INTRÓITO
Em 1980 fomos convidados a
assistir e comparticipar na conferência «ENSINO
NÁUTICO 80» realizada
na ESCOLA NÁUTICA INFANTE D. HENRIQUE (ENIDH) durante os dias 4, 5
e 6 de Junho; vinte e quatro trabalhos cujas cópias escritas foram
distribuídas aos convidados anteriormente, foram lidos e
discutidos nesses três dias.
Dado que a nossa actividade
profissional se desenvolveu quase inteiramente no mar – 30 anos ao
serviço da pesca longínqua do bacalhau – achámos que seria dentro
dessa temática que nos expressaríamos com o mérito e fidelidade
indispensáveis ao cabal desempenho do propósito que havíamos
aceitado.
Na hora, verbalmente respondemos
aos quesitos postos, esclarecemos as dúvidas suscitadas e
declarámos a nossa incapacidade de resposta para o que não estava
ao nosso alcance; posteriormente, reduzimos essas respostas a
escrito enviando-as à ENIDH.
Apesar da exploração da pesca do
bacalhau ter enveredado, a partir de 1980, em grande parte, por
caminhos admissíveis e aceitáveis e até por nós defendidos no
desenvolvimento que se segue, pelo menos como transitórios, o
progressivo apossamento da Indústria por um neo-capitalismo de
circunstância onde os pseudo-industriais da experiência que se
exige nas andanças do mar, dos navios e da sua racional
exploração, mormente no ramo da pesca, apenas conhecem cifras e
verbas de deve-haver, apesar do que vamos ouvindo a fontes dignas,
creio não estarmos deslocados na hora e no conteúdo do trabalho
apresentado em 1980. Pelo contrário: Se o que se vê e ouve nos
domínios do estimado e do concreto servem os propósitos de um
projecto a média ou a longa distância, devemos reafirmar que as
acusações verberadas contra quem, antes e depois do 25 de Abril,
em dirigismo totalmente negativo, superintendeu e continua a
orientar os destinos das pescas em Portugal, se mantêm de pé com
plena actualidade; e assim, as considerações que seguem, com
permissiva de um romanceado que se não julga figurativo, antes
destacante do carisma humano que torna o homem do mar e o pescador
uma entidade própria e bem definem a região que lhe foi berço, têm
e terão sempre força de actualidade.
Claro que, a indispensável
planificação por que concluímos esse nosso trabalho em Junho de
1980, não pode ser preceituada, por falta de cabimento em muitos
aspectos na era actual, uma vez que o figurino das explorações
pesqueiras em Portugal, embora, como sempre, indefinido, tenha
adquirido novas dimensões de visionamento.
O destino de mais uma achega para
o historiado da pesca longínqua do bacalhau que na região
Aveirense tem raízes tão profundas, será cobrança mais do que
satisfatória para o trabalho que vai seguir-se.
ÍLHAVO, 22 de Março de 1982.
a) ASDRÚBAL CAPOTE TEIGA
/ 10 /
30 ANOS DE PESCA DE BACALHAU
Tem a casa portuguesa uma janela
enorme virada ao mar. A imensidão que lhe é panorâmica ora quieta
e convidativa, ora revolta e amedrontante, um convite permanente,
embora arriscado, ao devassamento e à conquista e assim, foram os
portugueses mais que atraídos, empurrados para os oceanos
sucedâneos daquele que, enrolando se espraia momento a momento,
hora a hora, dia a dia, sob o peitoril dessa grande janela; e os
sucessos e promessas banhadas de ouro e sangue foram um nunca
acabar.
Ao sabor da aventura, seguiram-se
as certezas e realidades de sonhos e projectos e o português
fez-se marinheiro, casando o verde da esperança e da vitalidade
com o azul das imensas e incertas águas oceânicas, o vermelho do
sacrifício e da glória com o negro das crepes e das sombras. A
ambição de alargar fronteiras e construir impérios, herança sempre
presente na mente das testas coroadas da época e na da elite com
quem partilhavam riquezas e glória, a era da cruz e do alfange, do
fanatismo e da renúncia, iria motivar os povos que sorviam sal e
brisas na grande epopeia marítima e realmente, se criaram impérios
e formaram empórios; e, devassados que foram os mistérios dos
mares, dobrados cabos e tormentas, desvendados e ultrapassados
mistérios e continentes, atingidos os confins do mundo, ora
regressando cheios de feitos e magnificências, ora se fixando
quais raízes adventícias, na busca e na ida e volta, uma certeza
lhes sobrava sempre: a da via cruzada, misteriosa e traiçoeira, é
certo, mas aberta ao sulcar de naus portadoras de génio, pedrarias
e bens comuns.
Ultrapassada a épica, cuidou-se
então de observar as realidades que se ofereciam nessa mole imensa
e o desvendar das suas riquezas íntimas mais a vida própria que
oferecia em sua fauna e flora imanentes que no então e à distância
já se afirmavam fonte onde o homem iria colher os recursos e
energias que se adivinhavam viriam a minguar-lhe na terra, um real
interesse não isento já de cobiça e poder, nasceu. Primeiro via
depois subsistência; e a que nasceu a pesca; a qual foi livre e ao
alcance de todas as gentes, manancial, isenta de tributações ao
serviço de camadas desfavorecidas, matéria-prima que foi oferta,
depois troca e que hoje está sob total controle mercantilista; e,
é até já, pomo de discórdia, argumento de persuasão, força de
controle. Por temperamento e necessidade, além de marinheiro,
também o português se fez pescador... Primeiro à saída da porta e
ao alcance da janela e depois por razão de poupança, reserva
própria e ainda e sempre a tal índole marinhesca, fez-se ao largo
na busca do mais e do melhor, mas não do fácil.
Uma constante de sempre entre Janeiro e Junho de cada ano;
cortando gelo quando não era de ficar bloqueado, como tantas vezes
aconteceu.
Ao largo do continente
norte-americano, Estados Unidos, Canadá, Terra-Nova, Lavrador, à
vista dos imensos glaciares de uma imensa Groenlândia, ao redor de
uma agreste e alta costa Islandesa, na imensidão de um Barentz
olhando o limite mais setentrional da Europa para logo demandar as
praias vermelhos do Spitzberg, ali a dez graus do pólo elevado,
sem receios burlescos, antes no respeito pela seara agressiva que
amanhavam, rentes e presentes, década após década.
No apreço de quantos lutam nessas
águas frígidas e traiçoeiras, no justo render de uma homenagem e
gratidão a quantos e tantos foram, pagaram com a vida o tributo
devido à sarça ardente que joeiraram, quedemo-nos e apreciemos.
– O HOMEM
Furtando ao rocambolesco a imagem
do homem que por vocação ou necessidade, por
contrato ou por sentença, por atrevimento ou por renúncia, buscou
no mar realização, satisfação, cumprimento, expiação, refrigério e
consolo, despindo-o dos enfeites que o tornaram mito ou objecto de
repúdio, subsiste a unidade indispensável ao conjunto que é a
sociedade-consumo, aquela que no planeamento económico dita leis e
orienta os caminhos a percorrer. É na sociedade fascista de base
técnico-burocrática onde se verifica a fusão do capitalismo
organizado com o Estado Totalitário sob presença de chefes
carismáticos que poderão ser instrumento de grupos
técnico-burocráticos, que vamos encontrar o homem-peça de máquina
produtiva, joeirando vinhas da ira onde o indispensável é
subsistir, numa fase metamorfósica que se adivinha breve na
indústria da pesca já experimentada em países de técnica evoluída
e progressiva.
É o homem pescador de 1950 ao
serviço de elites atávicas, soberanas de força que lhes advém da
detenção do capital e do proteccionismo escandaloso do Governo; é
o homem votado à obrigação de servir e vetado
/ 11 / ao direito de
pensar; é o homem cuja acção é orientada nos serviços de Deus,
Pátria e Família e a quem é negada a faculdade de uma acção
criadora. Nestes moldes, produzindo sob medidas suasórias, sob
controle de um dirigismo inflexível, por força teria que ocupar a
cauda da senda revolucionária que os estados piscatórios vinham
desenvolvendo nos domínios da construção naval, indústrias
paralelas e subsequentes.
Lugres – «Rainha Santa Isabel» e Senhora da Saúde» (4 mastros),
ancorados em frente à Seca da firma Pascoal, Cravo e Vilarinho.
Construção: Ano de 1929 – Cale Vila – Gafanha da Nazaré – Ílhavo
Claro que, em primeira mão e como
se adivinha sem recorrer ao testemunho visual, in-Ioco, logo a
primeira vitima de uma incapacidade criadora e renovadora de uma
frota que primava já pelo obsoletismo seria e era o próprio homem
em todas as suas dimensões.
Vínhamos insistindo, por
indiferença à tributação que ano após ano pagávamos às águas
geladas e revoltas de uma Terra-Nova e Groenlândia, na
continuidade de um processo de pesca que havia feito época, é
certo, mas que ora estava já ultrapassado; por fidelidade à
legenda épica que orientou os homens de 1500, para imagem, o
luzimento das praxes obrigatórias antes da largada, dentro do
porto de Lisboa aonde todos os navios de todas as praças teriam
que arribar para uma largada triunfalista a que não faltavam
estandartes, trombetas, procissões e bênçãos, promessas e adeuses
vestidos de negro como negra seria a roupagem das mães, esposas,
pais e irmãos que se ficavam porque se adivinhava, quantas vezes,
uma ida sem regresso; por sujeição a um ideal extemporâneo, mais
que por razão natural no planejar e orientar de uma laboração que
se impunha por necessária à economia e ao gosto de todos os
portugueses, continuava-se com sistemas ultrapassados e até, para
vergonha de quem militava nas hostes dos oprimidos e tinha por
força de obrigações tratar com estrangeiros de assuntos relativos
à faina escolhida ou imposta, ouvir comentários justos, mas
chocantes, relativos à insistência e persistência em processos
condenáveis à presente época.
Esta era a pesca de 1950, este o
tipo de pescadores que nela operava. Uma frota em que predominavam
as unidades de madeira, algumas delas ainda sulcando mares e
demandando pesqueiros só à vela, outras mistas e uns tantos
arrastões que haviam tido seu advento por 1935/36.
Lugre «ILHAVENSE II» – aparelhado para navegar – Na Cale da Vila –
Gafanha da Nazaré.
Mas, voltando ainda ao homem e
analisando as suas possibilidades económicas à época, mesmo
exorbitando com o valor da moeda, verificamos quão baixo era o seu
nível de vida, se vida poderia ser chamado ao acto de subsistir.
No meu ÍLHAVO de largas e insignes
tradições marítimo-pesqueiras, onde viúvas e órfãos de vivos e
mortos eram dominância, onde as sombras da noite tão bem casavam
com as vestes do dia dos seus filhos e filhas, onde miséria e
tuberculose moravam paredes meias, proliferavam, como anátema à
sua condição de humilhados, as casas de «prego» e penhores que bem
falavam e atestavam das exíguas e precárias condições de vida
dessa gente do mar. Na hora de chegada dos bacalhoeiros vestiam-se
galas, reinava a concórdia. Tudo eram regalos e amícias, adiava-se
por pouco tempo ameaças e certezas da verdade; ao luzimento,
seguiam-se as lamúrias, a desesperança e o velho recurso ao
penhorista.
Contra essa situação de penúria e
opressão não havia revoltas, apenas lamentações, conformismo,
temor do pior; o mais vale assim que pior, gravara-se a ferro e
fogo no coração daquela gente boa, humilde e trabalhadora até à
exaustão.
Na pesca à linha o pescador
ganhava consoante o escalão que atingia, sendo considerados verdes
os que não chegavam aos 100 quintais, daqui a 120 segundas linhas
e daqui para cima especiais; o valor do quintal variava conforme o
escalão, atingindo o seu máximo para os especiais; por volta de
1950 a distribuição era sensivelmente de 30$00 por quintal até
100; 100/120 – 40$00; 120/180 – 60$00 e mais 80$00, isto é, um
especial médio
/ 12 / de 200 quintais,
conseguiria um máximo, no complemento de soldada de 16000$00 a
juntar à soldada fixa que dava em média cerca de 400$00 por mês.
Obscurantismo, submissão, factos e
números, evidência que se impõe e falam de uma época.
– O NAVIO
Naturalmente, através dos tempos,
como criação e como herança esse engenho
flutuante estruturado em vários materiais e obedecendo a
diferentes formas teve, na nossa história marítima uma amplitude
na utilização, como é óbvio e por manifesta determinação, a
madeira. Matéria-prima ao pé da porta em abundância e facilidade
de maneio, por mais barato sob todos os aspectos, respondeu de
facto, durante séculos, às necessidades navais portuguesas; e
assim, desde o século XV até meados do XX, nos domínios da
construção naval, é nesse material que buscamos expansão para o
nosso poder construtivo e, consequentemente, alargamento da frota
mercante nesta incluindo navios de exploração fluvial, recreio,
comércio e pesca. Neste último ramo, tal e qual como para os
descobrimentos, consoante necessidades e fins, podendo afirmar-se,
segundo estudos legados, ter sido a construção naval portuguesa
uma das mais férteis em modelos utilizados, merecem especial
referência, barcas, naus, lugres e seus derivados; de formas
consentâneas com o rifão que impunha dever «um barco ter cabeça de
xarroco e rabo de carapau» para ser bom, de arte redonda, latina
ou mista; cedo começaram os nossos veleiros a buscar nas costas e
nos mares, agora, não rotas e novas terras, mas sim, uma riqueza
que não exigindo paga imediata ou compulsória, de quando em vez
requeria a pesada tributação de umas muitas vidas ceifadas. Ao
comportamento e à reacção dos navios perante condições
desfavoráveis de mar, vento, correntes, nevascas e brumas, muito
se ficou a dever, ora na defesa segura das vidas ocultas nos seus
bojos, ora na fragilidade cruel com que deixava roubar-lhas, e por
isso, impunha-se a evolução constante para melhor, desse celeiro
de pão e vidas.
Como não podia deixar de ser,
movimentação, resistência, segurança, facilidade e espírito de
manobra, seriam condições primordiais a ter em conta no futuro das
construções navais de pesca, especialmente longínqua, aquela que
nos importa neste desbobinar de imagens de um passado remoto que
fez história, um passado próximo que fez campanha de vários tons,
um presente que se não discorre e um futuro que se não adivinha.
Para não discorrer sobre assuntos
promotores de extensas considerações, e não nos quedarmos sobre
motivos e factos de longa e controversa polémica, teremos que
submetermo-nos tanto quanto possível objectivamente ao esquema
delineado no presente trabalho, que identificou os tipos de navios
de pesca em acção em 1950.
Lugres «Cruz de Malta», «Alcyon», «Ilhavense II» e «Vaz»,
ancorados frente à Seca do Cap. António José dos Santos (Rocheiro)
– Cale da Vila – Gafanha da Nazaré – Ílhavo. Construção: ano de
1934. No primeiro plano. bacalhau a secar.
Lugres
de madeira na sua maioria de costado forrado a cobre, três a
quatro mastros, armando velas latinas triangulares e
quadrangulares, envergando em retrancas e caranguejas, entre
mastaréus enfoladas de extênsulas, de um modo geral quase todos
com máquina propulsora de reduzida cavalagem como auxiliar da
navegação; alguns de convés corrido o que facilitava o arrio e
embarque dos pequenos dóris distribuídos um a cada
pescador; e também muito mais enxovalhados pelo mar revolto e
susceptível por tal, de mais perigos e mais avarias, estes dóris
eram empilhados ao longo de bombordo e estibordo de cada navio;
outros do mesmo tipo, com a diferença de possuírem castelos e
extenso poço o que impedia o embarque de mais de dois dóris de
cada lado; menos embarque de mar, mas mais dificuldades nas
manobras de pesca.
Como exemplo de navios corridos:
«Argus», «Creoula», «Manuela», em ferro. Também em ferro,
de castelos: «S. Rui», «St.ª Maria Madalena», «Souto Maior».
De madeira,
convés corrido: «Novos Mares», «Oliveirense», «Brites». De
madeira, com castelos: «Coimbra». «Celeste Maria», «lIhavense».
Os mais pequenos, tipo «Lousado»,
e «Ana Maria» arriando 22 dóris; os maiores tipo «Madalena», «S.
Rui» cerca de 900 Toneladas com cerca de 65 dóris.
As instalações das tripulações,
especialmente as dos pescadores ofereciam um negro e triste
aspecto, género mansarda prisional.
Com reduzida capacidade de
armazenagem de mantimentos em benefício dos porões do peixe
salgado, mais se cuidando do fim a que se destinavam, do que das
forças vivas que os mantinham; no aspecto instalações e passadio
eram um atentado aos direitos do ser humano. Não se julgue porém,
que nas construções posteriores a 1950 esse aspecto que poderia
ser considerado tipo de construção antiga, tenha sido alterado de
maneira a
/ 13 / merecer encómios,
não se respeitando jamais esse condicionalismo da habitabilidade.
E a prová-lo, estão os erros, insistências e desinteresse postos
nas mais recentes construções porque, habitabilidade de um navio
não é só dotá-lo com mais um colchão de espuma, um espelho ou um
quarto de banho; é sim estabilidade que garanta repouso capaz a um
pessoal que ainda tem nos nossos dias, um horário de trabalho
diário mínimo de 12 horas, porque quando a pesca é boa, o que
interessa é safar e as horas de canseira aumentam; e, não há
sábados, nem domingos, nem feriados, nem festas, e não é com
balanços bruscos de 30º graus e mais, que se obtém esse necessário
repouso; é conforto que importa a quase uma centena de homens que
durante 150 ou 180 dias de tudo se privam e são privados, dar-lhes
por direito natural uma sala de estar com biblioteca, máquina de
projectar, distracções que motivem e obriguem a um convívio
saudável aqueles que fora das horas das suas obrigações ou nos
dias em que a pesca mingua ou se emposteia, carecem de uma
motivação natural e legítima, um refrigério para os seus anseios;
é segurança, física e anímica para veteranos e iniciados oferecida
por unidades que seduzam e convidem uma juventude a amar e
orgulhar-se da profissão que escolheram e não a sujeitar-se ao
ápodo de proscritos de uma sociedade que teima em não reconhecer
aos homens do mar como seus iguais e dignos das mais enaltecidas
admiração e gratidão.
Em 1935/36 surge o primeiro
arrastão na frota bacalhoeira portuguesa: navio em ferro de maior
espessura na roda de proa e amuras 16 m/m, restante 13 m/mo.
Propulsão mecânica a gasoil,
dois castelos, no da ré uma ponte; equipado com guincho de pesca
que permitia o enrolamento de 1200 metros de cabo de aço de 2,5
polegadas.
Monta dois arcos de pesca a BB e
EB embora posteriormente o trabalho só se efectue por EB, onde
passam os cabos que rebocam o aparelho de pesca, sendo este
esquematicamente constituído por portas de arrasto em madeira e
ferro, ou só de ferro de 500/600 Kg cada, no começo. Mais tarde
1300 Kg a 1500 Kg cada, rede e saco; destinava-se este tipo de
aparelho à pesca demersal, isto é, espécies de fundo como
geralmente o é o bacalhau.
A sua autonomia é de cerca de 60
dias e tonelagem bruta de cerca de 1200 Toneladas, traduzido em
quintais de bacalhau verde à descarga 18000 quintais e com uma
tripulação de 64 homens, descriminados 3 na ponte, 7 na máquina,
um na T. S. F., 4 na cozinha e câmaras e 49 incluindo mestrança
destinados ao preparo do peixe.
O Capitão é o pescador responsável
embora no primeiro arrastão português «St.ª Joana» da praça de
Aveiro embarcasse um mestre francês para emprestar o seu saber e
experiência. Até 1950 o equipamento da ponte quedar-se-á pela roda
do leme e prumo de mão e só a partir desta data com a aplicação da
electrónica como ajuda à navegação, surgirão radares, sondas,
gónios, lorans, novos equipamentos de Telegrafia e Telefonia.
Arrastão «Clássico» arrastando entre gelo disperso.
O incremento que já se verificava
em frotas estrangeiras, muito vagarosamente será pelos
responsáveis portugueses assimilado a despeito dos repetidos
avisos dos capitães-pescadores que se viam assim ultrapassados no
seu saber, experiência e capacidade, pela evoluída técnica
estrangeira filha dessas ajudas electrónicas.
Desde 1936 que as pescas
portuguesas estavam subordinadas à planificação e orientação da
organização corporativa das Pescas, tendo a encabeçá-la elementos
cuja ideologia mais virada às obras de fachada do que à razão,
mais embarcada na fantasia de continuidade dos feitos dos Gamas e
dos Cabrais do que na evidência e materialização de uma indústria
a despertar explosivamente nos países de afinidade marítimas, não
atinava em apostarem um futuro que se augurava próspero no domínio
das pescas.
A expansão Germânica e
pró-Germânica na Europa e sua congénere Japonesa na Ásia
impunham-se pela ideologia e pela força. Estávamos em vésperas do
grande conflito de 1939 a 1945 que abalou profundamente todas as
nações em todos os aspectos; iam testar-se, na vizinha Espanha,
armas, poderio, ambições e ideais.
Recordar a posição de Portugal
nesses conflitos, que se prolongaram por dez anos, é como evocar
uma capitalização ofertada em bandeja de ouro e totalmente
renunciada por ser demais para a nossa capacidade; por isso,
quedámo-nos no respeito pelas tradições, abstivemo-nos de um
lançamento que não oferecia dúvidas nem riscos.
Imaturos como sempre, apesar das
alvíssaras de experimentados homens do mar e de um ou outro
Armador mais atrevido, tacteando o caminho mais que singrando a
todo o pano como se impunha, volvido esse decénio em que as
atenções mais se concentraram
/ 14 / na devastação e no
extermínio do que, no progresso e equilíbrio entre as nações,
vamos, situando-nos em 1946, encontrar uma frota bacalhoeira
portuguesa constituída por 50 navios de linha e apenas 6
arrastões.
Praticamente senhores absolutos
dos pesqueiros da Terra-Nova e Groenlândia não soubemos aproveitar
essa soberania. Dez anos depois, isto é, em 1956, temos ainda o
mesmo numerário de navios de linha, embora com a substituição de 5
de madeira por ferro e 22 arrastões.
Quando apareceu em força a frota de pesca russa, com vários tipos
de navios desde «clássicos» aos evoluídos «popas» e «fábricas».
Apenas na forma, na propulsão e na
capacidade estes arrastões diferem do primeiro; repetem-se em
séries e a única alteração um tanto revolucionária é a introdução
a partir de 1952 de alguns meios electrónicos que muito virão
facilitar e incrementar as capturas com destaque para o radar e
sondas, o tal rescaldo benéfico das hecatombes que são as guerras;
a fúria de matar aguça o engenho.
Outro decénio passará até 1966 e a
apatia de todos os nossos responsáveis manter-se-á na rotina das
substituições, por perda ou abate de uns tantos de linha por igual
número de arrastões. Por vezes, surgirá uma ou outra transformação
de uma linha de ferro para arrastão, claro que, deixando de ser um
bom navio de linha para passar a ser um mau arrastão e, ainda e
sobretudo, não se verificando crescimento na frota. De qualquer
modo, em 1956 uma frota de 72 navios; em 1966 os mesmos 72.
Em 1955 surge pela primeira vez
entre as grandes frotas estrangeiras, francesas, alemãs e
inglesas, o primeiro navio de formas e processos revolucionários:
o arrastão de arrasto pela popa, o inglês «Fairtry I». Era já do
conhecimento dos capitães portugueses através de revistas de pesca
e já se haviam alertado dirigentes e armadores para todas as
vantagens que viria o oferecer a pesca por tal sistema. Através de
um júri de apreciação estabelecido no Grémio dos Armadores da
Pesca do Bacalhau, ouvidos todos os Capitães-Pescadores do
arrasto, em consenso quase absoluto, todos foram unânimes em
realçar a superioridade desse tipo de navio, prós e contras, a
necessidade imediata de propor para as novas construções tal
modelo de navio: pois bem: continuaram as transformações,
insistiu-se nos arrastões clássicos, propôs-se a construção de
parelhas à semelhança das espanholas, alvitram-se navios
polivalentes de «Iong-line» e redes de cerco, todo um rosário de
idiotices sem qualquer espécie de plano capaz, sem um mínimo de
visão realista que os problemas sérios exigem. O capital aparecia
através do fundo de fomento e renovação das frotas, para todas as
aventuras; foi e é testemunho de algumas delas, o signatário deste
trabalho.
Arrastão-popa «Santa Cristina» da E.P.A. (Empresa de Pesca de
Aveiro) na sua primeira viagem, em 1967, no Golfo de S. Lourenço.
Em 1966 surge finalmente o
primeiro arrastão português pela popa, o «Cidade de Aveiro»,
perdido por explosão e incêndio, em viagem de regresso a Portugal
no passado ano de 1979.
Claro que, atendendo a todas as
vantagens que oferecia tal tipo de arrastão, em 1960 e 1961 era o
modelo largamente divulgado entre russos, alemães ocidentais e
orientais, polacos, romenos e franceses; algumas frotas, sabia-se,
estavam em plena transformação, dado o êxito materializado em
números de rendimento da referida modalidade e já se estudavam
redes pelágicas e semi-pelágicas a adoptar muito mais
funcionalmente a esse tipo de arrastão, aliás, o que em breve era
uma realidade.
O contraste: popa e clássico lado a lado.
À imagem de sempre, seguíamos na
cauda do empreendimento, mesmo esgotando todos os adjectivos em
favor dos resultados positivos que eram bem conhecidos; mesmo
depois de 1966 e, ainda com possibilidades ilimitadas nos domínios
das capturas, o nosso progresso, à maneira do costume, continuou
lento e, para mais, a partir de 1970, em direcção errada, pois
continuou a dar-se primazia ao salgado, quando o aproveitamento
integral das espécies capturadas aconselhava a imediato aceleração
no sentido do congelado, tal e qual como o vinham fazendo já a
totalidade de estrangeiros nas pescas longínquas.
O «arrastão-popa» é um
modelo em que o aparelho de pesca sai por uma rampa existente à
popa; a ponte é normalmente puxada à vante; há pórticos e bípodos
para suspender o saco que abre para uma porta que dá para a
coberta de trabalho sob o convés principal; o peixe é trabalhado
nessa coberta. Estes navios são normalmente equipados com linhas
de montagem de máquinas de descabeçar, escalar ou filetar e
máquinas de lavar. O peixe é transportado por passadeiras e apenas
a evisceração é manual; tem sistemas congeladores de variados
tipos, porões de salga, frigoríficos ou polivalentes.
Matriculam companhas de cerca de
65 homens e o equipamento das pontes é hoje completíssimo. Entre
as nações que se dedicam a pescas longínquos, os
/ 15 / navios de pesca
clássicos desapareceram e hoje o processo popa é universal, mesmo
até já nas costeiras; a nossa frota, porém, prima ainda por uma
maioria tipo convencional, isto, aos nossos dias; sempre na cauda
da evolução mesmo com as possibilidades desfrutadas.
– PESCA
As origens da pesca do bacalhau na
Terra-Nova remontam aos fins do séc. XV com um período áureo por
volta de 1578, anos que nos são transmitidos como sendo a frota
portuguesa igual à inglesa. Há depois um longo interregno que se
identifica com o desaparecimento quase total da frota e da
indústria a incrementar.
Em 1935/36 o governo português
outorga-lhe medidas que possibilitem o seu restabelecimento com
bases firmes.
De acordo com estatísticas
legadas, poderíamos, em síntese, dar uma ideia mais objectiva da
pesca do bacalhau aproximada entre os anos de 36 e 70.
|
ANOS |
N.º de
Navios |
Arqueação
(tons.) |
Capacidade
de pesca (tons.) |
N.º total de tripulantes e pescadores |
Percentagem em função do consumo |
|
|
16 682 |
19 454 |
47 857 |
71 029 |
72 166 |
|
17 274 |
20 496 |
44 695 |
65 707 |
62 952 |
|
2 213 |
2 228 |
4 018 |
5 490 |
5 200 |
|
|
|
|
Em 1950/51 vinte e duas Empresas
do Pesca Longínqua do Bacalhau, organizadas em Grémio dos
Armadores do Bacalhau, distribuídas por Viana do Castelo, Porto,
Aveiro, Figueira do Foz e Lisboa com os seus 65
navios:
45 navios de linha – 25 532 Tons.
de Arqueação
20 arrastões – 25 401 Tons. de
Arqueação
com um total de 4 142 homens,
consegue um total de bacalhau verde de 51472 toneladas, seco
correspondente 38879 toneladas, que atingem o montante de 402258
contos, valor extraordinariamente relevante para a época.
Mediante estes valores que nos são
legados por estatísticas mais ou menos sujeitas a vícios (sabe-se
bem a adulteração sempre praticada pelo Armamento para fugir ao
fisco e ao pagamento honesto do pessoal do mar), não era difícil
colocar tal indústria em plano de destaque especial, mesmo
primordial, pois em rápidas transferências para valores actuais
rondaria os 8 milhões de contos; isto, só no que se referia à
indústria em si, sem relacionamento de valores que implicavam
descargas, armazenamentos, transportes, construções, reparações;
um mundo de actividades em redor de uma mina que se não soube
explorar por crenças de inesgotabilidade.
A pesca do Bacalhau é uma
laboração que, pela espécie que captura e seu habitat, pelo
esforço e sacrifício que exige daqueles que se doaram a tal faina,
pelos meios e artefactos rudes que são usados na captação, merece
ser colocada em plano especial de distinção entre as mais
violentas profissões exercidas pelo homem no seu amanho pela
subsistência.
O bacalhau (gadus callarias)
é um peixe de águas frias, ideais entre 0º e 6º graus, ora
procurando baixos ora fundos, conforme a salinidade das águas e,
também, devido às perseguições intensas que através de tantos anos
lhe têm sido movidas; águas obedecendo a tais características só
em latitudes superiores a 40º graus Norte, isto é, Terra-Nova,
Labrador, Groenlândia, Islândia, Ilhas Faroes, Noruega, Rússia,
Ilha dos Ursos até ao Norte do Spitzberg. Para entendidos, nem
sequer será necessário fazer referência à dominância dos tempos
nestas áreas; o Golfo do México e imediações despejam anualmente
cerca de nove ciclones, cujas trajectórias obrigatoriamente
atravessam os Mares da Terra-Nova, curvando ora para o Estreito de
Davis, ora para o Canal da Dinamarca, flagelando em seus trajectos
Labrador e
/ 16 / Groenlândia,
outrossim Islândia, Faroes e Noruega. O estado normal de tais
mares, sobretudo em épocas de inverno, as mais férteis em pesca, é
de violência e agitação permanentes: ventos rudes, fechados
nevoeiros, intensos nevões, temperaturas árcticas de queimar,
águas glaciais; claro que nestas condições, impossíveis ao homem
sem resguardo, ao homem do dóri, ser-lhe-á suficiente a sobra
amena dos seis, três e zero graus das águas dos «Stores» e
«Fyllas» ou o rodopio traiçoeiro dos «Virgin Rocks».
O mau tempo por aqueles mares de Oeste, mares dos bacalhaus, é uma
constante.
Anos ricos e pobres se sucederam
na pesca do bacalhau, tanto na pesca à linha, como no arrasto e
compreende-se, quer pelas condições naturais que fazem ocorrer ou
afastar o peixe dos bancos, quer e fatalmente, pelo castigo e
perseguições intensivas que lhe eram movidas por centenas e
centenas de navios.
As beiradas da Groenlândia no
lustre de 54 a 58 e, todo o Labrador desde os cinquenta e dois
graus norte aos cinquenta e seis também norte, em 1960, 61, 62 e
63, são marcos de fortes pescarias arrecadadas por centenas de
navios alemães, ingleses, franceses, noruegueses, dinamarqueses,
faroes, portugueses e espanhóis; no Labrador, há a registar as
duas centenas de navios, de todos os tipos e tamanhos, dos russos,
o aparecimento de polacos e romenos de um modo geral com uma
maioria esmagadora de navios de arrasto pela popa, mesmo navios
fábricas com o aproveitamento integral de todo o pescado e seus
derivados; é a pesca racional que os portugueses ainda hoje não
fazem, além do que, navios de arrasto pela popa só viríamos a
apresentar o primeiro em 1966; largos anos para copiar mal, a
realidade e a racionalidade.
Fomos alcançados e ultrapassados
por países saídos, destroçados de uma guerra quase total; não
soubemos ganhar a nossa paz.
– ARTE DA LINHA
É um sistema de pesca atraente que
fez uma extensa época sem grandes evoluções, mas que, em
determinada altura (1933), se não antes, deveria ter sido posto de
parte ou, pelo menos, não se permitir a continuidade no erro e no
devaneio.
A justificação de uma captura de
melhor qualidade, a ilusória necessidade de mais larga mão de
obra, a convicção que durante muito tempo, iludiu responsáveis
crentes de uma soberania impossível nos mares onde os navios de
linha pretendiam impor o seu ultrapassado processo de pesca, iriam
levar a indústria a um lugar humilde, num pretenso equilibrar com
similares estrangeiras.
No frágil bote de pouco mais de
dois metros, aquele solitário pescador, de pé, como dedo especado
a apontar o infinito, Deus se possível, era a imagem de um
condenado contra quem é cometido erro judiciário e, no derradeiro
momento de seguir para a expiação sem culpa, inconformado, mas
impotente, aponta silenciosamente na direcção do seu impávido
juiz; mas também lembrava o poder de um soberano, senhor de um
feudo, ao qual arrancava pela força dos braços, da experiência e
da sorte, o sacio das bocas ávidas que lhe haviam ficado na pátria
distante.
Quantas vezes na hora do arrio,
ainda não despontara a aurora, no momento do «cai n'água» por
manobra apressada, que se estabeleciam despiques, se arriava mais
à proa ou à ré e o bote abicando chegava a meter água; então era
ouvi-lo, uma mão agarrada ao teque, em defesa, não fosse o diabo
tecê-las mesmo ali, à beira do navio, entre blasfémias e
imprecações, invectivar, sem distinção os que ficavam a bordo.
– Olhem que desta embarcação, sou
eu o Capitão! Aqui, mando eu!
E daí a pouco, arrumado o «estrafêgo»,
de vela em cima ou a remadas vigorosas, era vê-lo sumir-se no
horizonte por vezes a tais distâncias que nem binóculos
categorizados o iam buscar; lá ia, ora sobre águas plácidas ora, a
maior parte das vezes, sobre mar revolto, lá ia, em boa ou má
hora, à sua sorte, em demanda do seu pesqueiro, numa detecção
irreal apenas orientada por um sexto sentido que teimava em
pertencer aos eleitos, aos especiais, às primeiras linhas; depois,
«poita» no fundo, a um e outro bordo sua linha de dois anzóis
cada, iscados de capelim, sandilho, carne de gaivina, pombalete ou
cagarra, à falta, buchos do próprio peixe, era vê-lo, esquecido,
por largas doze horas encurtando e alongando braços num intento de
engano e engodo ao peixe que viria a morder, se calhasse; e o
quando o peixe não tinha fome, queria brincar e a zagaia era o
brinquedo traiçoeiro e mortal que o pescador lhe oferecia. Pelas
muitas da tarde, se as condições, tantas vezes escondia a traição,
não obrigavam a uma chamada antecipada e urgente, lá regressavam
eufóricos, ocultando o cansaço uns, desiludidos, vituperando
/ 17 / tudo e todos,
esmagados por um estéril amanho, outros. A canseira porém, não
ficava por ali; engolidos o prato do feijão e a meia caneca de
vinho baptizado, quinze ou vinte minutos apenas, esperavam-nos as
mesas de trote e escala e o porão onde cresciam canjas e hinos
numa obcecação de alargamento do sal.
Um dia de 35 graus negativos. Pesca quase impraticável.
Era e foi esta a rotina árdua de
uma campanha de pesca do bacalhau nos navios de linha: em labuta e
esforço, que não em resultados, o dia de ontem igual ao de hoje,
este igual ao de amanhã, se mar e tempo permitissem; seis e mais
longos meses de canseira num prosseguir de consumo de vidas cujos
sonhos eram alimentados pelo sal do mar e das lágrimas; anos
seguindo anos, em partidas com e sem regresso, lustres decénios
ofertados à exigência do subsistir; até 1960, pelo imperativo da
manutenção, depois, pelo ameaçar de uma guerra inglória e injusta.
Naturalmente, que numa arte tão
antiga e que se mantinha, algumas inovações iriam ser admitidas
mais por força da explosão progressiva que dominava o mundo do
que, propriamente, pela exigência dos responsáveis; também
vultuosos interesses subjacentes à campanha da modernização
estiveram quase sempre em jogo; a introdução do «Iong-line» impôs
o isco-sardinha, cavala, lula, capelim e consequentemente a
instalação de câmara frigorífica para manutenção desse isco; a
actualização das pontes devida ao sucesso electrónico criou
disputas e imposições que chegaram ao escândalo; engenhos
mecânicos de maior potência permitiram trabalho mais fácil e mais
rentável, mas foram pressionamento constante de agentes e
fornecedores interessados, muita vez intercessores de gerências
sequiosas de proveitos próprios.
Dessa onda de lucros de todo o
género, só o pescador não colheu dividendos, ou melhor, o lucro
auferido de uma aparente facilidade de trabalho para uma maior
captura, de modo nenhum permitia a cobertura de um maior esforço e
risco no amanho; é que alar uma linha de 50 metros com dois
anzóis, era bem diferente de alar um trol com 1 300 metros e mais
de 750 anzóis; submeta-se agora o aparelho à contingência do peixe
engatado e veja-se a diferença; o mais grave, porém, sobrevinha
quando surgia uma chamada inesperada, devida às más condições que
se avizinhavam; ou optavam pelo corte puro e simples do trol,
perdendo aparelho, esforço e peixe e, claro, soldada ou, correndo
gravíssimos riscos, tentavam a chance de sua recolha, jogando
fazenda e vida; este funesto dilema muitas vidas consumiu.
Não foi pois de estranhar que o
decorrer dos anos, já pelo arcaísmo do processo, já pela
dificuldade cada ano mais acentuada de conseguir pescadores de
nível para a modalidade e sobretudo, porque a tentativa das redes
de emalhar, menos dependentes das condições de mar e tempo, ao fim
e ao cabo mais rendosa, menos exigente de especialização e menos
sujeita à contingência de sorte e perigos, motivasse a opção pela
experiência positiva das redes.
Hoje da «White Fleet» como
terranovenses a crismaram e entre estrangeiros era conhecida,
restam os navios adaptados à nova modalidade, uns com lanchas bem
equipadas e possantes que arriam, lançando estas milhares de redes
que chegam a cobrir áreas de 100 milhas quadradas, outros em
operação própria, para o que estão equipados com hélices à proa e
à ré para facilidade de manobra, ocupando também similares porções
de mar.
O preparado peixe a bordo, porque
tais navios permaneceram de um modo geral fieis à salga, é o mesmo
de sempre: a esventração (trote), o partir de cabeças, a escala e
finalmente a salga. Pelos sistemas, a qualidade de peixe na linha,
no long-line e nas redes de emalhar é, regra geral, boa.
Da arte da linha de mão, quando
passámos pelos navios que a adoptaram tentando futuro nesse ramo,
isentando-a do seu carácter compulsório como meio de ganhar a
vida, do destemor porque eram encarados os perigos que a rodeavam,
ficou-nos o sabor do entusiasmo desportivo que oferecia.
Foi, a todos os títulos, uma das
mais atraentes, embora verberada, experiência porque passámos na
vida profissional do mar e dela guardamos recordações prenhes de
tragédia, respeito e exaltação.
– ARTE DO ARRASTO
Entre nós, como já foi dito,
adoptou-se esta arte há 4 anos. Tendo por base e princípio o
reboque de uma rede pelo fundo, rede indicada para as espécies
demersais de que o bacalhau é exemplo e está em causa no presente
trabalho, atingiu o seu apogeu de produção, a nível mundial, pelo
decénio de sessenta para o que muito contribuíram riqueza de
bancos, introdução de uma gama vasta de equipamento electrónico,
criação
/ 18 / de fibras sintéticas
muito fortes para as redes e aperfeiçoamento de cabos, ferragens e
materiais indispensáveis ao bom armamento de um aparelho de pesca
completo.
Virando sacos de uma boa sacada de bacalhau.
Lógica e naturalmente que, pela
destruição que vem trazendo à fauna e flora dos bancos, mais tarde
ou mais cedo haveriam de conduzir a migração e refúgio das
espécies para zonas e águas inacessíveis à faina, ao
empobrecimento e até esgotamento dos bancos, se medidas capazes
não fossem tomadas; era porém o sistema que se impunha, em
segurança não isenta de perigos, em eficácia não sem objecções, em
rentabilidade passível de alternâncias.
Mesmo entre nós, seguindo na cauda
de uma progressiva evolução se introduziram inovações, filhas,
sobretudo, de informações e observações colhidas pelos nossos
Capitães-Pescadores junto de frotas estrangeiras.
Mantendo o tradicional arrasto
lateral, só em 1965 foi dado o primeiro passo na alternância para
o sistema de arrasto pela popa com a construção do «Cidade de
Aveiro».
|
A nova unidade, além do sistema
que tão bons resultados apresentou e das referências a todos os
títulos lisonjeiras que são referidas por todos os tripulantes,
dadas as melhorias também introduzidas nas instalações das
tripulações, quase não representa marco importante na evolução do
arrasto. Mesmo sabendo e repetindo-se, as dificuldades criadas ao
sistema clássico lateral, pelas condições, mar, tempo, gelos, o
maior risco corrido pelas tripulações ante a obrigação de um
trabalho totalmente exposto às intempéries nas manobras a que um
arrastão clássico é sujeito ao largar, ao arrastar, ao virar na
submissão e esses condicionalismos naturais atrás citados, não se
verificou aquele movimento de aplauso e incremento que todos
esperariam para a nova modalidade.
|
1967 – Bom ano de pesca. Arrastão
Clássico com uma boa sacada de bacalhau a bordo. |
Não vamos entrar no domínio das
técnicas que militavam em favor da opção arrasto-popa por não ser
esse o carácter a imprimir ao presente trabalho; como se vem
discorrendo, foram mais as impressões globais que nos feriram,
sobre as quais continuamos a manifestar-nos.
A arte de arrasto vem trazer um
aumento de produção mais que suficientemente manifesto, para se
poder aduzir de todas as suas vantagens. Assim compare-se:
1936 – 50 navios de linha – 1
arrastão clássico – 13000 Tons.
1941/42 – 45 navios de linha – 3
arrastões clássicos – 15257 Tons.
Com uma redução de 5 navios de
linha e apenas o acréscimo de mais 2 arrastões, um aumento de 2257
Tons.
1950/51 – 45 navios de linha, 20
arrastões clássicos 49000 T. com os mesmos navios de linha e mais
17 arrastões, 33743 Tons.
Foi bem evidente e significativo o
aumento de produção e não exige mais comentários.
1960 – 47 navios de linha, 25
arrastões – 60 0000 Tons.
Mais – 2 navios de linha, mais 5
arrastões – 11 000 Tons.
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1967 – |
│
│
│
│
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31 navios de linha
33 arrastões |
│
│
│
│ |
madeira 13
ferro 18
clássicos 27
popa 6 |
│
│
├
│
│ |
Total – 75 000 Tons. |
|
|
|
/ 19 / Menos 16 navios de
linha, mais 2 arrastões clássicos e o acréscimo de 6 popas – 15 000
Tons.
Pelos dados anteriores se verifica o
acentuado incremento na produção, com a introdução, primeiro, de
arrastões clássicos em substituição de navios de linha, depois, a
preferência para os arrastões-popas, acentuadamente significativa.
Em 1979 fazem a campanha de pesca:
Arrastões popas:
Praça de Aveiro ––––––––––––
2
Perde-se o «Cidade de Aveiro»
Praça de Lisboa
–––––––––––– 3
Arrastões clássicos:
Praça de Via na do Castelo
–––
4
Praça de Aveiro
–––––––––––
14
Praça de Lisboa
––––––––––––
5
Polivalentes: (Arrasto e redes de
emalhar)
Praça de Aveiro
––––––––––––
2
EVOLUÇÃO
EVOLUÇÃO LENTA; CONSERVANTISMO E
INDEFINIÇÃO; MEIOS E INSUFICIÊNCIAS; ESTAGNAÇÃO.
De um modo geral, à medida que fomos
expondo o que mais nos chamou a atenção durante a longa experiência
de pesca, que foi nossa profissão, sem nos quedarmos na
pormenorização, no rigor técnico ou na explanação dilatada que
certos assuntos requeriam, seguimos a linha crítica imediata e
adequada ao assunto em causa sem a preocupação de um ordenamento que
um trabalho pedagógico sempre exige.
No presente capítulo pretender-se-á,
em síntese, balancear o disperso pelos capítulos anteriores
destacando o positivo e o negativo de um triénio piscatório fértil
em flutuações de todo o género e número.
Os governantes anteriores ao 25 de
Abril estabeleceram como marco histórico no revigoramento da
indústria da pesca longínqua do bacalhau, o ano de 1936; foi a
partir desse ano que a organização corporativa das pescas pretendeu
planificar e estruturar bases e condutas a seguir; com mais aparato
do que efectividade se deu seguimento ao projecto.
Sobre a Europa, onde se localizavam
os países mais evoluídos na pesca, pairavam sombras densas e um
movimento de recessão despontava no campo das pescas longínquas em
preferência à construção e ao desenvolvimento de navios de guerra,
comércio e transportes. A neutralidade de Portugal nos conflitos que
iriam estalar poderia ter oferecido azada oportunidade de impulso
relevante e ordenado nesse campo industrial de vastas possibilidades
e largas promessas.
Não há dúvida que se verificou um
surto de crescimento, passaram a merecer atenção e crédito as gentes
do mar, imprimiu-se à organização um carácter atestador das
potencialidades de uma governação estilo empolado e retumbante, fiel
à linha política definida e imposta. Será justo reconhecer-se que
merece atenção e valimento uma organização cujo cômputo económico se
iniciava em 1935/36 com uma produção que equivalia a 11 % das
necessidades de consumo do país e 30 anos depois (1965) para a mesma
satisfação interna o valor de 70 %; Houve, na realidade, crescimento
na frota e respectivas capturas sobretudo, com a adopção e acréscimo
do arrasto.
Até onde se poderia ter ido
entretanto, é interrogação que não oferece dúvidas a quem viveu essa
época dentro do círculo dessa indústria pesqueira, a quem observou
as fartas possibilidades abertas e ofertadas, a quem por experiência
directa e cuidada não escapou uma promessa que poderia ter-se
transformado numa realidade e que nunca se furtou dentro das
limitações impostas pelo sistema à época, tal como outros colegas, a
proclamar os caminhos imediatos a seguir e objectivos urgentes a
alcançar. Mas não, quedados na contemplação da própria obra, em
narcisismo que rotula e define bem um programa governativo que
teimava por egocentrismo omnisciente e omnipotente em erros e
omissões, descuraram a oportunidade embarcando em sonhos
quinhentistas.
Às prenhas velas dos lugres, apenas
faltavam impressas em destaque as cruzes de Cristo da era epopeica;
depois, como justificação de um conservadorismo fanático e
incompreensível que imprimia a continuidade numa senda errada, a
preferência não oculta, por meios, processos e acções que viriam a
ditar o atraso em que persistimos mesmo a despeito de um equilíbrio
notório atingido no plano interno.
A insistência na pesca à linha mesmo
a despeito das transformações que sofreram navios, meios e
processos, descurando a competição futura que era forçoso admitir,
as limitações que iriam nascer mais cedo ou mais tarde, a evolução
incompatível com futilidades e obstinações, tornou-se ponto assente,
premissa de um desígnio a aceitar e a cumprir. Também no arrasto,
como já foi dito e se repete, durante cerca de 20 anos, isto é, até
1965/66, nos mantivemos fiéis ao tipo do primeiro arrastão clássico
«St.ª Joana», numa prova de mentalidade conservadora totalmente
reprovável. Claro que também nesta arte foram introduzidos
melhoramentos mas, pelo carácter compulsório que dominava o embarque
e comportamento das tripulações sob coacções e regulamentos de pesca
ditatoriais até 1960 e, daqui até
/ 20 / 1974, tornadas então
vítimas duma alternativa de fuga e medo, não existindo qualquer
espécie de reacção mas aceitação tácita, a evolução positiva, a
introdução de novas e diferentes unidades e técnicas, a actualização
imperiosa da frota não surgiram, subvertendo-se o programa que se
impunha.
Entre 1945, fim do grande conflito
que ocupou as nações e 1955, é o despertar em ritmo sempre
crescente, em número e qualidade, das frotas desses outros países
também virados à riqueza que é a pesca. Saídos duma guerra total,
primeiro carecidos de saciar as bocas esfomeadas das suas gentes,
depois ambicionando as divisas que uma matéria prima gratuita lhes
poderia oferecer, imediatamente cuidaram de aumentar e aperfeiçoar
as suas frotas e navios de arrasto, e assiste-se então, ano após
ano, ao aparecimento de unidades sempre diferentes, numa ânsia de
atingir o melhor para mais fáceis e maiores capturas, à evolução dos
navios correspondendo uma actualização nos sistemas e auxiliares da
pesca; entre todos se destacaram alemães, ingleses e polacos com
navios, por vezes revolucionários. Nem um só dos países se
apresentou na pesca do bacalhau na Terra-Nova, Groenlândia, Islândia
ou Noruega com qualquer tipo de navio semelhante aos navios de linha
portugueses. Nós, porém, a despeito das amostras e da evolução,
repetimos e persistimos.
Um dos «companheiros» habituais nas águas do Lavrador, Terra Nova e
Gronelândia (iceberg).
Em 1955 há já em pesca nos bancos
navios de arrasto pela popa; só dez anos depois, quando todas as
nações interessadas na pesca do bacalhau haviam já optado pelo
sistema arrasto-popa ensaiavam redes pelágicas e semi-pelágicas,
optavam pelo sistema prático rentável e racional do aproveitamento
integral das espécies capturadas, da congelação e frigorificação, a
velha frota portuguesa dá o primeiro passo com o arrastão «Cidade de
Aveiro»; quanto à congelação generalizada entre arrastões-popas
construídos depois de 1965, será preciso esperar até 1976 para se
operarem mudanças radicais.
Infelizmente, neste ano de 1980
ainda há navios-popas a transformar a capacidade congeladora e
armazenadora que, em 1975 se cifrava por um máximo de 400 toneladas,
entre os que tinham congelação. Também alguns de arrasto lateral
enveredaram pelo congelado, mantendo-se ainda uma maioria fiel à
salga e, por tal, unicamente votados à pesca da espécie bacalhau,
isto é, desperdiçando toneladas e toneladas de outros peixes numa
altura em que nos debatemos com problemas de quotas, limitações e
inspecções impostas pelos países ribeirinhos, senhores de bancos e
pesqueiros que antes, demandávamos livremente, não soubemos explorar
como se impunha e continuámos a frequentar num desrespeito às leis
naturais de que nada se deve desperdiçar, numa natureza de recursos
a minguar acentuadamente, o que tantas preocupações causa conforme
comunicam os organismos que regem o consenso das nações.
É difícil encontrar uma explicação e
justificação aceitáveis para a evolução lenta observada na nossa
frota bacalhoeira, quando estabelecido o confronto com similares
estrangeiras, como é difícil aceitar a dúvida da sua rentabilidade
desde sempre, face ao crescimento e vulto que tomaram as empresas
que à indústria se dedicavam. O surto de crescimento de armazéns,
secas, câmaras frigoríficas, oficinas, estaleiros, observando ao
longo dos cais bacalhoeiros do porto de Aveiro, falam por si e
atestam o florescimento através de sempre, dessa mesma indústria a
despeito das lamúrias de mais de meio século das sociedades e
gerências, que, desse modo, sempre têm procurado iludir os mais
directamente implicados na exploração: Os pescadores e trabalhadores
da pesca.
Desde sempre, a indústria da pesca
do bacalhau constituída em império e empório restringido a pequeno
círculo de bafejados por herança ou compadrio, tem vindo a afastar
poderosos interessados na admissão a ela numa prova mais que
suficiente de não desejar repartir dividendos.
Dos nossos dias, numa arrogância
herdada de muitos anos de posse e senhorio, atente-se no descaro com
que são divididas as quotas atribuídas pelos países detentores dos
pesqueiros, a Portugal; se é um quinhão ofertado à nação Portuguesa,
porquê ao critério de um grupo – Associação de Armadores – a sua
divisão e não ao organismo próprio do governo, eleito e credenciado
pelo povo? Mas tudo foi sempre assim e continua a ser em Portugal; o
povo outorga foros a escolhidos e depois é um grupo reduzido e
fechado, armado de esporões, que põe e dispõe; por tal motivo, os
erros e atropelos sucedem-se e depois, arca o país com o nefasto dos
resultados.
Numa apreciação honesta que se
impõe, falta recapitular em síntese o que foi feito e nos foi legado
no sector humano durante o período de 1936/74. Com os
/ 21 / defeitos e erros
inerentes a projectos e obras que primavam pelo aparato da fachada,
será justo lembrar a obra da Junta Central da Casa dos Pescadores
no campo da assistência no mar e em terra; aqui, com creches,
asilos, escolas, postos clínicos, maternidades e bairros económicos
para pescadores; acolá, com o devido apreço à ideia, a obra de apoio
dispensada pelo nosso Hospital «Gil Eanes» mandado construir para
auxílio à frota de pesca e na instalação dum centro de convívio para
pescadores, quando à terra fossem, em St. John's da Terra-Nova.
Se é certo que em tão longo tempo,
44 anos, não foi montada uma indústria como se impunha, o que teria
sido fácil dada a abundância, o preço e a liberdade de exploração da
matéria-prima, antes se procurando dentro e além fronteiras a
projecção de uma obra que evidenciasse a capacidade pretensiosa duma
governação, sobrar-nos-á a pergunta para a qual ainda não achámos
resposta que não seja a continuação de acérrimas críticas: e
depois de 1974?
«Boiou»! Mais uma grande sacada de peixe vermelho (Red-fish), vulgo
«comunista...» para deitar fora.
Dois e três anos depois, uma natural
e admissível confusão, nada a organizar, nada a construir, nada a
solucionar, porque era necessário, primeiro, observar e apreciar o
bem supremo que é a liberdade, depois... a filha desta, a
democracia. Mas depois?
Nos domínios da governação, a
incompetência, no campo das realizações, a estagnação, no âmbito das
possibilidades, o desinteresse.
É certo que as unidades de trabalho,
com a soberana indiferença de sempre, em heterogénea mistura, linha,
arrasto-convencional e arrasto-popa, numa fidelidade ao saudosismo
onde os portugueses são pródigos e numa retracção ao progresso a que
são avessos, os navios, lá vão indo e vindo, ora carregados uns, os
congeladores, em cumprimento de uma profecia que só agora se fez
opção, meias cargas e menos os salgadores em obediência ao paladar
de gerações que não dispensam o fiel amigo mas, bastará o vaivém
desses portadores de riqueza para justificar a falta de uma
planificação com vista ao futuro?
PERSPECTIVAS FUTURAS
Todas as questões antes abordadas,
mais ou menos superficialmente, dada extensão que um estudo
técnico-crítico envolveria e exigiria deixaram, entretanto, ficar
por demais evidente, a mediocridade directiva e governativa dos
responsáveis pela pesca longínqua do bacalhau, especialmente de 1936
a 1974. Erros sobre erros se amontoaram e, ainda que se julgue ser
injustificável a crítica fácil à distância, embora o relembrar de
erros cometidos seria muitas vezes para reflectir sobre eles, não os
repetir e, sobretudo emendar, vale-nos pelo destaque que vai
imprimir à conclusão a que poderemos chegar no apreço à obra depois
de 1974.
Antes a senda errada que se
alicerçava na omnisciência e omnipotência de um senhor e sua corte
de aduladores; depois, por um lado, a ignorância dos escolhidos ou
impostos para certas cátedras, por outro, a insistência e manutenção
de uma continuidade podre.
Antes de 1974 cuidou se do presente
com os olhos no passado; depois de 1974, nem passado, nem presente
e, que futuro?
São volvidos seis anos sobre o 25 de
Abril.
Aceitamos que os primeiros dois
fossem de euforia e instabilidade. Mas depois, que novas e seguras
directrizes para a pesca longínqua do bacalhau?
Numa planificação que se impunha e
que nunca, por princípio, para não regressar aos erros do passado,
poderia dispensar a presença de homens experientes e sabedores
ligados ao ramo – que os havia – seria apreciada toda a polivalência
que a pesca exige; primeiro, a matéria-prima, onde ir por ela e as
negociações que tal implica; segundo, os meios e modos de
exploração; terceiro, tratando-se de um bem comum e indispensável a
todos os portugueses, a sua distribuição justa de fronteira a
fronteira, sem interferência de terceiros, um cancro que persiste na
sociedade portuguesa.
Não se esconde a complexidade da
questão quando depois fosse diferenciada, os impedimentos e
protestos que se levantariam, possivelmente e, como se verifica em
outras questões, doutros e sabedores políticos em fecunda oratória
fazendo cair o «Carmo e Trindade» pelas melhores soluções que um seu
grupo ofertaria.
Mas era assim, que teria de
iniciar-se uma nova etapa na pesca longínqua; e a verdade é que,
houve uma tentativa!
Fracassou, mas fracassou por
impedimentos que se chamaram incompetência, medo e
desonestidade.
Não há dúvida que é difícil, quase
impossível, vencer tais barreiras mas, se ao menos a última for
contrariada, é meio caminho andado, é revigor, é meta à vista.
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Perdeu-se a oportunidade e agora,
com os impedimentos que são levantados ao direito da livre pesca de
antanho, zonas económicas alargadas, quotas reduzidas, direitos de
inspecção e fiscalização quase permanentes a redes e pescado,
limitação de áreas de faina, impostos sobre peixe pescado, além das
onerações que sobrecarregam a indústria agora, que possível e
razoável solução para vencer uma crise que se adivinha? Sim, crise
de produção e crise de trabalho, esta última porém, muito mais a
ponderar e exigir solução capaz e imediata, quando chegar.
O «scanner» do radar, devido à acumulação de gelo, parou. Tem que se
proceder com vapor ao seu descongelamento.
A hipótese reconversão, possível e
até relativamente fácil noutro tipo de indústria, surge aqui, numa
exploração que absorve e transforma caracteres intelectuais e
morfológicos, como mezinha ou panaceia curativa para atavismo que o
homem do mar, especialmente o pescador, herda e, por isso de total
rejeição. Para homens habituados ao anzol, à rede a amanhar,
escalar, filetar, salgar peixe, com dez e mais anos de mar, trinta
ou quarenta de idade, que nova profissão e que nova adaptação? Fazer
deles emigrantes, à boa maneira do passado, quando obrigatoriamente,
em alternativa se sujeitavam às sete viagens ao bacalhau, sem
remuneração compensadora, entretanto se profissionalizando e bem,
para depois ir dar o seu melhor em continuidade no mar a alemães,
canadianos e franceses?
Colhemos pessoalmente os malefícios
dessa errada política corporativa e não advogamos soluções que
preconizem mutações profissionais, a não ser que se pretenda pagar
bem uma má produção. Esta seria a tentativa de aparente fácil
solução.
Para a de difícil, mantendo a
continuidade da indústria optaríamos em nosso ponto de vista:
1 – Imediata transformação de todos
os navios salgadores que o merecessem, em congeladores; novas
construções a substituir os abatidos.
2 – Conversações de elevado nível,
conduzidos ou assistidas por técnicos capazes, independentes da cor
política, com todos os países possuidores de expressão portuguesa
com costas ricas em peixe, incluindo o Brasil.
3 – Manter conversações actualizadas
com o Canadá e Noruega com vista à absorção total das quotas que
hoje nos são atribuídas por esses países, tendo em vista o futuro
com uma recuperação dos bancos e possível aumento de quotas.
Recuperar através e directamente com a Groenlândia e a Dinamarca a
quota perdida nas costas da primeira.
4 – Estudo imediato de sociedades
mistas, com abstenção dos lucros fabulosos a que armadores e
armazenistas estão habituados, em vista à manutenção dos postos de
trabalho; incremento à marinha de pesca e proibição do abate de
navios, como já se preconiza.
5 – Pelo Governo: bonificação
devidamente fiscalizada à indústria, redução de preço do gasóleo
para os navios, isenção do imposto sobre o pescado, revisão de
seguros, comparticipação em novas construções.
6 – Estruturação dum Secretariado
das Pescas que dependa única e exclusivamente do Secretário das
ditas assessorado por um Conselho Técnico de comprovada competência
e experiência – Oficiais da Marinha Mercante especializados nas
pescas.
7 – Criação na Escola Náutica de
cursos de especialização em Construção Naval e Pesca, Gestão de
Empresas de Pesca, Negociações de Pesca a nível internacional,
técnicos da indústria conserveira delegados junto de indústrias
afins.
8 – Obrigatoriedade de admissão
pelas Empresas, Sociedades e Organismos dos técnicos estabelecidos
em 7.
Não julgamos, nem ambicioso nem
complexo o plano, em linhas gerais, apresentado anteriormente;
talvez sim, tardio.
Não posso eu impô-lo mas todos
poderemos trabalhar no sentido da concretização deste ou de um
similar.
Até hoje não me foi dado conhecer
para a pesca qualquer estruturação e quanto à chamada de homens
abalizados não consta e nem sequer aos Capitães-Pescadores são
pedidos relatórios concernentes à pesca, onde se buscassem opiniões,
críticas, ideias construtivas; no passado era obrigatório, hoje nem
facultativo porque se não deseja o diálogo que tanto se preconiza ou
preconizou. Longo e talvez fastidioso se tornaria o conjunto de
observações que acabamos de relatar se nos quedássemos em enumerar
dados e técnicas, em transcrever estatísticas ou diagramas que
obrigariam a longas pesquisas; rebuscamos na memória e nos muitos
apontamentos que para sempre ficam e sobram ao homem do mar.
Lisboa, 6-5-1980. |