De tradição romana, cedo notamos em
Portugal a organização dos mesteres, palavra que engloba os ofícios
mecânicos, o pequeno comércio, certos trabalhos rurais e a pesca.
Os mesteirais estavam ligados à sua
bandeira, símbolo cívico da Corporação, inscritos numa Confraria que
encabeçava os oficiais dum ofício e afins, sujeitos a um Regimento,
agrupados nas cidades em arruamentos (Rua dos Caldeireiros, Rua da
Bainharia...) com suas tendas, assistidos por seus hospitais.
Estas facetas da vida corporativa
não nos aparecem simultaneamente. É a partir do século XII que se
processa a regulamentação dos ofícios. Quanto às taxas dos ofícios
mecânicos, as mais antigas são de 1145. No mesmo século, já se
encontram os mestres arruados nas cidades e vilas importantes, sendo
isso, em algumas partes, obrigatório. No século seguinte, notam-se
as Confrarias dos mesteirais com sua vida religiosa. Quanto ao seu
carácter político, económico e assistencial, documenta-se, a partir
do século XIV.
Se é, pois, no século XII, que em
Portugal começam a aparecer indícios das Corporações de ofícios, no
século XIV, com a instituição da Casa dos Vinte e Quatro, crescem em
importância, e nos séculos XV a XVII regulamentam-se os mesteres,
procurando privilégios, para se isentarem de obrigações económicas
ou militares.
Cada ofício tinha o seu regulamento
ou Regimento, que pautava o exercício da profissão, «estabelecendo
regras de trabalho e de recrutamento de mão-de-obra, tabelamento de
preços e de salários, etc.», obrigando sob penalidades. Temos os
ditos Regimentos, a partir do século XV. A maior parte, porém, é dos
séculos XVII-XVIII e, embora raros, como o dos sombreireiros, também
os há no século seguinte.
As Confrarias possuíam o seu
compromisso, a que era estranho o poder civil, compelindo os do
ofício (p. exemplo, os marinheiros de Miragaia, a pagarem para a sua
Confraria de S. Pedro), doutro modo não gozariam dos privilégios da
classe. Ordinariamente, o Compromisso está redigido com
simplicidade. Há, porém, uma excepção. Creio não haver literatura
deste género que tão pouco se pareça com o Memorial que antecede os
Estatutos ou Compromisso da Confraria dos Ferradores e Alveitares,
dirigido ao Senado do Porto, em 1737. Nele aparecem frases latinas,
cita-se ou alude-se a Aristóteles, Santo Agostinho, Cepola, Isaías,
Hércules, Santo Elói e S. Floro, Bártolo Baldo, Jasão, Redondo,
Colunela, Catão, Varrão, Vegécio, Xenofontes, Virgílio, Hipócrates,
Absirto, Teomnesto, Alexandre Magno, César...
As Confrarias dos mesteirais não
tinham só finalidade religiosa, caritativa e assistencial, mas ainda
profissional, corporativa. Um exemplo. No «Registo do Compromisso do
Officio de Carpinteiro desta Cidade» do Porto, de 1785, a cuja
Confraria de S. José e S. Braz, erecta no Convento de S. Francisco
da mesma cidade, estavam agregados também os ofícios afins de
enxamblador, torneiro, polieiro, escultor, entalhador e violeiro,
fala-se nos juízes do ofício, a eleger em cada ano, que seriam
confirmados pela Câmara; na correição feita pelos ditos juízes,
almotacés e escrivão da Confraria, visitando as obras, multando os
mestres e obrigando-os a desfazer os serviços mal executados e a
tornar a fazê-los, à sua custa, impedindo que montem tenda mestres
sem carta ou com eles trabalhem quaisquer oficiais; alude-se ainda à
hierarquia dentro do ofício.
Ascender a mestre de tenda era ter
percorrido anos na aprendizagem e no oficialato do respectivo
ofício. O aprendiz devia ter o mínimo de 14 anos. Matriculava-se na
oficina dum mestre e completava a aprendizagem, ao fim de dois
(carpinteiro), cinco (bainheiro, cordoeiro), seis (caldeireiro),
oito (cerieiro) anos... Após este tempo, o mestre participava o nome
do aprendiz à respectiva Confraria, para ser inscrito como irmão.
/ 15 /
Seguia-se o oficialato, em mais ou
menos anos, consoante as profissões, ao fim do qual se procedia a
exame e, aprovado, obtinha-se a carta de profissão, podendo-se,
então, abrir uma oficina.
O Senado das Câmaras Municipais
velava pela boa ordem nas Corporações dos mesteres, nomeando juízes
para os vários ofícios, defendendo o público da incompetência dos
artistas e das suas exorbitâncias.
Ninguém podia exercer uma profissão,
sem que a Câmara lhe passasse a respectiva licença ou «Carta de
examinação». Para a obter, devia o oficial submeter-se a exame,
perante o juiz do ofício – nos Regimentos descriminava-se, em
pormenor, a parte teórica e prática do exame – e, aprovado, requerer
à Câmara a dita carta, certificando-a das suas habilitações.
Juntamente com ela, era-lhe passada uma tabela de preços, para sua
regulamentação.
Sobre mesteres, tem a Câmara
Municipal da Vila da Feira dois livros do século XVIII, de que vou
passar a socorrer-me:
– «Livro de Acórdãos novos e de
outros reformados dos antigos ordenados com a gente da Governança e
povo desta Villa, Concelho e Couttos na Camera della – anno de
1713»,
– «Cartas dos officios, e seus
dezistementos» começado em 1-3-1795.
Por eles temos conhecimento dos
mesteres e seus juízes, de 1723 a 1831, no dito concelho:
Sombreireiro – João Álvares de Matos
(1723), da Feira;
Pedreiro – Manuel Dias (1723), de
Sanfins; – Sebastião Gonçalves (1723), da Feira; – António José
Caitano (1829), da Vergada;
Canastreiro – André Pinto (1723), de
Sanfins; – José Francisco de Pinho Novo (1829), de Guisande;
Ferreiro – João Ferreira (1723), de
Travanca, que ainda exercia em 1728;
Carpinteiro – António de Oliveira
(1769), de Sanguedo; – Manuel Ferreira Coelho (1769), da Feira; –
António Alves de Oliveira (1827), de Moselos; Cordoeiro – Francisco
Pinto (1812), de Esmoriz;
Trolha – Joaquim Pereira dos Santos
(1826), da Feira;
Alfaiate – Francisco Gomes da Costa
(1829), da Feira;
Serralheiro – Domingos José de
Araújo (1829);
Ferrador e Alveitar – Luís António
Pereira (1829), da Feira;
Tamanqueiro – Manuel Nunes de
Oliveira (1830), da Feira;
Cortador de carnes – Joaquim Pinto
(1831), da Feira.
*
* *
Os «Rigimentos dos officios»
tabelavam os artigos. As taxas «protegiam o consumidor e davam justo
galardão aos oficiais mecânicos». Ou, por palavras do Corregedor
Gonçalo Vasques Seirão, em 1412: «os que hussarem dalghuuns mesteres
e oficeos ajam galardom e as outras partes ajam essas cousas que
lhes mester fazem por iguall valya e nom sseiom em ello agravados».
As primeiras taxas que conhecemos
são constantes das posturas camarárias de Coimbra, de 1145.
Segue-se-lhes a lei de D. Afonso III de 26-XII-1253, referente às
tabelas dos alfaiates e sapateiros de entre Douro e Minho. (Há quem
opine que são extensivas a todo o país). Mais tarde, D. João lI, em
20-4-1487, em carta à Câmara do Porto, estatuiu que todos os anos se
procedesse à sua elaboração
(1):
«E vos escrepuerees aos lugares de
vossa comarqua e almoxarifados e aos lugares chaaõs a que nos nom
escrepuemos fazendo lhes tudo isto saber e rrequerendo lhes que
façam as ditas taxas na dita maneira».
É a partir de 1401 que a Câmara
Municipal do Porto procura taxar certos artigos dos mesteirais; a
derradeira notícia da sua intervenção neste Capítulo é de 7-7-1701.
Conhecem-se de 1723 os preçários de
obra executada, ditos «Rigimentos dos officios» de sombreireiros,
pedreiros, canastreiros e ferreiros, estabelecidos pelo Senado
feirense e assinados pelos respectivos mestres. É de notar que,
tendo examinado os de ferreiro de 1723, 1728 e 1779 e os de
carpinteiro de 1769 e 1787, verificamos, não obstante uma dilação de
tempo tão importante, no primeiro caso, e até no segundo, que os
preços, protegidos pela cominação de uma multa (para os
sombreireiros, pedreiros e ferreiros, de 2$000 e para os
canastreiros, de 1$000 reis) se manteem sempre os mesmos.
*
* *
Vejamos, agora, os acórdãos
camarários da Vila da Feira sobre os Regimentos. Devem ser todos de
6-2-1723, com excepção do último, que é de 13 do mesmo mês e ano.
«Acórdãos do Regimento
Em Câmara de seis de Fevereiro de
mil setecentos e vinte e três anos em acto de vereação que faziam o
Doutor Estêvão Tavares, Juiz de Fora com alçada nesta vila e seu
território, e os vereadores António Vaz de
/ 16 / Aguiar e o Licenciado
Constantino de Carvalho Pereira, presente o Procurador do Concelho
Domingos Pedro de Bastos fizeram os Regimentos dos Ofícios na
maneira seguinte:
Sombreireiro
De um chapéu que tinha um arrátel de
lã de seis dedos de altura e sete palmos, digo, e sete palmos de
aba, forrado de holandilha preta, levarão por ele seiscentos reis.
De um chapéu que tinha meio arrátel
de lã que terá quatro dedos de altura e cinco dedos de aba, forrado
de holandilha, levarão por ele quatrocentos reis.
De um chapéu que tinha três quartas
de lã de seis dedos de altura e outros seis de aba, forrado de
holandilha preta, levarão por ele quinhentos reis.
De um chapéu que tinha seis onças de
lã de quatro dedos de altura e, digo, de três dedos de altura e
quatro de aba, forrado de holandilha, levarão por ele trezentos
reis.
E sendo pardos levarão o mesmo preço
e serão forrados de holandilha. De tingir um chapéu fino levarão
cento e cincoenta reis. De tingir um chapéu de lã ordinária levarão
sessenta reis.
De um chapéu para frade bento ou
lóio que tenha arrátel e quarta de lã levarão oitocentos reis,
levando seu forro de carneira, como também sendo branco ou pardo
para frade franciscano ou carmelita.
De tingir um chapéu ordinário e o
forrar de holandilha fina, levará cento e vinte reis.
De tingir e forrar chapéu fino,
sendo o forro de holandilha fina, levarão duzentos e quarenta reis.
E acordaram que todos os
sombreireiros tenham este Regimento e se governem por ele, sob pena
de dois mil reis para acusador, Concelho e terça de sua Magestade. E
assinaram com o mestre examinador do dito ofício.
João Álvares de Matos, desta vila e
se apregoou o dito Regimento e acórdão pelo porteiro Manuel
Carvalho. Eu, João de Oliveira Magalhães, escrivão da Câmara o
escre[vi]. Juiz de Fora. Tavares. De Bastos. Carvalho. João Álvares
de Matos (2)».
«Pedreiro
De um portal de esquadria de oito
palmos de altura e cinco de largo, dando o dono da obra as achegas,
quatro mil reis.
De um portal de dez palmos de alto e
de seis em vão de largo de boa (?) esquadria quatro mil e oitocentos
reis, chegando o dono da obra a pedra e o mestre quebrá-la e
lavrá-la e o assentar por conta do dono da obra.
De um portal para portas fronhas de
carro ou liteira e o mais necessário de onze palmos de altura e de
largo nove palmos em vão de boa (?) esquadria, dando o dono da obra
as achegas e o mestre quebrá-la e lavrá-la, sete mil reis e o
assentar por conta do dono da obra. E sendo o mesmo portal com
quartões (?) e cruz e pirâmides catorze mil reis, dando seu dono as
achegas e por sua conta o assentar e quebrá-la e lavrá-la o mestre.
De uma janela de esquadria de cinco
palmos de altura do peitoril para cima e quatro palmos e meio de
largo dois mil e quatrocentos reis, dando o dono da obra as achegas
na forma acima.
De uma jenela de sacada de nove
palmos de altura e de quatro palmos e meio de largo em vão oito mil
reis, dando seu dono as achegas na forma acima.
De uma cantareira de esquadria com
seu repartimento de três palmos de altura cada repartimento e de
largo quatro palmos e meio levarão dois mil reis, tudo na forma
acima.
De fazer uma escada de oito palmos
de largo de boa (?) esquadria levarão por cada degrau trezentos reis
e quanto ao corrimão levarão conforme a moda que o mandarem fazer.
De um cruzeiro de treze até quinze
palmos de altura com três vias de degraus fora a peanha, de boa (?)
esquadria, dando o dono da obra as achegas, na forma acima, levarão
vinte mil reis. E terá a travessa sete palmos e, às vezes, menos,
conforme pedir a altura.
De cruzes para Via-sacra de oito
palmos de altura e a travessa de quatro palmos ou quatro palmos e
meio, tendo só a peanha e não tenha degraus, dois mil e quinheitos
reis, dando-se-lhe as achegas na forma acima.
E sendo de degraus de oito palmos em
quadra o primeiro e o segundo de seis, dando-se-lhe as achegas
levarão cinco mil reis.
E nas mais obras que toca ao dito
ofício levarão conforme os apontamen[tos] com que se mandam fazer em
razão ... ... ... levando mais lavores.
Castelo da Feira
Alvenaria
De uma braça de parede de dez palmos
de comprimento e outros dez de altura e de três palmos e meio de
largo até o sobrado, levarão a seiscentos reis, e das traves para
cima a oitocentos reis, dando o dono da obra a cal e saibro ou barro
preparado e quem o acarrete à parede.
De braça de parede para casa térrea
de três palmos em largura dando o dono da obra o barro ou cal e
saibro posto na parede, levarão a quatrocentos e oitenta reis.
De jornal por dia e de comer, assim
em obra de esquadria como de alvenaria, a cem reis; e sendo a seco,
a duzentos reis.
De jornal por dia de quebrar pedra
na pedreira, sendo a comer, cento e cinquenta reis: e sendo a seco,
a duzentos e quarenta reis.
/ 17 /
E acordaram que todos os pedreiros
tenham este Regimento e se governem por ele, pena de dois mil reis,
aplicados para a terça de Sua Magestade e Concelho e acusador e
mandaram apregoar e o foi pelo porteiro Manuel Carvalho e assinaram
com os mestres Manuel Dias, de Picalhos, de Sanfins, e Sebastião
Gonçalves, da Velha, desta Vila, mestres do dito ofício. Eu João de
Oliveira Magalhães, escrivão da Câmara, o escre[vi]. Tavares. De +
Sebastião Gonçalves. Aguiar. Carvalho. Bastos. De + Manuel Dias
(3)».
«Canastreiros
De cada cesto para esterco sendo bem
afouto, levarão sessenta reis. E não sendo tal, levarão cincoenta
reis.
De uma cesta para estrume de dois
aros afouta que leve alqueire e meio de milho, levarão sessenta
reis.
De uma canastra para a eira que leve
cinco alqueires de milho e de boas (?) latas (?) e bem afouta,
levarão cento e cincoenta reis e terá um aro.
De canastras para jumentos abertas,
levarão a cincoenta reis.
De canastras para cargas de bestas
maiores, levarão a sessenta reis.
E sendo cobertas as dos jumentos,
levarão a setenta reis.
E sendo as das bestas maiores
cobertas, levarão a noventa reis.
De canastras grandes para carro de
?........ levarão a duzentos reis; e sendo cobertas, a duzentos e
quarenta reis.
De uns cofinhos para bois, levarão a
trinta reis. De canastras para curar meadas e para a roupa, levarão
a sessenta reis.
Obra de correa
(4) miúda
De um maço de canastras de correia
miúda muito brochada, para fechar com cadeado e para incourar que
são três canastras, e terá de levar a primeira seis alqueires de
pão, levarão pelo dito maço novecentos reis e hão-de ser cobertas.
De uma canastra fechada de correia
mais grossa que leve cinco alqueires de pão, levarão a duzentos
reis.
De uma canastra fechada de correia
mais grossa que leve cinco alqueires de pão, levarão a duzentos
reis.
De uma canastra da mesma sorte que
leve três alqueires, levarão cento e vinte reis.
De um maço de cestos redondos de
correia miúda que são três cestos metidos uns nos outros e o
primeiro há-de levar alqueire e meio de milho, levarão pelo primeiro
cem reis e pelo segundo oitenta reis e pelo terceiro sessenta reis.
De um canistrel que leve um alqueire
de corra mais grossa, levarão cincoenta reis e de meio alqueire,
levarão trinta reis e de quarta, vinte reis. De um berço de meninos
de correia miúda, levarão duzentos e quarenta reis; e sendo de
correia grossa, levarão a cento e vinte reis.
Balaios de mesa de correia grossa de
meio alqueire, a vinte reis cada um.
/ 18 /
E acordaram que todos os
canastreiros tirassem carta de examinação e este Regimento e se
governassem por ele, pena de dois mil reis, aplicados para a terça
de Sua Magestade que Deus Guarde e para o Concelho e acusador, digo,
pena de dois mil reis, digo, de mil reis, aplicados na forma dita e
assinaram com o Mestre do dito ofício, André Pinto, de Sanfins, do
termo desta Vila, e mandaram apregoá-lo, que o foi pelo porteiro
Manuel Carvalho. Eu, João de Oliveira Magalhães, escrivão da Câmara,
o escre[vi]. Aguiar. Carvalho, Bastos. Tavares. André Pinto
(5)».
Ferreiro
«De fazer uma enxada nova de cinco
arráteis de ferro calçada de aço, quinhentos reis ... ... 500
De temperar uma enxada, vinte
reis... ... ... 020
De a calçar, sento e vinte reis...
... ... ... ... 120
De chapear uma enxada e calçá-Ia,
trezentos reis 300
E sendo meia chapa e calçada,
duzentos reis ... 200 E sendo meias enxadas na forma acima, duzentos
e cinquenta reis ... ... ... ... ... ... 250
De um machado novo de cinco arráteis
bem calçado, quinhentos reis ... ... ... ... ... ... 500
E tendo seis arráteis, seiscentos...
... ... ... ... 600
De uma fouce roçadoura bem calçada,
duzentos e quarenta reis ... ... ... ... ... ... ... ... 240
E sendo de poda, cento e sessenta
reis... ... ... 160
E sendo de cortar de devesas,
quatrocentos e oitenta reis ... ... ... ... 480
De uma poda bem feita e calçada,
cento e oitenta reis ... ... ... ... 180
De um sacho por calçar, sessenta
reis... ... ... ... 060
E sendo calçado, oitenta reis ...
... ... ... 080
De um arado de seis arráteis,
quatrocentos reis para charrua ... ... ... ... 400
De um arado de mão, sendo bom,
duzentos reis... 200
De um assuco, cento e sessenta
reis... ... ... ... 160
De uma certã de doze arráteis,
novecentos e sessenta reis ... ... ... ... 960
E sendo de metade do dito peso,
quatrocentos e oitenta reis ... ... ... ... 480
De um espeto de quatro arráteis,
trezentos reis ... ... ... ... 300
E sendo de mais ou de menos, a
respeito do peso acima declarado, assim levará.
De um alvião calçado, levará o
arrátel a cem reis 100
De uma foucinha sendo calçada, a
sessenta reis ... ... ... ... 060
De umas trempes, levarão pelo
arrátel a oitenta reis 080
De um cento de pregos caibrares,
duzentos e quarentas reis ... ... ... ... 240
De um cento de pregos tabuares, a
cento e cincoenta reis ... ... ... ... 150
De um cento de pregos ripares, a cem
reis ... ... ... ... 100
De um cento de taxas de cabeça, a
sessenta reis do forro ... ... ... ... 060
E sendo de arquitrave, a oitenta
reis ... ... ... ... 080
De engonços para caixas, a vinte
reis ... ... ... ... 020
De colheres de ferro, a setenta reis
cada arrátel que pesar ... ... ... ... 070
De testos de ferro, o arrátel a
setenta reis ... ... ... ... 070
De um gancho (?), a oitenta reis o
arrátel ... ... ... ... 080
De uma sega, a setenta reis o
arrátel ... ... ... ... 070
Acordaram com o mestre juiz do
ofício, João Ferreira, morador em Travanca, que todos os ferreiros
tivessem este Regimento e se governassem por ele, pena de dois mil
reis, aplicados para a terça e Concelho e acusador e o mandaram
apregoar e o apregoou o porteiro Manuel Carvalho e assinaram. Eu,
João de Oliveira Magalhães, escrivão da Câmara, o escr[evi]. Bastos.
[assinatura ilegível]. Tavares. Teixeira. João Ferreira
(6)»
Cartas de examinação
Denunciando o alto apreço em que,
então, eram tidos todos os ofícios, vejamos o estilo pomposo,
solene, em que se redigiam as cartas de qualquer humilde mesteiral.
Carta de carpinteiro (1769):
«O Doutor Diogo Soares Tangil, Juiz
de Fora do Geral nesta Vila da Feira por sua Altesa Real, e na mesma
e seu termo, com alçada por Sua Magestade Fidelíssima que Deus
guarde; e os Vereadores do Senado da Câmara abaixo assinados, etc. A
todos os senhores Doutores Corregedores, Provedores, Ouvidores,
Julgadores, Juízes, Justiças, Oficiais e mais pessoas dela deste
Reino e Senhorios de Portugal, àqueles a quem adonde e perante quem
ela apresentada e o verdadeiro conhecimento dela com direito
direitamente deva e haja de pertencer, por qualquer via, modo,
forma, maneira ou razão que seja, etc. Fazemos-lhes a saber em como
nesta vila, em acto de Câmara, nos foi apresentada uma certidão
passada pelo juiz do ofício de carpinteiro F. pela qual constava que
ele tinha examinado e aprovado do mesmo ofício a F....
Carta de ferrador (1739):
«Manuel Pinto Leitão, examinador dos
professores de ferrar neste Reino por Sua Magestade e privilégio a
mim concedido. Pela presente concedo licença para poder usar da dita
arte em qualquer parte deste Reino
a F....... porque, sendo por mim
examinado, foi achado com toda a capacidade necessária para
exercitar a dita arte na qual se haverá com o zelo e satisfação do
bem público, por este ser de grande utilidade ao Reino...
(7)».
/ 19 /
Carta de ferrador e alveitar
(1750):
«João Gonçalves do Câmara Coutinho,
Comendador das Comendas de S. Miguel de Bobedela, Santiago de Ronfe,
S. Salvador de Maiorca, Almotacé-Mór do Reino e Senhorios de
Portugal, etc. Faço saber a todos os Corregedores, Provedores... que
eu mandei examinar do ofício de ferrador e alveitar o F...
(8)».
Carta de parteira (1762):
«António Soares Brandão, Cavaleiro
Professo na Ordem de Cristo, Fidalgo da Casa de Sua Magestade,
cirurgião de Sua Câmara Real dos seus exércitos e cirurgião-mór do
Reino e suas conquistas pelo dito Senhor, etc. Faço saber a todos os
Corregedores... que eu dou licença a F... para que ela possa usar do
ofício de parteira, o que comumente chamam comadre...
(9)».
E, já agora, a título de
curiosidade, mais alguns extractos de cartas de surgião, algebista e
sangrador.
Carta de surgião (1742):
«O Doutor Francisco Xavier Leitão,
médico... Dou licença a F.... para que ele possa curar de feridas,
digo, curar de surgia nos casos de feridas simples, chagas e
apostemas leves, e nos penetrantes fará a primeira cura
(10)».
Havia carta de surgia e de meia
surgia, consoante o âmbito da licença concedida.
Carta de algebista (1753):
«O Licenciado António da Costa
Falcão, Cavaleiro Professo na Ordem de Cristo, médico da Câmara de
Sua Magestade e surgião-mor de seus Reinos e Senhorios de Portugal,
faço saber a todos os Corregedores, Provedores... que eu dou licença
a F..... para que ele possa curar de algebista deslocações e
fracturas... (11)».
Carta de sangrador (1742):
«O Doutor Francisco Teixeira Torres,
médico da Câmara de Sua Magestade e dos Sereníssimos Senhores
Infantes D. António, D. Manuel, do Excelentíssimo Cardeal Patriarca
da Inquisição e do Senado da Câmara desta cidade de Lisboa e
surgião-mór nestes Reinos e Senhorios de Portugal, etc. Faço saber a
todos os Corregedores, Provedores, Ouvidores, Juízes e Justiças,
oficiais e pessoas dos ditos Reinos e Senhorios a quem esta minha
carta for mostrada e o conhecimento dela com direito pertencer, que
eu dou licença a F..... para que ele possa sangrar, sarrafar, lançar
ventosas, sanguessugas, o que poderá exercitar em todos estes Reinos
e Senhorios de Portugal, porquanto foi examinado pelo (sic) meu (sic)
comissão F... (12)».
*
* *
Eclodiram as leis do Liberalismo na
Europa e o nosso país não pode furtar-se à sua influência
revolucionária. A engrenagem das Corporações, com sua orientação
humanista e cristã, pugnando por uma hierarquia de competências,
dominando os limites do lucro, vigiando a execução do trabalho,
recebeu, em nome da Liberté, o seu golpe mortal com a lei de
7-V-1834, em vez de, a bem dos assalariados e dos mestres, ser
actualizada e reestruturada.
Dentro de algum tempo, os operários,
vítimas do Liberalismo económico, passariam a ser explorados, a ter
salários e condições de vida miseráveis e o trabalho sofreria em
qualidade, mas tinha-se dobrado mais uma página da História.
___________________________
NOTAS
(1)
– Já nas Cortes começadas em Évora em 1481, tinha mandado o Rei que,
uma vez por ano, ou mais, se necessário, fossem taxados os preços
das cousas em todo o país.
(2)
– Arq. da Câmara Municip. da Feira – «Livro de Acórdãos nouos e de
outros reformados dos antigos ordenados com a gente da Governança e
povo desta Vila, Concelho, e Couttos na Camera della – Anno de
1713», fls. 74 v.-75.
(3)
– Id., fls. 75 v.-77.
(4)
– Correa, o mesmo que corra, vocábulos que, ambos, aparecem
no texto.
(5)
– Id., fls. 77-78.
(6)
– Id., fls. 78 e segs.
(7)
– Arq. da C. M. da Feira – «Registo de Provisões – 1750-1754», fls.
162.
(8)
– Id., fls.. 34.
(9)
– ld., fls. 221.
(10)
– Id., fls. 208 v.-209.
(11)
– Id., fls. 138 v.
(12)
– Id., fls. 33-33 v.
Na transcrição dos Regimentos e
cartas de examinação, actualizei a ortografia e pontuação, para
melhor leitura.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
– Carvalho, A. L. de – «Os mesteres
de Guimarães». I voI., 1939.
– Carvalho, J. M. Teixeira de –
«Taxas dos ofícios mecânicos da cidade de Coimbra no ano de MDLXXIII»,
Coimbra, 1922.
– Cruz, António. – «Os mesteres do
Porto no século XV – Aspectos da sua actividade e taxas de ofícios
mecânicos» (Separata do «Boletim Cultural da Câmara Municipal do
Porto», voI. III, fase I), Porto, 1940.
– Idem. – «Da organização dos
Mesteres do Porto», edição do Gabinete de Divulgação da Fundação
Nacional para a Alegria no Trabalho, s/d.
– Idem. – «Os Mesteres do Porto –
Subsídios para a história das antigas corporações dos ofícios
mecânicos», voI. I. Edição do Subsecretariado de Estado das
Corporações e Previdência Social, Porto, 1943.
– Dicionário de História de
Portugal, dirigido por Joel Serrão, S. V. Aprendiz.
– Ferreira, J. A. Pinto. – «Os
mesteirais na administração pública em Portugal» (Subsídio para o
estudo desta classe. Compromisso e estatuto da Confraria dos
Alfaiates do Porto). Edições Marânus, Porto, 1951. |