No primeiro decénio deste século
(XX) em que vivemos e se encaminha para o fim, Aveiro sofreu uma das
suas grandes transformações – eu diria urbanísticas se então já se
usasse o termo – e, subsequentemente, viu surgir uma das obras que
maior e mais lata celeuma desencadearam alguma vez.
E muito para além do âmbito local,
de que desbordou largamente. Para altos páramos, como os do próprio
trono, já que haverá atraído a intervenção, oculta mas persistente,
da própria Rainha D. Amélia, que tomou o partido da facção aveirense
mais conservantista. E, ao mesmo tempo, como suscitador da pena
acerada e tersa de Ramalho Ortigão. Aliás, corre por aí um folheto
defensor da integridade do edifício conventual carmelitano, com o
expressivo título de «Brado a favor de um Monumento». Foi editado
sem nome de autor, mas tudo faz crer que seja da autorizada autoria
de Marques Gomes, que tomou frontal posição contra a
amputação do extinto convento de S. João Evangelista – que a
pertinácia inabalável de Gustavo Ferreira Pinto Basto viria a
consumar, no segundo lustro desta centúria novecentista.
Vão já passados mais de setenta
anos. Uns três quartos de século, bem contados.
O Dr. José Maria Barbosa de
Magalhães, desde que assumira a presidência da comissão executiva
delegada da Junta Distrital (organismo autárquico a que logicamente
o problema especialmente importava) fez persistentes e esclarecidos
esforços para que nas ruínas do Palácio do Visconde de Almeidinha se
erguesse um amplo edifício para a instalação, em conjunto, das
principais repartições de feição distrital, a contar da própria
Junta.
Este palácio fora começado por
iniciativa de Manuel de Sousa Ribeiro – que na ocasião da elevação
de Aveiro a cidade, em 1759, era um aveirense proeminente. Iniciou-o
em meados daquele século, mas não concluiu a edificação do majestoso
imóvel projectado.
Prosseguiu-a Sebastião José de Sousa
Pizarro – cavaleiro da Casa Real, cavaleiro professo da Ordem de
Cristo, oficial de cavalaria e juiz da Alfândega de Aveiro – cidade
onde, a 8 de Abril de 1793, casou com D. Inês José da Silveira de
Sousa Magalhães, «senhora de grandes haveres e ilustre renome»,
segundo escreveu o citado Marques Gomes, a cujos informes nos
arrimamos mais uma vez nesta circunstância.
O palácio do Visconde de Almeidinha
– como era conhecido no último terço do século passado – ocupava
precisamente a área do edifício para as repartições públicas do
distrito, que, mercê da perseverança do Dr. José Maria Barbosa de
Magalhães, veio a erguer-se e do que lhe sucedeu, e persiste no
local, como um dos mais avultados da cidade, ainda hoje.
Palácio do Visconde de Almeidinha, que ardeu na noite de S. João de
1871.
Foi erguido, esse palácio
desaparecido, sobre anteriores pertences do que fora, dentro de
muros aveirenses, o palácio dos Duques de Aveiro, espaço
supervenientemente ocupado, em grande parte, pelo chamado Convento
das Carmelitas, da invocação de S. João Evangelista.
Foi o corte deste – para dar motivo
à avenida então rasgada e que, antes de ser chamada a Praça de
Marquês de Pombal, esteve, sob a égide de um dos influentes Melos,
de Águeda – que, quando, repetimos, Gustavo Ferreira Pinto Basto, em
meados da primeira decúria deste século, ocupava fecunda e
operosamente a presidência da Municipalidade Aveirense, levantou a
acesa controvérsia, de âmbito nacional a que atrás nos referimos.
Desse edifício, precisamente de
topo, sairia o que ainda hoje, embora mais despido de árvores e
canteiros é ainda um dos principais logradouros aveirenses – a
mencionada Praça de Marquês de Pombal, topónimo que vem das mudanças
efectuadas quando do advento do regime republicano.
Encostava ao pano de murachos que
passava no local, e que ia desde a porta de Rabães (?) à de Vagos –
fronteira ao actual Jardim Público.
Foi, para o efeito, concedida
licença régia, que permitia, mesmo no espesso lanço da cintura
aveirense, a abertura de janelas. E nesse diploma régio, aliás,
punham-se
/ 24 / em evidência os
relevantes serviços prestados pelos edificadores do tão considerável
imóvel, que dava ao acanhado local do velho Terreiro das Carmelitas
uma nova e maior dignidade.
Todavia, nem o aludido Sousa
Ribeiro, nem, depois Cardoso Pizarro, conseguiram concluir a
volumosa construção. Esta seria continuada e concluída pela sobrinha
do primeiro e filha do segundo, D. Benedita de Sousa Pizarro – 1.ª
Viscondessa de Almeidinha, pelo casamento que efectuou com o coronel
de cavalaria José Osório do Amaral Sarmento, que foi agraciado com
esse título, em 1842, por D. Maria II e teve em Aveiro um influente
papel, social e político.
O edifício a que vimos aludindo,
segundo o mesmo infatigável e prestimosíssimo aveirógrafo, era «de
uma arquetectura severa, mas elegante».
(1) Possuía
«magníficas salas, todas bem decoradas», nas quais se efectuavam
memoráveis e luzidas festas, de grande concorrência e elegância».
Nessa vultosa construção hospedou a
Viscondessa de Almeidinha a Rainha D. Maria II, quando esta, em
1852, visitou Aveiro – e, ainda então, recebeu, simbolicamente, as
chaves das Portas da Ribeira, que Ribeira se chamava ao actual e
pretensiosamente denominado, ao sabor veneziano paradigmático, o
Canal Central.
A distinta senhora aveirense
esmerou-se ao máximo das suas capacidades e preparou o palacete para
tão honrosa visita, segundo o mencionado, e tão digno de confiança,
historiador aveirense, «com o mais requintado bom gosto e riqueza,
sendo então afirmado por todos, que ninguém melhor do que ela
poderia ou saberia fazê-lo.» (2)
No frontispício do palacete, que
dava para o mencionado Terreiro, sobre a porta principal, numa
grande pedra, de um só bloco, e entre delicados ornatos, via-se,
lavrado cuidadosa e minuciosamente, o brasão da família proprietária
do grande imóvel: um escudo esquartelado, tendo o primeiro quartel
partido em palas. Na primeira apresentava as armas dos Ribeiros, e
na segunda as dos Vasconcelos. No segundo quartel, mostrava as armas
dos Sousas e no terceiro as dos Cardosos, ficando no quarto as dos
Silveiras.
O palácio do Visconde de Almeidinha,
«a que estavam ligadas tantas tradições de fidalga hospitalidade e
lembranças de festas luzidas e caritativas» viria a ser reduzido
quase inteiramente a cinzas – já que praticamente apenas ficaram as
paredes exteriores – na madrugada de 24 de Junho de 1871, e, com
ele, desapareceram nesse sinistro – dos maiores de que havia memória
na cidade e alfoz – «muitas preciosidades que nele havia», como diz
um cronista da época.
Recordava-se inapagavelmente desse
alteroso e destruidor incêndio – e algumas vezes ouvi referi-lo – o
famoso jornalista aveirense Homem Christo, que na altura contava já
onze anos, uma vez que nasceu, na Rua de S. Martinho, a 8 de Maio de
1860. A impressão inesquecível e do pavor infantil causado pelas
chamas devoradoras, e a consciência das irreparáveis perdas que se
estavam registando, e se estava presenciando, estampava-se,
flagrante, em todos os rostos dos angustiados espectadores. Apenas o
mais directo e profundamente afectado, segundo o testemunho do
veemente panfletário, o próprio Visconde de Ameidinha – que, depois,
transferiria a residência para uma mais modesta dependência do
palacete, para onde se passava por um arco e que era na área hoje
ocupada pelo Palácio da Justiça, se subtraia a essa geral emoção.
Fumava o seu charuto, com uma
aparente tranquilidade, que a todos causava viva impressão, e
admiração pelo autodomínio que patenteava. O fidalgo que se
habituara a delapidar largas somas no desprezo dos bens materiais se
calejara.
* * *
Projecto da fachada para o primitivo Edifício das Repartições
Distritais.
Logo em 1888, o Dr. José Maria
Barbosa de Magalhães – em cujo centenário do nascimento, entre
outras comemorações, se descerrou uma lápide de preito na casa onde
nasceu, na rua a que foi dado o seu nome, e que faceia a área
arborizada do Rossio de S. João – propôs no plenário da Junta Geral
do Distrito, de que a comissão executiva, a que já nos referimos,
era delegada, a construção, que muito se impunha, de um edifício
destinado às repartições públicas, cuja competência abrangia aquela
circunscrição administrativa.
Aproveitaria, para o efeito, um
projecto de lei que concedia à mesma Junta Geral um subsídio de oito
contos, que foi, aliás, aprovado por ambas as câmaras legislativas,
após persistentes esforços daquele devotado e prestigioso aveirense
e de outras individualidades.
A citada comissão executiva
distrital acentuava no relatório que apresentou ao plenário da
Junta-Geral, em
/ 25 / 1 de Setembro de 1888:
«Têm as mesquentas paixões partidárias, se não as pequeninas invejas
pessoais, levantado todos os estorvos à realização deste importante
melhoramento, como se a insignificante glória da iniciativa valesse
o sacrifício da sua /.../ vantagem pública», E adiantava: «A vossa
comissão delegada, porém, não tem esmorecido na árdua tarefa da sua
realização, certa de que presta um relevante serviço à cidade e ao
distrito.»
O local que os membros daquela
comissão delegada, e em especial o Dr. Barbosa de Magalhães (Pai),
como já tivemos ensejo de referir, tiveram em vista desde antes
mesmo daquela data, foi o das referidas ruínas do antigo Palacete do
Visconde de Almeidinha, no Terreiro, que proporcionavam a área
bastante para a finalidade visada.
A Junta-Geral adquiriu-os,
precisamente nesse ano, pela importância de 1 400 000 reis – que
hoje apenas daria para uma parte pequeníssima de um metro quadrado
de terreno, naquele valorizadíssimo núcleo citadino, praticamente
faceado por construções para entidades públicas.
Edifício do Governo Civil de Aveiro – reconstrução iniciada em fins
do século XIX. Foi destruído em parte porum incêndio ocorrido em
18-10-1942 – Vide Dr. Francisco Ferreira Neves, na obra «O Arquivo
do Distrito de Aveiro», vol. VIII, págs. 283 a 286. (Vista da Praça
do Marquês de Pombal).
Posteriormente, o aludido órgão
administrativo, levado por premente conveniência, adquiriu também o
já mencionado arco que atravessava a Rua da Sé – antes Rua Nova, e
hoje do Capitão João de Sousa Pizarro – para o prédio que o Visconde
de Almeidinha tomaria – como
/ 26 / já dissemos – em
recurso de emergência, para o seu normal domicílio aveirense. E que,
aliás, era ainda uma desafogada moradia.
Despendeu com essa aquisição a
importância, relativamente avultada, de 500000 reis – o que levou as
primeiras despesas que visavam aquela preconizada e importante
edificação para o montante de um conto e novecentos mil reis, que
agora parece irrisório, mas, na altura era bastante avultado.
A elaboração do projecto para o novo
edifício foi confiada ao experimentado e distinto Engenheiro José
Maria de Melo de Matos, que teve um papel saliente na vida de Aveiro
do tempo – e que o daria por concluído em 15 de Setembro daquele
mesmo ano de 1888.
Nesse projecto – que, depois, seria
modificado e ampliado, mais de acordo com as conveniências, como
veremos – o nosso edifício, que instalaria mais acanhadamente as
repartições a que se destinava, cingir-se-ia a um pavimento térreo,
um primeiro andar e um sótão ou mansarda. A escada, de acordo com a
referência que lhe faz o mesmo Marques Gomes, tinha acesso por um
grande vestíbulo, com entrada, como depois e ainda agora, por três
portas, largas e altas.
Este projecto mereceu aprovação com
algumas modificações sugeridas pelos membros da Junta-Geral. A obra
foi iniciada, com as aludidas alterações, pouco depois. Sofreu, no
entanto, diversas interrupções, especialmente por falta de meios.
Em 1 de Novembro de 1897, uma
portaria ministerial passa a obra para a incumbência do Director das
Obras Públicas do Distrito.
Com as novas causas, surgiram
compreensivelmente, novas interrupções da importante edificação.
Aliás, por determinação superior, foram introduzidas algumas
substanciais alterações no projecto primitivo. Elaborou-as – ou pelo
menos nelas superintendeu – o próprio director das Obras Públicas do
Distrito, Engenheiro Diniz Teodoro de Oliveira.
A principal alteração foi a de
substituir, e, assim, aproveitar a primeira mansarda, ou sótão, com
um segundo andar – com um telhado a que davam acesso duas janelas
sobre as fachadas laterais, e que em toda a volta do rectângulo
permitiam divisar um amplíssimo panorama, quer da cidade quer
lagunar.
O novo edifício ficaria, assim, com
quarenta e dois metros de comprimento, que mantém, por dezasseis de
largura. A fachada principal, como tivemos ensejo de já referir,
faria frente ao Terreiro – e, mais tarde, como hoje, à Praça do
Marquês de Pombal.
De arquitectura dórico-romana –
conforme a designação que lhe foi atribuída na altura – apresentaria
o andar térreo, na parte que enfrenta o mencionado logradouro,
rusticada, e, sobre um tímpano, a encimar o andar superior,
ostentava um frontão com as armas reais, cuja coroa seria destruída,
e retirada, após a implantação do regime republicano, em 5 de
Outubro de 1910.
O orçamento, elaborado no início da
obra, era de trinta (30) contos de reis, mas em 1902, e ainda muito
antes do termo da construção, já se haviam dispendido 26475$000
reis. Calculava-se, aliás, que a conclusão dos trabalhos finais
absorvesse ainda os vinte e cinco (25) contos, o que afinal veio a
ser bastante ultrapassado.
O custo global do grande
empreendimento subiria a 56079$875 reis, conforme consta da primeira
memória descritiva a que deu origem
(3).
Posteriormente, em 27 de Fevereiro
de 1909, foi elaborado um projecto, orçado em seis (6) contos de
reis, para o remate das obras e mobiliário. Foi dele incumbido o
técnico Pinto de Sousa, e visou-o o Engenheiro-Director Paulo de
Barros, depois muito viva e acerbamente criticado, a seguir à
mudança do regime, e haveria, ao que creio, no entanto, de manter-se
na gerência da Direcção de Obras Públicas, durante alguns anos.
Ali viriam a instalar-se,
subsequentemente além do Governo Civil e da Junta Geral do Distrito
– que se serviam de um salão único, com três altas portas
envidraçadas, que davam para sacada superior às da entrada, e
correspondia inteiramente à actual – as Direcções de Finanças, de
Estradas e Escolar (que, há muito, se encontra num prédio alugado da
Avenida do Dr. Lourenço Peixinho), a Secção de Aveiro de Construção
da Junta Autónoma de Estradas e a Direcção Hidráulica do Mondego, a
Pagadoria de Obras Públicas e, durante alguns anos, bastante
posteriores (na ala norte do primeiro andar, hoje ocupada pelos
serviços de secretaria do Governo Civil) o Tribunal do Trabalho, já
que a Junta Distrital adquirira sede própria – o palacete de
Sebastião de Carvalho Lima, na cerca do antigo convento do Carmo,
devidamente adaptado.
Em 14 de Fevereiro de 1925, por
exemplo, foi aberto concurso para obras de conservação do edifício,
incluindo a caiação, tanto interior, como exterior, e a pintura de
toda a caixilharia, com inclusão das portadas das janelas e das
grades de ferro. Esses trabalhos já então importaram em bastante
mais de metade do que em globo custaram as obras de construção na
primeira década do século. Precisamente 33893$00.
Dois anos antes, exactamente em 21
de Abril de 1923, a Junta-Geral do Distrito de Aveiro, num ofício
endereçado aos superintendentes regionais dos edifícios do Estado,
acentuou que a ampla e altaneira construção à qual nos temos vindo a
referir, fora efectivamente, de princípio sua propriedade. Todavia,
em 6 de Agosto de 1892, com a extinção – não muito perduradoura –
daquele instável corpo administrativo, passaria, com todos os
respectivos fundos, para a posse do Estado, e ficaria, pois, sujeito
ao regime que regulava os bens patrimoniais deste.
/ 27 /
Em 20 de Fevereiro de 1926 – segundo
a mesma copiosa fonte informativa de que nos vimos socorrendo –
seria autorizado o dispêndio, até ao fim do ano económico em curso,
de uma verba de quinze (15) contos, para a conservação e reparação
do edifício – e, assim, mais de um quarto da soma em que importou a
construção – por conta do orçamento, de 23893$00, aprovado em 9 de
Maio de 1925
Mas, em 26 de Agosto de 1942, foi
assinado, com todas as formalidades legais inerentes, o contrato
para as obras de «Reparação e Beneficiação do Edifício», adjudicadas
a Manuel de Jesus Cardoso, de Coimbra, por cento e quarenta e um
contos – mais do dobro do primitivo custo global da edificação.
Decorriam essas obras, quando, em 18
de Outubro de 1942, conforme ficou registado no artigo que ao facto
consagrou o distinto e prestante aveirógrafo, Sr. Dr. Francisco
Ferreira Neves (4), deflagrou, nas águas furtadas da ampla
construção, um grande incêndio. Destruiu toda essa parte da
edificação, onde se encontravam os pulverolentos arquivos de
diversas repartições distritais e o fogo se propagou com celeridade
que parecia de progressão em pólvora.
Foram ainda consumidas praticamente
a totalidade das repartições instaladas no segundo andar – Direcção
de Estradas, Secções de Construção da Junta Autónoma de Estradas e
da Direcção Hidráulica do Mondego e a Pagadoria de Obras Públicas.
Atingiu mesmo, não obstante denodados esforços de ambas as
corporações locais de bombeiros voluntários
(5), uma
considerável parte do primeiro andar, que era ocupado, na mais
atingida ala norte, pela Junta Geral do Distrito, e, do outro lado,
pelo Governo Civil, cujos bens ficaram em grande parte inutilizados.
Pouco menos de um mês depois, a 13
de Novembro, o dinâmico e profícuo Ministro das Obras Públicas que
foi Duarte Pacheco – que deixou memória assinalável, que se manteve
muito para além do seu prematuro falecimento acidental – autorizou o
imediato dispêndio, até cento e cinquenta (150), contos, com uma
nova cobertura. Essa verba, aliás, seria reforçada no ano imediato,
com as quantias de 59470$00, por portaria de 24 de Abril, e de mais
76500$00, por outra, com data de 11 de Setembro.
No ano seguinte, exactamente a 24 de
Julho de 1944, iniciavam-se – de acordo com os mencionados elementos
que amavelmente me foram propiciados pela já citada Direcção dos
Serviços Regionais de Edifícios do Centro, que vimos seguindo, quase
passo a passo – os trabalhos de «Obras diversas no Edifício das
Obras Públicas de Aveiro». Referiam-se, especialmente, a trabalhos
exteriores, cantarias e caixilharias, que foram adjudicados pela
importância de 247570$000, a que se juntaria a de 33476$00, por
trabalhos a mais, e cujo dispêndio viria a ser autorizado em data de
9 de Maio de 1945.
Entretanto, a segunda série do
«Diário do Governo», n.º 130, de 6 de Junho de 1946, publicava, pela
Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, a portaria que
estabeleceu a zona de protecção da imponente edificação, que domina
e dá o nível urbanístico à alongada praça. E, dentro dela, determina
a área em que deveriam ser vedadas, ou pelo menos submetidas a
condicionalismos, as novas construções. Mais tarde, de facto, esse
problema seria revisto. Inclusivamente com a prevista construção de
um vultuoso edifício para transferência de algumas das repartições
que no reconstruído Edifício do Governo Civil têm estado radicadas.
Aliás, em 27 de Novembro de 1945,
foi dado como concluso o projecto, e respectivo orçamento, da
«Reconstrução do Edifício das Repartições Públicas de Aveiro», obra
que foi computada globalmente, no valor de 2 342 610$00 – ou seja
umas quarenta vezes mais do que o custo da construção primitiva.
Por influência e sugestão do ao
tempo Governador Civil, o devotadíssimo e operosíssimo Dr. Francisco
do Vale Guimarães – cujo nome, injustamente, foi retirado da
toponímica local e continua sem a devida reposição – o
Sub-Secretário de Estado das Obras Públicas exarou um despacho –
depois renovado pelo titular da pasta para se considerar no segundo
andar do edifício, a instalação de uma residência, se possível com
entrada privativa, para o Chefe do Distrito.
* * *
As notas de que disponho são
superabundantes. Sobejamente tornariam esta digressão sobre o
altaneiro edifício de que nos vimos ocupando, extensa e fastidiosa,
para além do razoável para um trabalho desta feição. Daremos, assim,
apenas algum pormenor que se nos afigure mais significativo.
Assim, por exemplo, acrescentarei
que, por despacho do Conselho de Ministros de 31 de Agosto de 1948,
foram adjudicadas as obras de «Reconstrução do Edifício das
Repartições Públicas de Aveiro», pela quantia de 2 533 821$00 – ou
seja perto de cinquenta vezes o custo da primitiva edificação, no
primeiro decénio do século em curso.
Em quanto importariam hoje, com a
crescente inflação que nos últimos anos se tem verificado?
Cativadamente para aqui aproveitarei
algumas das informações complementares do numeroso acervo de dados
que aquela entidade conimbricense me proporcionou.
Assim, anotaremos que data de 14 de
Outubro de 1949 o visto do Tribunal de Contas ao despacho do
Sub-Secretário de Estado das Obras Públicas, que concedeu a dotação
de 98500$00 para as obras de «Trabalhos de assentamento e
fornecimento de um ascensor». Admitimos, aliás, que esse foi o
primeiro elevador que
/ 28 / o público em geral – e
naturalmente os funcionários, que entretanto haviam regressado ao
edifício, de diversos pontos da cidade – usaram em Aveiro. E há
ainda pouco mais de três décadas de anos!
O auto, de recepção definitiva das
obras de reconstrução do edifício do Governo Civil de Aveiro foi
lavrado em 3 de Fevereiro de 1951. Seria publicado no «Diário do
Governo» (II série), n.º 72, de 30 de Março seguinte.
Em 30 de Março de 1966 – e, assim,
há pouco mais de três lustros – já foi exarado um despacho
autorizando a despesa de 74300$00 para a beneficiação do ascensor.
E data de 24 de Junho de 1971 – para
não mencionar outros similares, anteriores ou posteriores – um
despacho ministerial, autorizando o dispêndio de uma verba de 59
contos – bastante mais do que custou todo o inicial edifício para as
repartições distritais – apenas para a «Pintura e Reparação das
paredes e carpintarias», na parte ocupada pela Direcção de Estradas.
Em 21 de Janeiro de 1974, passaram a
funcionar na ala norte do primeiro andar – onde até pouco antes se
encontravam os serviços do Tribunal do Trabalho, entretanto
transferido para mais folgadas instalações num prédio da Avenida do Dr.
Lourenço Peixinho – os serviços da secretaria do Governo Civil. Este
passou, assim, a ocupar o aludido primeiro andar por inteiro. Na ala
sul ficaram apenas as instalações para o próprio Governador Civil, e
eventualmente, o seu substituto, os funcionários de com ele mais
directo e imediato contacto, e o Secretário-Geral.
Edifício actual do Governo Civil de Aveiro.
Já no ano de 1976, um despacho
ministerial de 20 de Abril, concedeu autorização da despesa de
68900$00 para beneficiação de salas e reparação geral de estores, e
logo em 15 de Junho desse ano um outro despacho autorizaria o
dispêndio de oitenta e quatro (84) contos para trabalhos exigidos
pelo novo regulamento de segurança dos ascensores.
E para substituição dos estores –
correntemente denominados «persianas» –, em 7 de Junho de 1979,
seria autorizado o gasto de 118975$00, como, em Junho de 1980 foi
permitida, por determinação superior, a despesa de 299500$00 para
reparações várias.
Poderia, se o não considerasse
desnecessário, chegar à minúcia exaustiva e citar mesmo verbas e
despesas até ao ano transacto. Creio, todavia, que este edifício,
cujo telhado foi durante largos anos o mais alto da cidade e o
melhor miradouro que Aveiro possuía, – e para onde, a solicitação da
Direcção-Geral da Aeronáutica Civil, foi autorizada a Câmara
Municipal a promover a pintura – nunca concretizada, já que para o
efeito pareceu bastante a que se efectuou em grandes e nítidas
letras no telhado do velho liceu – a palavra Aveiro, em enormes
caracteres, bem visíveis das aeronaves que em dias límpidos
sobrevoassem a cidade. Essa autorização – com cuja citação darei por
concluído este trabalho, de concatenação de elementos dispersos e
que considerei oportuno reunir – tem a data, aliás, de 28 de Julho
de 1947, quer dizer, conta já, e nunca foi utilizada, mais de um
quartel de século.
__________________
NOTAS:
(1)
– Marques Gomes – No volume de recortes sobre «Monumentos,
Retratos e Paisagens», 2.ª parte, pg. 38.
(2)
– Idem, idem, mesma página.
(3)
– Elementos fornecidos pela «Direcção dos Serviços Regionais de
Edifícios do Centro», em Fevereiro de 1982.
(4)
- In «Arquivo do Distrito de Aveiro», vol. VIII, pgs. 283 a 286.
(5)
– A Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Aveiro
comemorou o seu centenário, em Janeiro de 1882. |