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N.º 26/28

Publicação Semestral da Junta Distrital de Aveiro

1979/1980

A exploração de minérios no concelho de Sever do Vouga

– uma indústria que foi florescente

Por Fernando Soares Ramos

Não há dúvida de que a exploração de minério no concelho remonta, pelo menos, aos séculos I e II da nossa era e foi feita nas imediações do Braçal, pelos romanos e talvez até por outros povos, segundo provas irrefutáveis ali encontradas.

Data de 6 de Agosto de 1836 o alvará de concessão a José Bernardo Michellis para a exploração da antiga mina do Braçal, já conhecida, portanto, e da área correspondente ao respectivo campo. Em 1840, escassos quatro anos depois, a referida concessão era transferida para o alemão Diedrick Mathias Fewerheerd, que a explorou durante o período de dez anos.

Mais duas minas foram descobertas, sem dúvida também exploradas em épocas recuadas: em 1850 a Mina da Malhada, distante da do Braçal cerca de 1.5 km, e em 1856, a do Coval da Mó.

Os trabalhos de limpeza destas minas, de chumbo argentífero, trouxeram à luz do dia uma trança de chicote de coiro, um balde de madeira, um pedaço de candeia de barro, bem como outros pedaços de madeira já transformada em lenhite no lento rodar dos séculos. Bastante concreta era a ilação colhida de tais achados, pois o chicote teria servido possivelmente para açoitar escravos, o balde para remover escombros ou minérios, a candeia de barro para iluminar a escuridão da galeria. Tais objectos foram devidamente assinalados no Relatório elaborado por Carlos Ribeiro em 1853, a propósito dessas minas.

A concessão definitiva, em vigor durante toda a vida do alemão Mathias Fewerheerd, foi lavrada em 2 de Maio de 1868, até que por decreto de 12 de Março de 1877 foi aprovada a transmissão da propriedade das referidas minas para uma Sociedade denominada Administração das Minas do Braçal, pertencente à viúva e herdeiros desse concessionário.

De realçar, nesta altura, a questão surgida no ano de 1862 com a população da área circunvizinha que, a pretexto dos trabalhos da lavra, fundição, etc., causarem a moléstia da vinha, assaltaram as minas e provocaram graves prejuízos. Verdade é que o próprio rio que ali passa – o Rio Bom, que desce do Arestal – tem, a partir de determinada altura a designação de Rio Mau dada pelos antigos. Era ele que recebia os detritos venenosos provenientes da lavagem de minérios e ao lançar as suas águas conspurcadas no Vouga provocava verdadeiras matanças de peixe, impedindo até o desenvolvimento da vegetação das suas margens.

Devido aos prejuízos causados pela invasão da população, o Governo indemnizou a Companhia e concedeu-lhe o direito de «construção de um caminho de ferro, pelo sistema americano, para comunicação das minas do Braçal, Malhada e Coval da Mó com o Vouga, dali distante alguns quilómetros», dando-lhe ainda «a subvenção de 3000 reis por cada metro corrente (25-VI-1864) e fixando-se a concessão em 3600 metros quadrados.»

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Minas do Braçal

Embora pouco laboriosos os serviços de exploração foram continuando até ao ano de 1882, ano em que na cidade do Porto se organizou a Companhia Mineira e Metalúrgica do Braçal, cujo ritmo de trabalho foi sensivelmente o mesmo dos anos anteriores. Anos depois – 1898 – formou-se uma companhia belga que, dispondo de capitais e de espírito de iniciativa, se propôs relançar a actividade dessas explorações e criar uma grande empresa.

Em 1912 e nos anos seguintes extraíram-se centenas de toneladas de galenite e a sua população operária atingiu a cifra de 350. A partir daí a produção foi baixando e, em 1926 e nos anos seguintes, era nula. A companhia acabou em 1933, passando para a posse de particulares até meados de 1942, em cujo período se aproveitou a galena das escombreiras da Malhada e a riqueza florestal das suas matas.

Em Junho de 1942 constitui-se a Companhia Industrial e Agrícola do Braçal, que inicia imediatamente o aproveitamento das escombreiras, baseada em resultados / 21 / falseados da amostragem apresentada pelo técnico encarregado dos estudos, pelo que o fracasso não se fez esperar logo após a conclusão da lavaria.

Perante os resultados pouco favoráveis, o seu director técnico – engenheiro João Vidal – elaborou um relatório da situação onde se preconizavam medidas urgentes para salvar a empresa, orientando a exploração noutro sentido – medidas eficazes que levaram de imediato à limpeza da galeria de esgoto da mina do Braçal, inundada desde 1860, o mesmo acontecendo às outras, empreendendo-se então os trabalhos de exploração em pleno.

É nesta altura, ao fazer-se o reconhecimento de uma galeria na Malhada, que regressam à luz do dia, depois de soterradas durante séculos, duas lucernas romanas, uma delas intacta, a provar insofismavelmente a presença daquele civilizado povo no local, e a prova cabal da exploração de minérios pelas gentes de antanho.

O poço mestre da mina do Braçal tem uma profundidade de 130 m., o do Coval da Mó 180 m., e o da Malhada 400 m., havendo ali ainda um outro, o poço dos Mouros, com 125 m., existindo galerias com a extensão de 2 kms.

Decorre uma exploração de Junho de 1942 a Dezembro de 1958, e no período da sua maior pujança, isto é, de 1949 a 1955, empregavam-se ali cerca de 740 operários. Em 1944 a exploração rendeu 223743 kgs de minério; em 1950, 1 138 623 kgs.; em 1955, 2 071 383 kgs., que transformados depois em lingotes de chumbo, corresponderam, respectivamente, a 106 370, 590 644 e 899 885 kgs.

Nos últimos três anos, devido a redução do pessoal, houve uma quebra substancial da produção, pelo que a exploração que atingiu 1 274587 kgs. de minério rendeu, em lingote, 662 564 kgs.

A partir de 1959, devido à acentuada baixa da cotação do chumbo nos mercados internacionais, resolveu a empresa paralisar por completo a sua exploração mineira, sendo lançados no desemprego mais de duas centenas de operários. O concelho, industrialmente pouco desenvolvido, não teve capacidade de resposta para o emprego dessa mão-de-obra. A emigração para a França e Alemanha foi a solução de momento e começa a processar-se um autêntico êxodo.

Em 1972 a Companhia Industrial e Agrícola do Braçal vendeu todo o mecanismo da parte industrial pela quantia de 240 contos, e desfaz-se, em 1974, de todo o seu imobiliário que passa à Companhia Portuguesa de Celulose, com sede em Lisboa, que apenas se tem dedicado exclusivamente à exploração da sua riqueza florestal.

Não foi, porém, somente no Braçal e suas imediações que se procedeu à exploração de minérios. Também em Talhadas existem as chamadas minas do Vale do Vouga, nos locais denominados Pisão e Vale do Bicho. / 22 /

A descoberta das primeiras situa-se por volta dos anos 1880-1890, por um acaso fortuito. Algumas pedras de contexto estranho foram encontradas que, examinadas pelo padre mestre da freguesia, Manuel Nogueira da Silva, algo entendido na matéria, aconselhou a trazê-las ao Braçal, onde lhe disseram tratar-se de galena.

Depois da legalização da concessão e de constituída uma sociedade sem capital, lançaram-se os pesquisadores na abertura de um poço e galeria no seguimento do filão.

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Minas do Braçal – pormenor das instalações

É claro que os exploradores, seguindo embora as regras que lhes eram ministradas, efectuaram o seu trabalho no meio das maiores dificuldades e sempre por processos rudimentares, estabelecendo um sistema de ventilação por meio de chaminés.

Em 1900, o filão à vista era razoável. Contudo, dadas as dificuldades técnicas e sem meios de comunicação, a mina foi transaccionada, passando à posse dos senhores Benjamim e Isaac Camossa, de Águeda, e pouco tempo depois ao banqueiro Pinto da Fonseca, do Porto.

Em 1910, por associação com uma companhia francesa, modificou-se a orientação técnica do aproveitamento, utilizando processos mais modernos. Construiu-se uma central eléctrica hidráulica para fornecimento de energia às lavarias, bombas de esgoto e iluminação.

Antes da modernização das instalações, o transporte dos minérios era feito em carros de bois, por difíceis caminhos, até Pessegueiro do Vouga e ali carregado nas barcaças que o conduziam até Águeda, seguindo depois para Leixões e embarcado para o estrangeiro.

A companhia abriu uma estrada ao longo do Alfusqueiro até A-dos-Ferreiros e reparou a existente até Mourisca do Vouga, onde, junto do caminho-de-ferro, construiu um armazém para guarda dos minérios até ao momento da sua expedição.

Entretanto e por essa altura novos filões são descobertos: desta vez é a calcopirite (sulfureto duplo de cobre e ferro), próximo das primeiras minas, no sítio do Vale do Bicho, verificando-se já em 1915 e nos anos seguintes a extracção de grandes quantidades.

Em 1924, na noite de 27 para 28 de Junho, a população das imediações de Águeda, alegando que as águas provenientes da lavagem dos minérios esterilizavam os seus campos e matavam o peixe do rio, invadiu e incendiou as instalações, e levou consigo muitos objectos de valor. Em 1926 a companhia iniciava nova fase de desenvolvimento, introduzindo na exploração dos minérios o sistema da flutuação, único em Portugal, tendo conseguido produções apreciáveis com o trabalho de cerca de 500 operários.

Em 1931 a cotação do cobre baixou rapidamente – a do chumbo já se tinha dado anteriormente – o que levou praticamente à sua paralisação. Há cerca de dez anos o Fomento Mineiro com o acordo da companhia iniciou trabalhos de limpeza em algumas galerias e aprofundação do poço mestre.

Sever do Vouga, 1 de Junho de 1976.

FONTES:

– Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira

– Testemunhos orais fidedignos.

 

páginas 20 a 22

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