)

Mercê do seu infatigável dinamismo, da sua copiosa imaginação e da sua insuperável perícia de aviador, durante 18 anos, a Escola, quase ininterruptamente sob o seu comando, não cessa de crescer, de aperfeiçoar a sua instrução e de se actualizar no campo aeronáutico, tarefa em que concorreu não só o esforço do seu pessoal militar como o da preciosa mão de obra regional que veio a alcançar primores de especialização. No último período da sua existência, por bivalência do pessoal de voo e de manutenção, eleva ao mais alto nível operacional uma esquadrilha de aviões anti-submarinos, a qual constituiu o gérmen de algo de notável que, talvez por ironia do destino, só viria a ter eco como uma voz de além túmulo.

Durante esses anos, numa lógica relação de causa e efeito, a Aviação Naval percorreu o período da sua «maturação» e a Escola de Aveiro, para o fim da Segunda Guerra, tornou-se sala de visitas da Marinha, inspeccionada e apreciada por muitas entidades militares e civis, nacionais e estrangeiras.

Em 31 de Dezembro de 1952, precisamente quando atingira o seu apogeu de qualidade, a Aviação Naval é atingida por um golpe legal, que lhe paralisa o coração, sem propriamente lhe destruir a alma, que iria albergar-se algures.

As aviações do Exército e da Marinha, de braço dado como quando nasceram, fundem-se na nasciturna Força Aérea Portuguesa, que já hoje, apesar da sua juventude ou talvez por isso mesmo, soube conquistar a consideração e o respeito da Nação.

Já com personalidade própria, ela a propagará às suas sucessivas gerações, mas no que por hereditariedade lhes for transmitido, estarão inevitavelmente presentes os veículos duma parcela da alma da Aviação Naval.

Eis um lacónico bosquejo do que foi a Aeronáutica Naval nos fugazes 35 anos da sua existência. Nele estarão omissas as acções e os feitos que constituíram o seu fecundo conteúdo, porque nem o grosso volume das suas crónicas – que está em vias de ser editado – poderá abarcar o muito que tão poucos fizeram.

Todavia, Aveiro e S. Jacinto, com a intuição dos que sabem ver e sentir, anteciparam-se à História e acorreram, com um ajustado juízo de valor, a memorar o que muitos não conheceram ou porventura já esqueceram: a Aviação Naval e a sua Escola.

Esta é a resposta ao meu primeiro porquê. Vejamos a do segundo.

Desde o tempo dos franceses que a cidade de Aveiro dedicava à novel aviação as suas atenções e o seu carinho, e foi bem significativo o comovido adeus que dispensou àqueles aviadores, aquando da sua retirada.

Quando a Base passou a ser portuguesa, as sua afinidades revigoraram-se e os seus sentimentos amistosos encaminharam-se para uma progressiva fraternização.

Os aviões não eram apenas uma imagem que se desenhava no campo visual de quem tinha os olhos postos no mar; eram um símbolo de progresso a incitar na busca dos caminhos do futuro.

O mar e o futuro – um meio e um fim – estão na alma da Cidade. na determinação, capacidade e espírito empreendedor das suas gentes, na sua indómita coragem para vencer obstáculos. Nisto reside o segredo do seu espectacular e imparável desenvolvimento.

A princípio, a Escola de Aviação Naval, com a sua introversão inerente à sua condição insular e na sua total entrega a uma vida monástica devotada à consecução dos seus objectivos de melhoria e expansão, não se apercebia do acolhimento potencial que a Cidade podia oferecer-lhe. Mas, com o tempo, desbravados que foram os percursos que se impusera, a Escola pôde começar a inserir-se no meio que a rodeava e Aveiro foi, naturalmente, o grande pólo de atracção.

Muitos foram os que se fixaram no concelho com as suas famílias ou nele as constituíram, e todos os restantes, que com a cidade apenas conviveram, enriqueciam os seus álbuns de recordações com a hospitalidade aveirense, a qual, lhana e quente, despretensiosa e digna, lhes incutia respeito, simpatia e quantas vezes sólidas amizades. / 82 /

Para os que em S. Jacinto se especializavam na Aviação Naval, o nome de Aveiro representava uma identificação de que se ufanavam. Para a Cidade, aquela era a sua aviação.

Unia-os a todos um laço que as gentes de Aveiro e S. Jacinto agora relembram e que as da Aviação Naval jamais esquecerão.

Obrigada Aveiro. Obrigada S. Jacinto.

Lisboa, 1981.

FRANCISCO FERRER CAEIRO

Vice-Almirante Piloto Aviador

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Destroços do Fleet/Keener n.º 133 acidentado na Torreira, em 1945, contra um mastro de uma embarcação.

A ÚLTIMA ESCOLA DE HIDROAVIÕES

A escola de hidroaviões tinha lugar na Torreira, na imensa laguna, entre a Bestida e a praia do concelho da Murtosa. Os hidros confundiam-se ao tempo com os moliceiros e os mercantéis espalhados com profusão pela Ria.

A Base, instalada em S. Jacinto, prestava todo o apoio, naturalmente. Os aparelhos descolavam diariamente, e seguiam pelo ar, para a Torreira, onde a instrução era ministrada, e ao fim da tarde recolhiam ao hangar onde eram beneficiados e abastecidos para no dia seguinte voltarem à instrução. Algumas vezes, um ou outro moliceiro, na sua maravilhosa arte de navegar, provocava arrepios aos alunos e aos instrutores, cortando as águas e atravessando-se na proa dos hidros. Aconteceu colisão uma ou outra vez e, numa delas, o mastro de um moliceiro, como se fora um enorme cacete nas mãos de um novo Neptuno, saído da profundidade da Ria, destruiu, pura e simplesmente, o «Fleet-Kinner» – um hidroavião, monomotor, de 5 cilindros em estrela e dois flutuadores. Não se sabe ainda hoje como aconteceu aos dois pilotos (instrutor e aluno) rebentarem com o peso do próprio corpo, e na queda, os cintos de segurança! A verdade é que só esse facto permitiu a ambos salvarem-se de morrer, provavelmente, submersos, nas límpidas águas da Torreira.

Em 1943, com a aquisição dos aviões «Tiger», equipados com trem de aterragem, terminou a escola de pilotagem dos hidros. A instrução era ministrada exclusivamente na Base, em S. Jacinto. Só a espaços, os Grummans, bimotores, equipados com motores, em estrela, de 9 cilindros, da Pratt e Witney, tendo o casco por fuselagem e dois flutuadores perto das extremidades das asas, utilizavam a enorme pista aquática. Mas a instrução básica, essa, deixara definitivamente a laguna.

Ficava para trás uma época de epopeia, percursora de mais largos e dilatados voos, que haveriam de consumar-se em modernos e sofisticados aviões de maior porte, culminando nos Helldiver (SB2C 5). equipados para a luta anti-submarina, utilizados no famoso porta-aviões americano Franklin D. Roosevelt.
 

SÉRIE DE SELOS COMEMORATIVA DO 50.º ANIVERSÁRIO DA CRIAÇÃO DA ESCOLA DE AVIAÇÃO NAVAL «ALMIRANTE GAGO COUTINHO»

 

 

A excelente Revista Selos & Moedas, editada em Aveiro pela Secção Filatélica e Numismática do Clube dos Galitos, dirigida de forma magnífica por Vítor Santos Falcão, inseriu oportunamente um esplêndido artigo da autoria do Dr. António de Almeida Figueiredo, intitulado:

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SELOS A MAIS... SELOS A MENOS...

Não é a primeira vez que nos insurgimos contra a plêiade de selos, absolutamente desproporcionada, face às necessidades, e que ao cabo e ao resto, raramente se encontram à venda, a não ser nos Serviços de Filatelia dos C. T. T..

Neste combate não temos estado sós, o que não nos importaria pois dispensamos companhia quando pensamos estar no campo da razão.

Todavia, se nos parece que há selos a mais, também pensamos que, por vezes, há selos a menos.

Com efeito, há efemérides, factos, acontecimentos, que bem mereciam um simples selo, não se vendo razão para que, quando haja motivo, tenha de ser emitida uma grande e dispendiosa série... / 83 /

Referimo-nos agora e concretamente à AVIAÇÃO NAVAL e à sua Escola na Base de S. Jacinto (Aveiro), chamada pelo título tão prestigiante de «ALMIRANTE GAGO COUTINHO».

Está a fazer-se, cremos, uma completa História da Aviação Naval, e é por demais evidente que, esta, não seria aqui feita, por falta de competência e de espaço.

Recordemos, no entanto, que, finda a guerra de 1914-18, por todo o mundo a aeronáutica deixa de ser o heroísmo temerário dos feitos da guerra, para se tornar cada vez mais científica e mais segura.

A AVIAÇÃO NAVAL PORTUGUESA não podia deixar de acompanhar essa evolução e nela, grosseiramente, se podem descrever três períodos:

1.º – de 1916 a 1924, período da criação, da temeridade, da aviação heróica de SACADURA CABRAL;

2.º – de 1925 a 1942, período de crescimento, impetuoso e competente, de homens como CARDOSO e VIANA, em que se aperfeiçoam as estruturas e a técnica, melhora o ensino e a aparelhagem;

3.º – de 1943 a 1952, período de maturação, de engrandecimento que culmina, infelizmente, com a sua extinção.

Não deixa de ser curioso recordar que no primeiro período houve 5 baixas em 19 pilotos, o que dá uma percentagem de 26,3 %; no 2.º, 11 baixas em 50 pilotos, (22 %), enquanto no 3.º período 0 baixas em 27 pilotos da geração deste período. A segurança marchava, a par e passo, com a melhoria da técnica, da aparelhagem e do ensino.

Aveiro estava indissoluvelmente ligado à sua Escola de Aviação Naval, situada na Base de S. Jacinto, e que, desde 1934, ali funcionava com pleno êxito por todos reconhecido, inclusive a nível internacional.

Entre a população e a sua Escola criaram-se elos de amizade, de intercomunicação de viver, que culminaram com a inauguração em 17 de Maio de 1981 de um monumento à sua Aviação Naval, erigido no centro da cidade e junto ao seu Canal Central.

Não se tratava de homenagear um Bravo entre os Bravos. Tratava-se, sim, mais singelamente e mais latamente, de homenagear a Escola que os formou, a Escola que ligou o seu nome à terra e dela recebeu em troca amizade, carinho, consideração e respeito, que ainda hoje permanecem vivos no coração de todos os que viveram essa época.

Propositadamente referimos muito poucos nomes além dos da Escola Almirante Gago Coutinho, da Base de S. Jacinto.

Pois bem. Esta Escola que mereceu de todos os mais rasgados elogios, esta Aviação Naval que foi grande e mereceu da cidade de Aveiro um monumento que perpetua a sua estima e admiração, não mereceu dos C.T.T. um simples selo.

Por isso intitulamos esta nota «Selos a mais... selos a menos...»

DR. ANTÓNIO DE ALMElDA FIGUEIREDO

A Revista Selos e Moedas escreveu em nota de redacção:

Aplaudimos vivamente as palavras deste nosso muito estimado Colaborador e, no seguimento das mesmas, desde já fica aqui a sugestão para a emissão em 1984 de um selo ou de uma série de selos comemorativa do 50.º Aniversário da Criação da Escola de Aviação Naval de S. Jacinto.

Entretanto, seguiu um ofício para os Correios e Telecomunicações de Portugal, assinado pelo Presidente da Direcção da Secção Filatélica e Numismática do Clube dos Galitos que, datado de 18-1-1983 na parte que interessa, diz nomeadamente:

... «vimos informar V. Ex.as de que a Direcção desta Secção, na sua reunião de ontem, decidiu propor a essa Direcção Comercial que, no plano das emissões de selos postais para 1984, seja incluída uma série comemorativa do 

50.º Aniversário da instalação em S. Jacinto (Aveiro) da Escola de Aviação Naval «ALMIRANTE GAGO COUTINHO».

Trata-se de uma comemoração de extraordinário valor histórico e de grande valor filatélico, tendo em conta o prestígio que a Aviação Naval Portuguesa granjeou no mundo, logo nos primórdios da sua existência, mercê do brilhante feito de Sacadura Cabral e Gago Coutinho: a Travessia Aérea do Atlântico Sul.

O nome de Aveiro está intimamente ligado à Aviação Naval Portuguesa, já que, pode dizer-se, ela aqui «nasceu» (S. Jacinto) logo após a I Guerra Mundial. E acrescentamos que, já em 1916, em pleno período das hostilidades, Aveiro conhecia a Aviação Naval, pois foi estabelecido em S. Jacinto, em colaboração com a Marinha Francesa, um posto aeronaval equipado com hidroaviões destinados à luta anti-submarina e em cujas tripulações pontificavam alguns «ases» pilotos aviadores franceses.

Não é pois de estranhar que tenha sido Aveiro a cidade que, muito justamente, chamou a si a homenagem à Aviação Naval Portuguesa, evocando-a num monumento de belo simbolismo, inaugurado em Maio de 1981.

In «Revista Selos & Moedas»

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A AVIAÇÃO NAVAL E O PESSOAL CIVIL

Desde sempre a população de S. Jacinto revelou-se do maior carinho para com os militares, quer eles fossem de origem francesa, quer fossem os marinheiros e aviadores da Aviação Naval Portuguesa. Sobretudo da parte da população mais humilde, houve ao longo dos anos um respeito e uma consideração de que ainda hoje se recordam as muito poucas pessoas existentes. Sempre se verificou uma ligação fraterna, muitas vezes filha do convívio diário que, por força do isolamento, era cultivado por uns e por outros.

Em tempos distantes, quando a travessia das duas margens se fazia em simples bateiras puxadas a remos por um dos Lelinhos, S. Jacinto estava pouco mais do que abandonada. Valia-lhe, então, essa convivência com os militares e, mais tarde, com a instalação dos estaleiros, trazendo o convívio de emigrantes especializados na construção naval.

Algumas famílias, de que ainda existem descendentes, fizeram boa vizinhança, amparando-se mutuamente nos bons e nos maus momentos. A povoação de S. Jacinto era assim como que um complemento da Base, da Escola, como lhe chamavam, como coisa que fosse sua.

Será justo referir alguns nomes como os de José Maria (Lelinho), José Lavareda, o Ti'António Carinhos, o João das Mancas, o Mestre Jorge, dos Estaleiros, o Calisto pescador, o guarda-fiscal Simões, correspondente de «O Século», e tantos outros que marcaram uma época, quando tudo era mais difícil e a pesca artesanal mal dava para viver.

Hoje, embora com muitas dificuldades nos transportes, que a falta de uma ponte ao Norte da Povoação mais fez sentir, S. Jacinto já não é a mesma freguesia abandonada do concelho. Os seus mortos já não fazem a última viagem amortalhados na proa de uma bateira a caminho de Aveiro, e os vivos podem percorrer há muito uma estrada a caminho da Murtosa ou de Ovar.

Os Estaleiros Navais e a própria Base, com tropas paraquedistas e pessoal de voo do aeródromo, continuam a merecer da população o mesmo carinho de outrora. Os meios de comunicação (a TV, a Rádio e os Jornais) amenizaram um tanto o convívio que a solidão proporcionava; mas, no essencial, mantém-se a comunhão de pessoas e, algumas vezes, de bens, que sempre constituíram a maneira de estar entre povos que sabem estimar-se.

PARA A HISTÓRIA DO MONUMENTO

O monumento à Aviação Naval, inaugurado em 17 de Maio de 1981, saiu de uma deliberação camarária da presidência do Dr. José Girão Pereira, sob proposta de um grupo de «Sobreviventes» da antiga aviação da Marinha, de que faziam parte os nomes de Armando Júlio Moreira Campos, José Maria Pinheiro, Delfim Delmar Pereira Barreto, Raul Correia de Almeida, Manuel Afonso Martins, Manuel de Oliveira Barroca, Francisco da Luz Rodrigues, Francisco Maria Duarte, o autor desta evocação e ainda de Giberto Nunes (Lelinho).

Segundo o autor do projecto, Jorge Trindade, que concebeu o monumento, este obedeceu à seguinte estruturação:

SIMBOLOGIA

Pretendeu-se na base do seu desenvolvimento ascendente, simbolizar a «Aviação Naval» através de uma forma com origem numa linha plana (horizontal) e que se prolonga no espaço.

Saliente-se o facto do conjunto de peças ser de forma abstracta, e, ao mesmo tempo, possuir uma linguagem muito fácil e receptiva no conteúdo simbólico.

ESTÉTICA

Conjunto de 3 elementos escultóricos em bronze, de desenvolvimento ascendente na altura variável de 2,60 m a 3 m.

A base de cada elemento formada por 1/4 de círculo, permite no seu prolongamento vertical, a obtenção da dinâmica e da simbologia.

INTEGRAÇÃO

O espaço destinado para a implantação da peça, de dimensões reduzidas, implicou que o volume da forma se desenvolvesse com características leves de modo a se integrar no envolvimento espaço/paisagístico, para a obtenção, de uma relação harmónica perfeita. Por este facto, o conjunto de elementos escultóricos apesar de dinâmicos, não contém a agressividade da desintegração, antes contribui para a valorização do local numa perspectiva estética ou cultural.

DR. MÁRIO DUARTE – GRANDE FIGURA AVEIRENSE – LIGADO AO MONUMENTO A GAGO COUTINHO E SACADURA CABRAL, EM FERNANDO NORONHA

Pouco tempo antes de falecer, o Dr. Mário Duarte, grande figura de aveirense, «Cavaleiro da Ordem Militar de Cristo» e possuidor da «Cruz de 1.ª Classe do Mérito Naval» (Espanha), escreveu-nos a propósito de uma série de descoloridas crónicas que publicamos no semanário LITORAL, dirigido pelo Dr. David Cristo.

A «Revista do Ar» referia-se então ao Embaixador Dr. Mário Duarte em termos elogiosos, aquando da comemoração, / 85 / em 1964, da passagem de Gago Coutinho e Sacadura Cabral por Fernando Noronha, dizendo: – «Uma das individualidades que fiel a este pensamento tem o culto da Travessia Aérea do Atlântico Sul pelos Portugueses é o brilhante escritor e diplomata, sr. Dr. Mário Duarte, Embaixador de Portugal no México, que nestas páginas recorda com vibração e saudade a passagem de Gago Coutinho e Sacadura Cabral por Fernando Noronha.»

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O Dr. Mário Duarte com outro aveirense, João Sarabando, medalha de mérito da cidade.

Com efeito, o ilustre aveirense Dr. Mário Duarte esteve na sugestão de se erguer na Ilha de Fernando Noronha o monumento que hoje perpetua o inolvidável feito da Aviação Naval em terras do Brasil. Porque o documento tem inegável interesse histórico, aqui o deixamos na íntegra, como simples e modestíssima homenagem à memória do «Aveirense pelo nascimento e pelo coração, que se orgulha de ser filho de uma das terras mais bonitas do mundo», como se diz no «Almanaque Desportivo do Distrito de Aveiro», editado em 1949, da autoria de João Sara bando, M. da Costa e Melo e Virgílio Veiga.

Da «Revista do Ar» em 1964, transcrevemos alguns trechos do citado documento e ainda uma carta manuscrita por Gago Coutinho, dirigida ao Dr. Mário Duarte:

O MONUMENTO A GAGO COUTINHO E SACADURA CABRAL, EM FERNANDO NORONHA

Pelo Embaixador Dr. Mário Duarte

Em Maio de 1947, num jantar oferecido pelo Cônsul de Portugal, em sua casa do Recife, ao Secretário de Fernando Noronha, Sr. Dr. Jordão Emerenciano, tendo o Cônsul perguntado se naquela ilha existia qualquer recordação da gloriosa primeira travessia do Atlântico, realizada pelos aviadores portugueses, respondeu o ilustre conviva que nada havia talvez por desleixo ou falta de iniciativa. Surgiu então a ideia de se levantar em Fernando Noronha um monumento aos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral, aproveitando a coincidência da comemoração do 25.º aniversário da Travessia.

«Dr. Mário Duarte, Cônsul de Portugal, Recife 9-9-1947. Governo recebeu com entusiasmo vibrante sugestão homenagem Sacadura Cabral Gago Coutinho pretendendo dar acto excepcional relevância. Viajando avião Cruzeiro Sul chegará hoje essa capital Major Imbiriba Governador Território ficando hospedado Grande Hotel, agradeceria muito V. Ex.ª se houvesse possibilidade aproximação entre ambos. Conto com simpática colaboração V. Ex.ª para transformar homenagem numa grande oportunidade para estreitamento amizade Luso-Brasileira.

Jordão Emerenciano, Secretário Território»

 / 86 /

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Nessa mesma semana, noutro jantar oferecido pelo Cônsul de Portugal ao Governador do Território de Fernando Noronha, Sr. Major Mário Fernandes Imbiriba, comunicou-nos S. Ex.ª, de viva voz, que mandara delinear um projecto para um significativo e condigno Monumento, a erigir em frente do Palácio do Governo, na praça de acentuado estilo colonial da Ilha de Fernando Noronha, perpetuando a passagem dos gloriosos aviadores portugueses por aquela Ilha, quando da primeira travessia do Atlântico Sul.

O Dr. Mário Duarte e o Comandante Paulo Viana junto do obelisco.

Outros encontros se deram entre o Cônsul e o Governador, de Setembro a fins de Novembro, ficando assente a data de 1.º de Dezembro para a sua inauguração.

Este Monumento é constituído por um obelisco de pedra, em forma de pirâmide, tendo no lado principal uma placa de bronze, de 0,70 cm. por 0,65 cm., com a seguinte inscrição:

«Os portugueses foram os primeiros que pelo mar e pelo ar cruzaram o Atlântico Sul.

Homenagem do Território de Fernando Noronha a Gago Coutinho e Sacadura Cabral que, em 1922, estiveram nesta Ilha, quando da gloriosa vitória da aviação na primeira travessia do Atlântico com rumo certo.»

No lado oposto tem, em relevo, uma Cruz de Cristo em mármore de tonalidade vermelha.

O topo está encimado por uma esfera armilar, de bronze.

O obelisco tem aos lados dois canhões portugueses da época colonial, ali existentes, colocados em posição de tiro e assentes em placas de cimento.

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O monumento em Fernando Noronha.

À inauguração deste monumento, que se efectuou no dia 1 de Dezembro, como ficara combinado, aproveitando o dia comemorativo da nossa história, deu o Governador de Fernando Noronha o maior brilho. Com efeito, às cerimónias comemorativas do 25.º aniversário da 1.ª Travessia aérea do Atlântico Sul pelos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral, revestiram-se de excepcional relevo, tanto em Fernando Noronha como no Recife.

O então capitão de fragata Ex.mo Senhor Paulo Viana, Comandante Superior das Forças Aéreas da Armada, nomeado por S. Ex.ª o Ministro da Marinha (hoje nosso ilustre e digníssimo Presidente da República, Almirante Américo Thomaz) para representar o Almirante Gago Coutinho, que não pôde comparecer por se encontrar convalescente de recente doença, foi recebido no aeroporto do Recife pelo próprio Governador do Estado de Pernambuco, pelo Brigadeiro do Ar, Sr. João Dias da Costa, por oficiais de alta patente da Região Militar e Naval e pelos membros das Directorias de todas as colectividades portuguesas na sua máxima representação. Uma companhia de guarnição militar, com bandeira e banda de música, prestou as honras militares, sendo o Comandante Paulo Viana convidado a passar-lhe revista.

O Governador do Estudo de Pernambuco, com quem o Cônsul de Portugal se entrevistara na véspera, pediu para considerar hóspede do Estado o representante de Gago Coutinho durante a sua permanência no Recife.

Em Fernando Noronha foi o Comandante Paulo Viana recebido com idênticas provas de consideração, sendo convidado pelo Governador do Território, após a descida do avião que nos conduziu, a passar revista às tropas formadas em sua honra.

O Governador de Fernando Noronha pôs à sua disposição, no Recife, um avião de 28 lugares, que transportou os directores das Associações Portuguesas, Autoridades representativas de Pernambuco, Jornalistas e operadores de rádio, pois todos os discursos da inauguração foram irradiados pelo Rádio P. R. A. 8, de Pernambuco, em ondas curtas e largas, de modo a poderem ser escutados em todo o Brasil e até em Portugal.

O monumento, coberto com uma bandeira portuguesa de 4 panos, foi descerrado pelo Comandante Paulo Viana, enquanto os clarins tocavam a sentido. Subindo a seguir / 87 / os degraus da placa em que está assente o obelisco, o Sr. Governador, num vibrante discurso, exaltou Portugal e o feito aviatório dos pioneiros da travessia do Atlântico Sul, em palavras, como estas, que nos ficaram na alma gravadas pelo estilete de gratidão: «Tudo aqui é um símbolo! Tudo aqui fala de Portugal! A velha fortaleza, a histórica capela de Nossa Senhora dos Remédios! Em tudo se encontra viva a imagem de uma grande raça e de uma grande epopeia!...».

O Comandante Paulo Viana leu em seguida a mensagem manuscrita do almirante Gago Coutinho que entregou depois ao Governador. Um representante do Gabinete Português do Recite ofereceu, num estojo, um fragmento da hélice do avião «Lusitânia», no qual se via inscrustada uma placa de oiro, com dizeres alusivos à homenagem.

O Comandante Paulo Viana depôs no sopé do monumento um ramo de flores naturais vindas de Portugal, oferta de uma senhora portuguesa que se acoberta com o pseudónimo de «Eterna Desconhecida» e que há cerca de vinte anos envia as suas homenagens a todas as cerimónias festivas relacionadas com a aviação portuguesa e brasileira.

Por último, o Cônsul de Portugal agradeceu ao Governador de Fernando Noronha a homenagem prestada aos gloriosos aviadores portugueses, no seguinte discurso:

«Ex.mo Senhor Governador do Território de Fernando Noronha;

Ex.mo Senhor Comandante das Forças Aéreas da Armada e digno representante de S. Ex.ª o Almirante Gago Coutinho;

Minhas Senhoras;

Meus Senhores:

Acompanhei desde o primeiro momento o entusiasmo com que Sua Excelência o Governador de Fernando de Noronha, senhor major Mário Imbiriba, tornou realidade uma sugestão de há apenas quatro meses, perpetuando num belo monumento a passagem dos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral por esta ilha, quando da primeira travessia aérea do Atlântico Sul com rumo certo, em 1922.

Hoje, que os aviões atravessam o Atlântico, de Portugal ao Brasil, em 15 horas, custa a crer como uma coisa tão fácil se apresentava tão difícil há somente 25 anos.

Foram os aviadores portugueses os pioneiros dessas travessias, como já o tinham sido pelo mar os navegadores portugueses da célebre Escola de Sagres.

Graças a eles e à orientação natural dos nossos afectos por este grande Brasil, que portugueses descobriram e ajudaram a fundar, o mar que nos divide começa a parecer-nos um fio de prata que une as duas nações irmãs. Graças a eles o Atlântico já não nos separa.

O Brasil vibrou em 1922 com a vitória da nossa aviação. Viveram-se aqui momentos de grande exaltação patriótica, e neles compartilharam, sem distinção, portugueses e brasileiros.

Como em 1922, os portugueses e os brasileiros que hoje aqui nos encontramos em Fernando Noronha, celebramos esta cerimónia com o mesmo orgulho pelos feitos da raça que nos é comum, e com a mesma fé nos destinos da nossa civilização. Se as figuras de Gago Coutinho e Sacadura Cabral são veneradas no Brasil, de igual modo nós respeitamos e celebramos em Portugal o génio criador de Santos Dumont.

Ao evocar os nomes de Gago Coutinho e de Sacadura Cabral, que hoje ficam gravados neste monumento, nesta Ilha de Fernando Noronha que é sentinela avançada do Brasil, impõe-se-me a muito grata obrigação de agradecer a V. Ex.ª, Senhor Governador, não só as horas felizes que vivemos neste espectáculo, mas ainda o exemplo que, em sua própria pessoa, verificamos de amizade sincera por Portugal.

Eu e todos os portugueses da minha jurisdição consular, garantimos a V. Ex.ª que é igual a nossa amizade pelo Brasil, por este grande Brasil que todos nós desejamos cada vez mais forte e respeitado para garantia de um património de civilização e de fé que pertence às duas pátrias, que este mar que nos cerca já não separa, mas sim parece começar a unir para sempre».

No momento da inauguração evolucionou sobre o local uma esquadrilha de aviões da base do Natal, em homenagem à aviação portuguesa.

Após a inauguração do monumento, descendo a praça, a multidão dirigiu-se ao arco que atravessa a nova Avenida General Gil Castelo Branco, sendo o Cônsul de Portugal convidado a inaugurar essa avenida em homenagem ao Comandante da 7.ª Região Militar, bom amigo de Portugal e dos portugueses.

Seguiu-se um almoço regional. Aos brindes o Comandante Paulo Viana entregou ao Governador do Território de Fernando Noronha a medalha de prata, comemorativa do 25.º ano da 1.ª Travessia Aérea do Atlântico Sul, e ao Secretário do Território idêntica medalha de cobre.

No Recife, a Colónia Portuguesa ofereceu um almoço de setenta talheres, no Clube Português, ao Comandante Paulo Viana, presidido pelo Cônsul de Portugal, tendo-se trocado expressivos brindes de confraternização luso-brasileira.

O Comandante Paulo Viana ofereceu um jantar de gala às Autoridades Civis e Militares, também no Clube Português. O representante do Governador do Estado de Pernambuco, Dr. Hélio Coutinho, Secretório da Agricultura, / 88 / o Comandante da 7.ª Região Militar, General Gil Castelo Branco, o Comandante do 3.º Distrito Naval, Contra-Almirante António Guimarães, o Comandante da 2.ª Zona Aérea, Brigadeiro do Ar João Cordeiro Dias Costa, e o deputado, jornalista e professor da Universidade do Recife, Dr. Gilberto Osório, discursaram para enaltecer o valor da raça portuguesa, em termos que muito sensibilizaram a Colónia Portuguesa.

Do Secretário do Território de Fernando Noronha recebeu o Cônsul de Portugal o seguinte telegrama:

OFL EXMO. SR. CONSUL PORTUGAL RECIFE N 627 ST DE 28/11/47 RECEBI COM AFECTUOSA EMOÇÃO ULTIMO TELEGRAMA V EXCIA PT PALAVRAS PRESADO ILUSTRE AMIGO VALEM COMO UM ESTIMULO HONROSO PARA CONTINUAR SEMPRE DEFESA PATRIMÓNIO SAGRADO ESPíRITO NOSSA RAÇA COMUM PT BONS BRASILEIROS NUNCA ESQUECERÃO RELEVANTES SERViÇOS V EXCIA BERLIM DEFESA INTERESSES CIDADÃOS BRASILEIROS NUMA DEDICADA AMIZADE PELAS CAUSAS DO BRASIL PT SAUDAÇÕES ATENCIOSAS – JORDÃO EMERENCIANO SECRETÁRIO TERRITÓRIO.

 

Da regresso a Portugal, via Rio de Janeiro, o Comandante Paulo Viana dirigiu o seguinte telegrama ao Cônsul de Portugal:

VERDADEIRAMENTE ENTUSIASMADO COM A OBRA PATRIÓTICA DESENVOLVIDA POR V EXCIA PEÇO ACEITE MINHAS SAUDAÇÕES ACOMPANHADAS DE UM ABRAÇO DE RECONHECIMENTO MAIS PROFUNDO

Paula Viana

 

O Almirante Gago Coutinho escreveu ao Cônsul de Portugal a carta seguinte:

«Lisboa – 1947 – Dezembro – 17

Ao Ex.mo Senhor Mário Duarte

Dig.mo Cônsul de Portugal em Pernambuco

À chegada aqui do comandante Paulo Viana fui por ele informado da maneira entusiástica como fora recebido no Recife, e a seguir fora sempre acolhido exactamente como se tratasse do almirante idoso que eu sou.

Também me falou do seguimento brilhante que teve a excursão a Fernando Noronha, onde a inauguração do obelisco foi celebrada com manifestos sentimentos de camaradagem entre portugueses e brasileiros.

Não ocultei a V. Ex.ª que o comandante Paulo Viana me declarou que tudo se devia à bem sucedida campanha de aproximação, que o Cônsul em Pernambuco estava desenvolvendo no território do seu Consulado.

Pelo que tomo a liberdade de felicitar V. Ex.ª e agradecer, na parte que me diz respeito, a sua afectuosa actuação, a qual, julgo redundar a bem da Nação.

Sou de V. Ex.ª, senhor Cônsul Mário Duarte, com a mais elevada consideração.

Gago Coutinho
 

EFEMÉRIDES CENTRO DE AVIAÇÃO NAVAL DE AVEIRO

MAIO 1917 – Em nome do Governo Português, o Ministro da Marinha propôs ao Governo Francês o estabelecimento de centros aeronáuticos na nossa costa para vigilância e ataque a submarinos inimigos, destacando, entre outros, pela importância estratégica, «a base N para hidroaviões, em Leixões ou Ria de Aveiro».

8 JAN. 1918 – Iniciadas obras em S. Jacinto para instalação da Base N, guarnecida por pessoal especializado francês e pessoal auxiliar da Armada, comandada pelo Ten. Maurice Larrouy.

1 ABRIL 1918 – Chega a Aveiro o primeiro destacamento de pessoal francês – alguns dias depois, 8 hidros D.D. e 2 hidros GL, Hangares de campanha, ferramentas e materiais. / 90 /

Foram oficiais de ligação do Centro como adjuntos da Capitania do Porto de Aveiro (Cap. Frag. Rocha e Cunha) os 1.os tenentes Tavares da Silva e depois Casal Ribeiro.

8 DEZ. 1918 – Entrega do Centro de S. Jacinto, respectivos aparelhos e equipamento, à Aviação Marítima Portuguesa, pelo ten. M. Larrouy ao 1.º ten. Av. Moreira de Carvalho.

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20 MAIO 1925 – Por Dec. 10780 foi criada a Escola de Aviação Naval «Almirante Gago Coutinho», a instalar em S. Jacinto, embora tenha funcionado, provisoriamente, no Centro de Lisboa (Bom Sucesso) até 1933.

FEV-MARCO 1935 – Início do 1.º curso de pilotagem em S. Jacinto (5.º curso nacional dos aviadores navais), com 5 oficiais (2.os tenentes).

O aluno piloto Alberto Bastos morreu na Torreira, afogado, em consequência de acidente em voo de instrução, a solo, em 20-11-1935.

Neste curso, um dos alunos era o actual Almirante Francisco Ferrer Caeiro, e teve o seu início no dia 27-3-1935.

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NOTAS A MARGEM

Desde que a Aviação Naval deixou de existir em 1952, embora muitos dos seus antigos membros passassem à Força Aérea, nunca mais se registou um movimento, a nível regional ou nacional, que congraçasse os seus antigos elementos.

Surgiu, porém, um dia a ideia de se convidar o Almirante Ferrer Caeiro a visitar S. Jacinto. Foi o Gilberto Nunes (Lelinho), actual gerente da Auto Viação Aveirense, a tomar a iniciativa. O encontro realizou-se na Escola e o almoço foi servido no Parque de Campismo da então Base Aérea n.º 7, no dia 10 de Outubro de 1976, e muitos foram os que acorreram à chamada. Viveram-se, então, momentos inolvidáveis, recordando-se «bons velhos tempos». O Almirante Ferrer, que presidiu, ladeado pelo General José Ferreira Valente e pelo Major Eng.º Moreira de Campos, falou no final, comovido, mas com o arrebatamento que todos lhe conheciam. Foram momentos de alta espiritualidade.

Numa mensagem que quis distribuir por todos os presentes, para recordação, mensagem que rotulou de exclusivo, escreveu:

– A nossa Reunião de hoje realizou-se sob o signo da Saudade. Dela recebemos a motivação para um encontro que reacendesse as boas recordações daquele / 91 / passado comum que se projectou sobre a Escola de Aviação Naval de S. Jacinto; mas também ela, por sua vez, sairá mais enriquecida para o futuro, com o alimento espiritual que hoje a vem revigorar.

Paira sobre nós o espírito desse S. Jacinto: ele nos uniu, ele nos mantém fiéis aos laços em que nos enredou. E difícil será destrinçar se fomos nós que o criámos ou se somos meros produtos seus.

Sem modéstias nem vaidades, não nos podemos considerar melhores ou piores do que os outros de então. Mas sabemos que éramos diferentes: tínhamos melhor maneira de fazer bem e um modo menos mau de ceder às nossas fraquezas.

Por tudo isso, aqui estamos. Agradeço a todos em geral o privilégio de me terem arvorado em agente estimulante desta jornada de camaradagem.

A si em especial, meu caro destinatário, faço chegar, em exclusivo, um abraço amigo, onde vai toda a evocação do que de pessoal nos uniu, numa sintonia sentimental que os anos não conseguiram esmorecer e a que o envelhecimento do espírito deu a nova dimensão que atribuímos às coisas belas que não voltaremos a viver.»

Para quem conheceu e conviveu mais de perto com o Comandante Ferrer sabe bem do seu acrisolado amor à Base de S. Jacinto. Por isso ninguém se espantará das suas palavras dirigidas, por carta, ao autor destas referências, quando sublinhava:

– «Quanto a um próximo encontro, julgo sensato não pensar mais nisso por estes anos mais próximos. Não se deve desafiar a fortuna, a pedir mais, quando ela já nos deu o melhor. Um dos segredos do êxito da Reunião residiu na longa acumulação de saudade; é preciso dar tempo para que ela se volte a acumular em grande monta. Isto é apenas uma proposta para a mesa...»

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Ao contrário do sugerido pelo Almirante Ferrer, formou-se uma Comissão dos Antigos Membros da Aviação Naval em Aveiro, que teve como preocupação principal juntar não só os de Aveiro, mas também todos aqueles que viviam em Lisboa e espalhados por todo o País. A ideia teve a maior receptividade. As autoridades oficiais, com o Presidente da Câmara Municipal à cabeça, aderiram completamente.

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17 de Maio de 1981 os «Sobreviventes da Aviação Naval» «posam» junto ao edifício do Turismo.

Em 17 de Maio de 1980, realizou-se o primeiro encontro. Houve uma sessão no Salão Cultural do Município, sendo orador o distinto aveirense Eduardo Cerqueira, que «conversou» demoradamente sobre Aveiro nos tempos da Aviação Naval.

O Presidente da Câmara agradeceu a presença em Aveiro das «velhas glórias» da Aviação Naval, anunciando ao mesmo tempo a disposição do município em dar a uma das ruas da cidade o nome do Almirante / 92 / Gago Coutinho em homenagem ao patrono da Escola que funcionou em S. Jacinto.

Entretanto, estabelecem-se Normas para encontros anuais alternados em Aveiro, na data mais próxima do dia 20 de Maio, quando foi decretada a transferência da Escola de Aviação de Lisboa (Bom Sucesso) para Aveiro (S. Jacinto) e em Lisboa, tomando como base a criação da Aviação Naval em 28 de Setembro de 1917.

Em 1981, ergue-se em Aveiro o monumento à Aviação Naval, que fica a dever-se a deliberação camarária. O Presidente Dr. José Girão Pereira, um beirão, tal como Sacadura Cabral, enfrenta algumas contrariedades, que no entanto são vencidas.

Com a presença das autoridades civis e militares, estas representadas na sua maior expressão pelo Almirante Piloto Aviador Mário Esteves Brinca, que vem em nome do Chefe de Estado-Maior da Armada, o monumento escultórico, junto do Canal Central da Ria, fica a perpetuar as asas imorredoiras dos aviões da Marinha de Guerra Portuguesa em Aveiro.

Entre a assistência viam-se os Almirantes Armando Reboredo, Ferrer Caeiro, Souto Cruz, Almeida d'Eça, Simões Teles, General Conceição Silva, Comandantes Abreu d'Almeida, Cardoso Barata, Ventura da Cruz, pessoal de todas as especialidades, como o Brigadeiro Eng.º Sousa Oliveira, Eng.os Ferreira Neves, Moreira de Campos, Almirante Médico Rubens Lavoura, os antigos mecânicos Tenente Coronel Moreira dos Santos, Major José Ferreira Louro, capitão telegrafista Delmar Barreto, muitos outros oficiais, sargentos e praças, além do pessoal civil que trabalhou também na Base em S. Jacinto. Duas figuras curiosas estiveram também presentes: o Sargento Mecânico José Carreira, que, como grumete, esteve na 1.ª Travessia Aérea do Atlântico Sul a bordo do «Carvalho Araújo» e o americano Robert A. Alan, «captain, U.S.NAVY», antigo instrutor dos aviões SB2C-5 (Helldivers) em S. Jacinto, nos anos de 1948 a 1950.

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Os jornais fizeram todos larga referência à inauguração do monumento, tendo a Revista da Armada, de que é director o Almirante Piloto Aviador Malheiro do Vale, escrito a propósito:

– «A inauguração em Maio de 1981 do monumento à Aviação Naval, da autoria do aveirense Jorge Trindade, executado nas antigas oficinas do Mestre Teixeira Lopes, em Vila Nova de Gaia, veio preencher realmente uma lacuna. De facto, Aveiro não possuía na sua toponímia a mais leve alusão à existência da Aviação da Marinha na sua zona.

O monumento fica a dever-se ao presidente da Câmara, Dr. Girão Pereira, que desde a primeira hora acarinhou a ideia.

Segundo o artista-jornalista Daniel Constant que viveu a sua meninice nas praias de S. Jacinto, em 1916. numa manhã cheia de Sol, estando o mundo em plena Primeira Grande Guerra, alguns aviadores franceses chegaram a Aveiro, despertando a curiosidade geral.

«São Franciús que chegam à Lota numa lancha da Capitania, gritavam alvoroçados os pescadores.

Embarcados no cais do canal central, onde agora se ergue o monumento, vinham escolher o local onde havia de ser instalado um posto aeronaval, no Norte, para vigilância da costa e defesa anti-submarina.

Foi assim que, pouco depois, a aviação da Marinha Francesa se instalou em Aveiro, a pedido, aliás, do nosso Governo, trazendo hidroaviões, hangares de campanha e pessoal especializado.

Por seu turno, e com igual objectivo, a nossa Aeronáutica Naval instalava-se em Lisboa e Faro.

Sabe-se que o grande Sacadura Cabral esteve em S. Jacinto várias vezes. Uma delas, em 1919, durante a Traulitânia, como director da Aeronáutica Naval, apoiando as forças governamentais na restauração da legitimidade constitucional do Norte.

A destruição da linha férrea por bombardeamento dos hidroaviões de S. Jacinto foi notável, sobretudo pelo cuidado dos aviadores em não causar vítimas, o que

conseguiram.

Mais tarde, em 1921, voltou a S. Jacinto para ultimar os preparativos da Primeira Travessia Aérea do Atlântico Sul.

Nesse tempo, falho de comunicações telefónicas e telegráficas, escreveu uma carta a Gago Coutinho, navegador em ambas as viagens, dando conta dos resultados dos treinos de pilotagem, dizendo a dado passo: «Com a violenta nortada que fazia e auxiliado pela mareta que se tinha formado na Ria de Aveiro, o hidroavião descolou como nunca o vira descolar.»

É esta frase que serve agora de legenda ao monumento que evoca a presença dos hidroaviões da Marinha Portuguesa nos céus de Aveiro. Foi ali, do cais da ponte da Dobadoura, no canal da Ria, que, de facto, partiram em direcção a S. Jacinto os pioneiros da Aviação Naval Portuguesa.

Os hidros, esses, seriam desembarcados em Leixões, vindos de França, e rebocados por juntas de bois através dos areais de Ovar e da Torreira.

 

BIBLIOGRAFIA:

– «Viagens Aéreas dos Portugueses», pelo Coronel Pinheiro Correia (1960).

– «História Breve da Aviação Portuguesa», de Mário Costa Pinto (1961).

– «Quando a Marinha tinha Asas...», pelo Eng.º Maq. Naval Av. Viriato Augusto Tadeu (No prelo), «Revista do Ar».

 

páginas 73 a 92

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